Título: A Genética no Pará: da genômica a proteômica Autores: Artur Luiz da Costa da Silva, Marta Sofia Carepo e Maria Paula Cruz Schneider. Endereço: Departamento de Genética. Universidade Federal do Pará. Campus do Guamá. Belém, Pará. CEP 66.075-900 (e-mail: [email protected]). Tema: Estado da arte da pesquisa em saúde na Amazônia e novas tecnologias/Redes genômicas e proteômicas Resumo: Palavras chaves: Amazônia, biodiversidade, tecnologias, genética, genômica e proteômica. Panorama Atual Para entendermos a situação atual é primeiro necessário voltarmos a 1958 quando Laureado Nobel Francis Crick (1916-2004) delineou o processo que hoje conhecemos como expressão gênica, na conferência da Sociedade de Biologia Experimental. O Dogma de Crick, ou como também pode ser conhecido O Dogma Central da Biologia Molecular explica como a informação genética contida nos genes é transferida para o citoplasma. Este processo iniciase com a formação de uma molécula, o RNA mensageiro (RNAm), através do processo da transcrição, e no citoplasma esta molécula de RNAm é traduzida em uma proteína que exerce sua função biológica. Análise da estrutura gênica nuclear, plasmidial, mitocondrial ou do cloroplasto compreende a genética genômica. Os processos decorrentes da interpretação do DNA, pósgenômica ou genômica funcional, são: transcriptômica, análise dos processos transcricionais; proteômica, estudo das proteínas codificadas pelo genoma; metabolômica, investigação dos sistemas biológicos metabólicos; interactôma, campo que se interessa pelos arranjos ou redes envolvendo proteínas. Dentre os diversos genomas já seqüenciados os que tem sido alvo de maior interesse são o Projeto Genoma Humano (PGH) e projetos envolvendo o seqüenciamento de genomas completos de patógenos a exemplo do causador da malária, o Plasmodium falciparum. Abordagens envolvendo a genômica funcional em patógenos incluem: • Caracterização de proteomas (proteínas secretadas, proteínas de superfície e proteínas imunogênicas). • Análise comparativa de diferentes linhagens microbiais. • Análise comparativa em diferentes estados fisiológicos. • Identificação de proteínas relacionadas a patogenicidade. • Identificação de proteínas envolvidas na interação patógeno vs hospedeiro. • Avaliação dos mecanismos de ação antimicrobianos. As repercussões da finalização do PGH são várias onde se destacam os aspectos de ordem ética relacionados ao conhecimento da genética humana, e embora esta discussão seja pertinente, ela não deve obscurecer os benefícios decorrentes deste conhecimento que incluem: a possibilidade de recorrer à prevenção primária, o aperfeiçoamento diagnóstico aplicado a seres humanos, animais e vegetais; a melhoria no tratamento de mazelas que afligem a humanidade e desenvolvimento da terapia genética. O PGH não é um estertor de uma das fases das ciências da vida, mas um determinante do fim do início. A fase inaugurada com o PGH é ainda mais fascinante e promissora do que aquela iniciada há 25 anos atrás e nos transporta para a era pós-genômica. Em 2001 geneticistas estimaram o número de genes humanos estava entre um mínimo de 30.000 a no máximo 40.000 unidades hereditárias funcionais. Em termos de repercussão que este dado trouxe para os pesquisadores interessados na compreensão do funcionamento do genoma está a magnitude de trabalho envolvida para um ramo de investigação chamado de Proteômica. O termo proteômica foi primeiro utilizado como o estudo do conjunto de proteínas codificadas por um genoma-proteoma, no entanto hoje esse conceito tem uma abrangência muito maior e não significa apenas o estudo do conjunto de proteínas de uma determinada célula ou tecido, mas também a caracterização do conjunto de todas as isoformas protéicas, modificações pós-traducionais, interações entre proteínas e a descrição estrutural e funcional destas proteínas e dos complexos formados por elas. Nos dias de hoje o termo proteômica é, pois usado para caracterizar o estudo bioquímico de proteínas em larga escala e sem precedentes. O esforço para o entendimento do proteoma humano é hercúleo, será necessário um maior número de pesquisadores e recursos usados no PGH. Faz-se, portanto, necessário que se estabeleça uma rede global de esforço científico para realização deste feito, conforme proposto pelo presidente da Celera Genomics, Craig Venter. Projetos genomas estruturais ou funcionais possuem características comuns: pessoal altamente qualificado, maquinário tecnologicamente sofisticado, alta capacidade de análise e manipulação da informação gerada e integração multidisciplinar. Abordagens técnicas que permitem a análise da expressão do genoma incluem: • PCR em tempo real, • EST (expressed sequence tags), • Orestes (Open reading frames EST sequences), • Arranjos de alta densidade em membranas, • Sage - Análise seriada da expressão gênica, • Arranjos de pequenos nucleotídeos, • Arranjos de cDNAs • Arranjos de fibra óptica e • Arranjos longos de nucleotídeos, • Eletroforese bidimensional, • HPLC (High Performance Liquid Chromatography) • Espectrometria de massa • Cristalografia de raios-X • Ressonância magnética nuclear (NMR) • Microarranjos protéicos • Microscopia eletrônica de mega-complexos protéicos • Tomografia eletrônica • Análise in silico. • • • • • Dentre as possibilidades geradas por abordagens que fazem uso da análise da expressão gênica temos, por exemplo: Comparação entre diferentes tecidos no mesmo organismo (coração x pulmão) Comparação no mesmo tecido, no mesmo organismo (regiões displásicas x regiões normais) Comparação entre mesmos tecidos e organismos diferentes (OGM x organismo selvagem) Comparação tendo como limitante a escala temporal (mecanismos de envelhecimento e morte celular programados ou induzidos) Desenvolvimento de novas drogas Interação e Formação de Redes de Pesquisa A era genômica inicia na Amazônia em 1994 com o estabelecimento de uma unidade de seqüenciamento de DNA na UFPA. Naquele momento, o grupo da genética paraense já era capaz de realizar clonagem gênica e seqüenciamento manual de fragmentos de DNA de até 650 pb. Em 1996 a UFPA através de convênios com a FINEP, SUDAM e SECTAM adquiri três seqüenciadores automáticos e amplia sua capacidade produtiva e inserindo-se na era automatizada, fundamental para os saltos tecnológicos que ocorreriam nos anos subseqüentes. Com o estabelecimento do Projeto Genoma Brasileiro (PGB) em 2000 a UFPA integra o consorcio nacional que foi responsável pelo seqüenciamento de microorganismos de interesse biotecnológicoe e do agronegócio: Chromobacterium violaceum e Mycoplasma synoviae. O PGB é responsável pela formação de uma rede de 25 laboratórios em território nacional que integrados formaram uma rede de seqüenciamento virtual eficiente e que teve como maior benefício a democratização da tecnologia genômica e a implantação das plataformas de seqüenciamento de DNA de alta performance em todas as regiões. Decorrente das atividades de seqüenciamento do Genoma Brasileiro o MCT estabelece o Projeto Genoma Regional Amazônia (REALGENE) que tem como objetivo a geração e análise de ESTs de diferentes tecidos, diferentes condições de cultivo e diferentes cultivares de guaranazeiro, clonando e seqüenciando as regiões ativas do genoma. Assim como Genoma Brasileiro foi responsável por uma “popularização” da tecnologia genômica, o REALGENE integrou núcleos de toda a Amazônia Legal, formando recursos humanos em biologia molecular e bioinformática, implantando e melhorando a infra-estrutura laboratorial em biologia molecular em instituições de ensino/pesquisas/desenvolvimento em diferentes estados do Norte. O projeto conta com três núcleos de seqüenciamento: dois em Manaus (UFAM e INPA) e um em Belém (UFPA) e já está com mais de 50% das metas concluídas. Um outro arranjo de pesquisa conjunta é a Rede Nacional de Proteoma (RNP) que foi implantada através de uma parceria entre o Governo Federal por meio do MCT/FINEP/CNPq com as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados ou como é o caso no Pará com a SECTAM. A Rede Nacional de Proteoma compreende três tipos de laboratórios participantes na Rede: Os laboratórios centrais que deterão os equipamentos de grande porte, nomeadamente os diferentes espectrômetros de massa, os laboratórios associados que participarão da execução do projeto e que desenvolverão projetos próprios através das suas redes regionais e em colaboração com os laboratórios centrais e por fim os laboratórios usuários que poderão utilizar a rede caso desejem utilizar as técnicas de proteômica para desenvolvimento de projetos próprios, após a avaliação dos laboratórios centrais. A RNP desenvolverá um projeto único nacional e simultaneamente cada rede local desenvolverá o seu projeto específico proposto em colaboração com laboratórios centrais. O Estado do Pará participa da Rede Nacional de Proteômica através da Rede Local formada envolvendo Grupos da UFPA e UFRA. O Projeto local aprovado designa-se “Proteoma do músculo esquelético de búfalo” e visa mapear as proteínas do músculo esquelético de búfalo por eletroforese bidimensional e espectrometria de massa. Outro dos objetivos propostos é fazer o mapeamento diferencial de búfalos com musculatura normal e búfalos com hipertrofia muscular visando a identificação das proteínas afetadas por este processo. A Unidade de Proteômica que está sendo montada na UFPA possui equipamento para o desenvolvimento de eletroforese bidimensional e um sistema de cromatografia liquida de HPLC para purificação de proteínas, sendo a identificação das proteínas fracionadas realizada por espectrometria de massa pelos laboratórios centrais da RNP. Uma vez montada a unidade de proteômica ela também será utilizada para o desenvolvimento de projetos em andamento inseridos no Projeto Genoma Funcional da C. violaceum, na linha de pesquisa que pretende realizar o estudo funcional de genes ligados a biodegradação de compostos tóxicos e de resistência a metais em Chromobacterium violaceum, com potencial de aplicação biotecnológica e em biorremediação. O objetivo geral deste projeto é contribuir para a caracterização da expressão e produtos dos genes associados à resistência e detoxificação de compostos de arsênio, mercúrio e cianeto em C. violaceum, identificados como alvos das patentes requeridas no Projeto Genoma do CNPq, visando fornecer subsídios científicos e tecnológicos para potencial aplicação destes em biotecnologia e biorremediação. Com financiamento do FUNTEC/SECTAM está sendo também desenvolvido na UFPA um projeto que tem como objetivo a caracterização molecular e estrutural da proteína ArsR reguladora do operon de resistência a arsênio em C. violaceum com potencial aplicação na descontaminação ambiental. Este projeto tem como objetivo a aplicação de técnicas de biologia molecular bem como de um sistema de modelagem molecular para a caracterização estrutural e funcional da proteína ArsR reguladora do operon de resistência ao arsênio em C. violaceum visando conhecer os mecanismos de regulação deste operon com o objetivo de potenciar a sua utilização em processos de biorremediação. Este projeto é realizado na UFPA juntando o Departamento de Genética e o Departamento de química e a UFAM. Potencial Instalado e Perspectivas Futuras Hoje a UFPA, UFAM e INPA dispõem de um parque de análise genômica implantado e conta com grupos de pesquisa capacitados tecnicamente para execução de atividades investigativas em genética genômica estrutural e funcional trabalhando em consonância com as atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da região como o Centro de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus. Sua capacidade instalada permite a realização de pesquisas que envolvem os três campos da genética moderna: genômica, transcriptômica e proteômica. Novas tecnologias despontam no panorama atual como os RNAs de interferência e micro RNAs e que precisam aqui ser estabelecidas. O esforço feito até o momento é marcado pelo pioneirismo, mas muito ainda há por ser fazer. A falta de recursos humanos capacitados na Amazônia sobrecarrega os 1% dos doutores brasileiros que atuam na Região e cria demandas urgentes. O desconhecimento do potencial biotecnológico da floresta ainda é uma penosa realidade e o processo de destruição deste patrimônio é presente em nosso dia a dia. Os dados oficiais da devastação subestimam o cenário perdido e fazem com que ano a ano o Brasil amargue índices vergonhosos de aumento da perda da cobertura vegetal original. A Amazônia é um patrimônio universal e só existe uma maneira de preservarmos que é conhecendo-a. Ciência de boa qualidade, tecnologia e formação de recursos humanos especializados andam juntos e são fundamentais na busca do desenvolvimento sustentável da hiléia. É com pensamento no ecossistema, na qualidade de vida do povo da floresta e das metrópoles estabelecidas que a moderna sociedade brasileira deve se preocupar ao incluir a Amazônia na sua agenda de desenvolvimento. Referências Bibliográficas CRICK, F. Central dogma of molecular biology. Nature. 1970 Aug 8;227(5258):561-3. 1970. BRAZILIAN NATIONAL GENOME PROJECT CONSORTIUM. The complete genome sequence of Chromobacterium violaceum reveals remarkable and exploitable bacterial adaptability. Proc Natl Acad Sci U S A. 2003 Sep 30;100(20):11660-5. 2003. TYERS, M., MANN, M. From genomics to proteomics, Nature 2003 March 13; 422: 193-197