UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA OTHON VIEIRA NETO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO EM BANCÁRIOS VÍTIMAS DE SEQÜESTRO. São Bernardo do Campo 2004 ASSALTO OU OTHON VIEIRA NETO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO EM BANCÁRIOS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO. Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação da Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Saúde. Área de concentração: Psicologia da Saúde Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa São Bernardo do Campo 2004 OTHON VIEIRA NETO Transtorno de Estresse pós-Traumático em bancários vítimas de assalto ou seqüestro. Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação da Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Saúde. Área de concentração: Psicologia da Saúde Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa Aprovado em: _____/ ______/ 2004 Banca Examinadora Profa. Dra. Eva Maria Migliavacca Instituição: Departamento de Psicologia Clínica – IPUSP Assinatura: _____________________________________ Prof. Dr. Renato Teodoro Ramos Instituição: Programa de Psicologia da Saúde - UMESP Assinatura: _____________________________________ Prof. Dr. José Tolentino Rosa - Orientador Instituição: Departamento de Psicologia Clínica – IPUSP Assinatura: _____________________________________ Dedicatória À Claudia e Felipe, Razão de fazer tudo o que faço. Financiamento Pesquisa financiada pelo Banco do Brasil S/A. Agradecimentos Ao professor José Tolentino Rosa, por estimular a liberdade e a responsabilidade de pensamento, orientando de forma tranqüila o desenvolvimento deste trabalho. Ao doutor Nilton Farias Pinto, orientador do Banco do Brasil, pelo apoio e interesse demonstrados, superando suas atribuições profissionais. Aos professores e colegas da UMESP, que pela postura carinhosa e solidária, transformaram em uma atividade prazerosa o curso e o trabalho realizados. Epígrafe O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua [...] qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles. A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe a interpretar. A atitude cauta, a irônica, a deslocada- todas elas privam o intérprete da primeira condição para interpretar. FERNANDO PESSOA Resumo O objetivo deste trabalho é identificar as conseqüências psicológicas e o desenvolvimento de sintomas de Transtorno de Estresse pós-Traumático em bancários, vítimas de assalto ou seqüestro, no exercício de sua atividade profissional. Inicia-se com uma descrição histórica dessa patologia, investiga-se dados de sua prevalência, e a relação com fatores predisponentes presentes no indivíduo. Do ponto de vista teórico, é realizado um mapeamento da concepção da Neurose Traumática na obra de S. Freud e discute-se suas tentativas de articulação com as demais psiconeuroses, em função de sua etiologia. Faz-se uma equiparação entre as neuroses traumáticas e O Transtorno de Estresse pós-Traumático, que é discutido à luz da Psicanálise. Baseia-se na compreensão econômica do conceito de trauma psíquico de Sigmund Freud, como um acontecimento de tal intensidade que torna o aparelho psíquico incapaz descarga ou elaboração do excesso de energia conseqüente à situação traumática. Acrescenta-se `a compreensão econômica do trauma, a dinâmica dos sintomas do Transtorno de estresse pós-traumático. A partir de entrevistas com trabalhadores bancários, vítimas de assalto ou seqüestro, foi verificado o desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático, trazendo para esses trabalhadores varias limitações, especialmente nos setores sócio-afetivo e na própria atividade profissional. É discutido o caráter epidêmico do Transtorno de Estresse pós-Traumático na realidade brasileira, onde os altos índices de violência cobram da sociedade e dos profissionais de saúde uma resposta no sentido de minimizar as seqüelas psicossociais das vítimas de crimes. Descritores: Trauma, Transtorno de Estresse pós-Traumático, Neurose Traumática, Violência, Psicanálise. Abstract The objective of this work is to identify the psychological consequences and the development of symptoms of Post Traumatic Stress Disorder in bank workers, victims of assault or kidnapping, in the exercise of its professional activity. Initiated with a historical description of this pathology, investigated indices of its prevalence, and the relation with individual predisponent factors. Of the theoretical point of view, a mapping of the conception of the Traumatic Neurosis in the Sigmund Freud’s work is constructed and is argued his attempts of joint with the others psiconeuroses, in function of its etiology. A equalization between the traumatic neuroses and the Post Traumatic Stress Disorder becomes, that is argued to the light of the Psychoanalysis. Based on the economic understanding of Sigmund Freud’s theory and psychic concept of trauma, as an event of such intensity that it becomes the psychic device incapable discharge or elaboration it excess of consequent energy the traumatic situation. Added the economic understanding of the trauma, the dynamics of the symptoms of the Post Traumatic Stress Disorder. Since interviews with banking workers victims of assault or kidnapping, were verified the development of the Post Traumatic Stress Disorder, bringing for these workers many limitations, especially in the fields partner-affective and the proper professional activity. The epidemic character of the Post Traumatic Stress disorder in the Brazilian reality is argued, where the high indices of violence charge of the society and the professionals of health a reply in the direction to minimize the psicossociais sequels of the victims of crimes. Index-terms: Trauma, Post Traumatic Stress Disorder, Traumatic Neurosis, Violence, Psychoanalysis Lista de Ilustrações Quadro 1 - Sintomas e critérios diagnósticos para o transtorno de Estresse pós-Traumático 24 Quadro 2 - Tipos de Eventos Potencialmente Traumáticos 30 Quadro 3 -Alterações nas crenças encontradas após uma experiência traumática 33 Quadro 4 - Índice de experiências possivelmente traumáticas e desenvolvimento de PTSD 38 Quadro 5 - Critério Diagnóstico B para Transtorno de Estresse Agudo 46 Lista de Siglas Utilizadas AAPA- American Academy of Physician Assistants APA- American Psychiatric Association BB- Banco do Brasil CID- Classificação Internacional de Doenças CISD- Critical Incident Stress Debriefing PAVAS- Programa de Assistência às Vítimas de Assalto e Seqüestro PTSD- Post-traumatic Stress Disorder SEADE- Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados. Anuário Estatístico do Estado de São Paulo TEPT- Transtorno de Estresse pós-Traumático TOC- Transtorno Obsessivo Compulsivo Sumário de Conteúdos (Parte 1) DEDICATÓRIA 4 FINANCIAMENTO 5 AGRADECIMENTOS 6 EPÍGRAFE 7 EPÍGRAFE 7 RESUMO 8 ABSTRACT 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES 10 LISTA DE SIGLAS UTILIZADAS 11 Sumário de conteúdos (Parte 2) 1 – INTRODUÇÃO 15 1.1- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 15 1.2- SOBRE A ESCOLHA DO TEMA 21 1.3- O TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO 26 1.4- A PREVALÊNCIA DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO 45 1.5- OUTROS TRANSTORNOS ASSOCIADOS AO PTSD 50 1.6- O TRANSTORNO DE ESTRESSE AGUDO 52 1.7- A CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA DE NEUROSE E O PTSD 56 59 1.8- A NEUROSE TRAUMÁTICA NA OBRA DE SIGMUND FREUD 1.9- ALGUNS ASPECTOS DA DINÂMICA DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO69 2. OBJETIVOS 76 3. MÉTODO 76 3.1 PARTICIPANTES 3.2 LOCAL 3.3 INSTRUMENTO 3.4 PROCEDIMENTO 77 78 78 78 4. RESULTADOS 80 4.1 CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA 4.2- O PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO 4.3- CASOS DE FUNCIONÁRIOS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO 4.3.1- O CASO DE SUELI – A CULPA PELO ASSALTO 4.3.2- O CASO DE JORGE – A DIFICULDADE DE UM HERÓI 4.3.3. O CASO DE TERESA - SENTIMENTOS DE DESCONTROLE. 80 82 87 88 90 92 5. ANÁLISE PSICOLÓGICA DAS ENTREVISTAS 95 5.2- A ANSIEDADE 5.3- AUSÊNCIA DE PRAZER 5.4- DIFICULDADES NO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 5.5- IRRITABILIDADE 5.6- A LEMBRANÇA DE PEQUENOS DETALHES 5.7- O SENTIMENTO DE CULPA 5.8- REVOLTA 97 101 102 103 104 106 107 5.9- IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR 5.10- ALTERAÇÕES NA SAÚDE 5.11- ADIÇÕES A HÁBITOS ORAIS 108 109 110 6. DISCUSSÃO 111 7. REFERÊNCIAS 120 8. ANEXOS 135 ANEXO 1: A ESCALA CLINICAMENTE ADMINISTRADA PARA PTSD ANEXO 2 - ROTEIRO DE ENTREVISTA CLÍNICA 135 137 APÊNDICE: ENTREVISTAS DE TRÊS BANCÁRIOS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO 140 CASO 1 - SUELI CASO 2 - JORGE CASO 3 - TERESA 140 147 165 1 – Introdução Pode haver uma epidemia silenciosa de Transtorno de Estresse pós-Traumático não detectada pelos médicos de assistência primária. (SABBAGH, 1995). 1.1- Considerações preliminares Considerando-se que o quadro psicopatológico denominado Transtorno de Estresse pós-Traumático está diretamente associado a situações de violência, a afirmação acima instiga uma reflexão sobre uma série de fenômenos da sociedade brasileira. Tanto para psicólogos como para cidadãos, é importante compreender de forma mais profunda as raízes psicossociais do Transtorno de Estresse pós-Traumático e repensar as respostas que nós, cidadãos e profissionais de saúde, temos a oferecer para as seqüelas psicossociais das vítimas silenciosas da violência entre nós. A violência no país se impõe de tal forma que não se pode mais negá-la. O que antes era assunto apenas de poucos jornais, programas de rádio e de televisão sensacionalistas, atualmente é tema predominante não só na mídia como também na população e entre os profissionais de saúde. Muito se discute hoje sobre a psicologia do agressor. A cada crime ocorrido que, por algum motivo, ganha notoriedade ou choca a população, surgem reportagens e matérias na mídia sobre as motivações psicológicas do agressor, numa tentativa de compreensão das raízes da violência, sobre como evitá-la, sobre a possibilidade ou não da recuperação dos criminosos, se o menor de idade que comete crimes deve cumprir penas semelhantes às de um adulto e assim por diante. A psicologia do criminoso vem obtendo assim, um destaque. Profissionais de saúde mental são constantemente procurados pela mídia para emitirem opiniões sobre o funcionamento mental do agressor. Pouco se fala, no entanto, da psicologia da vítima, sobre a forma que um crime afeta psicologicamente a vítima, seus familiares e a sociedade como um todo. A inclusão do diagnóstico de Transtorno de Estresse pós-Traumático no DSM-III em 1980 teve o mérito de possibilitar o reconhecimento de que uma situação de violência pode trazer conseqüências psicológicas (RUSCIO; RUSCIO; KEANE, 2002), e a existência desse diagnóstico produz um enfoque necessário para olharmos o outro pólo de uma situação de violência – o agredido. Este diagnóstico permite o estudo e a compreensão das seqüelas psicológicas de situações como as gerads por atos violentos, desastres de origem natural, acidentes, enfim, situações que possam provocar nas pessoas, choque, abalo ou comoção, que são sinônimos da palavra trauma (GREGORIM et al. 1999). Considerando a realidade brasileira, em que estamos expostos a situações de violência que vão desde as ações de quadrilhas organizadas, até a violência doméstica, privada, a existência deste diagnóstico pode permitir o estabelecimento de estratégias de intervenção com o objetivo de reduzir as conseqüências e o sofrimento psíquico das vítimas. A violência pode provocar um trauma psicológico nas vítimas, e este trauma pode acarretar o desenvolvimento de um quadro psicopatológico que tem a denominação de Transtorno de Estresse pós-Traumático. O termo violência comporta distintas conotações. Implica em uma coerção ou intimidação pelo uso da força de alguém em condição de inferioridade física ou moral. Implica também na ruptura de uma lei ou de uma regra (COSTA, 1984/1986). Partindo dessas conotações, muitos comportamentos podem ser violentos, sem ser necessariamente traumatizantes. Podemos falar de uma violência política, na censura, ou de uma violência econômica por parte de um governo que, ao escolher determinado modelo de economia, gera desemprego. Da mesma forma, um pai que ao educar seu filho, o proíbe por meio de ameaça ou culpa, de realizar algum comportamento inadequado ou perigoso, está agindo com violência, por mais que este ato seja uma expressão de amor. Para evitar ambigüidades, neste trabalho, propõe-se a utilização estrita do conceito de violência definida por Alarcon e Trujillo (1997, www.alcmeon. com.ar), psicólogos argentinos: Um tipo de conduta individual ou coletiva que, praticada intencional, impulsiva ou deliberadamente, causa dano físico, mental ou emocional tanto ao próprio indivíduo ou indivíduos que a executam como a outros em seu ambiente imediato e mediato e ao ambiente mesmo. Essa definição foi adotada porque ela requer que haja um dano causado por uma ação para que esta seja considerada como violenta. Nesse sentido, uma série de atos praticados por indivíduos ou grupos que, infelizmente, vem crescendo em nosso país, adequa-se a essa definição. Não é o objetivo deste trabalho estudar as raízes do comportamento violento, que pode ter diversas motivações: econômica, política, social, religiosa ou psicológica. Pretende-se limitar ao estudo das conseqüências psicológicas que os atos dos indivíduos, ou grupos, que empregam meios violentos para atingir seus objetivos, provocam nas vítimas, de forma direta ou indireta. Um rápido olhar nos noticiários da imprensa local, nacional ou internacional, pode dar uma dimensão da importância do tema: atentados suicidas provocados por homensbombas, grupos do narcotráfico que controlam bairros inteiros, seqüestros, assaltos e até maridos ciumentos que matam as suas esposas supostamente infiéis, cada vez mais estão presentes no cotidiano da população. Programas televisivos exploram bastante este tema. Cada vez mais ouvimos em programas de televisão e rádio expressões como “o trauma da vítima” ou o “medo da população”, sem que isto seja devidamente entendido ou explicado. O sensacionalismo destes programas, que alcançam grande audiência e popularidade, explora a ineficácia das autoridades e a desproteção da população, e produzem o efeito de aumentar a sensação de medo e desamparo nos indivíduos. Este é apenas um elemento a mais em nossa cultura de medo. A crescente violência que ocorre em nosso país produz uma sensação de insegurança e instabilidade, que Benyakar (2003) classifica como ambiente disruptivo (disfuncional). Para esse autor, ambiente disruptivo é um ambiente no qual as regras de relacionamento interpessoal, social e com o meio físico ficam distorcidas, obrigando o indivíduo a adaptar-se a um ambiente incompreensível e imprevisível, ficando assim repleto de elementos ameaçadores. Essa definição, originalmente destinada a compreender um fenômeno social presente nos países ou regiões onde atentados terroristas são freqüentes, como o Oriente Médio, Israel ou a Irlanda, posteriormente foi aplicada também a países sujeitos a desastres geográficos e àqueles onde há grande incidência de violência, seja por parte de grupos organizados, com conotação política, seja por ações individuais. Gampel (2000, p. 511), referindo-se a este tipo de ambiente, prefere utilizar o conceito de “identificação radioativa”, como uma representação metafórica do processo de penetração de aspectos violentos e destrutivos da realidade social nos indivíduos. Esse processo, segundo a autora, ocorre através da internalização de resíduos “radioativos” que não são conscientes, e a pessoa se identifica com os aspectos desumanizantes da realidade, atuando a partir dessas identificações ou repassando para seus filhos através do processo de transmissão transgeracional. Enquanto em outros países os fatores geradores de um ambiente disruptivo podem ser localizados em guerras declaradas, oficiais, ou em instabilidades geográficas capazes de provocar desastres e ceifar vidas, no Brasil o crime contra a pessoa é o elemento mais preocupante para dois terços da população, que acredita que será vítima de algum tipo de ato violento, conforme pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (ILANUD, 2002). Outro dado a ser destacado é o de que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mais de 70% das mortes ocorridas com pessoas com idade entre 15 e 24 anos foram provocados por fatores externos, ou seja, pela violência e por acidentes. Esse tipo de mortalidade teve um aumento de 20,85% no período entre os anos de 1990 e 2002 (ESCÓSSIA, 2003). Embora o aumento da criminalidade seja um fenômeno presente em muitos países, inclusive nos EUA (ALARCON; TRUJILLO, 1997), algumas nações estão conseguindo dar uma resposta social a este problema, invertendo essa tendência. Na Colômbia, país mais violento da América do Sul, a taxa de homicídios diminuiu 21% em relação ao ano passado (MAISONNAVE, 2003). É importante citar que, nesse país, essa taxa é dez vezes superior à dos EUA (BROOK et al., 2003). Embora pareça ser desnecessário comentar sobre os alarmantes índices da violência no Brasil, a estatística fornece uma dimensão relativa do problema. Os dados do Seade - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (1999), registraram em 1999 mais de um milhão e duzentas mil ocorrências policiais no Estado de São Paulo, referentes a crimes envolvendo pessoas, para uma população de 36.276.632 habitantes (SEADE, 1999). Foram excluídos desse levantamento os crimes que não provocaram dano físico ou ameaça física às vítimas, como furtos, estelionato, contrabando ou tráfico de entorpecentes, entre outros. O número total de ocorrências foi de 2.430.506 o que representa 6,7% em relação à população do estado. O número de ocorrências policiais potencialmente traumatizantes representa 3,5% em relação à população, mas devemos considerar que uma ocorrência policial pode envolver muitas vítimas. Um roubo a uma residência, por exemplo, gera um único boletim de ocorrência, mas uma família inteira pode ter sido vitimizada. O mesmo ocorre em assaltos a estabelecimentos comerciais e bancos, em que muitos funcionários e clientes sofrem ou testemunham situações de violência. Após o ano de 1999, houve uma modificação na forma de classificação dos crimes, por parte da Secretaria de Segurança Pública, distribuindo-os em grandes categorias, como Crimes contra o Patrimônio ou Crimes contra a Pessoa, o que inviabilizou um levantamento mais atualizado, uma vez que um crime cujo objetivo é o patrimônio muitas vezes também atinge pessoas. Muitas das pessoas que viveram as situações de violência em São Paulo podem ter apresentado seqüelas psicológicas, e entre elas, o desenvolvimento do quadro de Transtorno de Estresse pós-Traumático como decorrência do trauma sofrido por um ato violento. Como vários dos fatores ambientais potencialmente traumáticos estão associados a condições sociais, econômicas e políticas do país (SCHESTATSKY et al., 2003), pode-se ter uma idéia do potencial traumatogênico de um país com as desigualdades econômicas, sociais e culturais como o Brasil que produzem e, de certa forma, reproduzem a violência, como afirmam Migliavacca e Vieira (2002, p. 237): Em um contexto mais amplo, não podemos deixar de lembrar que estamos sendo vítimas sociais de uma violência que nos atinge a todos, direta ou indiretamente e que, em função disso, a nossa cultura é geradora e multiplicadora de indivíduos fragmentados, semimortos e de vítimas da identificação com os agressores: algozes sádicos. Rodrigues (Informação verbal)1, psiquiatra argentina, confirma essa afirmação ao mencionar que pesquisas norte-americanas indicam que cerca de vinte e cinco por cento das pessoas que foram sexualmente abusadas na infância, tornam-se abusadores de crianças quando atingem a idade adulta. Da mesma forma, sabe-se que os criminosos em série foram vítimas de algum tipo de maltrato físico em sua infância (LAMPRECHT; SACK, 2002). Este ambiente contaminado por “identificação radioativa”, no qual ocorre a produção e reprodução da violência teria potencialmente a capacidade de provocar uma experiência traumática nos indivíduos, podendo ser definido como um verdadeiro ambiente disruptivo (BENYAKAR, 2003). Por experiência traumática entende-se a resultante da interação entre um evento factual, da realidade externa, onde ocorre algum tipo de risco à vida do indivíduo, com uma vivência interna, da realidade psíquica, quando o indivíduo é incapaz de assimilar essa experiência e elaborá-la de forma normal. Embora a experiência traumática também possa surgir de eventos de origem natural, tais como erupções vulcânicas, furacões, inundações, e de situações acidentais, como acidentes de trabalho e de trânsito, Cia (2001) mostra estudos onde foi constatado que a violência de origem humana é mais prejudicial, do ponto de vista psíquico, que a de origem natural ou acidental. A principal conseqüência psicológica da experiência traumática é o desenvolvimento do quadro psicopatológico do Transtorno de Estresse pós-Traumático (TEPT) ou, como utilizaremos neste trabalho, PTSD, abreviação da denominação inglesa Post Traumatic Stress Disorder2 (CIA, 2001). Uma pesquisa realizada nos EUA constatou que 20% das pessoas que foram vítimas de algum tipo de violência desenvolveram sintomas do PTSD (BREWIN; ANDREWS; ROSE, 2003). Aplicando essa proporção aos dados do SEADE, chegamos à impressionante conclusão de que, só no Estado de São Paulo, mais de 250 mil pessoas teriam desenvolvido . 1 Informação transmitida no curso Transtornos Dissociativos. São Paulo, 08.11.2003 2 Apesar da existência da abreviação em português TEPT, será utilizada neste trabalho a abreviação em inglês PTSD por ser a adotada pelos autores, inclusive os brasileiros, como Roso (1998). esta patologia no ano de mil novecentos e noventa e nove. Ainda há de se ressaltar que este número é projetado a partir de dados oficiais. Pela experiência, sabemos que o número real pode ser muito maior, pelo fato de que muitas vítimas não fazem boletim de ocorrência policial, por diversos motivos, dos quais pode-se destacar o constrangimento muitas vezes causado pela polícia, o pequeno prejuízo material envolvido, ou a própria desconfiança na eficácia das autoridades. Apesar da dimensão epidêmica do que o PTSD pode ter, estranhamente, esta patologia é pouco debatida pelos profissionais de saúde no Brasil, e pouco identificada pela própria população que desenvolve os sintomas. 1.2- Sobre a escolha do tema O interesse pelo tema a ser pesquisado (O Transtorno de Estresse pós-Traumático em bancários vítimas de assalto ou seqüestro), surgiu a partir da experiência com o atendimento psicoterápico de trabalhadores bancários vítimas de assaltos sofridos em seus locais de trabalho. Muitos pacientes atendidos apresentavam diversos sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático, e vinham com uma demanda específica de “querer ser como eram”, antes do assalto. Essa demanda, assim como o motivo que a gerou, tornou necessária uma compreensão maior da relação existente entre a vivência de uma situação traumática e o sofrimento psíquico posterior a ela. Além disso, como supervisor do Estágio de Aconselhamento Psicológico na UniFMU, em função de uma parceria iniciada em 1999 entre a universidade e a Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo, foram feitos também o acompanhamento e supervisão dos atendimentos psicológicos dos usuários do Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI). O Cravi foi um projeto-piloto daquela secretaria criado para prestação de assistência social, jurídica e psicológica, baseado em um modelo utilizado nos EUA, na cidade de Boston. Nos atendimentos supervisionados freqüentemente os pacientes apresentavam transtornos psicológicos após terem sofrido assaltos, seqüestros ou a perda de alguém próximo, por assassinato. O atendimento nesse Centro de Referência também instigou estagiários e supervisores a conhecer melhor esses transtornos. Confirmando as pesquisas bibliográficas, foi verificado que a violência pode trazer conseqüências psicológicas para suas vítimas e, uma das conseqüências comuns é o desenvolvimento do quadro chamado de Transtorno de Estresse pós-Traumático (PTSD), uma designação recentemente adotada pela Classificação Internacional das Doenças- CID10 (COOPER, 1997). Essa síndrome foi descrita com esta denominação pela primeira vez na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Psiquiátrica Americana (APA), o DSM-III, em 1980. Inicialmente destinava-se ao estudo e diagnóstico dos combatentes da Guerra do Vietnã, que apresentavam diversas dificuldades emocionais após o fim da guerra. Os mesmos sintomas foram identificados posteriormente na população civil, em pessoas que passavam pela experiência de situações traumáticas, tanto as de origem natural, como terremotos, , furacões, inundações e erupções vulcânicas, como por situações provocadas pelo homem, como assaltos, estupros, acidentes automobilísticos e outros (ROSO, 1998). O grande avanço da inclusão deste diagnóstico é o reconhecimento de que a exposição a situações estressoras (ameaçadoras) severas pode produzir patologias que persistem mesmo quando a situação termina (DAVIDSON, 2002). A existência deste diagnóstico mostrou-se útil também tanto no campo pericial, no sentido de fundamentação de demandas judiciais de indenizações, quanto na clínica, pois permite a organização de um quadro clínico sobre a base de um determinante etiológico específico, possibilitando o desenvolvimento de uma série de estratégias de intervenção (AMOR; PEREZ; GANCEDO, 2001). Embora alguns autores considerem este quadro como uma “neurose de compensação”, porque freqüentemente envolve litígios jurídicos de compensação financeira pelo trauma sofrido, Bryant e Harvey (2003) não encontraram diferenças entre os sintomas de vítimas de acidentes de trânsito que entraram com pedidos de compensação financeira, daqueles que não apresentaram esta demanda jurídica. Para um profissional de saúde, os aspectos legais relacionados ao desenvolvimento da patologia podem ser secundários, se for adotada a posição de Emsley, Seedat e Stein (2003, p. 140): “Como médicos, nós acreditamos que o PTSD é uma doença e que é nosso papel tentar ajudar aqueles que sofrem dela”. Apesar da inclusão desse diagnóstico ser recente, a experiência traumática sempre esteve presente na história da humanidade. “O homem é, assim, um ser da catástrofe...” diz Berlink(1998, http://www.geocities.com /HotSprings/Villa /3170/RLPF Mar99 .htm), e é da capacidade criativa para sua superação, que desde a era glacial, vem garantindo a sobrevivência da espécie. O homem sempre teve que enfrentar as forças da natureza ou inimigos mais poderosos, e nem sempre levou vantagem sobre eles, tendo sua vida constantemente ameaçada. Podemos imaginar que estas lutas, inevitáveis à sobrevivência, possam, desde os tempos mais remotos, ter deixado marcas na mente do homem primitivo. Os primeiros registros dessas marcas são citados por Cia (2001), sobre evidências de Transtorno de Estresse pós-Traumático em soldados no século seis a.C. Cazabat (2001) cita também registros de sofrimento psicológico após batalhas presentes na Bíblia, no Talmud, e em clássicos da antiguidade, como a Ilíada. O estudo do trauma sempre esteve presente na história de psicologia e, em especial, da psicanálise (VIEIRA E VIEIRA NETO, 1998). As reações sintomáticas após uma situação traumática passaram a constituir uma categoria diagnóstica a partir de 1836, quando era conhecida como “Doença dos Trens”, por se desenvolverem geralmente após acidentes ferroviários, chegando a ser consideradas como resultantes de um deslocamento do cérebro no momento da colisão (MARLOWE, 2000). Daquela época até hoje, o quadro resultante de situações traumáticas é estudado por mais de cem anos (McKEEVER; HUFF, 2003), e passou por várias denominações diferentes, entre elas: “Fadiga de Batalha”, “Síndrome do Obus”, “Neurose de Guerra”, “Neurose de Guerra em Tempos de Paz”, “Síndrome de DaCosta”, “Choque pós-Guerra”, “Síndrome de Abuso Infantil”, “Neurose Traumática, Síndrome de Campos de Concentração”, “Síndrome de Sobrevivência”, “Síndrome do Trauma do Estupro”, “Síndrome de Estocolmo” (AMOR; PEREZ; GANCEDO, 2001). Provavelmente, a maioria dos soldados combatentes na segunda Guerra Mundial, diagnosticados com “Fadiga Operacional” , como era nomeado na época, apresentavam critérios diagnósticos para PTSD, (ORR et al., 2000). É interessante salientar que essas modificações das denominações acompanharam diversos momentos históricos, dependendo de quem era o agressor ou a vítima principais. Cazabat (2003) localiza historicamente algumas dessas denominações: No início do século, com a preocupação com os prejuízos emocionais decorrentes de situações de abuso sexual infantil, principalmente nos EUA, o quadro passou a ser denominado como “Síndrome do Abuso Infantil”. Durante a Primeira Guerra Mundial, o surgimento de sintomas era mais freqüente nos soldados em combate, advindo daí as diversas alusões à guerra nos nomes da patologia. Até mesmo Sigmund Freud3 (1919a/1995, Edição Eletrônica) utiliza os termos “Neurose de Guerra” e “Neuroses de Guerra em Tempo de Paz”, para designar este quadro. Após o conhecimento das atrocidades nazistas em relação aos judeus, no final da Segunda Guerra Mundial, surgiu o nome de “Síndrome dos Campos de Concentração” para descrever os sintomas desenvolvidos pelos sobreviventes. Com o advento do movimento feminista e das denúncias de ataques de ordem sexual, o quadro passou a ser chamado de “Síndrome do Trauma de Estupro”. A designação de “Síndrome de Estocolmo” surgiu após um assalto à banco ocorrido naquela cidade, em 1973, quando funcionários do banco e clientes foram tomados como reféns pelos assaltantes e apresentaram diversas alterações psicológicas, inclusive do estabelecimento de laços afetivos com os agressores. Todas essas denominações foram substituídas pela atual, de Transtorno de Estresse pós-Traumático. O trauma e suas conseqüências atravessam horizontalmente e verticalmente a sociedade. Encontramos situações traumáticas em todas as sociedades e países, e vão desde a situação de veteranos de guerra, de vítimas de tortura, de seqüestros, situações onde pessoas são tomadas como reféns, até as mais íntimas situações de violência doméstica, contra a mulher e contra crianças e bebês (CAZABAT, 2001). Apesar das situações traumáticas estarem presentes na história da humanidade, o estudo do trauma parece sempre ser colocado em segundo plano, sofrendo de uma espécie de “amnésia” (SCHESTATSKY et al. 2003) até que algum desastre, de impacto local ou mundial, traga novamente à tona a discussão. Isso ocorreu após o atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 20014. Na realidade brasileira, os profissionais de saúde não podem mais negar o contexto social, numa posição de avestruz, que enfia a cabeça na terra em situações de perigo. Em nossa sociedade, onde a violência está tão difundida e impregnante, o “psicanalista não pode mais trabalhar distraidamente e ignorar o impacto da violência social que o rodeia. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. motivo pela qual a numeração das páginas não é indicada, sendo utilizada a expressão Edição Eletrônica. 3 A obra de Freud utilizada neste trabalho foi a Edição Eletrônica das Windows 98. 1 CD-ROM, 4 Alusão ao atentado terrorista que ocorreu em 11 de setembro de 2001, quando aviões de passageiros foram seqüestrados e lançados contra os edifícios conhecidos pelo nome “Torres Gêmeas”, em Nova York, EUA, causando a morte de mais de cinco mil pessoas. [...] se o espaço psicanalítico permite a introdução do contexto social violento,isso concede ao indivíduo a oportunidade de revitalizar-se, de viver ao invés de sobreviver” (GAMBER, 2000. p. 515). Para essa autora, é necessário repensar a teoria psicanalítica de uma forma que leve ao compromisso e não à negação da realidade. A negação da realidade em que o homem está inserido é um sintoma traumático (LOPEZ-IBOR, 2003) Little (1995 citado por BENYAKAR, 2003) descreve um episódio ocorrido na Sociedade Britânica de Psicanálise, durante a guerra. Em meio à reunião, iniciou-se um violento bombardeio nazista em Londres. No meio do debate, Donald Winnicott ficou em pé e disse: “Eu gostaria de assinalar que estão bombardeando”. Ninguém lhe prestou atenção e a reunião continuou como se nada tivesse acontecido (p. [21]). Para Benyakar (2003), essa postura põe em risco a própria razão de ser do profissional de saúde mental, em nossos dias: “ajudar a preservar a subjetividade do homem em um mundo cada vez mais ameaçador” (p. [21]). Corrêa (2000) comenta as discussões desenvolvidas no Colóquio em homenagem a N. Abraham e M. Torok , realizado em Paris, em Janeiro de 2000. Neste colóquio, foi levantada a dificuldade dos analistas europeus em reconhecer o caráter traumático real do holocausto. Para aqueles analistas, a capacidade traumatogênica do holocausto estaria baseada na hipótese de que o holocausto seria uma reedição de alguma situação traumática já conhecida no nível intrapsíquico (p. 12). Abraham e Torok, os homenageados do Colóquio, refutaram esta concepção, salientando em seus trabalhos “ a importância do traumatismo vivido, assinalando que sua realidade poderia superar a mais terrível das fantasias” (p. 15). Talvez essa seja a capacidade mais patogênica de uma situação traumática – a de provocar uma irrupção brusca do mundo externo no mundo interno (BENYAKAR, 2003, p. 42). O trauma afeta não só o indivíduo, mas também aqueles que o rodeiam e a própria sociedade. A resposta do indivíduo exposto ao trauma afeta a todos os membros da família, especialmente às crianças. O trauma é uma experiência tão intensa, de tal modo potente, que os indivíduos que o vivenciam passam a encarar de modo distinto o mundo e suas vivências posteriores serão modeladas pela experiência traumática prévia (YEHUDA, 2002. www.ufrgs.br/psiq/celg html). Uma experiência potencialmente traumática comum no Brasil é a situação de assalto, e entre os assaltos, o assalto que é cometido contra as instituições bancárias. Dado o grande número de assaltos a bancos que ocorrem no Brasil, em que funcionários e clientes são agredidos, e gerentes de agências são constantemente seqüestrados, inclusive com suas famílias, para facilitar o ingresso nas agências, o trabalho bancário pode ser considerado um fator de risco de desenvolvimento do PTSD para aqueles trabalhadores que vivem situações de assalto ou seqüestro. Trabalhadores das profissões conhecidas como de médio ou alto risco, como policiais, bombeiros e empregados bancários são freqüentemente confrontados com incidentes críticos, como atos de violência, assaltos, desastres e confrontação com pessoas feridas ou mortas (VAN DER PLOEG; DORRESTEIJN; KLEBER, 2003). O perigo não está presente apenas no local de trabalho. “Passa a ser comum que os bancários sejam abordados e se tornem reféns no caminho para o trabalho ou, até, em suas próprias casas, de forma que a insegurança é levada a todos os lugares , família, pessoas do convívio cotidiano”, afirma Campos (1998). Sato (1988, p. 121) menciona que o trabalho bancário está “extremamente relacionado com o desgaste da saúde, quer por existir riscos de acidentes de trabalho, quer por existir risco de assalto a bancos”. A partir de seu trabalho no DIENSAT (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde nos Ambientes de Trabalho), ela informa que “vários trabalhadores (de bancos) procuravam o atendimento médico por crises após assalto” (p. 121). Estes dados trazem os seguintes questionamentos: O bancário, ao viver a situação de assalto ou seqüestro desenvolve os sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático? Quais sintomas são mais comuns? Estes sintomas persistem por muito tempo? Quando os funcionários assaltados continuam a trabalhar na mesma instituição, na mesma agência, este fator interfere na cronificação ou na superação dos sintomas? Estes funcionários alteram sua produção funcional, sua perspectiva profissional e o relacionamento com colegas e com a própria instituição? 1.3- O Transtorno de Estresse pós-Traumático Como citado anteriormente, a denominação de Transtorno de Estresse pósTraumático é recente, instituída em 1980. Foi a nova designação do quadro conhecido anteriormente como Neurose Traumática, como aparecia até a CID-9, e substituiu diversas denominações anteriores que descreviam parcialmente os sintomas. Neste trabalho, foi feita a opção pela designação constante da CID-10 (COOPER, 1997), de Transtorno de Estresse pós-Traumático, inclusive pelas implicações jurídicas relacionadas ao desenvolvimento dessa patologia como um acidente de trabalho, quando a situação traumática do assalto ocorre no local de trabalho, ou no percurso do funcionário entre sua residência e o trabalho. Pelo mesmo motivo, a descrição do quadro e dos critérios diagnósticos será baseada na Classificação Internacional das Doenças – CID-10 (COOPER, 1997) e no Manual Diagnóstico e PSYCHIATRIC Estatístico de ASSOCIATION, Transtornos 1995), Mentais–DSM-IV por serem (APA-AMERICAN instrumentos reconhecidos internacionalmente, e que permitem o diagnóstico a partir de critérios de exclusão de sintomas, quando mais de um diagnóstico é possível (SLADE; ANDREWS, 2002). Assim, será utilizada para a categoria nosográfica a abreviação PTSD, e convém esclarecer também que ficará reservado o termo “ansiedade” para o processo psíquico provocado por situações onde surge a necessidade de preparação para o enfrentamento de um perigo, conforme conceituado por Sigmund Freud (1917c/1995, Edição Eletrônica). A Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (COOPER, 1997, pág. 160), em seu décimo volume, descreve o Transtorno de Estresse pós-Traumático da seguinte forma: Surge como uma resposta tardia ou protraída a um evento ou situação estressante (de curta ou longa duração), de uma natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual provavelmente causa angustia invasiva em quase todas as pessoas. Fatores predisponentes, tais como traços de personalidade (por exemplo, compulsivos, astênicos) ou história prévia de doença neurótica, podem baixar o limiar para o desenvolvimento da síndrome ou agravar seu curso, mas não são necessários nem suficientes para explicar sua ocorrência”. (grifo nosso) Esta descrição sugere que qualquer pessoa está sujeita ao desenvolvimento deste quadro. Uma vez que fatores predisponentes da personalidade não são necessários, a ênfase para a compreensão da etiologia recai sobre o evento estressante. Neste aspecto, encontramos uma circularidade conceitual: desenvolvem os sintomas aqueles indivíduos que passam por uma situação que “provavelmente causa angústia invasiva em quase todas as pessoas” (COOPER, 1997, p.160). Quais seriam as situações são essas que podem ser consideradas traumáticas? Pela experiência, é reconhecido que algumas pessoas passam por situações terríveis e sobrevivem sem grandes conseqüências psicológicas, ao passo que, para outras pessoas, um pequeno susto pode tornar-se traumático. Como localizar o ponto de corte entre um fato, um evento desagradável da realidade externa e uma situação traumática? Quais seriam os elementos da realidade que poderiam estar potencialmente desenvolvendo o PTSD? Vieira Lança uma luz sobre essa questão ao estabelecer ao trazer para ao focalizar no aspecto econômico do aparelho psíquico (Vieira, 2001, p.4): O mais desconcertante em um primeiro contato com o tema é a imprecisão, a névoa que encobre o que é considerado traumático. Ora emerge como algo que se define pela surpresa, pelo inesperado, como um choque súbito para o qual o indivíduo não construiu um aparato protetor, ora pela intensidade do choque que suplanta o aparato protetor, como frustrações importantes, ora como uma somatória de eventos que se constituem como traumáticos por seu valor cumulativo. O que parece estar em jogo é uma relação entre aparato protetor e intensidade, que mantém atrelado o trauma ao seu aspecto econômico. Essas dificuldades de limitação da definição, podem estar associadas ao próprio conceito de trauma. Uma experiência só pode ser considerada traumática a partir dos efeitos que ela produz na pessoa que viveu a experiência. Assim, o trauma só pode ser identificado retrospectivamente (FURST, 1967). Benyakar (2003) ilustra este problema com uma comparação com um traumatismo físico: Uma pessoa ao martelar um prego, bate acidentalmente em seu dedo, causando uma fratura (um traumatismo). Não se pode simplesmente propor uma lei geral estabelecendo que martelar pregos causa traumatismos. O traumatismo será conseqüência de uma relação em que, se por um lado, a presença do martelo é indispensável, por outro, será preciso levar em consideração a intensidade da martelada e a constituição física do indivíduo que sofre o acidente. Sendo assim, a situação que “causa angústia invasiva na maioria das pessoas” torna-se demasiadamente vaga para descrever o surgimento do quadro em um indivíduo em particular. Benyakar (2003) sustenta a idéia de que o caráter traumático de um acontecimento depende da relação entre três conceitos: Evento Factual, Vivência e Experiência. Por evento factual pode-se pensar no fato em si, vindo da realidade e independente do pensamento ou desejo do indivíduo, aquilo que costumeiramente é chamado de mundo externo ou realidade. Já o conceito de Vivência remete exclusivamente ao que é conhecido como de mundo interno. A Experiência, por sua vez, seria o resultado da articulação entre os conceitos anteriores, do Evento Factual e da Vivência. Aqui se daria o caráter traumático a um acontecimento. Dessa forma, uma experiência traumática ocorreria quando um evento factual específico apresenta-se com intensidade capaz de romper a articulação entre afeto e representação, conservando-se no psiquismo como um fato não elaborado ou elaborável (BENYAKAR, 2003, p. 37). Embora muitos eventos factuais podem ter conseqüências traumáticas, alguns acontecimentos da realidade podem ter uma maior capacidade traumática, se tiver as seguintes qualidades: a) Ser inesperado b) Causar a interrupção de um processo normal. c) Prejudicar o sentimento de confiança no outros. d) Conter traços estranhos, não codificáveis ou interpretáveis. e) Ameaçar a integridade física própria ou de pessoas significativas. f) Distorcer ou destruir o lar. Lafont (1998, p.18) contesta essa concepção defendendo a idéia de que, embora seja evidente que a carga traumática tende a aumentar com a magnitude da situação, isto é, com a intensidade da ameaça, sua proximidade e o fator surpresa presentes, “não existe acontecimento traumático absoluto”. O desenvolvimento do PTSD não ocorreria, portanto, como se fosse um arco reflexo (UCHITEL, 2001), pois não se trata de uma reação automática e inevitável a uma situação na qual está presente alguma ameaça à vida. Por outro lado, a especificidade dos sintomas, a ansiedade e a excitação presentes neste quadro psicopatológico não permitem a aceitação de que a vivência de uma situação traumática trouxe à tona uma neurose pré-existente, como alguns autores defendem (PORTIELES, 2002). Freud (1925/1995, Edição Eletrônica), descrevia que, para que um acontecimento tenha o caráter traumático, é preciso que o elemento de perigo esteja presente. Ao discutir o motivo da presença da ansiedade em uma situação de perigo, ele define o que significa a própria situação de perigo: Claramente, ela consiste na estimativa do paciente quanto à sua própria força em comparação com a magnitude do perigo e no seu relacionamento de desamparo em face desse perigo — desamparo físico se o perigo for real e desamparo psíquico se for instintual. Ao proceder assim o indivíduo será orientado pelas experiências reais que tiver tido. (Quer ele esteja certo ou errado em sua estimativa não importa quanto ao resultado.) Denominemos uma situação de desamparo dessa espécie, que ele realmente tenha experimentado, de situação traumática. Teremos então bons motivos para distinguir uma situação traumática de uma situação de perigo. Além da presença de uma ameaça superior à força da pessoa ameaçada, para Freud (1893b/1995, Edição Eletrônica), a possibilidade de um acontecimento ter um caráter traumático inclui também a capacidade do aparelho psíquico em descarregar ou associar a carga de afeto investida neste acontecimento: Todo evento, toda impressão psíquica é revestida de uma determinada carga de afeto (Affektbetrag) da qual o ego se desfaz, seja por meio de uma reação motora, seja pela atividade psíquica associativa. Se a pessoa é incapaz de eliminar esse afeto excedente ou se mostra relutante em fazê-lo, a lembrança da impressão passa a ter a importância de um trauma[...] (FREUD, 1893b/1995, Edição Eletrônica) Vieira (2001, p. 237), complementa essa idéia a partir de uma visão da economia psíquica. Para essa autora, a partir de uma fonte ambiental de estimulação para o aparelho psíquico, há uma frágil fronteira entre uma situação ter conseqüência traumática ou possibilitar o crescimento do indivíduo. Essa fronteira, que a autora chama de ponto de mutação, ocorre pela relação econômica entre a estimulação e o trabalho do aparelho psíquico frente a ela: Consideramos que seja indispensável manter a referência quantitativa. Algo só é traumático pelo seu quantum. Dentro de um certo espectro, o efeito traumático dependerá da forma como o aparelho psíquico trabalhar com o fator quantitativo. Se o excedente de estimulação for de tal magnitude que possa induzir a uma maior complexidade das relações no aparelho psíquico, entre suas instâncias, com o corpo e com o ambiente, não teremos um efeito traumático, mas um desenvolvimento, uma progressão. Se, por outro lado, o excedente de estimulação induzir a uma menor complexidade nas interações das estruturas, a rupturas de conexões e a obstrução ou eliminação de funções organizadoras, teremos um estancamento do desenvolvimento ou uma regressão e nisto consistiria o efeito traumático. Talvez a melhor forma de pensarmos a relação entre a situação potencialmente traumática e o indivíduo que a vive seja o modelo proposto por Freud (1917b/1995, Edição Eletrônica), de séries complementares. Em sua conferência XXIII da obra “Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” (1917b/1995, Edição Eletrônica), ele mostra, na forma de um diagrama, como a psiconeurose depende de uma complementariedade dos fatores constitucionais com uma experiência circunstancial. A disposição da libido, fixada a partir das experiências infantis proporcionaria o elemento constitucional, enquanto que a frustração da satisfação libidinal, elemento circunstancial proporcionado pela realidade. Apenas um dos fatores não seria suficiente para o desenvolvimento da neurose, e, na medida em que um dos fatores torna-se mais forte, é necessária uma quantidade menor do outro fator para atingir o mesmo resultado. Como seria a série complementar na neurose traumática? A situação traumática fornece o elemento circunstancial, advindo da realidade na forma de uma ameaça à vida. Quais seriam os elementos constitucionais? Abordando essa questão pelo aspecto filogenético, Freud levanta uma hipótese em seu trabalho “Neuroses de Transferência- Uma síntese”, (1915/1987, p. 75) que, após os perigos da era glacial, a humanidade tornou-se angustiada, e o mundo, anteriormente fonte de prazer, passou a ser um mundo ameaçador. A angústia real causada pelas ameaças do mundo fica acrescida da libido insatisfeita, amplificando a situação ameaçadora.. No mesmo trabalho, Freud explica como esse processo ocorre nas crianças: “o excesso relativo de libido”, insatisfeita, “transformar-se-ia em angústia real, diante de algo estranho, (assim) como também tende em geral (a criança) a angustiar-se diante de qualquer coisa nova” (p. 75). Essa hipótese explicaria os dois elementos da série complementar do PTSD. Teríamos então, o seguinte diagrama: Libido Insatisfeita (Fator endógeno) + Situação de ameaça à vida (Fator exógeno) = Transtorno de Estresse pósTraumático. Ferenczi (1919, p. 26) também pensa de mesma forma, mas localizando o excesso da libido no ego, criando uma estase da libido narcísica. Assim: Um indivíduo que desde a origem apresenta uma tendência narcísica desenvolverá mais facilmente uma Neurose Traumática; mas ninguém lhe está inteiramente imune, na medida em que o estágio narcísico é um ponto de fixação importante do desenvolvimento libidinal de todo ser humano. A esse elemento narcísico, Mingote et al., (2001) acrescentam a ausência de recursos de suporte social, como família, amigos e intervenção profissional profilática. Para esses autores, a série complementar teria esse aspecto: Situação Estressora + Vulnerabilidades pessoais ----------------------------------------------------------------Recursos de proteção + Autoestima + Suporte social Incidência de PTSD = A resposta a essa pergunta ainda não está devidamente respondida, e segue sendo discutida (SCHESTATSKY et al. 2003, MCKEEVER; HUFF, 2003), embora alguns elementos já tenham sido reconhecidos. A partir de pesquisas estatísticas com indivíduos que desenvolveram o PTSD, foram identificados fatores que favorecem o surgimento da patologia. Cia (2001) elenca alguns destes fatores: Depressão ou ansiedade pré-existentes, exposição anterior a outras situações traumáticas, separação ou morte precoce dos pais, histórico de abusos físicos, e inclusive adversidades da vida adulta, como dívidas, enfermidade física no momento do trauma e divórcio recente. Ozer et al. (2003) acrescentam a estes a existência de graves psicopatologias em membros da família do indivíduo. Outro fator estatisticamente pesquisado que facilitaria o desenvolvimento do PTSD é a atitude mental durante a situação traumática. Em mulheres vítimas de violência sexual e não sexual, Valentiner et al. (1996), verificaram que aquelas mulheres que, de alguma forma resistiram mentalmente ao ataque, mesmo que tivessem um comportamento passivo, não desenvolviam os sintomas. Ao contrário, as pessoas que se abandonaram à situação, com um sentimento de ser um “objeto” nas mãos dos agressores, desenvolveram mais sintomas. Podemos pensar neste processo a partir do que Kehl (2000, p. 138), afirma, quando comenta que “é a condição de completa passividade do sujeito (que no caso nem deveria ser chamado de ‘sujeito’), diante de um acontecimento, que o torna irrepresentável para este sujeito”. Aquilo que está fora do alcance da representação é a catástrofe, como ela diz, ou trauma. Da mesma forma, estabelecer um plano de ação que possa transformar a passividade em atividade (VALENTINER et al., 1996) e compreender o sentido da agressão (EHLERS; MAERCKER; BOOS, 2000) parecem reduzir o risco de PTSD. Estes autores verificaram que, entre os prisioneiros políticos que eram torturados, o índice de desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático era pequeno. Eles atribuem esse baixo índice ao fato de que, além da prisão e possível tortura serem fatores presumíveis para essas pessoas, o comprometimento com a causa política defendida possa ser o elemento protetor da saúde mental do indivíduo nessa situação. Assim, para essas pessoas, há um sentido, mesmo que hediondo, na tortura sofrida. Na população civil submetida a atos violentos, é comum a busca desse sentido. Para a pergunta feita constantemente por vítimas de algum tipo de violência: “Porque foi acontecer logo comigo?”, não há respostas. Mas, deixemos momentaneamente as considerações etiológicas para nos aproximarmos das manifestações sintomáticas do PTSD. Segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID), os principais sintomas do Transtorno de Estresse pósTraumático (COOPER,1997) são: Aspectos típicos incluem episódios de repetidas revivescências do trauma sob a forma de memórias intrusas (“flashbacks”), sonhos ou pesadelos; ocorrendo contra o fundo persistente de uma sensação de entorpecimento e embotamento emocional, afastamento de outras pessoas, falta de responsividade ao ambiente, anedonia, e evitação de atividades e situações recordativas do trauma. Há usualmente um estado de hiperexcitação autonômica com hipervigilância, uma reação de susto aumentada e insônia. Ansiedade e depressão estão comumente associados aos sintomas e sinais acima e ideação suicida não é infreqüente” (p. 160-1). Estes sintomas nos fazem pensar sobre o sofrimento, a restrição da liberdade pessoal, amorosa e social, que esta doença produz. No caso de pessoas traumatizadas em seu ambiente de trabalho, possivelmente a evitação dos estímulos que estejam associados ao trauma sejam inviabilizadas, o que pode produzir aumento na ansiedade. Para melhor visualização, os sintomas característicos do PTSD serão apresentados na forma de um quadro, (Quadro 1): Quadro 1 – Sintomas e critérios diagnósticos para o transtorno de Estresse pósTraumático5 : Critérios Diagnósticos para F43.1 - 309.81 Transtorno de Estresse Pós-Traumático A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes: (1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros; (2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Nota: Em crianças, isto pode ser expressado por um comportamento desorganizado ou agitado B. O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras: (1) recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens, pensamentos ou percepções. Nota: Em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com 5 Reproduzido do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais-DSM_IV (APA, 1995, Edição Eletrônica) expressão de temas ou aspectos do trauma; (2) sonhos aflitivos e recorrentes com o evento. Nota: Em crianças podem ocorrer sonhos amedrontadores sem um conteúdo identificável; (3) agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive aqueles que ocorrem ao despertar ou quando intoxicado). Nota: Em crianças pequenas pode ocorrer reencenação específica do trauma; (4) sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático; (5) reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático. C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da responsividade geral (não presente antes do trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas com o trauma; (2) esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações do trauma; (3) incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma; (4) redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas; (5) sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas; (6) faixa de afeto restrita (por ex., incapacidade de ter sentimentos de carinho); (7) sentimento de um futuro abreviado (por ex., não espera ter uma carreira profissional, casamento, filhos ou um período normal de vida). D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (não presentes antes do trauma), indicados por dois (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) dificuldade em conciliar ou manter o sono (2) irritabilidade ou surtos de raiva (3) dificuldade em concentrar-se (4) hipervigilância (5) resposta de sobressalto exagerada. E. A duração da perturbação (sintomas dos Critérios B, C e D) é superior a 1 mês. F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a 3 meses. Crônico: se a duração dos sintomas é de 3 meses ou mais. Especificar se: Com Início Tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos 6 meses após o estressor. Em relação ao período do surgimento dos sintomas mencionados no quadro, a CID10 (COOPER, 1997) esclarece que pode variar de algumas semanas a meses após o evento traumático. Este dado é confirmado por pesquisas com sobreviventes de incêndios, em que Perry et al. (2003) encontraram uma incidência de 35% das pessoas da amostra investigada, que desenvolveram PTSD, dois meses após a ocorrência do incêndio. A mesma população, avaliada seis meses depois, apresentava índices de 40%. Este número subiu para 45.2% após um ano. Em outra pesquisa, realizada com membros das forças armadas da Espanha expostos a atentados terroristas, Amor, Perez e Gancedo (2001), encontraram um período médio de latência entre a situação traumática e o surgimento do quadro de quatro meses e meio, variando entre um desenvolvimento imediato, até quarenta e dois meses após a ocorrência. A CID (COOPER, 1997, p. 161) alerta ainda que: “Em uma pequena proporção dos casos, o transtorno pode apresentar um curso crônico por muitos anos e uma transição para uma alteração permanente da personalidade”. O período após o qual o PTSD é considerado crônico é a partir de três meses, um período mais curto que outras desordens psiquiátricas (CARLIER, VOERMAN; GERSONS, 2000). Este aspecto é importante, pois muitos sintomas podem ser incorporados pelo indivíduo de forma egosintônica. Os aspectos culturais presentes na sociedade em relação ao medo, à sensação de impunidade atribuída aos criminosos e a ineficiência das políticas de segurança podem validar alguns sintomas, levando a uma postura permanente de clausura e evitação, sem que isto seja questionado, nem pelo próprio indivíduo, nem por seus familiares. Um exemplo dessa validação social, é o caso de uma paciente, vítima de seqüestro-relâmpago, atendida no consultório que , ao ser informada sobre o caráter sintomático das alterações que apresentava, argumentou: “Mas não sou eu que estou doente, o mundo é que é perigoso”. O tratamento socialmente dado a uma pessoa traumatizada é que seu sofrimento e as alterações que está apresentando são “normais”, e que passarão com o tempo. Aqui vemos um equívoco freqüente entre os conceitos de “normal” e “comum”. Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001, Edição Eletrônica), o verbete normal significa “o que é segundo a norma, habitual, natural”. Em saúde este conceito é utilizado com o sentido de ausência de doença, como uma condição saudável. Já o conceito comum significa o “pertencente a todos ou muitos, vulgar, trivial” (Idem, op. Cit.). Portanto, o desenvolvimento de sintomas após uma situação traumática pode ser encarado como “comum”, mas não podemos considerá-lo “normal”. A freqüência de um fenômeno não significa sua normalidade, mas apenas sua previsibilidade (VIEIRA e VIEIRA NETO, 1998). Pelo contrário, o trauma pode ser considerado um “corpo estranho” ao psiquismo, da mesma forma que a violência é um corpo estranho à sociedade, algo que impede o curso natural de um processo (COSTA, 1984/1986, p.16). Benyakar (2003) discute o impacto de um ambiente violento nos indivíduos. O ambiente disruptivo provoca uma distorção na compreensão da realidade. “...à medida que a ameaça é difusa, anônima e impune, cada indivíduo ao lado pode ser um agressor em potencial, e isso impede que a pessoa se defenda ou prepare-se para um perigo”. (p. 64) Se a fonte de perigo não pode ser identificada, ela se generaliza, e passa a fazer parte da cultura. Este autor aponta como uma das principais características do “ambiente disruptivo” a inversão de sentido das instituições sociais, que tornam-se incapazes de cumprir as funções para as quais foram criadas, principalmente a de garantir a segurança da população. Segundo Santo e Silva (2001), quando Hans Selye formulou sua teoria sobre o Estresse, identificou uma primeira fase, chamada de Reação de Alarme, durante a qual o organismo reconhece o estressor e começa ativando o sistema neuroendócrino. A função dessa fase seria de preparação do organismo para uma ação, seja ela de fuga ou luta, mas que possa garantir a sobrevivência. Essas alterações teriam a função de adaptação do indivíduo a uma nova realidade. Mas, como é possível se adaptar a um ambiente disruptivo? Benyakar (2003, p.66) responde parcialmente a esta questão: “Integradas às cenas cotidianas, as ameaças deixam de ser reconhecidas como provenientes do mundo externo e se internalizam. Uma vez incorporadas como parte da própria subjetividade, inundam e modelam a vida inteira”. Com isto, as respostas adaptativas de alarme levam os indivíduos a redesenhar sua vida inteira, evitando as situações perigosas. Mas em um ambiente disruptivo, estamos cercados por novos fatos que atualizam e fortalecem a ameaça. “Geralmente, os esforços adaptativos, desgastantes e sabidamente inúteis conduzem ao recolhimento gradual das pessoas em suas próprias casas, ao isolamento social, a condutas de auto e hetero-agressão ou, inclusive, a novas violências” (BENYAKAR, 2003, p.67). Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV (American Psychiatric Association, 1995, Edição Eletrônica), o quadro de Transtorno de Estresse pós-Traumático é descrito como: A característica essencial do Transtorno de Estresse pós-Traumático é o desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um extremo estressor traumático, envolvendo a experiência pessoal direta de um evento real ou ameaçador que envolve morte, sério ferimento ou outra ameaça à própria integridade física; ter testemunhado um evento que envolve morte, ferimentos ou ameaça à integridade física de outra pessoa; ou o conhecimento sobre morte violenta ou inesperada, ferimento sério ou ameaça de morte ou ferimento experimentados por um membro da família ou outra pessoa em estreita associação com o indivíduo. Com esta descrição, o DSM-IV evita a definição circular apresentada na CID-10 (COOPER, 1997), conforme discutido anteriormente, delimitando a natureza da situação possivelmente traumatizante. De uma forma resumida, o estressor é visto como uma situação em que ocorre o risco de morte ou ferimento, a si mesmo ou a outros, sem mencionar a “anormalidade do evento” (SCHESTATSKY et al., 2003). Até mesmo situações de emergência corporal ou mental, como infarto do miocárdio, parada cardíaca ou o surgimento de uma esquizofrenia paranóide, por serem situações que apresentam uma ameaça à vida, podem provocar o aparecimento do PTSD (MINGOTE et al., 2001). Existem, no entanto, situações potencialmente traumáticas que não envolvem um risco de morte. Estas situações também podem trazer sofrimento psíquico e desenvolvimento de sintomas. Por este motivo, alguns autores estabeleceram uma classificação dos tipos de trauma e suas possíveis conseqüências psicológicas. Para Terr (1991, citado por CIA, 2001), haveria dois tipos básicos de situação traumática. O trauma de Tipo I relaciona-se com o tipo de evento estudado neste trabalho. São traumas de pequena duração, inesperados e eventuais, como geralmente são os assaltos ou seqüestros com finalidade de assalto a agências bancárias, e que freqüentemente favorecem o desenvolvimento de PTSD. O trauma de Tipo II seria provocado por eventos de maior duração, previsíveis e repetidos. Este tipo de trauma favorece o desenvolvimento de Transtorno Dissociativo (RODRIGUES, 2003). Para melhor discriminação das diferenças, os tipos de traumas serão apresentados no Quadro 2 6: Quadro 2- Tipos de Eventos Potencialmente Traumáticos TRAUMAS TIPO I Acontecimentos repentinos, perigosos e angustiantes, pouco freqüentes e de duração limitada, como desastres de origem natural, acidentes automobilísticos, assaltos, sequestros-relâmpago, estupros. Os eventos são recordados em detalhe e criam lembranças bem vivas e completas. . 6 Adaptado do livro Trastorno de estrés Postraumático CIA, A. H. Buenos Aires: Imaginador, 2001. p. 57-58). Geralmente oferecem uma rápida recuperação, mas podem conduzir ao desenvolvimento de PTSD, com idéias intrusivas, evitação e hiperexcitação. TRAUMAS TIPO II Acontecimentos variados, múltiplos, crônicos, de longa duração, são repetitivos e previsíveis. Geralmente são causados intencionalmente por outras pessoas, como abuso físico ou sexual contínuo, maus-tratos, tortura, seqüestro prolongado, assédio moral. A vítima se sente incapaz de defender-se. As lembranças são geralmente imprecisas, confusas, isoladas e fragmentadas, devido à dissociação. Com a repetição da situação traumática, a dissociação pode se tornar uma forma de tornar a experiência menos dolorosa e angustiante. Traz alterações na forma da pessoa ver a si mesma e ao mundo, devido aos sentimentos de vergonha, desvalorização e culpa. As tentativas de defesa podem envolver, respostas dissociativas, negação e insensibilidade ou anestesia afetiva, isolamento e consumo de drogas. Uma diferença importante entre os dois tipos, é que o trauma do Tipo II, embora extremamente violento e angustiante, geralmente não é acompanhado do medo da morte. Uma pessoa maltratada ou sexualmente violentada por um conhecido ou familiar, apesar do horror que está vivenciando, sabe que não será morta pelo agressor. Nesse sentido, O DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica) ainda descreve como respostas aos eventos traumáticos necessários para o diagnóstico de PTSD, o surgimento de “intenso medo, impotência ou horror”, além de uma rememoração persistente da situação traumática e tentativa de esquiva de estímulos que possam se associar com o trauma. Essas lembranças são sentidas como “espontâneas, involuntárias, ao surgirem não são facilmente interrompidas, parecendo ter ‘vida própria’” (CÂMARA FILHO; SOUGEY, 2001). Na opinião destes autores, as sensações de reviver o acontecimento ou flashbacks seriam os sintomas mais característicos do PTSD. Sobre a possibilidade de desenvolvimento de PTSD apenas por testemunhar um fato violento, em pesquisa realizada em Nova York após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, foram encontrados 44% de pessoas com sintomas de PTSD na população, que assistiu os eventos pela televisão (SCHUSTER et al., 2001). Ainda no DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica), encontramos o seguinte critério diagnóstico: O quadro sintomático completo deve estar presente por mais de um mês e a perturbação deve causar sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. Embora a maioria das pessoas tenha um restabelecimento sem nenhuma intervenção profissional, pesquisas com uma amostra de 205 mulheres adultas que sofreram agressões sexuais e não sexuais, verificaram que mais de um terço da população investigada mantinha sintomas três meses após o ataque, e que uma parcela substancial poderia desenvolver graves problemas a menos que uma intervenção efetiva fosse providenciada (VALENTINER et al., 1996). Além dos sintomas descritos no DSM-IV (APA, 1995) e na CID-10 (COOPER, 1997), outros trabalhos recentes mostraram a existência de outras conseqüências de situações traumáticas, que Mingote et al. (2001) designaram como “sintomas secundários” presentes no PTSD, mas não mencionados no DSM-IV. Estes sintomas podem aparecer como alterações na percepção do tempo presente e passado, antecipações catastróficas e premonições em “espiral negativa”. Sobre a dificuldade de localização temporal que as vítimas de traumas apresentam, Câmara Filho e Sougey (2001, www.scielo.br) mencionam que, Mesmo estando o perigo afastado e confinado ao passado, o indivíduo pós-traumatizado continuamente revive o ocorrido, vivenciando-o como experiência contemporânea em vez de aceitá-lo como algo pertencente ao passado. Ele fica incapaz de retomar o curso de sua vida porquanto o trauma constantemente está a interrompê-la: é como se o tempo parasse no momento do trauma. Freud (1917a/1995, Edição Eletrônica) descrevia esta dificuldade em relação ao passado e ao futuro como “fixação ao trauma”, argumentando que toda neurose inclui uma fixação em uma fase do passado. “É como se esses pacientes não tivessem findado com a situação traumática, como se ainda tivessem enfrentando-a como tarefa imediata ainda não executada”. Isso também descreve um dos sintomas constantes do DSM-IV (APA, 1995), o sentimento de futuro abreviado. A pessoa traumatizada tem dificuldades em fazer planejamentos em longo prazo, ou mesmo de manter os planos de vida e trabalho previamente existentes, gerando constantemente conflitos entre a pessoa traumatizada e sua família. Os sentimentos de vergonha e da raiva após situações traumáticas também são comuns e podem desempenhar um papel importante na manutenção do quadro. Usando uma amostra de 116 mulheres vítimas de diversos crimes que envolviam algum tipo de violência, Andrews et al. (2000), concluíram que a vergonha e humilhação (geralmente pela impotência diante da situação) e da raiva (contra si mesmo e contra outros) impediam um relaxamento necessário para a elaboração da situação traumática. Também foi encontrada uma resposta ao trauma na forma de culpa, como ruminações obsessivas por ter sobrevivido ou na forma de autorecriminações, geralmente pouco realistas, por não ter, de alguma forma, evitado a situação traumática. As pessoas traumatizadas recriminam-se também por reações que consideravam pouco adequadas durante a situação traumática (MINGOTE et al., 2001). O sentimento de culpa estava presente na CID-9 como sintoma constitutivo da Neurose Traumática, sendo excluído na CID-10 enquanto critério diagnóstico para o Transtorno de Estresse pós-Traumático. Podemos relacionar o aparecimento destes sentimentos com o que Shatan (2001) descreve como dupla ferida: psíquica e social. Um sujeito que é vitimizado por determinada situação sente-se, mais tarde, atacado pela sociedade mediante atitudes de incompreensão, censura ou reprovação. Este autor ainda levanta a importância das perdas na formação dos sintomas. Ele afirma que toda situação traumática envolve uma perda. Pode tratar-se de uma perda material, da perda da própria dignidade pessoal, perda da confiança em outras pessoas e na perda das crenças e ideais de toda a vida. Segundo este autor, estas perdas causam “um estado de congelamento em que parecem ter experimentado uma espécie de anestesia emocional”. Talvez este fator possa servir de indicativo para a compreensão do fato de que pesquisas encontram taxas maiores de PTSD quando o evento traumático é provocado pelo homem, em comparação com as conseqüências de desastres naturais. Cia (2001) elenca as alterações de crenças após uma situação traumática, conforme o quadro abaixo (Quadro 3): Quadro 3: Alterações nas crenças encontradas após uma experiência traumática7: CRENÇAS PRÉ-TRAUMA • CRENÇAS PÓS-TRAUMA Invulnerabilidade: Isso não pode acontecer comigo. • Confiança em si mesmo: Me sinto bem. Sei que posso conseguir o que quero. • Confiança no futuro: Vou ser feliz no futuro. • Eu posso. • • Sensação que o mundo tem um sentido. • Acreditar que as pessoas obtêm o que merecem. • Confiar nas pessoas. • Sentir que o mundo é um lugar seguro. • Preocupação recorrente: Vai voltar a acontecer. Não valho nada, não vou conseguir o que me proponho. • Nunca vou conseguir estar bem. • • Não consigo nada. Não vou poder. Não importa o que eu faça, não vou poder controlar nada Não encontro sentido em nada. • O mundo é injusto • • Desconfio de tudo e de todos. Sinto-me inseguro de todas as formas. Outro fator importante que deve ser levado em consideração na relação do indivíduo traumatizado com seu meio é de que as pessoas reagem defensivamente ao relato de uma experiência traumática, tendendo a, de alguma forma, culpar a vítima. Para manter uma falsa sensação de segurança, as pessoas reagem de forma a pensar que “Isso não vai acontecer comigo, pois sou mais cuidadoso que ele” (BENIAKAR, 2003). Esta postura, além de culpar uma pessoa que já se sente culpada, é puramente defensiva, e irracional. Em uma sociedade violenta, todos estão sujeitos a sofrer ações criminosas, por mais que tente negar isto. Afinal, como dizia Freud (1925/1995, Edição Eletrônica) “O viajante 7 Adaptado de Cia. A. H. Buenos Aires: Imaginador, 2001. p. 62. surpreendido pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus próprios temores; mas, apesar de tudo isto, não enxergará mais que um palmo adiante do nariz”. Indivíduos traumatizados apresentam também uma tendência a apresentar falsas memórias em quantidade maior que entre indivíduos não traumatizados (ZOELLNER et al., 2000), respondem de forma mais intensa a estímulos visuais e sonoros (ORR et al., 2000), e alguns pacientes buscam uma re-exposição compulsiva a novos eventos potencialmente traumáticos (CÂMARA FILHO; SOUGEY, 2001). Outras alterações também podem estar presentes. Glina et al. (2001) mencionam o caso de um motorista de ônibus que, após ter sofrido o último de cinco assaltos à mão armada, ficou “duas ou três noites sem dormir, com suores intensos e as pernas tremendo”. No mesmo trabalho é citado o caso de um gerente de banco que, após sofrer um assalto, passou a apresentar cansaço, “moleza”, mal-estar e palidez. O medo intenso da repetição da situação fez inclusive com que esta pessoa deixasse crescer a barba e o bigode, como um “disfarce” para que não fosse reconhecido pelos assaltantes. Abuso de substância, comportamento violento e prejuízos no relacionamento interpessoal também são comuns no PTSD, embora não sejam considerados sintomas formais (CARLIER, 2000). Embora seja impossível prever as reações humanas diante de qualquer situação, a partir de estudos estatísticos, Horowitz, Wilner e Alvarez (1979) descrevem cinco fases características de respostas aos traumas, com um possível estado final de resolução mais ou menos completo, que pode incluir várias alterações permanentes na estrutura de personalidade. Tal curso é ainda influenciado pelo tipo de estressor: 1- Fase de choque: A resposta imediata a um evento traumático pode ir desde o alarme agudo (uma crise de medo) até a incapacidade perplexa de assimilar o significado da experiência. Ferenczi (1919) comenta este choque inicial da seguinte forma: “os sintomas neuróticos só se desenvolvem após o desaparecimento do estado passageiro de confusão mental, quando os sujeitos abalados revivem a lembrança da situação perigosa” (p. 18). Ele compara esta fase à situação de uma mãe que, após salvar seu filho de um perigo com o maior sangue-frio, desaba emocionalmente após lembrar o perigo pelo qual o filho passou. 2- Fase da negação: Após o choque, algumas pessoas podem experimentar uma negação que dura de semanas a meses, antes de manifestarem respostas emocionais ao trauma. Os sintomas incluem amnésia, torpor, distúrbios no sono, sintomas somáticos, hiperatividade e retraimento. Benyakar (2003), refere-se a este tipo de reação que algumas pessoas reagem como se “nada tivesse acontecido”, mas que desenvolvem sintomas sem relacioná-los com a situação traumática pela qual passaram. 3- Fase intrusiva: Algumas pessoas não atravessam a fase de negação. Experimentam um período de recordação espontânea do trauma. Quando a fase de negação é retardada, a emergência súbita de sintomas da fase intrusiva (por ex., resposta de alarme exagerada, pensamentos intrusivos, preocupação, afeto instável, estado de excitação crônica, distúrbios no sono e nos sonhos) pode levar a uma ansiedade considerável e a um medo de “ficar louco”. A maioria dos indivíduos responde bem à afirmação de que estas experiências são normais e transitórias. 4- Fase de elaboração do trauma: Durante esta fase, o indivíduo examina significados do evento traumático, outros eventos associados e memórias, lamenta as perdas e ferimentos, e considera novos planos para lidar com o futuro. 5- Fase de aceitação: A fase de aceitação é alcançada quando a pessoa reconhece o impacto do trauma sobre seu psiquismo, exibe planos esperançosos para o futuro e reassume o trabalho e atividades de lazer. Mas, se em decorrência de maior vulnerabilidade pessoal ocorrer um desequilíbrio psíquico a ponto do indivíduo não alcançar a fase de aceitação, dá-se uma situação de conflito que, ao ser expressa através de sintomas, caracterizaria o PTSD. Outros autores identificaram fases com características semelhantes em vítimas de situações traumáticas em que uma coletividade é atingida. Ursano, Fullerton e Norwood (1996), a partir de estudos realizados pelo governo americano, indicam quatro fases após um desastre: a primeira, que ocorre logo após o desastre, consiste no surgimento de fortes emoções, sentimento de descrença, embotamento afetivo, medo e confusão. Estas reações seriam respostas esperadas após um evento anormal. Os familiares, amigos, vizinhos, oferecem um sistema de suporte que é o mais utilizado. A segunda fase, chamada por eles de fase de adaptação, começa entre uma semana e alguns meses após o desastre. Nesta fase de adaptação, os sintomas de evitação se alternam com os sintomas de lembranças intrusivas. Os sintomas intrusivos aparecem primeiro, e consistem em pensamentos e sentimentos espontâneos, hipervigilância, insônia e pesadelos. Esta fase é freqüentemente acompanhada de aumento de consultas médicas, com queixas de fadiga, vertigens, dores de cabeça e náuseas. Irritabilidade, apatia e isolamento social também estão presentes. A terceira fase, surge após cerca de um ano do desastre, e é acompanhada de desapontamento e ressentimento, quando as expectativas de auxílio e restauração não são atendidas. Neste período, o senso de coletividade fica prejudicado diante das preocupações individuais. A fase final, de reconstrução, pode durar anos. É quando a pessoa reconstrói sua vida, e a recuperação do desastre envolve a resolução dos sintomas iniciais, através de uma reavaliação do evento, integrando-o dentro de um novo conceito individual. Embora este esquema refira-se a desastres naturais, podemos pensar sua aplicabilidade em relação a situações traumáticas de uma forma geral. Os trabalhos mencionados mostram que o Transtorno de Estresse pós-Traumático pode trazer diversas formas de alterações que provocam sofrimento psíquico, além dos mencionados na CID-10 (COOPER, 1997) e DSM-IV (APA, 1995). A constante, nestes casos, é o surgimento do sintoma após a “exposição a um extremo estressor traumático”. Entretanto, a relação entre características pessoais prévias e experiência traumática não está clara, e há divergências entre quais características seriam mais patogênicas anteriormente ao trauma. Por outro lado, não podemos simplesmente afirmar que a situação traumática desencadeia o aparecimento de sintomas de uma neurose pré-existente. Os sintomas descritos anteriormente são específicos do quadro estudado, não pertencendo a nenhuma outra categoria nosográfica. 1.4- A prevalência do Transtorno de Estresse pós-Traumático Conforme Kessler et al. (1995), entre os americanos, 60,7% dos homens e 51,2% das mulheres viveram algum tipo de situação traumática em suas vidas, tais como sofrer ferimentos físicos ou testemunhar alguém sendo ferido ou morto; envolvimento em incêndio, inundação ou desastre natural; envolvimento em algum acidente com ameaça à vida; ou exposição a combate. A prevalência de Transtorno de Estresse pós-Traumático nessas pessoas foi de 10,4 % nas mulheres, e 5% nos homens. Nesta pesquisa, realizada por Kessler et al. (1995), com uma população de mais de cinco mil pessoas, com idades entre 15 e 54 anos, foram encontrados dados surpreendentes da incidência de situações possivelmente traumáticas, e desenvolvimento do quadro de Transtorno de Estresse pós-Traumático (Ver Quadro 4). Quadro 4: Índice de experiências possivelmente traumáticas e desenvolvimento de PTSD.8 Mulheres (%) Trauma Homens (%) Experiência Desenvolvimento Experiência Desenvolvimento Abuso físico 5 49 3 22 Estupro 9 46 1 65 Ameaça com arma Combate 7 33 19 2 0 0 6 39 Molestação 12 27 3 12 Ataque físico 7 21 11 2 Choque 12 10 11 4 Acidente 14 9 25 6 Testemunhar acontecimento violento 15 7 36 6 Conforme os dados mostram, e outros autores confirmam (MAES et al.1998, YEHUDA,1998), os índices encontrados de PTSD variam de acordo com o gênero e com o 8 Extraído de KESSLER, R.C. et al. Posttraumatic stress disorder in the National Comorbidity Survey. Archives of General Psychiatry. v.52, n.12. 1995 fator estressor. Mingote et al. (2001), advertem que o tipo do estressor pode condicionar variações no curso da enfermidade, devendo receber atenção especial. Os estressores causados pelos homens parecem apresentar uma prevalência maior que os de origem natural. Essa discrepância pode ser verificada através de uma comparação: enquanto 57% das mulheres vítimas de violência sexual desenvolvem PTSD, em erupções vulcânicas, nas quais a ameaça à vida também é muito intensa, e as perdas materiais são devastadoras, estudos mostram que apenas 3.6% da população exposta desenvolveram PTSD (MINGOTE et al., 2001). Mesmo entre os estressores causados pela violência de origem humana, ocorrem diferenças. Mueser et al. (1998) encontraram maior taxa de PTSD em crianças quando o estressor foi o abuso sexual, tanto para meninas como para meninos. Em mulheres adultas, os maiores estressores encontrados foram o ataque sexual ou físico sem armas e testemunho de morte ou grave ferimento; entre os homens, o assassinato de amigos ou parentes ou sofrer um ataque com armas. Yehuda, McFarlane e Shalev (1998) citam estudos nos quais foram encontrados índices menores que os de Kessler et al. (1995), tanto para a vivência de situações traumáticas, quanto para o desenvolvimento de PTSD. Este estudo, realizado com uma população fortuita de 1007 jovens, revelou que apenas 39% foram expostos a algum estressor e destes, 23.6% desenvolveram PTSD. Em outra pesquisa, com prisioneiros de guerra, o índice de prevalência foi de 4750%. Em civis expostos a ataques na Irlanda do Norte, foram encontradas taxas de 94% (CURRAN; MILLER, 2001). Maes et al. (1998) citam pesquisa onde foi encontrada taxa de 16% de PTSD em sobreviventes de infarto do miocárdio. Em vítimas de acidentes de trânsito, a taxa varia entre 10 a 39%. Em vítimas de violência não sexual, 70% apresentam sintomas do PTSD nos primeiros três meses após a situação violenta e 20% mantiveam os sintomas após este período (FOA; ZOELLNER; ALVAREZ, 2003) . O DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica) indica uma variação enorme e pouco precisa, “entre 3% e 58%”. Macready (1998), em pesquisa com prostitutas na África do Sul, Tailândia, Turquia, Estados Unidos e Zâmbia, encontrou taxa de PTSD de 67%. Este dado sugere a impossibilidade de uma adaptação a um ambiente disruptivo. A taxa encontrada surpreende, pois, embora possamos imaginar que pela própria atividade que as prostitutas exercem, na qual ficam expostas a ataques de ordem física e sexual, elas estariam mais acostumadas com este tipo de situação. Para esta população, o índice de PTSD encontrado é bem maior que na população em geral, e superior aos de prisioneiros de guerra. Além destes números, Benyakar, (2003) comenta que no início dos estudos sobre o Transtorno de Estresse pós-Traumático, na década de oitenta, era feito um cálculo de que, para cada indivíduo afetado fisicamente, havia, no mínimo, quatro pessoas afetadas psicologicamente: ele próprio e seus familiares, ou pessoas próximas. Com os atentados terroristas, este número aumentou para vinte traumatizados para cada ferido físico e, “desde o ataque às Torres Gêmeas, sabe-se que, para cada danificado físico há pelo menos duzentas pessoas que requerem alguma assistência psicológica” (p. 93). Diversos fatores contribuem para a divergência dos índices de PTSD encontrados nas diferentes pesquisas: Em primeiro lugar, diferentes populações estão sujeitas a diferentes estressores. Mueser et al. (1998) constataram essa diferença pesquisando pacientes de dois hospitais norte-americanos de cidades diferentes. Além disso, Maes et al. (1998), apontam que um fato que pode alterar as taxas encontradas nos diversos estudos pode ser o intervalo de tempo entre a situação ameaçadora e a avaliação diagnóstica. Pesquisa efetuada por Yehuda, McFarlane e Shalev (1998) na Austrália, encontraram em 19% das vítimas de acidentes automobilísticos o diagnóstico de PTSD. Este estudo mostra que o PTSD aumentou no período de 6 meses após o acidente. Em pesquisa semelhante desenvolvida por Resnik, Kilpatrick e Lipovsky (1996), as mulheres adultas da amostra, vítimas de ataque sexual apresentavam índice de 94% de PTSD uma semana após o assalto, 65% persistiam por um mês após o ataque, e 47% após um ano. Assim, dependendo do estressor e da população atingida, os índices de desenvolvimento do PTSD podem aumentar ou reduzir com o passar do tempo e, dependendo do intervalo de tempo decorrido entre a experiência traumática e a investigação, índices diferentes serão encontrados. Outro fator mencionado por Maes et al. (1998) pode ser a diferença do referencial diagnóstico utilizado. Ele comenta um estudo realizado por Creamer (1989) onde em um grupo exposto a múltiplos homicídios, usando-se o DSM-3, a taxa era de 74% de incidência de PTSD. Já com a utilização do DSM-III-R, a taxa caía para 33%. Em vítimas de acidentes de trânsito, usando o DSM-IV,a taxa de incidência era de 34.8%. Para a mesma amostra, com os critérios do DSM-III-R, a taxa de incidência aumentava para 39.2%. Um quarto aspecto a ser abordado, é o da existência e utilização de diferentes instrumentos de avaliação diagnóstica para o PTSD. Roso (1998) lista as tabelas mais utilizadas, que medem a presença de sintomas, e de outras variáveis associadas ao seu desenvolvimento. Entre as mais utilizadas, estão a CAPS- Clinician Administered PTSD Scale (Anexo 1), a IES- Impact of Events Scale, a MISS- Mississipi Rating Scal for Combat Related PTSD e sua versão Civil, e a SOS- Significant Other Scale. O uso de escalas diferentes aponta índices diversos da presença do quadro patológico. Embora as escalas citadas tenham sido aprovadas e utilizadas por pesquisadores de diversos países, é inevitável que se encontre pequenas variações dependendo do instrumento utilizado. Um quarto fator importante a ser destacado, é o da diferença da cultura entre as diversas populações pesquisadas, e as conseqüentes variações nas formas de relacionamento da população com situações possivelmente traumáticas, como crimes e experiências de violência. Kerr-Correa (2000), em estudo sobre o abuso sexual, cita pesquisas nos EUA onde a incidência do abuso sexual contra a mulher varia entre 12,9% e 28%, ao passo que no Brasil, segundo esta autora, a estimativa é de 7%. Estes dados, lidos ingenuamente, indicariam que nos EUA, onde a polícia age com maior eficácia e a punição para os criminosos é mais rigorosa que no Brasil, haveria um número maior de casos de abuso sexual. A autora conclui que essa diferença não reflete a realidade, podendo ser atribuída a pouca pesquisa sobre o tema no Brasil e, principalmente, à descrença da população no sistema judiciário brasileiro, deixando de denunciar muitos crimes. Essa descrença fica evidente ao comparar-se a estimativa de casos com os números oficiais. O número de ocorrências policiais de casos de estupros consumados e tentativas de estupro, no ano de 1999, indica um índice de apenas 0,01% deste tipo de ocorrência na população total do Estado de São Paulo (SEADE, 1999), contra uma estimativa de 7% (KERRCORREA, 2000). Uma paciente atendida em psicoterapia, vítima de seqüestro-relâmpago, comentou não ter feito ocorrência policial do crime do qual foi vítima. Ao ser questionada sobre o motivo disso, argumentou: “Para quê? A polícia não vai fazer nada. Não quero virar estatística”. Embora esse seja um dado isolado, pela experiência sabe-se que esta postura retrata a falta de confiança que parte da população tem nas autoridades policiais. Além disso, há o fator de que os sintomas do PTSD são considerados “normais” pela população de um modo geral, e por isso, não há procura de tratamento, mascarando a incidência real que este quadro pode ter na população. Objetivando realizar uma pesquisa sobre a eficácia de diferentes tratamentos para o PTSD, Taylor et al. (2003), recrutaram os participantes a partir da indicação de médicos e de anúncios através da mídia. Entre os 299 indivíduos que contataram os pesquisadores, 60 cumpriam os critérios diagnósticos de PTSD. Nessa amostra, o tempo médio que apresentavam os sintomas foi de 8,7 anos. Durante este período, essas pessoas não procuraram tratamento, deixando de aparecer em levantamentos epidemiológicos. Por último, outro aspecto que deve ser levantado, é em relação ao pouco conhecimento, ou ao pouco valor dado a este diagnóstico, inclusive por profissionais de saúde. Mueser et al.(1998), pesquisando 275 pacientes do serviço público de saúde mental norte-americano, encontraram taxa de 43% que apresentavam diagnóstico de PTSD, embora apenas 2% tivessem recebido este diagnóstico em seus prontuários. Pesquisas semelhantes citadas por ele encontraram taxa de 34% e 29%. Andrade et al. (1999) em pesquisa epidemiológica realizada entre os pacientes do serviço de triagem do Hospital das Clínicas de São Paulo, não incluíram o PTSD entre as categorias avaliadas, apesar da alta prevalência indicada pelo DSM-IV, entre 3% e 58%. Este autor encontrou índice de 12,9% na categoria Qualquer Transtorno Ansioso, que possivelmente engloba sintomas do PTSD. 1.5- Outros transtornos associados ao PTSD O Transtorno de Estresse pós-Traumático também aparece com altas taxas de comorbidade com outros distúrbios de natureza mental. Kessler et al.(1995), encontraram em mulheres internadas com graves perturbações mentais, alguma experiência de violência sexual na infância ou quando adultas, e entre os homens, o fato de terem vivido ataques armados, ou testemunhado assassinato ou graves ferimentos em outra pessoa. Este autor chegou a resultados de que, na população em geral, 83% das pessoas com PTSD tem outro transtorno psiquiátrico associado. Da mesma forma que a pessoa traumatizada sente-se susceptível diante de sintomas físicos, muitas vezes procurando o serviço médico sem necessidade, o mesmo ocorre em relação a sintomas psicológicos. O paciente com PTSD tem uma sensibilidade maior em relação à depressão e ansiedade. Foi encontrado um significante aumento de comorbidade em pacientes com PTSD. As doenças associadas mais encontradas foram: Episódio Depressivo Maior, Transtorno Bipolar e Síndrome do Pânico (com e sem Agorafobia) em veteranos de guerra (BROWN; STOUT, 1999). Clark (2001), em pesquisa com cento e cinqüenta drogaditos, encontrou em 53% das mulheres e 14% dos homens da amostra, critérios diagnósticos de PTSD, segundo o DSM-IV(APA, 1995). Transtornos relacionados ao uso de álcool foram identificados entre 60% a 80% em veteranos de guerra (MINGOTE et al., 2001). Essa comorbidade talvez possa ser entendida se pensarmos que o aparelho psíquico, após uma situação traumática, está inundado de excitação para a qual não consegue uma descarga, e isso faz com que o indivíduo procure formas de anestesia, como na adição alcoólica, ou na transformação da estimulação, através mudança da passividade em atividade, com o uso de drogas, ou mesmo do aumento do consumo de cafeína ou outros estimulantes Em pesquisa realizada nos EUA, foi verificado que não é a situação traumática que provoca o aumento do consumo de álcool e drogas, mas sim o desenvolvimento do quadro de PTSD. Na amostra pesquisada que passou por uma vivência traumática mas não desenvolveu sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático, não foram encontrados níveis significativos de aumento do consumo de álcool e drogas, apenas um ligeiro aumento do consumo de nicotina. Já na parte da amostra que desenvolveu os sintomas, houve elevação significativa do consumo de drogas e álcool (BRESLAU; DAVIS; SCHULTZ, 2003). Esses dados levam a pensar que o uso de substancias visa aliviar os sintomas e não a experiência do trauma em si. Câmara Filho e Sougey (2001), mencionam que os pacientes com de PTSD teriam duas vezes mais probabilidade de apresentar outros transtornos, inclusive Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Sobre essa possibilidade, Torres (2001), aponta a semelhança entre alguns sintomas do PTSD e do Transtorno Obsessivo Compulsivo, indicando que a presença de rituais é o principal elemento diferençável para o diagnóstico de TOC. Mosca e Banchero (2002) descrevem que as alterações fisiológicas provocadas pelo PTSD, alterando o sistema imunológico e de memória, são responsáveis também pelo surgimento de casos de dor crônica e alergias. Mingote et al. (2001), citam ainda alterações persistentes na personalidade, como traços depressivos, intensificação de traços de caráter prévios, isolamento social e grande necessidade de controle e dependência, nas pessoas diagnosticadas com PTSD. Levantando hipóteses sobre a alta taxa de comorbidade entre o PTSD e outros transtornos mentais, Mueser et al. (1998) comentam que é possível que a experiência de um trauma e o desenvolvimento de PTSD, especialmente em idade precoce, produza uma vulnerabilidade para o desenvolvimento de outros distúrbios psiquiátricos. Por outro lado, pacientes com determinados transtornos, como a depressão, podem ficar mais propensos a lembrar experiências passadas traumáticas e seus efeitos, deixando os sintomas de PTSD como um diagnóstico secundário em seu quadro. A relação entre o Transtorno de Estresse pós-Traumático com a depressão pode ficar mais evidente se for levada em consideração que alguns sintomas, como a perda do interesse nas atividades, dificuldades relacionadas ao sono e ideação suicida são comuns a ambos os quadros. Além destes, o sintoma de autorecriminação, presente na depressão, é muito comum no Transtorno de Estresse pós-Traumático, surgindo na forma de culpa por não ter evitado a situação traumática. Embora muitos sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático possam assemelhar-se aos sintomas de outras patologias, é importante mencionar que os estudos sobre a neurobiologia do PTSD indicam que esse quadro apresenta alterações biológicas diferentes das demais. As taxas de cortisol e as alterações no funcionamento do eixo Hipotálamo-Pituitário-Adrenal (HPA), são diferentes dos encontrados em casos de Depressão e mesmo, do próprio Estresse (GRAEFF, 2003, NEWPORT; NEMEROFF, 2000) 1.6- O transtorno de estresse agudo A experiência traumática não tem como conseqüência psicopatológica única o desenvolvimento do Transtorno de Estresse pós-traumático. A CID (COOPER, 1997) e o DSM_IV (APA, 1995) apontam a existência de um outro diagnóstico possível após uma experiência traumática: O Transtorno de Estresse Agudo (TEA). Enquanto o PTSD tenha que persistir por mais de 30 dias, o TEA é um diagnóstico que deve ser utilizado no período entre 48 horas e 30 dias após a situação traumática. Segundo o DSM-IV (APA, 1995, Edição eletrônica): Por definição, um diagnóstico de Transtorno de Estresse Agudo aplica-se apenas a sintomas que ocorrem dentro de 1 mês após o estressor agudo. Uma vez que o Transtorno de Estresse PósTraumático exige mais de 1 mês com sintomas, este diagnóstico não pode ser feito durante o período inicial de 1 mês. Para os indivíduos com o diagnóstico de Transtorno de Estresse Agudo cujos sintomas persistem por mais de 1 mês, o diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático deve ser considerado. Essa descrição sugere que a diferença entre os dois diagnósticos seria apenas no tempo de duração dos sintomas. Teríamos então a seguinte divisão nas alterações provocadas pela vivência de uma situação traumática: • Até 48 horas: Uma reação normal a uma situação anormal. • Após 48 horas e até 30 dias: Transtorno de Estresse Agudo (TEA). • Após 30 dias: Transtorno de Estresse pós-Traumático (PTSD). Se o diferencial diagnóstico ficar limitado à duração dos sintomas, fica uma questão sobre a necessidade da existência dessa categoria diagnóstica. Porque não uma única categoria para diagnóstico, independente do tempo de duração? A própria limitação de 30 dias para o TEA já dificulta o diagnóstico, uma vez que só pode ser dado com segurança retrospectivamente. Uma pessoa avaliada após três semanas da situação traumática, receberá o diagnóstico de TEA que será válido apenas por uma semana. Caso não haja alteração nos sintomas nessa semana, deverá ser reavaliada para ter o diagnóstico de Transtorno de Estresse pós-Traumático. Assim, o TEA seria apenas um diagnóstico de caráter provisório, enquanto o PTSD seria o diagnóstico mais duradouro. No entanto, examinando-se mais cuidadosamente os critérios diagnósticos para o TEA, veremos que, embora quase todos os critérios do TEA sejam iguais aos do PTSD, no critério B, há uma diferença fundamental, conforme Quadro 5: Quadro 5 – Critério Diagnóstico B para Transtorno de estresse agudo9. B. Enquanto vivenciava ou após vivenciar o evento aflitivo, o indivíduo tem três (ou mais) dos seguintes sintomas dissociativos: (1) um sentimento subjetivo de anestesia, distanciamento ou ausência de resposta emocional; (2) uma redução da consciência quanto às coisas que o rodeiam (por ex., "estar como num sonho"); (3) desrealização; (4) despersonalização; (5) amnésia dissociativa (isto é, incapacidade de recordar um aspecto importante do trauma). Assim, além dos sintomas comuns ao PTSD, o diagnóstico de TEA exige a presença de ao menos três sintomas dissociativos, o que, se por um lado, estabelece um diferencial importante em relação ao PTSD, por outro, cria as seguintes contradições diagnósticas: Em primeiro lugar, uma pessoa que, no período de um mês após uma situação traumática, desenvolve todos os sintomas do PTSD e TEA, exceto os sintomas dissociativos, ou apenas dois entre os sintomas dissociativos discriminados, não teria os critérios diagnósticos para TEA e o tempo decorrido não permite o diagnóstico de PTSD. Embora essa pessoa possa apresentar “sofrimento clinicamente significativo e/ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional” (APA, 1995), não há diagnóstico previsto, e isso pode ter relevantes implicações sob o aspecto jurídico-trabalhista, como concessão de afastamento do trabalho por licença-saúde e a caracterização da situação traumática enquanto acidente de trabalho. 9 Extraído do Manual Diagnóstico e Estatístico- DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica). Em segundo lugar, uma pessoa que apresenta os sintomas do PTSD após um mês da situação traumática, apresentando sintomas dissociativos, seria diagnosticada com PTSD apenas pelo critério do tempo de duração da enfermidade? A diferença diagnóstica entre as duas categorias diagnósticas recai sobre dois pontos: O tempo de duração dos sintomas e a presença de sintomas dissociativos. (HARVEY; BRYANT, 2001). Sobre a presença de sintomas dissociativos, McCarthy (2001) descreve que o “PTSD crônico em jovens é apresentado com sintomas como dissociação, comportamento auto-destrutivo, abuso de substâncias, e/ou problemas de conduta que podem obscurecer a origem pós-traumática do transtorno”. Para esse autor, a presença de sintomas dissociativos não exclui que o diagnóstico mais apropriado seja de Transtorno de Estresse pósTraumático. Harvey e Bryant (2001) relacionam as críticas que diversos autores fazem sobre a existência do diagnóstico de TEA: 1) Não há evidências que justifiquem a ênfase na dissociação como tendo um papel importante após um trauma. A maioria das pessoas que apresentam todos os sintomas para TEA exceto a dissociação, desenvolvem PTSD 6 meses após a experiência traumática. Embora a dissociação represente um importante papel, sua importância tem sido desnecessariamente enfatizada nesse diagnóstico. 2) A função do diagnóstico de TEA teria apenas a capacidade de predizer outros diagnósticos, uma vez que estudos mostram que a presença da dissociação durante ou logo após o trauma pode predizer o desenvolvimento futuro de PTSD. No entanto, embora a maioria das pessoas com diagnóstico de TEA acabem desenvolvendo PTSD, um número considerável de pacientes com PTSD não apresentaram os sintomas necessários para o diagnóstico de TEA no primeiro mês após a situação traumática. 3) A existência desse diagnóstico torna patológicas reações a um trauma que podem ser transitórias. 4) A única diferença entre o PTSD e TEA acaba sendo o tempo de duração dos sintomas. 5) O diagnóstico de TEA foi incluído com poucas evidências que justificassem sua inclusão, mais baseada em argumentos lógicos do que em pesquisas empíricas. 6) O próprio “flashback” ou lembrança intrusiva, um dos sintomas mais característicos do PTSD, pode ser interpretado como uma dissociação (JONES et al., 2003). Além das críticas levantadas, pode-se constatar também a sobreposição dos dois diagnósticos. Entre 72% e 83% das pessoas que desenvolveram TEA, apresentam sintomas de PTSD 6 meses após a situação traumática. Essas taxas caem para entre 63% e 80% após 2 anos (HARVEY, 2002). Brewin et al., (2003), encontraram uma sobreposição diagnóstica de 95,5% entre as duas categorias. Este alto índice, segundo esses autores, questiona o quanto se trata realmente de diagnósticos distintos. 1.7- A concepção psicanalítica de neurose e o PTSD A utilização do DSM-IV e a CID-10, justifica-se por tratarem-se de referências internacionalmente aceitas, e que visam à uniformidade diagnóstica. Eles estabelecem uma relação direta entre a existência de um “fator estressor traumático” e o desenvolvimento de sintomas psíquicos. Esta relação, a princípio, contraria a concepção etiológica das neuroses, utilizada pela psicanálise, de que a neurose seria, segundo Laplanche e Pontalis (1983), uma : “afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem as suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a defesa”(p. 377). Como articular essa compreensão da neurose com um quadro que se origina a partir de um único evento, atual, e não infantil, e no qual os sintomas não são uma representação simbólica, mas estão diretamente relacionados, na forma de repetição ou temor, com o fator desencadeante? Como entender uma neurose na qual o conflito entre o desejo e a defesa não estão presentes? Aparentemente, Freud, depara-se com questões semelhantes. Sua preocupação com a Neurose Traumática transpassa verticalmente sua obra. Desde o trabalho Novas Observações Sobre as Neuropsicoses de Defesa, de 1896, até seu último trabalho Esboço de Psicanálise de 1938, encontramos sua preocupação em relacionar a Neurose Traumática com suas recentes descobertas sobre a etiologia e a dinâmica das demais psiconeuroses.. Em diversas ocasiões, classifica a Neurose Traumática como uma exceção etiológica, que necessita de uma maior compreensão de sua metapsicologia. Freud considerava a Neurose Traumática como uma Neurose Atual, ao lado da Neurose de Angústia e da Neurastenia. Neuroses atuais são aquelas em que a origem não “deve ser procurada nos conflitos infantis, mas no presente;” e que “os sintomas não são, nelas, uma expressão simbólica e sobre-determinada” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983. p. 382). Podemos observar que vários sintomas que aparecem como critérios diagnósticos no DSM-IV (APA-1995) para o Transtorno de Estresse pós-Traumático estão presentes na descrição que Freud fazia da Neurose Traumática, que ele também denominava como “Neurose de Guerra” ou “Neuroses de Guerra em Tempo de Paz”. Na conferência Fixação em Traumas-O Inconsciente (1917a/1995, Edição Eletrônica), ele faz o seguinte comentário sobre os sintomas da Neurose Traumática e sua classificação como uma Neurose Atual: As neuroses traumáticas dão uma indicação precisa de que em sua raiz se situa uma fixação no momento do acidente traumático. Esses pacientes repetem com regularidade a situação traumática, em seus sonhos, onde ocorrem ataques histeriformes que admitam uma análise, verificamos que o ataque corresponde a uma completa transportação do paciente para a situação traumática. É como se esses pacientes não tivessem findado com a situação traumática, como se ainda tivessem enfrentando-a como tarefa imediata ainda não executada; e levamos muito a sério esta impressão. Neste trecho podemos constatar a semelhança da descrição de um dos principais sintomas do PTSD. Enquanto o DSM-IV (APA, 1995) descreve como: “episódios de repetidas revivescências do trauma sob a forma de memórias intrusivas (“flashbacks”), sonhos ou pesadelos”, Freud (op. Cit.) fala de uma situação não acabada, e da repetição que ocorre na memória ou em pesadelos. Da mesma forma, sobre o período de surgimento dos sintomas, a descrição que Freud faz dessa neurose, em “Moisés e o Monoteísmo” (1939/1995, Edição Eletrônica), muito se assemelha à do DSM-IV (APA, 1995): Pode acontecer que um homem que experimentou algum acidente assustador — colisão ferroviária, por exemplo, — deixe a cena desse evento aparentemente incólume. No decorrer das semanas seguintes, contudo, desenvolve uma série de sintomas psíquicos e motores graves, os quais só podem ser remontados a seu choque, à concussão, ou ao que quer que seja. Agora, esse homem tem uma ‘neurose traumática’. Tratase de um fato inteiramente ininteligível — o que equivale a dizer: novo. O tempo decorrido entre o acidente e o primeiro aparecimento dos sintomas é descrito como sendo o ‘período de incubação’, numa clara alusão à patologia das doenças infecciosas. Esta comparação com as doenças infecciosas é interessante, pois dá ao trauma um caráter de “corpo estranho”, alheio aos processos psíquicos normais e que necessita ser, de alguma forma, combatido, pois implica sempre num dano à integridade, e à dignidade como uma vivencia de morte para a própria pessoa que “passa a ser registro biográfico indelével e ameaça de morte permanente, com características sinistras de ‘corpo estranho que fratura minha vida’ e que ‘me aprisiona em um sem-sentido’” (MINGOTE et al., 2001). As tentativas de Freud de relacionar a Neurose Traumática com as demais neuroses, e com a compreensão do funcionamento mental, vai requerer diversas formulações do conceito de trauma. Como a discussão acerca da evolução da concepção de trauma em Freud foge ao objetivo deste trabalho, será utilizada a descrição de 1917 em que trauma seria “[...] uma experiência que, em curto período de tempo, aporta à mente um acréscimo de estímulo excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado de maneira normal, e isto pode resultar em perturbações permanentes da forma em que essa energia opera”. (1917a/1995, Edição Eletrônica). 1.8- A Neurose Traumática na obra de Sigmund Freud “[...] porque teremos de trabalhar de lá para cá, do mundo para seu homem, e o sentido do percurso talvez choque o leitor, que de costume vê a Psicanálise aplicar-se ‘psicologicamente’, referir-se a impulsos, defesas, sintomas, a ´coisas de dentro’”. (HERMANN, 1985, p.75) A afirmação acima dá idéia do desconforto que o estudo do PTSD provoca para um pesquisador que utiliza o referencial psicanalítico. Articular o PTSD, um quadro que surge a partir de um acontecimento externo, real, com uma dinâmica psíquica constituída por desejos, fantasias e ansiedades, dá uma sensação de estar tentando “reinventar a roda”. Por vezes, tem-se a impressão de um retrocesso, como se houvesse uma negação das descobertas sobre o funcionamento mental que a Psicanálise realizou durante todo o século XX. É como se estivéssemos no final do século XIX, ao lado de Freud, defendendo a “Teoria da Sedução”. E sempre fica o medo de, ao final do trabalho, chegarmos à conclusão de que “não acredito mais em minha neurótica”, como escreveu a Fliess na famosa carta de 21 de setembro de 1897 (MASSON, 1986, p. 265), em que expressa seu desapontamento com a importância do trauma advindo da realidade externa na etiologia da histeria. Por esse motivo, tornou-se imprescindível o recorte de algumas passagens da obra de Freud, onde ele menciona o caráter de excepcionalidade da dinâmica da Neurose Traumática em relação às demais neuroses. Por tratar-se de um levantamento do tema na obra de Sigmund Freud, neste capítulo serão utilizadas as denominações Neurose Traumática, Neurose de Guerra e Neurose de Guerra em Tempo de Paz, como eram conhecidas naquela época, e não o nome atual, Transtorno de estresse pós-Traumático. Uchitel (2001) defende a idéia de que a Neurose Traumática questiona a psicanálise e os psicanalistas. Como falar de uma neurose sem raízes na infância? Como trabalhar com um paciente com sintomatologia tão específica? A partir da leitura de alguns trabalhos da obra de Freud, podemos perceber, como será demonstrado a seguir, que o trauma, juntamente com suas conseqüências, está diretamente relacionado à história da psicanálise, e põe em evidência algumas dificuldades teóricas em relação à sua especificidade etiológica, a metapsicologia do trauma e a necessidade, ou não, de uma terapêutica própria (VIEIRA E VIEIRA NETO, 1998). Em suas primeiras descobertas, Freud considerava que toda neurose era de origem traumática. Em seu trabalho “Novas Observações sobre as Neuropsicoses de Defesa” (1896/1995, Edição Eletrônica), ele afirma: Para causar uma histeria, é preciso que a experiência que vai se tornar traumática, através da liberação e da repressão do afeto doloroso, pertença aos traumas sexuais da infância e seu conteúdo deve consistir numa irritação real dos órgãos genitais O trauma, nesse momento da obra freudiana, teria duas características: envolver dor e estar relacionado aos órgãos sexuais. Apesar de já ter abandonado a teoria da sedução, a idéia de um acontecimento sexual não prazeroso permanece. Quanto ao período da vida em que este trauma ocorreria, Renato Mezan (1982, p.38) comenta que: A data do trauma é localizada ao redor dos três ou quatro anos de idade. A “predisposição à histeria”, tão genérica nos escritos anteriores, é agora explicitamente substituída pelo efeito póstumo do trauma sexual infantil. Sydney Furst (1967, p. 16), confirma essa concepção afirmando: Evidentemente, a primeira teoria freudiana acerca das neuroses foi de índole traumática. Como clínico, interessou-se primeiramente pelo trauma por sua patogenicidade; foi nesta relação que Freud tratou com aqueles aspectos formais e dinâmicos dos fatos traumáticos que determinaram o resultado patológico. Toda neurose, então, teria etiologia traumática, necessitando de um fator circunstancial da realidade externa. O próprio Freud coloca isto textualmente, quando, nas “Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise” (1917a/1995, Edição Eletrônica), já com uma compreensão maior sobre o funcionamento mental, revê essa concepção: Assim, a neurose poderia equivaler a uma doença traumática, e apareceria em virtude da incapacidade de lidar com uma experiência cujo tom afetivo fosse excessivamente intenso. Na verdade, foi esta realmente a primeira fórmula pela qual (em 1893 e 1895) Breuer e eu explicamos teoricamente nossas observações. Na primeira de suas “Cinco Lições de Psicanálise”, (1910/1995, Edição Eletrônica), quando apresenta a paciente Anna O., atendida por Breuer, dá a seguinte explicação para a origem de seus sintomas: Quase todos se haviam formado desse modo, como resíduos — como ‘precipitados’, se quiserem — de experiências emocionais que, por essa razão, foram denominadas posteriormente ‘traumas psíquicos’; e o caráter particular a cada um desses sintomas se explicava pela relação com a cena traumática que o causara. Eram, segundo a expressão técnica, determinados pelas cenas cujas lembranças representavam resíduos, não havendo já necessidade de considerá-los como produtos arbitrários ou enigmáticos da neurose. A partir dessa concepção, ter-se-ia a visão de que Anna O. sofreu de neurose Traumática. Os conceitos de impulso e defesa ainda não haviam sido definidos, assim como seus decisivos papéis no conflito que prova a neurose. Aqui o trauma ainda é visto como um “corpo estranho” alterando o equilíbrio homeostático do aparelho psíquico. O fator patogênico da histeria vinha do exterior, era uma circunstância acidental na vida do paciente. A situação traumática, denominada por Breuer como “estado hipnóide” seria responsável pela dissociação psíquica, criando um conjunto de idéias inconscientes, paralelas à consciência. A proposta terapêutica coerente com essa teoria era, então, ab-reagir à situação traumática inconsciente, liberando a energia (de forma catártica) associada à cena traumática. Para Garcia-Roza (1984/1999), a teoria do trauma como origem da histeria foi, ao mesmo tempo, uma descoberta e um obstáculo para o desenvolvimento da teoria psicanalítica. A descoberta foi em relação à origem psicológica dos sintomas histéricos, e o obstáculo consistiu no impedimento da compreensão da sexualidade infantil e do Complexo de Édipo, no período em que a origem da histeria era entendida a partir de um fato único, proveniente da realidade externa. Com as descobertas posteriores e o abandono da explicação da origem traumática das neuroses, o papel etiológico do trauma foi substituído pela fantasia inconsciente. No entanto, a neurose traumática permaneceu como um enigma e, em diversos momentos, Freud discute a análise das neuroses traumáticas, buscando a relação entre estas, que classificava entre as Neuroses Atuais, com as demais psiconeuroses de defesa, originadas por um conflito inconsciente. Esta relação parece nunca ter sido completamente desenvolvida, e percebe-se que esta neurose ficou como uma espécie de exceção à teoria da etiologia sexual das neuroses. Já no início de suas investigações em psicanálise, em uma carta a seu amigo Fliess, Freud (1950[1894]/1995, Edição Eletrônica), descreve os fatores presentes na causa das neuroses, já colocando em destaque a Neurose Traumática. Comunica a Fliess os diversos fatores causadores da neurose, como a degeneração, senilidade e o conflito. Em seguida, fala da conflagração: Conflagração: é uma concepção nova. Significa o que se pode chamar de degeneração aguda (por exemplo, nas intoxicações graves, nas febres, no estágio inicial da paralisia geral) — ou seja, catástrofes em que há perturbações dos afetos sexuais sem causas desencadeantes sexuais. Talvez as neuroses traumáticas pudessem ser abordadas sob esse enfoque”.(Grifo nosso) Segundo essa idéia, um trauma, uma intoxicação, ou uma febre, teria o mesmo efeito etiológico, de perturbar o afeto sexual. Este trecho mostra também que, mesmo em um período anterior às descobertas sobre o funcionamento mental e a causa das neuroses, o tema da Neurose Traumática estava presente em suas preocupações, sobre uma doença que provocava perturbação no afeto sexual, sem origem sexual. No trabalho “Estudos Sobre a Histeria” (1895b/1995, Edição Eletrônica), publicado no ano seguinte, persiste a necessidade de uma compreensão dessa neurose, tentando o estabelecimento de uma analogia com o processo da conversão histérica, que seria a representação simbólica de um afeto aflitivo cuja associação foi inibida: As experiências que liberaram o afeto original, cuja excitação foi então convertida num fenômeno somático, são por nós descritas como traumas psíquicos, e a manifestação patológica que surge desta forma, como sintomas histéricos de origem traumática. (A expressão ‘histeria traumática’ já foi aplicada a fenômenos que, por serem conseqüência de danos físicos — traumas no sentido mais estrito do termo — fazem parte da classe das ‘neuroses traumáticas’). Ainda no mesmo trabalho, Freud tenta estabelecer uma correspondência etiológica a partir da concepção dos estados hipnóides, termo proposto por Breuer para explicar o surgimento de um estado mental, capaz de provocar uma divisão da mente, e o conseqüente “represamento” de afetos que, impossibilitados de uma expressão normal, procurariam formas patológicas de expressão: Penso, contudo, que o caso lança alguma luz também sobre o desenvolvimento das neuroses traumáticas. Durante os primeiros dias após o fato traumático, o estado de pavor hipnóide repete-se a cada vez que o fato é relembrado. Enquanto esse estado se repete com freqüência cada vez maior, sua intensidade vai diminuindo tanto que ele não mais se alterna com o pensamento de vigília, mas apenas coexiste com ele. Torna-se então contínuo, e os sintomas somáticos, que antes só se faziam presentes durante o ataque de pavor, adquirem existência permanente. Todavia, posso apenas suspeitar de que seja isso o que acontece, já que nunca analisei um caso dessa natureza . Neste momento de sua obra, Freud ainda tem a concepção do trauma psíquico como fator etiológico presente em toda neurose. Ele introduz a concepção de trauma em dois tempos, o do acontecimento em si, e o da compreensão do significado do acontecimento. Freud, nesse período, faz uma grande mudança no conceito de trauma, porque há o reconhecimento da necessidade de um processo associativo que dá um significado a ele. O segundo momento do trauma, a vivencia psíquica passa a ser o fundamental na etiologia da neurose. A partir desse momento, começa haver uma separação entre o trauma associado, integrado numa série psíquica, que gera a psiconeurose, e outro trauma, o não representável, que origina a Neurose Traumática. A histeria era compreendida como resultado de um grande trauma, ou da acumulação de traumas parciais, com um significado. È dessa forma que explica o caso Katharina , em seu trabalho Estudos sobre a Histeria (1895b). Katharina vê o tio tendo relações sexuais com uma moça, e Freud fala dessa cena como um momento traumático. No entanto, ela só se torna patogênica porque faz com que Katharina lembre de duas investidas desse mesmo tio contra ela, às quais ela não deu conotação sexual por não ter conhecimento sobre sexo. Na discussão deste caso, Freud afirma: Em toda análise de casos de histeria baseados em traumas sexuais, verificamos que as impressões do período pré-sexual que não produziram nenhum efeito na criança atingem um poder traumático, numa data posterior, como lembranças, quando a moça ou a mulher casada adquire uma compreensão da vida sexual (1895b/1995, Edição Eletrônica). Já em 1917, porém, ele estabelece a diferença entre o que nesse momento era considerado traumático, com uma situação de ameaça de morte presente na etiologia da Neurose Traumática. Quando publica suas “Conferências Introdutórias”, coloca de maneira inequívoca a distinção da neurose traumática. As neuroses traumáticas não são, em sua essência, a mesma coisa que as neuroses espontâneas que estamos acostumados a investigar e tratar pela análise; até agora, não conseguimos harmonizá-las com nossos pontos de vista, e espero, em alguma época, poder explicar-lhes a razão desta limitação. Quando Freud (1918/1995, Edição Eletrônica) fala do futuro da psicanálise, e sobre a necessidade de um maior alcance social, visando o atendimento das classes menos abastadas da população, e com isto, possibilitando que o número de pacientes favorecidos pela psicanálise deixe de ser “desprezível”, ressalta a neurose traumática como entidade nosográfica distinta das demais neuroses, apontando uma terapêutica também diferenciada: É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra. No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa. Conforme nota do editor inglês ao trabalho “Introdução à Psicanálise e neuroses de guerra” (1919a/1995, Edição Eletrônica), no Quinto Congresso Psicanalítico Internacional, ocorre um simpósio sobre a Psicanálise das Neuroses de Guerra, aberto com a exposição de artigos de Sandor Ferenczi, Karl Abraham e Ernst Simmel. No ano seguinte, Freud escreve um pequeno trabalho sobre as neuroses de guerra, onde ele esclarece sua relação com as neuroses traumáticas: À parte isso, as neuroses de guerra são apenas neuroses traumáticas, que, como sabemos, ocorrem em tempos de paz também, após experiências assustadoras ou graves acidentes, sem qualquer referência a um conflito no ego (1919a/1995, Edição Eletrônica). Em outro momento do mesmo trabalho, mais uma vez a neurose traumática (ou de guerra) é vista como uma exceção à etiologia sexual das neuroses: Essa outra parte da teoria psicanalítica, com a qual o estudo das neuroses de guerra não entrou em contato, é no sentido de que as forças motivadoras que se expressam na formação dos sintomas são sexuais e que as neuroses nascem de um conflito entre o ego e os instintos sexuais que este repudia. (‘Sexualidade’, neste contexto, deve ser entendida no sentido amplo em que é usada na psicanálise e não se deve confundir com o conceito mais limitado de ‘genitalidade’.) Não deixa de ser verdade, como observa Ernest Jones na sua contribuição a este volume, que essa parte da teoria não se mostrou ainda aplicável às neuroses de guerra. O trabalho que poderia provar o contrário não foi realizado ainda. Pode ser que as neuroses de guerra sejam absolutamente material adequado para este propósito. Este caráter de exceção que adquire a Neurose Traumática é constatado até mesmo pelos adversários da psicanálise, para quem Freud, neste momento, não podia apresentar respostas. Explicita isto no “Estudo autobiográfico” de 1919 (1919b/1995, Edição Eletrônica): Após a guerra nossos adversários tiveram o prazer de anunciar que os fatos haviam produzido um argumento conclusivo contra a validade das teses de análise. As neuroses de guerra, disseram eles, haviam provado que os fatores sexuais eram desnecessários à etiologia de distúrbios neuróticos. Mas seu triunfo foi frívolo e prematuro, pois, por um lado, ninguém tinha sido capaz de efetuar uma análise completa de um caso de neurose de guerra, de modo que, de fato, não se conhecia ao certo absolutamente nada quanto à motivação deles e nenhuma conclusão podia ser inferida dessa incerteza: ao passo que, por outro lado, a psicanálise de há muito havia chegado ao conceito do narcisismo e das neuroses narcísicas, nas quais a libido do paciente está vinculada ao seu próprio ego, em vez de vinculada a um objeto. Ainda no mesmo ano, escreve um Memorandum a uma comissão estabelecida pelo Ministério de Guerra austríaco, onde defende a existência da Neurose de Guerra como uma neurose e que não “tratava-se de uma questão de graves danos no sistema nervoso, semelhantes às hemorragias e inflamações que ocorrem em doenças não traumáticas” (1919a/1995, Edição Eletrônica), como muitos médicos da época defendiam. Neste memorando, critica a postura dos médicos do exército, que tinham como proposta terapêutica para a neurose de guerra tratar o paciente como se estivesse simulando a doença, e, a partir disso, tornar a vida no hospital pior que no front, através da constante aplicação de choques elétricos, impedindo que os pacientes dormissem, e outros castigos. Com isso, os médicos pretendiam o restabelecimento do doente. Na verdade, parece que o objetivo destes médicos era o de curar um trauma com outro maior ainda. Dessa forma, o médico colocava-se a serviço da pátria ou da guerra, numa postura criticada por Freud, e não a serviço do restabelecimento da saúde. Esse procedimento terapêutico, contudo, ostenta desde o início um estigma. Não se destinava à recuperação do paciente, ou, pelo menos, não em primeira instância; destinava-se, acima de tudo, a restaurar a sua aptidão para o serviço. Nisso a medicina servia a propósitos estranhos à sua essência. O próprio médico estava sob comando militar e tinha seus próprios perigos a temer — perda de posição ou uma acusação de negligenciar o dever —, se permitiu ser levado por considerações outras além daquelas que lhe foram prescritas. O insolúvel conflito entre os direitos de humanidade, que normalmente pesam para um médico de maneira decisiva, e as exigências de uma guerra nacional estavam fadados a confundir a sua atividade. Nesse mesmo trabalho Freud defende a utilização das técnicas desenvolvidas a partir de seu método para tratamento dessas enfermidades, embora não explicite como essas técnicas podem adequar-se ao tratamento de uma neurose diferente das neuroses espontâneas. Em 1920, é escrito o trabalho “Além do Principio de Prazer” (FREUD, 1920/1995, Edição Eletrônica), onde redefine a teoria pulsional, e isto altera toda a psicanálise, lançando novos fundamentos que vão alterar a concepção de aparelho psíquico, transferência, técnica, e neste trabalho, ele inclui o conceito da compulsão à repetição. Aqui, novamente, pode-se perceber a preocupação com a Neurose Traumática, descrevendo-a como uma neurose que traz mais sofrimento e incapacitação do que a própria histeria: O quadro sintomático apresentado pela neurose traumática aproxima-se do da histeria pela abundância de seus sintomas motores semelhantes; em geral, contudo, ultrapassa-o em seus sinais fortemente acentuados de indisposição subjetiva (no que se assemelha à hipocondria ou melancolia), bem como nas provas que fornece de debilitamento e de perturbação muito mais abrangentes e gerais das capacidades mentais. Ainda não se chegou a nenhuma explicação completa, seja das neuroses de guerra, seja das neuroses traumáticas dos tempos de paz . . No mesmo trabalho, volta a falar da excepcionalidade desta neurose em relação à teoria dos sonhos, desenvolvida vinte anos antes: Se não quisermos que os sonhos dos neuróticos traumáticos abalem nossa crença no teor realizador de desejos dos sonhos, teremos ainda aberta a nós uma saída: podemos argumentar que a função de sonhar, tal como muitas pessoas, nessa condição está perturbada e afastada de seus propósitos, ou podemos ser levados a refletir sobre as misteriosas tendências masoquistas do ego [...]. Nesse ponto, proponho abandonarmos o obscuro e melancólico tema da neurose traumática, e passar a examinar o método de funcionamento empregado pelo aparelho mental em uma de suas primeiras atividades normais; Em 1923, já no momento da psicanálise conhecido como Segunda Tópica (após a publicação de “O Ego e o Id”), no texto “Observações sobre a teoria e prática da Interpretação dos Sonhos” (1923/1995, Edição Eletrônica), reafirma: Tanto quanto eu possa perceber, no momento, os sonhos ocorrentes em uma neurose traumática constituem as únicas exceções genuínas, e os sonhos de punição as únicas exceções aparentes à regra de que os sonhos se orientam para a realização de desejos. Em 1925, no texto “Inibições, Sintomas e Ansiedade” (1925/1995, Edição Eletrônica), discute os dois tipos de ansiedade - um gerado a partir de perigos provenientes do Id, outro que seria a reprodução de situações semelhantes ao ato do nascimento: Como sabemos, uma psiconeurose está especialmente sujeita a desenvolver-se com base em uma neurose ‘atual’. Isto se afigura como se o ego tivesse tentando poupar-se à ansiedade, que ele aprendeu a manter em suspensão por algum tempo, e ligá-la pela formação de sintomas. A análise das neuroses de guerra traumáticas — expressão que, incidentalmente, abrange grande variedade de perturbações — provavelmente teria revelado que grande número delas possui algumas características das neuroses ‘atuais’. Os sonhos, no entanto, parecem evidenciar a especificidade da neurose traumática. Os pesadelos presentes na neurose traumática, descritos no DSM-IV (APA, 1995), parecem configurar uma exceção à teoria de que os sonhos são uma “satisfação alucinatória de desejos inconscientes”. Na revisão de sua teoria sobre os sonhos, expressa nas “Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” de 1933 (1933[1932]/1995, Edição Eletrônica), ele confirma esse caráter de excepcionalidade, já indicado em 1920 e 1923: Contra a teoria da realização de desejos dos sonhos surgiram apenas duas dificuldades sérias. Uma discussão a respeito destas afastar-nos-ia muito do caminho que seguimos e, na verdade, ainda não nos proporcionou qualquer conclusão inteiramente satisfatória. A primeira dessas dificuldades apresenta-se no fato de que as pessoas que experimentaram um choque, um trauma psíquico grave — tal como acontecia, com tanta freqüência, durante a guerra, e tal como propicia a base para a histeria traumática —, são regularmente reconduzidas, em seus sonhos, à situação traumática. De acordo com nossas hipóteses referentes à função dos sonhos, isto não deveria ocorrer. Que impulso decorrente de desejos poderia satisfazer-se retornando, dessa maneira, a essa experiência traumática tão desagradável? É difícil imaginar. [...] Nas neuroses traumáticas as coisas são diferentes. No caso destas, os sonhos regularmente terminam em geração de ansiedade. Não teríamos receio de admitir, penso eu, que aqui a função do sonho falhou. Não invocarei o ditado segundo o qual a exceção comprova a regra: sua sabedoria me parece ser a mais questionável. Mas, sem dúvida, a exceção não subverte a regra. Se, no interesse de estudá-la, isolamos determinada função psíquica, como o sonhar, do mecanismo psíquico como um todo, possibilitamos a descoberta das leis que lhe são peculiares; quando, porém, a inserimos novamente no contexto geral, devemos estar preparados para descobrir que esses achados são obscurecidos e prejudicados por colidirem com outras forças. Mesmo em seu último trabalho, “Esboço de Psicanálise”, de 1938 (1940 [1938]/1995, Edição Eletrônica), Freud parece deixar para o futuro a resolução da inconsistência da Neurose Traumática frente ao corpo teórico desenvolvido e consolidado pela Psicanálise. É como se, em seu último trabalho, reforçasse a idéia expressada no início, da especificidade da Neurose Traumática: Podemos falar com um bom grau de certeza sobre o papel desempenhado pelo período da vida. Parece que as neuroses são adquiridas somente na tenra infância (até a idade de seis anos), ainda que seus sintomas possam não aparecer até muito mais tarde. A neurose da infância pode tornar-se manifesta por um curto tempo ou pode mesmo nem ser notada. Em todo caso, a doença neurótica posterior se liga ao prelúdio na infância. É possível que aquelas que são conhecidas como neuroses traumáticas (devido a um susto excessivo ou graves choques somáticos, tais como desastres ferroviários, soterramentos, etc.) constituem exceção a isto; suas relações com determinantes na infância até aqui fugiram à investigação. Este breve rastreamento do tema Neurose Traumática na obra de Sigmund Freud permite a aceitação, sob a ótica da psicanálise freudiana, da relação apontada no DSM-IV (APA, 1995) e CID-10 (COOPER, 1997) de que o Transtorno de Estresse pós-Traumático seja desencadeado por um fator estressor, limitado neste trabalho, ao assalto ou seqüestro de bancários. 1.9- Alguns aspectos da dinâmica do Transtorno de Estresse pósTraumático O PTSD seria apenas uma reação normal a um evento anormal, um quadro nosográfico próprio, ou a experiência de uma situação traumática teve apenas uma função desencadeante para uma neurose pré-existente? Não podemos afirmar ser uma reação normal, quando em muitos casos os sintomas permanecem por anos, como um “corpo estranho” (FREUD, 1893/1995, Edição Eletrônica). O próprio fato de que os sintomas regridem e desaparecem quando a pessoa se submete a tratamento psicoterápico específico (FIGLEY, 2003), também atesta pela “anormalidade” de sua presença. A sintomatologia específica do Transtorno de Estresse pós-Traumático evoca algumas questões sobre sua dinâmica: por um lado, não podemos falar, simplesmente, de uma resposta automática e previsível a uma situação em que a vida ou integridade esteve ameaçada, como se fosse um arco reflexo. Por outro lado, ainda que a prevalência de casos de pessoas que desenvolvem os sintomas seja alta, a maior parte delas sobrevive a estas situações sem o surgimento do transtorno. Diversos autores apontam a existência de fatores anteriores ao trauma, que facilitam o desenvolvimento de PTSD, após uma experiência traumática. A própria natureza e duração da experiência, influem no desenvolvimento ou não dos sintomas, e em sua prevalência. Fatores pré-existentes como histórico de traumas anteriores, separações, características depressivas, parecem produzir uma vulnerabilidade ao desenvolvimento do PTSD. Para Anna Freud (1971), o principal elemento seria a repetição de situações traumáticas. Segundo essa autora, nenhum fato verdadeiramente traumático é assimilado plenamente”(p.261), e a vulnerabilidade crescente é inevitável, quando ocorre a repetição quantitativa ou qualitativa de traumas anteriores. O aparelho psíquico funciona seguindo-se o princípio da constância ou homeostase. Qualquer aumento de energia recebida requer uma descarga equivalente tendo como objetivo o retorno do aparelho ao estado anterior. Após um transtorno produzido por um estímulo externo, quando não são possíveis a descarga ou as via associativas (FREUD, 1893/1995, Edição Eletrônica), o desenvolvimento dos sintomas é a única saída possível para um ego tornado frágil, por mais que não seja a mais adequada (FENICHEL, 1957/1998). Este excesso de energia não descarregada provocaria alterações no modo de funcionamento mental, e o aparelho psíquico passa a tentar eliminar a excitação ou defender-se dela. Nesse sentido, o Transtorno de Estresse pós-Traumático seria resultado de três alterações no modo normal de funcionamento psíquico: Facilitação da memória e sua tentativa de descarga, compulsão a repetição e a falha nas defesas. Freud, em seu trabalho “Fixação em Traumas - O Inconsciente” (1917a/1995, Edição Eletrônica), comenta que a “As neuroses traumáticas dão uma indicação precisa de que em sua raiz se situa uma fixação no momento do acidente traumático” (grifo nosso). É importante chamar a atenção para um ponto desta frase: que na raiz da neurose traumática encontra-se a fixação, e não que é um sintoma dela. O acontecimento traumático parece ter a capacidade de atrair catexias para a constante recordação da situação traumática. Essa idéia se coaduna com a concepção de facilitação contida no trabalho “Projeto para uma psicologia científica” (FREUD, 1895a/1995, Edição Eletrônica). Vieira, (2001) explica dessa forma a relação entre uma situação traumática e a facilitação provocada: Um estímulo externo , que chega ao sistema ϕ (responsável pela recepção de estímulos), é classificado por sua qualidade e quantidade, ou repetição. Essa classificação ocorre desde o limiar da percepção, até o limite da dor. O estímulo percorre ϕ sem alterar este sistema. Quando atinge o sistema ψ (responsável pela memória), o estímulo distribui-se, obedecendo a uma razão direta em que a maior quantidade em ϕ corresponde a uma maior complexidade em ψ. Quanto maior a intensidade do estímulo em ϕ, maior a quantidade de neurônios envolvidos em ψ. Pelo tipo de estímulo específico, será definida a via de conexão que o estímulo vai percorrer. Se a pessoa já tiver vivido uma experiência parecida, porém menos intensa que a experiência atual, já existe um caminho formado para a condução do estímulo. Se, porém, este caminho não for suficiente, será necessária abertura de novas vias. A facilitação nova vai depender da intensidade do estímulo atual em relação aos anteriores, e do número de repetições. Se um estímulo for muito intenso, ele vai criar uma ampla facilitação tanto nas barreiras de contato (sinapses) já facilitadas anteriormente (pelo número de repetições), quanto pelas novas vias, abertas pela intensidade. O próximo estímulo, de mesma qualidade, vai se conduzir pela mesma via, facilitada, aberta pelo excesso de estímulos, ou seja pelo trauma. Pode-se fazer uma analogia deste processo com o que ocorre com a água das chuvas em um terreno sem vegetação. Quando ocorre uma chuva intensa, cuja quantidade de água seja superior à capacidade de absorção do terreno, a partir da composição e inclinação do solo, o excedente de água tenderá a escorrer, criando sulcos na terra. Uma vez abertos, esses sulcos provocarão uma alteração na topografia do terreno, e, a cada nova chuva, funcionarão como um caminho natural para o escoamento da água. Seria necessário um longo período de estiagem para que o terreno voltasse a ser como era antes. Da mesma forma, após a facilitação provocada por um estímulo de muita intensidade, ele atrairá novos estímulos de qualidade semelhantes, e isso provocaria a continuidade da situação traumática ou a atração das catexias para as vias facilitadas. Assim, se uma parte da libido atém-se a estas vias facilitadas, ocorre o desinvestimento em outras áreas, de onde podemos inferir a causa das seguintes características comuns no PTSD (FENICHEL 1957/1998): 1 – Diminuição da libido: a energia sexual é mobilizada para atuar sobre a excitação invasora , em função de um bloqueio ou diminuição de várias funções egóicas; 2 – Atitudes instintivas ou egóicas regressivas, por exemplo, a dependência e a passividade, sensação de desamparo e regressões orais. 3 – Alterações do sono (que é um estado supostamente de investimento da libido no próprio ego, que é invadido pela excitação): insônia e repetição do trauma nos sonhos; 5 – Repetições do trauma em estado de vigília, numa tentativa de descarga do excesso de estimulação associada às lembranças. A tarefa do aparelho psíquico seria, nesse caso, tentar ligar a energia livre presente no trauma em uma série psíquica, associativamente. Mas isso não é possível devido à própria intensidade da estimulação, e ele continua se reinvestindo, criando um círculo vicioso. Esses conceitos corroboram a concepção de Ferenczi (1919), de que o trauma produz uma retirada da libido dos objetos, que é investida narcisicamente. Esse sobreinvestimento libidinal provoca um excesso de estimulação sem representação. Essa seria a diferença entre o trauma e o estresse para Benyakar (2003). No trauma, a irrupção brusca do mundo externo no mundo interno interrompe a articulação entre o afeto e a representação, enquanto o estresse implica numa distorção dessa articulação, pois está sujeita a uma tensão e pressão máximas. Quando ocorre a quebra dessa função articuladora , o que ocorre é que uma vivencia traumática, que é vivencia de vazio, fica ligada ao evento factual que provocou a essa experiência. Essa associação de evento factual com vivencia traumática leva a perceber a experiência como se fosse traumática. Assim, a essência do traumático seria a irrupção no psiquismo de algo heterogêneo, do não próprio, quando o psiquismo não tem possibilidades de transformar em próprio, ou seja, de buscar associações. Então o afeto desligado buscará incessantemente a representação do experimentado, produzindo a sintomatologia do traumático, sonhos, hiperalerta, flashes, pensamentos repetitivos (CROCQ, 2002). O trauma não representa, ele apresenta (UCHITEL, 2001) e, ao re-apresentar, ele precisa ser descarregado, uma vez que não pode ser associado. Uma das formas de descarga seria através de sua repetição. A repetição teria várias funções para o aparelho psíquico: A) Descarregar a excitação, num funcionamento automático da Compulsão à repetição, a serviços do Instinto de Morte, de forma mecânica, automática e sem aprendizagem (BASILI E BASILI 2002). B) Permitir, através de uma descarga parcial, a diminuição da intensidade das lembranças traumáticas, permitindo a ligação dessa catexia, tornando-a inofensiva (FUCKS, 2002). C) Transformar a passividade decorrente da própria situação traumática em atividade, a serviço de um instinto de dominação (FREUD, 1920/1995, Edição Eletrônica). Nesse sentido pode-se ver pesquisa de Valentiner et al. (1996), que constatou que mulheres que assumiam uma postura ativa durante um abuso sexual tinham menos probabilidade de desenvolver os sintomas do PTSD. D) A repetição egóica tem o intento de elaborar o evento traumático, completando a integração da nova informação da realidade a antigas, armazenada em formas de esquemas cognitivo-afetivos (MINGOTE et.al., 2001). E) A repetição também tem o intuito de encontrar uma saída nova para a situação traumática em que prevaleça o princípio do prazer. Isso pode explicar o que ocorre com algumas pessoas traumatizadas, a busca compulsiva de novas situações perigosas, que ofereçam a possibilidade de alterar seu desfecho. F) Há uma ordem progressiva na forma como os estímulos são trabalhados e o efeito do trauma obriga a repetição dessa ordem evolutiva: da morte para a alucinação e desta para a aceitação do desprazer e a representação da realidade (VIEIRA, 2001) Em relação às defesas, alguns aspectos devem ser enfatizados. Como a experiência traumática é um fator da realidade externa, a maioria das defesas utilizadas pelo indivíduo com PTSD dirige-se contra os sintomas, e acabam sendo, em si, novos sintomas. O evento factual tornou-se traumático por uma falha da barreira contra estímulos ou escudo protetor (FREUD, 1920/1995, Edição Eletrônica), inundando o ego com um excesso de energia. Essa inundação dilacera a capacidade defensiva do ego, fazendo com que ele regrida a formas de funcionamento mais primitivas, como o desamparo. As alterações provocadas no Ego pelo trauma fazem com que seja necessária uma compreensão da relação do indivíduo com os sintomas e as defesas utilizadas, a partir de alguns caminhos. O primeiro, no sentido de providenciar parâmetros para avaliar o impacto de eventos potencialmente traumáticos no funcionamento egóico (entendendo-se como funcionamento egóico a capacidade de sintetizar e controlar o impacto emocional de eventos externos e estímulos internos). Em segundo lugar, estar orientado a identificar em profundidade, o propósito dinâmico da apresentação dos sintomas e os eventos traumáticos que os precipitaram. Além desses fatores, avaliar as defesas mais comumente utilizadas: 1) As formas regredidas que a pessoa adota em seu relacionamento com a realidade. Esta regressão pode ser verificada a partir das adições orais, comumente presentes na sintomatologia do PTSD 2) A criação de uma condição de vitimização, transformando o sofrimento em lucro secundário (FENICHEL, 1957), o que fez com que o PTSD fosse considerado por vários autores como sendo uma “neurose de compensação”. 3) Identificação com o agressor, perpetuando a violência e criando novas vítimas (BASILI e BASILI, 2002)10. Além destes, é preciso levar em consideração que o confronto com a situação traumática provoca uma descontinuidade no psiquismo. Quando o self experimenta uma descontinuidade muito radical, perde sua qualidade de integração, e a vulnerabilidade provoca a dissociação e cisão. Isso poderia explicar a atemporalidade dos sintomas e a fixação no passado (LIFTON, 1979 apud CIA, 2001). Para Chertoff (1998), uma situação traumática teria também a capacidade de tornar manifestos conflitos latentes anteriores. Um dos casos clínicos apresentados por essa autora descreve uma mulher para a qual o parto difícil de seu primeiro filho foi traumático, gerando sintomas de PTSD. A situação do parto, para a paciente, ativou as lembranças de um estupro provocado por uma gangue de jovens, quando esta mulher era adolescente. Essa forma de compreensão aproxima-se da dinâmica de uma psiconeurose, na discussão de que o PTSD seria uma neurose atual versus a compreensão de uma psiconeurose. Desta forma, o trauma seria apenas um estímulo que ativa um conflito anterior, dinamicamente controlado. Ele teria, nesse enfoque, um papel semelhante ao do resto diurno na teoria da formação dos sonhos, de ser um estímulo externo, circunstancial e sem importância em si mesmo, mas que desorganiza o equilíbrio econômico entre impulsos e defesas que, durante o sono, procura descarga de forma alucinatória, produzindo um sonho. Montaño (2003) relata como jovens adolescentes colombianos tinham o traficante Pablo Escobar como ídolo. Muitos destes jovens tiveram familiares assassinados pelos traficantes, a mando do próprio Pablo Escobar. 10 2. Objetivos O presente trabalho visa estudar a relação entre situações de violência vividas por bancários em sua atividade profissional, e o possível desenvolvimento de sintomas de Transtorno de Estresse pós-Traumático. Os objetivos deste trabalho são: 1) Investigar se uma experiência da violência de um assalto, ou seqüestro com a finalidade de assalto, pode tornar-se traumatizante para os bancários que a sofrem, e se as vítimas do assalto ou seqüestro desenvolvem sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático. 2) Identificar o tipo de alteração psicológica após a vivência de um assalto na agência, ou de um seqüestro com finalidade de assalto à agência bancária. . 3) Destacando o aspecto funcional, descrever as medidas que o bancário adota em relação às mudanças ocorridas, e se ele utiliza meios defensivos que alteram seu desempenho, carreira ou perspectivas profissionais 4) Verificar se ocorre o reconhecimento da enfermidade e se há a busca de auxílio profissional. 3. Método Participaram da pesquisa três funcionários de agências de um banco comercial que passaram pela experiência de assalto ou seqüestro, para averiguar se esta experiência alterou sua vida, e como influenciou suas relações interpessoais, sua produtividade e perspectivas profissionais, e se houve o desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático. 3.1 Participantes A população investigada é composta de pessoas que passaram por experiência de assalto ou seqüestro nos últimos cinco anos, utilizando-se uma amostra de três casos. Tratase de uma amostra por conveniência, de pessoas que após sofrerem assalto ou seqüestro com finalidade de assalto à agência bancária em que trabalham, apresentaram algum tipo de sofrimento psicológico. Estes três casos foram selecionados por terem procurado o Programa de Assistência às Vítimas de Assalto ou Seqüestro (PAVAS) do banco escolhido. Este programa, entre outros benefícios, facilita o deslocamento do funcionário que passou por uma situação de assalto ou seqüestro para outra agência ou departamento. Desta forma, a amostra é composta de indivíduos que, após uma situação de assalto ou seqüestro, sentiram alguma dificuldade em permanecer trabalhando no mesmo local. Estas pessoas não foram avaliadas por profissionais de saúde do banco, para essa finalidade. O deslocamento é realizado na esfera administrativa, sob consulta ao serviço de saúde da instituição, ou por orientação do órgão encarregado pela segurança do banco. Pelas normas do PAVAS, ocorre uma solicitação da própria pessoa, que tem prioridade na transferência, a partir da existência de vagas em outras agências ou departamentos. Considera-se que as variáveis de idade, sexo, escolaridade, estado civil, local da agência e tempo de trabalho não interferem na análise dos dados, por isso foram desprezadas na escolha da amostra. Em relação à idade, uma vez que é condição para o ingresso na instituição bancária que o funcionário seja maior de 18 anos, foi desprezada esta variável. A instituição bancária selecionada foi um banco estatal, comercial, de abrangência nacional, e esta seleção deveu-se a vários fatores: em primeiro lugar, por ser uma instituição bancária que oferece relativa estabilidade, com baixa rotatividade de funcionários. Este fator tem como conseqüência o fato de que os relacionamentos interpessoais possam ser mais duradouros. Por outro lado, pelo fato de ser uma instituição onde o ingresso é precedido de concurso público altamente disputado, a carreira profissional é valorizada e o emprego visto como permanente. Outro ponto a ser destacado é o interesse dessa instituição bancária no desenvolvimento e aprimoramento de um programa de intervenção que auxilie os funcionários que passam pela experiência de assalto ou seqüestro. 3.2 Local As entrevistas serão realizadas no consultório do pesquisador, uma sala destinada ao atendimento psicoterápico de adultos, que tem as seguintes características: Dimensões: A sala mede 3 (Três) metros de comprimento por 4 (Quatro) metros de largura. Esta sala contém o seguinte mobiliário: Três poltronas estofadas, colocadas de forma triangular, um divã, uma mesa de centro e uma mesa própria para computadores, com um computador. As entrevistas poderão também ser realizadas no próprio local de trabalho do entrevistado, por conveniência do sujeito, desde que estejam disponíveis as condições mínimas de sigilo e privacidade. Com a concordância do entrevistado em formulário próprio para esse fim, as entrevistas serão gravadas em fita de áudio para posterior transcrição. 3.3 Instrumento Serão realizadas entrevistas preliminares (Apêndice) com bancários assaltados ou seqüestrados. As entrevistas serão semi-dirigidas, tendo como base um modelo de questionário desenvolvido para tal finalidade (Anexo 1), baseado na escala CAPS, desenvolvida por Blake et al. (ROSO, 1998) (Anexo 2). A análise das entrevistas terá como orientação a investigação da presença dos sintomas descritos no DSM-IV (APA, 1995) e outras alterações na vida do entrevistado, não contempladas na descrição do quadro clínico, assim como alterações na relação do entrevistado com a instituição bancária, com sua perspectiva profissional e sua família. 3.4 Procedimento Foi realizada uma análise de conteúdo das entrevistas realizadas. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações (BARDIN, 1977, p.38), utilizada de forma qualitativa sobre um fato clínico. Fato clínico segundo Oliveira e Rosa (2001, p. 13), “[...] é um método de investigação consensual de construção de inferências sobre a dimensão subjetiva, intersubjetiva e relacional da prática psicanalítica..”. Assim, a partir das entrevistas realizadas, serão efetuadas análises de seus conteúdos com o objetivo de confrontar os dados encontrados com a descrição dos sintomas de Transtorno de Estresse pós-Traumático constantes no DSM-IV (APA, 1995), e também para buscar a compreensão dos sintomas do PTSD, a partir dos conceitos teóricos da psicanálise. Os sintomas identificados nas entrevistas são: 1) Lembrança constante (intrusiva) da situação traumática. 2) A ansiedade 3) Alterações na saúde. 4) Ausência de prazer. 5) Alterações no relacionamento interpessoal (irritabilidade, isolamento social). Outras alterações encontradas a partir das entrevistas, que não constam dos critérios diagnósticos para Transtorno de Estresse pós-Traumático segundo o DSM-IV (APA, 1995): 1) Lembrança de detalhes secundários da situação traumática. 2) O sentimento de culpa. 3) Revolta em relação ao ocorrido. 4) Mecanismo de defesa de Identificação com o Agressor. 5) Regressões a hábitos orais. Foi realizado um levantamento bibliográfico de estudos semelhantes até a entrega final da dissertação. O projeto de pesquisa situa-se como um estudo psicopatológico, que se acerca de problemas etiológicos, na medida em que irá trabalhar com o desencadeante assalto ou seqüestro, considerando a interação da vítima com o seu ambiente, uma vez que serão analisadas as dificuldades de adaptação do sujeito nos diversos setores. Essa conjugação tem por intuito buscar elementos para o desenvolvimento de uma proposta de intervenção preventiva e terapêutica que considere os fatores individuais e institucionais. O desenvolvimento deste projeto de pesquisa é, desta forma, condição tática indispensável para a elaboração de um projeto de intervenção específico para o Transtorno de Estresse pós-Traumático para funcionários de agências bancárias assaltadas. 4. Resultados 4.1 Características da instituição bancária O Banco escolhido para a pesquisa é um dos maiores do país. Tem, atualmente, 3155 (três mil, cento e cinqüenta e cinco) agências, onde trabalham 90468 (noventa mil, quatrocentos e sessenta e oito) funcionários diretos, entre empregados e estagiários. Não estão computados nesse número os funcionários das empresas de vigilância, limpeza e telefonia que prestam serviços ao banco, que também, no caso de assalto, geralmente estão presentes na agência. Por ser uma empresa estatal e um instrumento de implantação de políticas econômicas do governo, o banco mantém agências em pequenos municípios do país e no meio rural. Nos pequenos municípios, muitas vezes, não há estrutura de segurança adequada, o que torna o banco, nestes municípios, alvo de assaltos. Além deste fator, há de se considerar também que, nos pequenos municípios a criminalidade é menor do que nos grandes centros urbanos. Isso faz com que a população, incluindo os funcionários do banco, por não viverem o ambiente disruptivo dos grandes centros urbanos, fique menos preparada para situações de violência. O ingresso do funcionário no banco é realizado por meio de concurso público. Os diversos benefícios oferecidos pela empresa, como assistência médica e complementação de aposentadoria, fazem com que o concurso para ingresso seja altamente disputado, e o emprego é visto como uma carreira permanente, ao contrário de outros bancos, onde o emprego é visto como algo temporário. Embora nos últimos anos tenha havido uma redução de salários e benefícios indiretos, o salário inicial ainda é superior ao das instituições bancárias privadas. Por ser uma empresa estatal, há uma relativa estabilidade no emprego, o que o torna atraente em um país com alta taxa de desemprego como o Brasil. Em função dessa estabilidade, o grupo de trabalho nas agências geralmente é constante e facilita o estabelecimento de laços afetivos que são extensivos ao relacionamento familiar e social. Os funcionários e suas famílias convivem também nas instituições ligadas à própria empresa, como clubes, cooperativas e colônia de férias, geralmente destinados apenas aos próprios funcionários e familiares. Em 1999, ocorreram muitos assaltos em agências deste Banco no país. Embora os números sejam altos, é preciso salientar que, segundo informações do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Banco em questão não é o mais assaltado no país, e que hoje, os índices diminuíram muito, tanto pelas medidas de segurança mais rigorosas adotadas pelos próprios bancos, quanto pela diversificação dos crimes praticados pelas quadrilhas mais organizadas, que estão optando pelo seqüestro de empresários. Por serem considerados confidenciais, não estão disponíveis dados atualizados sobre o número de assaltos e seqüestros de funcionários do banco. Um levantamento do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte (SEEB-BH, 2003), não oficial, aponta para uma redução de mais de 40% no número de assaltos no ano de 2003 em relação a 1999. Segundo informações do próprio banco, os assaltos ocorrem basicamente de duas maneiras: Em primeiro lugar, grupos armados invadem o banco durante o expediente, às vezes enfrentando a resistência da segurança armada do banco ou da polícia, quando é acionada. A outra modalidade mais comum é a do seqüestro do funcionário ou de algum familiar deste, ou de sua família inteira. Isto geralmente ocorre na noite anterior, com o objetivo de que o funcionário abra a agência e o cofre na manhã seguinte para o ingresso dos assaltantes. Estas ocorrências geralmente são acompanhadas de muita violência e ameaças. 4.2- O Programa de Assistência às Vítimas de Assalto ou Seqüestro Freud (1913/1995, Edição Eletrônica), comentando sobre a alegação dos altos custos do tratamento psicanalítico, dizia que: [...] a despesa envolvida na psicanálise é excessiva apenas na aparência. Inteiramente à parte do fato de nenhuma comparação ser possível entre a saúde e a eficiência restauradas, por um lado, e um moderado dispêndio financeiro por outro, quando adicionamos os custos incessantes das casas de saúde e do tratamento médico e contrastamo-los com o aumento de eficiência e de capacidade de ganhar a vida que resulta de uma análise inteiramente bem sucedida, temos o direito de dizer que os pacientes fizeram um bom negócio. Pela legislação trabalhista holandesa, desde 1994, os empregadores têm a obrigação de cuidar dos empregados que enfrentam incidentes críticos. Além disto, os empregadores devem desenvolver procedimentos preventivos para evitar que seus funcionários enfrentem situações traumatizantes, assim como são responsáveis pelas conseqüências das mesmas. Se um empregado passa por uma situação traumatizante, o empregador deve providenciar um suporte psicológico adequado (VAN DER BLOEG, DORRESTEIJN; KLEBER, 2003). Essa preocupação não visa apenas o bem estar e a qualidade de vida dos funcionários. No caso da relação das pessoas traumatizadas com seu trabalho, além do sofrimento que o PTSD provoca, na própria pessoa e nos familiares, há que se considerar também o prejuízo que esta patologia provoca na empresa em que trabalham. Há um prejuízo direto para o sistema de saúde, uma vez que Walker et al. (2003) encontrou dados em pesquisa realizada, que mulheres com PTSD apresentam um custo aos serviços de saúde 104% maior que mulheres sem PTSD, chegando a despesas de até US$ 6.381,00 por ano. Levando em conta a alta prevalência de PTSD conseqüente a assaltos e a pouca pesquisa sobre a eficácia de programas de intervenção em crise existentes, há uma necessidade de desenvolvimento de programas breves, baratos capazes de prevenir ou evitar o surgimento do PTSD crônico. (FOA; ZOELLNER; ALVAREZ, 2003) Essa necessidade tem inclusive uma motivação econômica: o paciente com PTSD, além do sofrimento que traz a si e seus familiares, representa um alto custo social e, no caso dos bancários, custo para a empresa e para o sistema de saúde. Marshal et al. (2000) concluíram após investigações com veteranos australianos da guerra do Vietnã que, aqueles que desenvolveram PTSD apresentavam um gasto com saúde 50% mais elevado do que a média da população. Pesquisa de Walker et al, (2003) mostrou que mulheres com PTSD apresentam uma despesa com saúde maior que o dobro das mulheres sem PTSD. Uma pequena parte desse aumento, no entanto, representa custo com saúde mental. Isso significa que essas mulheres vitimizadas procuram mais os serviços de saúde com outras queixas, não pelo PTSD, que deixa de ser identificado e diagnosticado. Como os transtornos de ansiedade podem induzir sintomas somáticos, os pacientes procuram freqüentemente cuidados médicos antes de procurar tratamento para o sofrimento psicológico (AAPAAMERICAN ACADEMY OF PHYSICIAN ASSISTANTS, 2002) Se esse quadro pudesse ter sido reconhecido pelo paciente ou pelo profissional de saúde, muito dinheiro gasto poderia ter sido economizado. Quando envolve como comorbidade o uso de álcool ou drogas, Brown, Stout e Mueller, (1999) identificaram gastos de US$ 4.042,00 por paciente com PTSD, em um período de 6 meses, contra US$ 780,00 para pacientes que não tinham o diagnóstico de PTSD. Gabbard e Lazar (2000) citam estudos em que a oferta de psicoterapia para militares americanos com dependência química, proporcionou economia de três milhões de dólares em 3 anos. O cálculo realizado é de que para cada dólar gasto com psicoterapia, são economizados US$ 4,00 com outras despesas de saúde. Foa et. al. (1995), avaliando um programa de intervenção psicoterápica preventiva, composta de apenas 4 sessões, com mulheres vítimas de violência sexual e não sexual, após 2 meses encontraram taxa de 10% de pessoas que desenvolveram sintomas de PTSD no grupo que recebeu esta intervenção, contra 70% do grupo controle, que não recebeu as sessões. Após 5 meses e meio, o número no grupo que recebeu as intervenções manteve-se em 10%, enquanto no outro a taxa encontrada foi de 33%. Um programa barato, com apenas 4 sessões pôde impedir o desenvolvimento da doença em boa parte da amostra. Nesse sentido, são valorizados e devem ser estimulados os esforços continuados para identificar e executar programas eficazes da prevenção e do tratamento do PTSD (MARSHAL et al., 2000). Os eventos traumáticos causam efeitos demonstráveis em longo prazo, podendo tornar-se crônicos na saúde mental e física. Tentar impedir esses efeitos adversos é uma tarefa de saúde pública (MCFARLANE, 2000). No Brasil, há poucas iniciativas da saúde pública para trabalhar com vítimas de desastres, de uma maneira geral, e da violência, de forma particular. Menos ainda são os programas das empresas privadas que reconhecem o sofrimento psíquico de seus trabalhadores como problema de saúde e investem em ações profiláticas que permitam reduzir o impacto das situações de violência em seus empregados e familiares. O banco investigado desenvolveu, a partir de 2000, um programa de assistência aos funcionários e seus familiares que passaram por experiência de violência relacionada ao trabalho bancário. Este programa recebeu o nome de PAVAS (Programa de Assistência a Vítimas de Assalto e Seqüestro). Com a implantação do PAVAS, foi implantada a idéia de um atendimento multidisciplinar, envolvendo as diversas áreas relacionadas ao banco. Na ocorrência de um assalto ou seqüestro com finalidade de assalto ao banco, o gerente ou outro funcionário da agência vitimizada aciona o programa, através de um telefonema para o departamento de Gestão de Pessoas, e serão deslocadas para o local as equipes relacionadas à ocorrência. São cinco as equipes envolvidas: 1. Superintendência Regional 2. Segurança 3. Jurídica 4. Saúde 5. Gestão De Pessoas 1. À Superintendência Regional, responsável pelo funcionamento da agência e aspectos administrativos, cabe: • Avaliar a viabilidade do funcionamento da agência; • Contabilizar as perdas; • Deslocar funcionários de agências próximas para atendimento dos clientes; • Atender clientes quando for indispensável. • Atender a imprensa, quando necessário. 2. Á equipe de segurança cabem as tarefas de: • Providenciar o fechamento da agência, se necessário. • Avaliar a continuidade do perigo para a agência, funcionários e seus familiares. • Promover a proteção do patrimônio do banco. Isso é importante quando houve troca de tiros, com a quebra de vidros e portas. • Isolar a área, no caso de vitima fatal, até a chegada das autoridades policiais; • Reforçar a segurança da agência; • Acompanhar os policiais no caso de perícia; • Providenciar a segurança pessoal dos funcionários e de suas famílias. No caso de seqüestros realizados na residência do funcionário, é providenciada a segurança do imóvel e de seus familiares, até a avaliação de que não há mais perigo, ou com a prisão dos assaltantes ou com o deslocamento do funcionário e sua família. 3. A equipe jurídica tem a incumbência de: • Assistir o funcionário nas declarações à polícia. Nenhum funcionário presta depoimento à polícia sem a presença de um advogado. • Adotar providências judiciais imediatas para preservar o patrimônio do banco e dos funcionários envolvidos. • Acompanhar o funcionário e seus familiares no reconhecimento dos assaltantes, quando presos. Muitas vezes os procedimentos relacionados às autoridades policiais podem ser também traumatizantes. As longas esperas para prestar depoimento, em um ambiente tenso e assustador como são em geral as delegacias de policia, associadas às posturas muito vezes rudes por parte dos policiais, podem ser re-traumatizantes para o funcionário. O funcionário que acabou de sobreviver a uma experiência angustiante sente-se frágil atemorizado neste ambiente. A presença do advogado torna-se mais que uma representação legal do banco. Ele passa a ser visto como um elemento de proteção pessoal, e o funcionário sente-se amparado e seguro com sua presença. 4. A equipe de saúde: • Envia ao local um médico e um psicólogo ou assistente social para atendimento emergencial dos envolvidos. • Assiste a família no caso de seqüestro de um de seus membros. • Providencia acompanhamento médico para feridos. • Promove visitas posteriores à agência e famílias envolvidas para avaliação diagnóstica. • Encaminha os envolvidos para tratamento médico ou psicológico, com direito ao máximo de 200 sessões de psicoterapia. • Faz um acompanhamento sistemático sobre a saúde dos funcionários. 5. A equipe de Gestão de Pessoas: • Define procedimentos emergenciais e de acompanhamento do funcionário e de sua família. • Quando necessário, promove o alojamento da família em hotéis da região. • Realiza a transferência do funcionário quando recomendado pela equipe de segurança ou equipe de saúde. A implantação do programa trouxe diversas alterações na forma da empresa lidar com o problema assalto. Não obstante o empenho do banco no sentido da adoção de medidas de segurança, para evitar as ocorrências potencialmente traumatizantes, o PAVAS trouxe o reconhecimento dos problemas emocionais gerados pela situação de assalto ou seqüestro. Foi reconhecido pela empresa que o assalto traz mais prejuízos do que o dinheiro levado pelos assaltantes. Isto provocou uma mudança da cultura da empresa em relação à saúde emocional de seus empregados. Ele não apenas reduziu o impacto da assustadora experiência de assalto ou seqüestro, mas humanizou as relações interpessoais do grupo. O reconhecimento do colega como vítima permitiu uma identificação dos sintomas como decorrentes de uma situação, e não como uma fragilidade pessoal. O acompanhamento e preocupação posteriores por parte das equipes permitem a redução da sensação de fragilidade. O medo da repetição da situação, comum ao individuo traumatizado, torna-se algo suportável, uma vez que a sensação de desamparo fica reduzida. O funcionário sente-se cuidado e, apesar da realidade do país, mais seguro. O PAVAS encontra ainda uma série de dificuldades. Na área de saúde, pelas dimensões do país, muitas vezes não há profissionais de saúde próximos a agências que sofreram assalto ou seqüestro. Além disso, muitas vezes o profissional não está capacitado a trabalhar com este tipo de demanda, e a intervenção fica baseada em senso comum. Isso, porém, não é uma dificuldade exclusiva do serviço de saúde do banco, mas algo que ocorre na realidade brasileira. O Banco, com a implantação desse programa, além dos benefícios trazidos aos empregados, verificou-se que o preço é baixo em relação à economia proporcionada. Este programa tem um alto custo para a instituição, mas, convém lembrar o que Freud (1913/1995 Edição Eletrônica) disse: “Nada na vida é tão caro quanto a doença — e a estupidez”. 4.3- Casos de funcionários vítimas de assalto ou seqüestro Serão apresentados os casos entrevistados. A apresentação dos casos teve como critério a descrição do local da entrevista, a identificação do indivíduo, a descrição da situação traumática, e as alterações sentidas após essa situação. Por motivos éticos, o nome dos entrevistados foi alterado. A transcrição integral da fita da entrevista encontra-se na forma de apêndice. 4.3.1- O caso de Sueli – A culpa pelo assalto Entrevista realizada em 19.02.2003. A entrevista foi realizada na sala do gerente, que não estava presente no dia. A sala onde a entrevista foi realizada mede aproximadamente 3 metros de largura por dois metros e meio de comprimento, continha o seguinte mobiliário: uma mesa, sobre a qual havia um monitor de computador, três cadeiras, estando uma de um lado da mesa e as outras duas do outro lado, e um pequeno armário. A sala era separada do saguão da agência por uma divisória que ia do piso até o teto. Na divisória havia uma porta de entrada, que ficou fechada durante a entrevista. A entrevista transcorreu sem interrupções. A funcionária, que chamarei de Sueli, tem 39 anos, é divorciada há 12 anos e tem uma filha de 15. Já havia passado por outros dois assaltos anteriormente que, segundo ela, não trouxeram alterações em sua vida, ao contrário do último. Em 29 de Outubro de 2002, dirigiu-se normalmente ao trabalho. Era um dia como outro qualquer. Quando chegou a agência onde trabalhava, os assaltantes já haviam entrado, embora ela não os tivesse notado. Sueli era uma das pessoas que detinham a combinação do cofre, embora não fosse sua atribuição abri-lo diariamente. Isto é um procedimento de rotina nos bancos. Alguns funcionários têm a combinação do cofre para poder abri-lo no caso da ausência do gerente ou tesoureiro. Ao entrar na agência, foi rendida pelos assaltantes, e colocada junto aos outros funcionários que chegaram antes dela. Os assaltantes perguntaram então quem abria o cofre, e Sueli manteve-se em silêncio, pois acreditava que não conseguiria abri-lo, por estar nervosa, e por não se lembrar onde havia guardado a combinação. Quando outro colega chegou, foi abordado e agredido pelos assaltantes para que abrisse o cofre. Este fato gerou posteriormente um sentimento de culpa em Sueli, pois ela avalia que, se tivesse aberto o cofre quando interpelada, teria evitado a agressão do colega e diminuiria o tempo que os assaltantes permaneceram na agência. Sueli considera não ter recebido orientação, por parte do banco, sobre como se comportar durante um assalto. Enquanto estavam no interior da agência, os assaltantes fizeram diversas ameaças, inclusive para Sueli. Quando os assaltantes quebraram o aparelho de circuito interno das câmeras de segurança, Sueli interpretou o barulho como sendo da morte de algum colega. Nesse momento, um dos assaltantes que estava com o vigilante da agência dirigiu-se a ela dizendo: “O que você está olhando aí, sua puta, sua puta. Senão eu dou um tiro agora na sua cabeça”, e ela começou a chorar. Um colega abriu o cofre, mas ainda levou um tempo para que os assaltantes saíssem, pois o cofre tinha mecanismo de tempo para abertura. Esse período de espera foi marcado por muita tensão. Os assaltantes pegaram o dinheiro e fugiram. Sueli sentiu-se mal após o assalto, “não agüentava nem olhar para as pessoas” e pediu um afastamento do trabalho ao serviço médico do banco, ficando afastada por quinze dias. Alguns dias depois de seu afastamento, teve um sonho em que a agência estava sendo assaltada novamente. Na tarde desse mesmo dia, recebeu um telefonema de uma colega, que disse que a agência havia sofrido novo assalto. “Entrei em desespero”, disse ela, completando que “fiquei louca, gritando, chorando”. Tentou ligar para a agência, mas não atendiam ao telefone, e ela imaginou que seus colegas estavam todos mortos. Sentiu-se novamente culpada por não ter alertado seus colegas, evitando o assalto. Foi deslocada para um departamento interno do banco, que não tinha atendimento de público nem havia manuseio de valores. Sueli interpretou essa transferência como sendo um ato apenas para ajudá-la, uma vez que ela não tinha uma função definida. Atualmente foi transferida para outra agência, na mesma cidade, localizada em um prédio mais seguro, no centro da cidade, mas não conseguiu adaptar-se. Considera seus colegas frios e distantes em relação a ela, e considera que não foi bem acolhida. Sueli relatou as seguintes alterações após o assalto: Estava namorando há dois anos com um rapaz, mas terminou o relacionamento porque achava que não podia corresponder às expectativas dele de ter uma vida sexual normal, pois após o assalto, não conseguiu mais ter relacionamentos sexuais. Passou a evitar sair de sua casa, reduzindo seus momentos de lazer, como ir à praia e em barzinhos com amigos, o que fazia freqüentemente antes do assalto. Afastou-se dos amigos e seu relacionamento com sua filha adolescente ficou muito tenso, com brigas constantes, porque Sueli tem medo de levá-la para sair com seus amigos. Sua filha desenvolveu anorexia e “toma remédios controlados”. Sueli avalia que, de alguma forma, teve participação na doença da filha. Ela mesma, por sua vez, percebe alterações na alimentação, pois está comendo muito “mesmo sem vontade”, especialmente doces e chocolate. Tem medo de sofrer novos assaltos e sente a presença constante do assaltante “balançando a arma, como aconteceu no dia”. Sente-se culpada pelas adversidades que vem enfrentando, e sente que as pessoas também a culpam. Comentou durante a entrevista que “as pessoas acham que a minha energia é que está atraindo coisas ruins”. Aumentou o número de consultas a médicos, e chega a ir ao hospital todos os dias, com diversas queixas. 4.3.2- O caso de Jorge – A dificuldade de um herói A entrevista foi realizada em 18.02.2003. Jorge já aguardava o entrevistador. A entrevista, previamente acordada, foi realizada em uma sala normalmente utilizada para reuniões, isolada. A sala, medindo aproximadamente quatro três metros de profundidade por seis metros de largura, tinha como mobiliário uma mesa retangular e oito cadeiras. Uma das paredes da sala era de vidro, com persianas que ficaram fechadas durante a entrevista. A entrevista teve a duração de uma hora e vinte minutos, com uma única interrupção, de curta duração, quando uma copeira veio servir café. O funcionário que chamarei de Jorge, tem 33 anos, atualmente faz curso superior, é casado, tem dois filhos, um menino de 11 anos e uma menina de três anos. Trabalha no banco há três anos, sua função é de Posto Efetivo11. Trabalhava em uma cidade pequena, no interior de um estado do Nordeste, distante vinte e seis quilômetros de sua residência. Antes de entrar no banco, foi proprietário de um pequeno comércio, e sofreu alguns furtos, mas nunca um assalto à mão armada. Posto Efetivo é o cargo inicial no banco. Nas agências, é o responsável pelo atendimento de público, abertura de contas e trabalhos internos, administrativos. Anteriormente sua denominação era de Escriturário. 11 No dia do assalto, há pouco mais de um ano atrás, sua esposa havia pedido para usar o carro, único do casal. Jorge, “por comodismo”, não concordou e argumentou com ela que seu colega, com quem pegava carona ocasionalmente, não iria trabalhar nesse dia, e que tinha de ficar como carro, para ir para a faculdade após o trabalho. Durante o percurso até a agência onde trabalhava, foi cercado por três carros: “um Vectra prata, um Uno vinho e o Astra verde” sendo obrigado a parar. Os assaltantes eram “mais ou menos quinze pessoas, todas bem armadas”. Anunciaram que iriam assaltar o banco e começaram a contar detalhes de sua família e de sua casa, ameaçando que se não colaborasse, matariam sua filha (seu filho tinha viajado para casa de parentes, fato conhecido pelos assaltantes). Relatou que ficou preocupado com sua família e teve que obedecer aos assaltantes, pois, “se a pessoa não tivesse uma família, nada, acho que a pessoa tomava uma atitude”. Dirigiu então seu carro para a agência, acompanhado de dois dos assaltantes, sendo seguido pelos outros veículos. No trajeto, ficou muito preocupado com o momento da entrada na agência, pois temia que seus colegas não permitissem o ingresso dos assaltantes. Soube também, pelos assaltantes, que ele foi escolhido por ser o gerente da agência. Jorge atribuiu esse erro pelo fato de ter um carro melhor que o do gerente. Não quis corrigir essa informação, temendo que os assaltantes, pudessem fazer algo a ele por pensarem que o assalto não daria certo. Ao chegarem à agência, um dos carros estacionou em frente à delegacia de polícia, que ficava na mesma praça. Desceu do carro, acompanhado do líder da quadrilha. Quando se aproximaram da porta da agência, chamou o gerente e o assaltante disse a ele: “olha, você manda abrir isso aí porque a gente tem como entrar aí de qualquer jeito, e a gente sabe que seu filho está sozinho em casa, sua mulher saiu com um filho seu para o médico, certo? Seu filho está sozinho dentro de sua casa, você mora na rua tal”. Jorge sentiu-se muito aliviado neste momento, o que gerou um sentimento de culpa posterior. O alívio ocorreu, segundo ele, porque, por um lado, o gerente não se oporia à entrada deles, e por outro, porque não haveria suspeita de que ele estivesse, de alguma forma, associado aos assaltantes, que era outra preocupação que teve durante o trajeto até a agência. Após pegarem o dinheiro que estava no cofre, os ladrões consideraram pequeno o valor recolhido e quiseram levar também o dinheiro dos terminais eletrônicos. Isso aumentou sua tensão, pois havia clientes usando os terminais e Jorge teve medo de que houvesse tiroteio. Depois de terem recolhido esse dinheiro os assaltantes saíram da agência, deixando a instrução de que esperassem algum tempo antes de acionarem o alarme. Jorge sentiu-se muito abalado com o assalto e revoltado por ter sido tomado como refém, por ser confundido com o gerente. Sentiu-se culpado pelo sofrimento causado ao filho, pois seu filho assistiu pela televisão a notícia do assalto e, ao não conseguir telefonar para casa, imaginou que seu pai havia morrido, e também pelas limitações que tem colocado a sua família pelos sintomas que vem apresentando Após o assalto, chegou a pensar em pedir demissão do banco para não se expor a novos assaltos, mas acabou aceitando uma transferência. para outra cidade, distante 110 Km de sua residência, por não querer mais trabalhar naquela agência, temendo por sua família, uma vez que os assaltantes sabiam seu endereço. Relatou as seguintes alterações após esse seqüestro e assalto: Por medo de ser assaltado novamente, altera constantemente sua rotina e percurso para ir ao trabalho e à faculdade. Não deixa mais o filho andar sozinho de bicicleta ou ir desacompanhado à casa de amigos. Seu lazer tem se limitado a sair com a família apenas para ir ao Shopping Center da cidade, único local em que se sente seguro. Quanto ao relacionamento com sua esposa, Jorge comenta que percebeu alterações no relacionamento sexual, tanto na diminuição da freqüência, como na qualidade, pois já não sente tanto prazer como antes. Atribui isso ao cansaço pelo deslocamento diário até o banco. Tem ido mais a médicos por sentir um aumento em sua gastrite. 4.3.3. O caso de Teresa - Sentimentos de descontrole. A entrevista foi realizada em 19.02.2003. A entrevista foi realizada na sala da gerência, fora do horário de atendimento ao público. A sala mede aproximadamente dois metros e meio de largura por dois de comprimento e ficava isolada, em um canto, separada do saguão da agência por divisória que não chegava até o teto. Na sala havia apenas a mesa, sobre a qual havia um monitor de computador e um aparelho de telefone. A entrevista durou aproximadamente quarenta minutos e foi interrompida por dois telefonemas sobre trabalho, que Teresa atendeu de forma rápida.. Teresa, 48 anos, nível superior completo, é casada e tem duas filhas, com 22 e 21 anos. Trabalha há 26 anos no banco e atualmente exerce a função de gerente de contas, constantemente substituindo o gerente principal da agência. Passou anteriormente por dois assaltos que se alternam em seu relato, sempre comparando o último, pior, com o anterior, no qual manteve o controle sobre a situação. Segundo ela, o primeiro assalto foi mais tranqüilo, ficou com o grupo de colegas em um canto enquanto os assaltantes dominavam o gerente e pegavam o dinheiro. Já no segundo foram empregadas mais violência e ameaças. Em setembro de 2002, durante um dia normal de trabalho, no horário de expediente ao público, chegou na agência uma quadrilha conhecida na cidade como a Gangue da Marreta. Teresa já havia ouvido falar dessa quadrilha em noticiários policiais. Dez assaltantes, aproximadamente, colocaram-se à frente das portas de vidro da agência e começaram a bater com marretas nos vidros do banco, para quebrá-los, enquanto alguns deles apontam armas para dentro, e “aquele barulho de dos vidros caindo, o cara gritando, pisoteando o vigilante”. “Aquilo me deixou marcas”, acrescenta em seguida. Após entrarem na agência, dirigiram-se a ela perguntando pelo gerente. Como o gerente não estava, e “como eu substituo o gerente, assumi toda a responsabilidade para mim”, disse ela. Essa postura Teresa manteve durante o assalto, tentando proteger e cuidar dos colegas. Uma de suas colegas disse que ia esconder a chave do cofre, ao que ela contestou, ordenando que chave fosse entregue, e transmitiu “segurança para ela”. Um dos assaltantes aproximou-se de Teresa e pediu para que abrisse cofre. Segundo ela, eles estavam instruídos para abordar a “mulher de óculos”, que era ela. Ela disse que não tinha a chave do cofre com ela, que precisaria pegá-la em outro setor, mas o assaltante não a ouvia e gritava para que ela abrisse o cofre. Teresa respondeu de forma ríspida, gritando que não estava com a chave, e o assaltante passou a dar socos em seus braços e ombros. Neste momento, ela sentiu-se muito assustada e teve certeza de que iria morrer. Após pegarem o dinheiro, os assaltantes mandaram que ela se deitasse, com os outros funcionários e clientes, e correram para fora do banco. Teresa diz que ficou muito nervosa após esse assalto, e faltou ao trabalho por três dias. Teresa comenta as seguintes alterações em sua vida após o assalto: O ambiente no grupo de trabalho, que era bom antes do assalto, ficou muito prejudicado. Uma colega pediu demissão do banco com medo de ser novamente assaltada, outra foi transferida para outra cidade. Há um colega “traumatizado” que passa o tempo todo assustado. Ela sente-se muito cobrada pelos subordinados para que consiga uma mudança da agência para um local que ofereça maior segurança. Este pedido já foi feito aos setores responsáveis, mas ainda não foi providenciada a mudança, e os funcionaram a acusam de ser displicente em relação a isso. Teresa fica revoltada com essa situação, pois isso seria responsabilidade do gerente principal da agência, mas é a ela que são dirigidas as reclamações e críticas. Em sua vida pessoal, Teresa está mais assustada e temerosa de novos assaltos. Tem sobressaltos quando ouve barulhos inesperados ou de vidros quebrando, e sonha constantemente com cenas do assalto. Passou a controlar suas filhas, ligando freqüentemente para elas através do telefone celular, apenas para saber se estão bem. Suas filhas não aprovam esse controle, gerando constantes atritos familiares. Teresa também desenvolveu uma preocupação em ligar para sua casa para dizer que está bem, quando ocorre algum imprevisto e ela se atrasa em uma atividade. Está mais nervosa do que antes e irrita-se com mais facilidade com sua família. Não percebeu aumento de consultas médicas, por ser "avessa a médicos”, mas começou a ter dores de cabeça, o que não ocorria antes do assalto. Aumentou o consumo de chá que, segundo ela, passa o dia todo bebendo. 5. Análise psicológica das entrevistas 5.1 A lembrança constante da situação traumática (flashback) O primeiro elemento que chama a atenção nos relatos dos entrevistados é a forma viva e rica em detalhes da descrição dos assaltos, apesar do intervalo de tempo decorrido (quatros meses para Sueli, um ano para Jorge e cinco meses para Teresa) desde o assalto. Esse elemento é comum em outras pessoas traumatizadas. A imagem do momento traumático fica viva na memória, mesmo dezenas de anos após o incidente traumático (LÓPEZ-IBOR, 1998). Nas entrevistas realizadas, pode-se ver este elemento. Sueli ainda lembra constantemente do assaltante “balançando a arma, como aconteceu no dia”. Jorge ainda sonha com o dia do assalto, e também tem constantes lembranças intrusivas, mesmo em momentos de descontração.Teresa também recorda do assalto constantemente, especialmente a cena da entrada da quadrilha na agência, dos “vidros caindo, do cara gritando, pisoteando o vigilante”. Todos eles lembram-se com exatidão de algumas palavras ameaçadoras dos assaltantes. Sobre a força do registro de uma situação traumática, Freud, no “Projeto para uma Psicologia Científica” (1895a/1995, Edição Eletrônica), explica que a memória está representada pelas diferenças nas facilitações entre os neurônios, e que “esta facilitação ocorre em virtude da magnitude da impressão ou da freqüência em que a impressão se repete” (grifo nosso). Assim, em uma situação onde a vida está ameaçada, o excesso de estimulação contra o qual a barreira protetora deveria funcionar, falha. Nesses casos, é a magnitude da impressão que está em jogo. Em “Além do Princípio do Prazer” (1920/1995, Edição Eletrônica), ele comenta essa falha: Descrevemos como ‘traumáticas’ quaisquer excitações provindas de fora que sejam suficientemente poderosas para atravessar o escudo protetor. Parece-me que o conceito de trauma implica necessariamente uma conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob outros aspectos eficazes contra os estímulos. Um acontecimento como um trauma externo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis. Ao mesmo tempo, o princípio de prazer é momentaneamente posto fora de ação. Não há mais possibilidade de impedir que o aparelho mental seja inundado com grandes quantidades de estímulos; em vez disso, outro problema surge, o problema de dominar as quantidades de estímulo que irromperam, e de vinculá-las no sentido psíquico, a fim de que delas se possa então desvencilhar. Devido à quantidade de estímulos, a vinculação no sentido psíquico, ficaria impossível. Isso daria à situação traumática um caráter de uma experiência não representável (BENYAKAR, 2003). A única possibilidade de reduzir esse excesso de estimulação seria a descarga que ocorre, por exemplo, através dos sonhos repetitivos da repetição da situação. Como essa via é insuficiente para a descarga, a impressão continua altamente catexizada, outorgando às lembranças esse caráter atemporal. Seria como um aparelho eletrônico projetado para funcionar em 110 volts, que por algum motivo é ligado em uma tomada de 220 volts. Os aparelhos mais modernos são dotados de “barreiras protetoras” através de um sistema de fusíveis que, ao queimarem, protegem os circuitos do aparelho. Quando esse sistema falha, os componentes ficam sobrecarregados, e mesmo ligando posteriormente o aparelho em uma tomada de 110 volts, ele não mais funcionará normalmente. Garcia-Roza (1991), nos lembra que para Freud, o aparelho psíquico é, fundamentalmente, um aparelho de memória, e que toda impressão, mesmo a mais insignificante, deixa um traço inalterável, indefinidamente capaz de ressurgir um dia”. A memória, no “Projeto para uma psicologia científica”, é concebida como o poder que uma vivência tem de continuar produzindo efeitos. E esse poder depende de dois fatores: “a memória de uma experiência (isto é, sua força eficaz contínua) depende de um fator que se pode chamar de magnitude da impressão e da freqüência com que a mesma impressão se repete” (FREUD, 1895a/1995, Edição eletrônica). No caso do PTSD, não é a repetição que está em jogo, mas a magnitude da impressão. Essa magnitude está diretamente relacionada ao temor da morte, presente na situação traumática. 5.2- A ansiedade Os três entrevistados apresentam ansiedade alta, na forma do medo de sofrer novas violências, a si mesmo ou a pessoas próximas, que limita suas vidas. De que ansiedade estamos falando? Aqui cabe um breve esclarecimento do termo, tão presente na literatura psicanalítica. Segundo Hanns (1996, p. 62), o termo ansiedade foi traduzido do original angst ou furcht que muitas vezes é traduzido por angústia. Segundo ele, a palavra Angst em alemão significa medo, “abarcando desde os sentidos de ‘temor’ e ‘receio’ até os sentidos intensos de ‘pânico ‘ e ‘pavor’”. “Um animal perante o predador sente Angst”, acrescenta (p. 63). O termo Angst, assim, refere-se não somente ao medo de um objeto real, como um predador, mas também a objetos não específicos, aproximando-se daquilo que conhecemos como Ansiedade. Nas Conferências Introdutórias (1917c/1995, Edição Eletrônica), essa diferença fica expressa quando Freud utiliza-se de qualidades da Angst: Há uma ansiedade realística, que seria um estado de preparação para o enfrentamento de um perigo real, o sentimento que conhecemos popularmente como medo, e uma ansiedade neurótica, onde o perigo é inexistente ou desproporcional à ansiedade causada (FREUD, 1917c/1995, Edição Eletrônica). Mesmo a ansiedade realística, aparentemente adequada à uma situação perigosa, é questionada: Em geral, a reação ao perigo consiste numa mistura de afeto de ansiedade e de ação defensiva. Um animal aterrorizado sente medo e foge; mas a parte adequada desse processo é a ‘fuga’ e não o ‘estar com medo’. Assim, é-se tentado a afirmar que a geração da ansiedade nunca é uma coisa apropriada [...] Em geral, a reação ao perigo consiste numa mistura de afeto de ansiedade e de ação defensiva. Um animal aterrorizado sente medo e foge; mas a parte adequada desse processo é a ‘fuga’ e não o ‘estar com medo’.Assim, é-se tentado a afirmar que a geração da ansiedade nunca é uma coisa apropriada (1917c/1995, Edição Eletrônica). Dessa forma, podemos dizer que sempre há um caráter “neurótico” na ansiedade, mesmo naquela que poderíamos considerar apropriada. Em relação à ansiedade neurótica, Freud explica no mesmo texto que ela pode dar-se basicamente de três maneiras. A primeira, de uma forma expectante, não vinculada, ou seja, sem a presença de um objeto ameaçador, que seria a ansiedade presente no quadro psicopatológico de Neurose de Angústia. A segunda, que aparece vinculada a um objeto, o qual não oferece perigo real, ou o perigo oferecido é desproporcional à ansiedade gerada. É o caso das fobias, ou, como Freud designava na época, Histeria de Angústia, nas quais o objeto temido é a representação simbólica de conseqüências da satisfação libidinal. A terceira, surge acompanhada dos sintomas nas psiconeuroses, como na histeria ou na neurose obsessiva, quando o neurótico é impedido de realizar seu ritual. Pode-se concluir dessa passagem que a ansiedade neurótica pode surgir sem objeto, ter objeto simbólico, ou ser substituta de sintomas. Qual seria a ansiedade no Transtorno de Estresse pós-Traumático? Ela tem um objeto específico, que é a repetição da situação traumática. Este objeto não é simbólico de um conflito, o temido é a repetição da situação. Por outro lado, não está por trás do sintoma; ela é um dos principais sintomas desse quadro. Poderíamos então considerar que no caso do Transtorno de Estresse pósTraumático, estamos lidando com uma ansiedade realística, com um medo real, de um perigo real. Afinal, como justificado por uma pessoa traumatizada por um seqüestro-relâmpago: “Não sou eu que estou doente. O mundo é que é perigoso”. No caso da pessoa com Transtorno de Estresse pós-Traumático, mais do que a ansiedade natural provocada pela convivência em um ambiente reconhecidamente perigoso, parece haver a certeza de uma nova agressão iminente. Contra essa hipotética agressão, a preparação para o enfrentamento do perigo é constante. Pode-se argumentar contra isso que o perigo já existia antes da vivência da situação traumática, o mundo já era perigoso e, se haviam motivos para cautela e apreensão, estes não alteravam a vida e as atividades dos indivíduos. No paciente com Transtorno de Estresse pós-Traumático, o que mudou não foi o mundo, mas sim a forma de ver o mundo. Essa diferença fica evidenciada quando Freud (1925/1995 Edição Eletrônica) distingue a ansiedade frente ao perigo e a ansiedade frente ao trauma: Teremos então bons motivos para distinguir uma situação traumática de uma situação de perigo. O indivíduo terá alcançado importante progresso em sua capacidade de autopreservação se puder prever e esperar uma situação traumática dessa espécie que acarrete desamparo, em vez de simplesmente esperar que ela aconteça. Intitulemos uma situação que contenha o determinante de tal expectativa de uma situação de perigo. É nessa situação que o sinal de ansiedade é emitido. O sinal anuncia: ‘Estou esperando que uma situação de desamparo sobrevenha’ ou ‘A presente situação me faz lembrar uma das experiências traumáticas que tive antes. Portanto, preverei o trauma e me comportarei como se ele já tivesse chegado, enquanto ainda houver tempo para pô-lo de lado.’ A ansiedade, por conseguinte, é, por um lado, uma expectativa de um trauma e, por outro, uma repetição dele em forma atenuada. Assim os dois traços de ansiedade que notamos têm uma origem diferente. Sua vinculação com a expectativa pertence à situação de perigo, ao passo que sua indefinição e falta de objeto pertencem à situação traumática de desamparo — a situação que é prevista na situação de perigo. Teríamos, então, por um lado, o sinal de ansiedade, que surge como uma preparação diante do perigo, algo adequado frente a um mundo perigoso. Por outro lado, o estado de ansiedade, como se o perigo já estivesse presente. Esse é o mecanismo presente no indivíduo com PTSD. A ansiedade presente no PTSD parece ser do tipo que remonta a uma situação especial, e única.: o trauma do nascimento seria um protótipo de toda experiência traumática posterior (Freud 1925/1995, Edição Eletrônica) . Vieira (2001, p.117-118) discute essa relação: a resposta automática do trauma de nascimento é a angústia. A angústia ficará daí para sempre associada com o excesso de estimulação, com o trauma e surgirá como uma reação sempre que haja um perigo de repetição desse estado. A angústia é um afeto essencialmente desprazeroso e é uma forma de encontrar vias de descarga, o que se evidencia por seu componente corporal. Assim, cada situação traumática produziria uma ansiedade vivida originalmente no nascimento. “A ansiedade surgiu originalmente como uma reação a um estado de perigo e é reproduzida sempre que um estado dessa espécie se repete”, como ele afirma no trabalho “Inibições, Sintomas e Ansiedade”(1925/1995, Edição Eletrônica). Nas pessoas entrevistadas, podemos encontrar a ansiedade presente no temor da repetição de uma situação perigosa. Por este motivo, Sueli não vai mais aos lugares que freqüentava, como praia e barzinhos, nem leva mais sua filha para passeios, com medo de novos assaltos. Jorge cerca-se de medidas de segurança, e não permite mais que seus filhos saiam de casa desacompanhados. Teresa controla a atividade de suas filhas e tem medo o tempo todo de um novo assalto, não apenas durante o expediente bancário, mas também no trajeto entre o banco e sua residência e em seus passeios de lazer. Talvez o exemplo mais impressionante da ansiedade produzida pela certeza da repetição de uma situação traumática tenha ocorrido em 11 de setembro de 2002: No aniversário do atentado terrorista às Torres Gêmeas, muitas pessoas do mundo todo, traumatizadas pelo atentado, cancelaram viagens aéreas, temendo a repetição dos atentados. 5.3- Ausência de prazer Os três entrevistados mencionaram a interferência da situação traumática em suas atividades de lazer e prazer. Sueli parou de freqüentar a praia e os barzinhos, com amigos, e separou-se de seu namorado, pois não podia corresponder ao que ele esperaria de uma mulher. Jorge limitou seus passeios com a família a idas ao shopping center da cidade, onde se sente mais seguro, e percebe que seu prazer sexual não é mais o mesmo, tanto em qualidade como na freqüência, que diminuíram. Teresa evita sair de casa quando não é necessário. Além da presença da ansiedade limitando as atividades sociais anteriormente prazerosas, parece ter havido uma redução da capacidade de obtenção de prazer por parte das pessoas entrevistadas. Essa redução pode ser compreendida a partir do fato que a libido, narcisicamente investida, fica reduzida em sua capacidade de ligar-se a objetos. Podemos pensar também na relação entre uma situação traumática e princípio do prazer. Toda situação de perigo imprime à experiência mental um estado de excitação muito intensa, “que é sentida como desprazer e que não é possível dominar descarregandoa” (FREUD, 1933[1932]/1995, Edição Eletrônica). Nesse estado traumático, falham os esforços do princípio do prazer, no sentido de buscar o prazer e evitar o desprazer. Isso nos traz uma: [...] proposição simples: o que é temido, o que é o objeto da ansiedade, é invariavelmente a emergência de um momento traumático, que não pode ser arrostado com as regras normais do princípio de prazer. De imediato compreendemos que, dotados do princípio de prazer, não nos garantimos contra danos objetivos, mas sim apenas contra determinado dano à nossa economia psíquica. Vai uma grande distância desde o princípio de prazer ao instinto de autopreservação. As intenções de ambos estão longe de coincidir desde o início (Grifo nosso) (FREUD, 1933/1995 Edição Eletrônica). Essa discordância entre as intenções do instinto do prazer e do instinto de autopreservação pode nos ajudar a entender o sintoma da dificuldade de prazer no transtorno de Estresse pós-Traumático. Devido à ansiedade gerada por uma experiência traumática, fica a sensação de que o perigo persiste. A prioridade do aparelho psíquico torna-se a evitação do perigo. Como vimos acima, o princípio do prazer é incapaz de defender o indivíduo de perigos reais, e assim, o que prevalece é o instinto de autopreservação. Diante de uma situação perigosa, a busca do prazer fica em segundo plano. O que acontece no Transtorno de Estresse pós-Traumático, é que não ocorre a percepção de que o perigo terminou e o indivíduo, sentindo-se ameaçado, não consegue buscar o prazer. 5.4- Dificuldades no relacionamento interpessoal Freud, em “Neuroses de Transferência:uma Síntese” (1915/1987, p.75), fazendo uma analogia entre o desenvolvendo psicossexual do indivíduo com a história da humanidade, diz que “o mundo externo, que era preponderantemente amistoso, propiciando qualquer satisfação, transformou-se em um acúmulo de riscos iminentes”. Essa mudança da realidade externa provocou uma alteração no investimento libidinal das pessoas. A sobrevivência passou a ser tarefa prioritária, e humanidade “transformou em angústia real o que antes era libido objetal”, mantendo a libido no ego. Essa descrição hipotética da história da humanidade pode ser aplicada ao indivíduo com Transtorno de Estresse pós-Traumático. O mundo, para esse indivíduo, passou a ser visto como um local repleto de perigos, dos quais suas defesas são ineficazes. A vivência traumática tem a capacidade de transformar a visão de mundo do indivíduo, e modela a partir dela suas vivências posteriores (YEHUDA, 2002). A conseqüência dessa mudança de visão de mundo com o aparecimento de um mundo visto como angustiante (perigoso) após uma situação traumática, que impede a capacidade de amar, e esse impedimento facilitaria o afastamento do relacionamento interpessoal, pois há pouca libido objetal para ser investida. A pessoa passa então a viver dentro de um invólucro narcísico (SYMINGTON, 2003, p. 66), com pouca abertura para o relacionamento interpessoal. Acrescenta-se a esse processo o fato de que a ansiedade provoca o confinamento da pessoa, diante da possibilidade de novas situações traumáticas. A conjugação destes dois fatores: redução da libido objetal e o medo de sair no mundo perigoso, teriam como resultado o isolamento social e as dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Nos bancários entrevistados, essa dificuldade está presente. Sueli, além de ter parado de ir a barzinhos e à praia com seus amigos, percebe um “clima ruim” na agência onde trabalha atualmente, onde não se sente aceita. Jorge limitou seu lazer a passeios familiares no Shopping da cidade onde mora, com sua família. Teresa ressente-se do clima gerado pelo assalto na agência onde trabalha, por sentir-se cobrada e distante dos funcionários. Esse sintoma parece estar presente nos três casos analisados. 5.5- Irritabilidade O sintoma de irritabilidade mencionado no DSM-IV (APA, 1995) pode ser compreendido a partir de uma consideração neurológica: A ansiedade constante, presente nos indivíduos traumatizados, provoca uma descarga contínua de adrenalina que inibe o funcionamento do córtex frontal, permitindo respostas emocionais subordinadas ao sistema límbico (RODRIGUES, 2003). Assim, o comportamento da pessoa torna-se mais impulsivo, gerando respostas agressivas que o indivíduo não teria sem a presença do estado de ansiedade. Teresa reconhece estar “mais nervosa” com seus familiares. Sueli menciona brigas diárias com sua filha. Na entrevista com Jorge, não houve elementos para verificar este dado. 5.6- A lembrança de pequenos detalhes Outro aspecto que merece ser relatado, é o de que pequenos detalhes, absolutamente sem importância na situação, ficam intensamente carregados na memória do indivíduo traumatizado. Sueli lembra-se do telefone celular caído no chão, durante o assalto, Jorge lembra-se da marca, modelo e cor dos carros usados pelos assaltantes. Teresa não consegue lembrarse da fisionomia da pessoa que a agrediu, embora se considere boa fisionomista e lembre-se de outros detalhes presentes na cena. Porque, numa situação onde está presente o risco de vida, alguém repararia em detalhes insignificantes presentes na situação? Freud, (1901 [1899]/1995, Edição Eletrônica) explica o que deveria ser retido na memória e o que deveria ser esquecido: É somente a partir do sexto ou sétimo ano — em muitos casos, só depois dos dez anos — que nossa vida pode ser reproduzida na memória como uma cadeia concatenada de eventos. Daí em diante, porém, há também uma relação direta entre a importância psíquica da experiência e sua retenção na memória. O que quer que pareça importante por seus efeitos imediatos ou diretamente subseqüentes é recordado; o que quer que seja julgado não essencial é esquecido. Quando consigo relembrar um acontecimento por muito tempo após sua ocorrência, encaro o fato de têlo retido na memória como uma prova de que ele causou em mim, na época, uma profunda impressão. Surpreendo-me ao esquecer uma coisa importante, e talvez me sinta ainda mais surpreso ao recordar alguma coisa aparentemente irrelevante. É apenas em certos estados mentais patológicos que torna a deixar de aplicar a relação mantida, nos adultos normais, entre a importância psíquica de um evento e sua retenção na memória. (Grifo nosso) A situação traumática é o estado mental patológico, nestes casos, com a quantidade de energia que o ego não elabora e com o desenvolvimento da angústia de morte. A situação criaria uma tendência à fuga do excesso de estimulação, nos moldes em que Freud descreve em “Inibições, Sintoma e Ansiedade” (1925/1995, Edição Eletrônica) sobre o processo de fuga ser uma forma de defesa contra estímulos externos. A primeira forma de fuga seria a retirada da carga de percepção do objeto perigoso. Apesar do objeto estar ali, a pessoa não o vê ou substitui por algum outro objeto presente na cena perigosa. É o mesmo processo que ocorre na origem do fetichismo (FREUD, 1927a/1995, Edição Eletrônica) e que ele denomina como rejeição. Neste texto, o perigo abordado é o do menino, na fase fálica, perceber a ausência do pênis na mulher e entrar em contato com a angústia de castração, temendo perder seu próprio pênis. Ele rejeita essa percepção e o que ocorre em seguida é uma fixação da visão em outra parte do corpo da mulher ou nas roupas íntimas. Antes, parece que, quando o fetiche é instituído, ocorre certo processo que faz lembrar a interrupção da memória na amnésia traumática. Como nesse último caso, o interesse do indivíduo se interrompe a meio caminho, por assim dizer; é como se a última impressão antes da estranha e traumática fosse retida como fetiche (1927a/1995, Edição Eletrônica). No caso exemplificado por Freud, o perigo temido é o da castração. No indivíduo traumatizado, o perigo vivido ou presenciado produz a angústia de morte, e como defesa contra ela, aspectos mais ameaçadores da cena são substituídos, em termos de investimento de carga perceptiva, por detalhes sem importância. Dessa forma, o medo da morte é rejeitado ou fica reduzido.. Freud (1901 [1899]/1995, Edição Eletrônica) explica esse processo como resultante de duas forças em conflito: a primeira, tenta estabelecer a retenção na memória da situação importante. A outra, se opõe na forma de uma resistência. O resultado desse conflito é uma conciliação: o que é registrado como imagem mnêmica não é a experiência relevante em si — nesse aspecto, prevalece a resistência; o que se registra é um outro elemento psíquico intimamente associado ao elemento passível de objeção — e, nesse aspecto, o primeiro princípio mostra sua força: o princípio que se esforça por fixar as impressões importantes, estabelecendo imagens mnêmicas reprodutíveis. Isso implica numa capacidade de deslocar, por semelhança ou continuidade temporal, a carga perceptiva para outro elemento presente. Como exemplo desse processo, pode-se mencionar uma paciente atendida em psicoterapia que sofreu um estupro em seu próprio automóvel. Durante o estupro, essa mulher, vivendo uma violência inimaginável, e sendo ameaçada de morte, tinha como principal preocupação o fato de seu sapato poder arranhar o painel do carro. Esse caso mostra de forma evidente a função defensiva do deslocamento da carga perceptiva. É como se ela dissesse para si mesma: “Não está ocorrendo nada comigo, apenas estou deitada em uma posição que pode estragar o painel de meu automóvel, que gosto tanto. Preciso evitar isso”. 5.7- O sentimento de culpa A experiência perigosa não traumatiza apenas pelo medo, mas também pelos sentimentos de vergonha e culpa que ela muitas vezes provoca (MCNALLY, 2003). O sentimento de culpa está presente nos três relatos. Sueli culpa-se pela agressão sofrida pelo colega, por não ter tido coragem de abrir o cofre e atribui à sua “energia ruim” o fato de atrair situações desprazerosas. Talvez também o rompimento com o namorado possa ter ocorrido em função da culpa. Simon (1989), explica que nas situações de crise onde há fortes sentimentos de depressão e culpa, “há o risco de o indivíduo tentar aliviar-se por auto-agressão, que pode variar da mutilação pessoal, material ou situacional, até o suicídio” ( p.61). Jorge culpa-se por ter sido comodista e naquele dia, não ter deixado o carro com sua esposa, como ela havia pedido, e ido de ônibus, e de ter provocado a preocupação e sofrimento de seu filho. Teresa, embora mantenha em seu discurso o fato de ter cumprido as normas de segurança e a inevitabilidade da situação, culpa-se pela reação que teve diante do assaltante, gritando com ele e expondo-se a um risco desnecessário. A culpa, na maioria das vezes irracional e onipotente, parece ter a função de encontrar um sentido no ocorrido e muitas vezes, de encontrar um culpado pela situação. É preciso encontrar um sentido para a tragédia, e o sentido pode ser dado a partir de uma suposta falha individual. Nesse sentido, os gregos talvez fossem mais felizes. A palavra desastre, de algo que não deveria acontecer, não previsto, vem do grego desastrum, quando os astros saíam de sua órbita normal, provocando alterações em nosso planeta, quando ocorre o que não deveria ocorrer (BENYAKAR, 2003). A culpa também aparece nas três entrevistas em relação ao sofrimento causado à família, ou pela preocupação despertada, ou pelas alterações sintomáticas após o assalto. 5.8- Revolta Nas três entrevistas aparece um sentimento de revolta contra algum fator relacionado à instituição. Sueli queixa-se de que o banco não a treinou sobre como proceder em casos de assalto, e com as medidas adotadas pela empresa em relação à sua transferência. Jorge acredita ter sido seqüestrado por engano. Foi confundido com o gerente, “talvez por ter o carro melhor que o dele”, “Sem ter o salário de gerente”, acrescenta. Teresa “teve de assumir as responsabilidades” durante o assalto, em função da ausência do gerente, que “vive em treinamentos e reuniões”. Lopez-Ibor (1998), havia encontrado afetos semelhantes em veteranos da guerra das Malvinas. O ressentimento dos veteranos era dirigido para o governo e exército argentinos, e não contra o exército inglês, o verdadeiro agressor. É como se essa revolta surgisse por uma falha de proteção. Quem tinha a função de proteger esses indivíduos, falhou nessa missão. Assim, no caso dos bancários entrevistados, o responsável pela experiência traumatizante passa a ser o gerente ou a instituição, e o assaltante fica, de certa forma, perdoado. Freud explica este processo a partir de uma referência ao medo da morte no trabalho “O Ego e o Id” (1923b/1995, Edição Eletrônica). Na melancolia, o medo da morte ocorre porque o ego se vê abandonado e perseguido pelo superego. “Para o Ego, portanto, viver significa o mesmo que ser amado”, conclui. Assim, O superego preenche a mesma função de proteger e salvar que, em épocas anteriores, foi preenchida pelo pai e, posteriormente, pela Providência ou Destino. Entretanto, quando o ego se encontra num perigo real excessivo, que se acredita incapaz de superar por suas próprias forças, vê-se obrigado a tirar a mesma conclusão. Ele se vê desertado por todas as forças protetoras e se deixa morrer. Aqui está novamente a mesma situação que fundamenta o primeiro grande estado de ansiedade do nascimento e a ansiedade infantil do desejo — a ansiedade devida à separação da mãe protetora . A decepção pelo abandono do protetor, sentido quando o indivíduo fica exposto a um perigo de vida parece ser mais intenso que o ódio contra o agressor. Outro fator que ajuda a entendermos esse processo é o fato de vivermos em um ambiente disruptivo. Em nossa sociedade, é como se a figura do criminoso estivesse incorporada à paisagem. A presença do criminoso é vista como algo natural, e o que é circunstancial é o fato do criminoso chegar até a vítima. É aí que ocorre a falha de quem deveria proteger o indivíduo. Isso explicaria porque, em entrevistas na mídia com parentes de vítimas, as pessoas geralmente culpam a polícia, a justiça, ou, mais genericamente, o governo, mas dificilmente a acusação é dirigida contra o criminoso, o verdadeiro responsável pela tragédia. 5.9- Identificação com o agressor Nas três entrevistas pode ser verificada a presença do mecanismo de defesa conhecido como Identificação com o Agressor. Este mecanismo, isolado e definido por Anna Freud (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p.299), ocorre quando o “...indivíduo, confrontado com um perigo exterior, identifica-se com o seu agressor, ou assumindo por sua própria conta a agressão enquanto tal, ou imitando física ou moralmente a pessoa do agressor”. Sueli, ao culpar-se pela agressão sofrida pelo colega, é como se sentisse a responsável pela agressão, e não uma vítima impotente do assalto. Teresa aceita as recriminações dos colegas por não conseguir mudar o local da agência, como se estivesse expondo os funcionários a novas agressões. O caso mais impressionante foi o de Jorge. Quando sugeri ao funcionário entrevistado que escolhesse um pseudônimo para si, após pensar por alguns segundos, disse-me “Jorge”. Em seguida esclareceu que “Jorge” era o nome pelo qual era chamado o líder de seus seqüestradores. 5.10- Alterações na saúde Nos três entrevistados foram identificadas alterações na saúde após a exposição às situações traumáticas. Sueli teve uma série de problemas, que a levam ao hospital “quase todos os dias”. Jorge menciona o surgimento de uma gastrite. Teresa relata o aparecimento de uma dor de cabeça constante, não existente antes do assalto. Vieira (2001, p.183), referindo-se ao excesso de energia livre provocado pelo trauma que reflui para o corpo, “fará com que o órgão afetado funcione como um símbolo mudo, análogo aos elementos oníricos mudos dos sonhos, com relação aos quais o sonhador não era capaz de fazer nenhuma associação” e conclui que o estado de excitação é manifestado nos órgãos, alterando sua função original, acrescentando a eles a função de uma tentativa de descarga. A doença do individuo traumatizado seria resultante da exigência de uma função mental e a órgãos não destinados a esse fim. Semelhante processo encontramos na histeria de conversão com os impulsos eróticos. A diferença, no caso do trauma, é a ausência de simbolização individual. Outro elemento relacionado a essa característica do PTSD, é explicado por Ferenczi (1919, p. 26). Ele defende a idéia de que, parte da libido retirada dos objetos é investida no próprio ego, criando uma hipersensibilidade do ego, que se exprime por sensações orgânicas hipocondríacas, o que leva o indivíduo traumatizado a uma necessidade de ser mimado, cuidado e amado como crianças. Essa hipersensibilidade também estaria na raiz dos sintomas de irritabilidade, pois o ego torna-se incapaz de suportar qualquer situação que possa produzir moral, reagindo diante da situação com agressividade. Além dos aspectos mencionados, as sensações de impotência e fragilidade fazem com que o indivíduo traumatizado supervalorize qualquer alteração corporal percebida. A sensação de estar exposto a perigos de vida, provocada pela ansiedade faz com que qualquer dor ou alteração fisiológica seja interpretada como sinal de grave doença. 5.11- Adições a hábitos orais Embora Jorge não tenha mencionado nenhuma alteração nessa ordem, Sueli e Teresa desenvolveram hábitos não existentes anteriormente. Sueli passou a comer muito “mesmo sem ter vontade” e engordou. Teresa começou a “passar o dia tomando chá”. Pode-se pensar no processo regressivo relacionado a essas características. A pessoa traumatizada, reinvestindo sua libido no ego, fica numa espécie de narcisismo infantil, e o surgimento de comportamentos regressivos faz parte desse processo. As pessoas traumatizadas agem como uma criança que, após levar uma queda e esfolar o joelho, corre para os braços da mãe. O abraço da mãe não tem o poder de cicatrizar o joelho esfolado, mas tem a capacidade de mostrar à criança que está amparada, e que sua dor é suportável e passageira. 6. Discussão Se a ansiedade for uma reação do ego ao perigo, seremos tentados a considerar as neuroses traumáticas, as quais tão amiúde se seguem a uma fuga iminente da morte, como um resultado direto de um medo da morte (ou medo pela vida) e a afastar de nossas mentes a questão da castração e as relações dependentes do ego (FREUD, 1925/1995, Edição Eletrônica). O PTSD constitui um novo paradigma no estudo das interações de fatores psicosociais com os neurobiológicos. (MINGOTE ET AL., 2001). Não se pode falar deste transtorno sem falar em realidade externa e no momento histórico-social que o indivíduo e o “fator estressor” estão inseridos. Freud dizia que “os histéricos sofrem de reminiscências” (1910/1995, Edição Eletrônica) em um momento da psicanálise em que o trauma ainda era visto como fator necessário na etiologia das neuroses. Esta frase adequa-se bem à situação do indivíduo com Transtorno de Estresse pós-Traumático, e aos três bancários entrevistados. Para as pessoas entrevistadas, mais do que um medo que é quase certeza da repetição da agressão sofrida, fica a sensação de que aquela situação ainda não terminou, que o perigo continua e que, como na situação original, não se sabe como vai terminar. Este é um dos motivos pelos quais, no atendimento emergencial, conhecido por Critical Incident Stress Debriefing (CISD), ou simplesmente debriefing, um dos procedimentos propostos ao terapeuta é de retomar com os indivíduos a lembrança do término da situação traumática. Com perguntas do tipo “Quando você percebeu que terminou o evento estressor?” e “O que sentiu nesse momento?”, coloca-se a ênfase no término daquela situação. Talvez esse seja um dos motivos para a eficácia profilática desse tipo de intervenção, embora alguns autores questionem sua validade (DEAHL, 2000). Os três entrevistados apresentaram critérios diagnósticos para o PTSD, segundo o DSM-IV. Em relação ao Critério A do DSM_IV (APA, 1995, Edição eletrônica), os três “experimentaram ou foram testemunha de ameaças ou risco real de perder a vida ou tiveram contato com ameaça à integridade física”. Entre os sintomas constantes do Critério B, de re-experimentação, foram encontrados nos três casos os sintomas de Ideação intrusiva e de Ansiedade provocada por estímulos associados ao trauma. Os três entrevistados ainda sentem como se a situação traumática não tivesse terminado. Quanto aos sintomas de evitação, Critério C, a diminuição do interesse, a sensação de isolamento a evitação de lugares e pessoas que recordem o trauma estão presentes nos entrevistados. Este último sintoma, inclusive, foi o responsável pela solicitação de transferência de local de trabalho de dois dos entrevistados. A terceira entrevistada está tentando providenciar a mudança do local de funcionamento da agência. Em relação aos sintomas do Critério D, de excitabilidade, os três apresentaram irritabilidade, hipervigilância e reação de susto aumentada, além de perceberem o surgimento de doenças físicas não existentes previamente. Quanto ao critério E, para todos eles, a perturbação dos sintomas ultrapassa um mês. Para os três, inclusive, a duração dos sintomas é superior a três meses, podendo ser considerados, para efeito diagnóstico, com Transtorno de Estresse pós-Traumático Crônico, segundo os critérios do próprio DSM-IV (APA, 1995). O critério F estabelece que “A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (APA, 1995. Edição Eletrônica). Os três apresentam, além do sofrimento significativo, prejuízo social e ocupacional. Dois dos entrevistados sentem-se isolados na nova agência para a qual foram transferidos. A terceira entrevistada queixa-se do ambiente ruim que ficou no local de trabalho após o assalto. A perturbação causada pelo assalto ou seqüestro causou sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Não apenas sua produtividade laboral ficou afetada, mas seus relacionamentos afetivos e, inclusive, sexuais sofreram alterações. Para dois dos entrevistados, a dificuldade surgida em relação à sexualidade após a situação traumática, ficou explicitada na entrevista. Fica assim constatado que os três entrevistados desenvolveram e apresentam o quadro patológico de Transtorno de Estresse pós-Traumático Crônico. As medidas defensivas adotadas por eles, como a restrição social e controle das pessoas próximas para evitar supostos perigos, acabam fazendo com que os sintomas se irradiem no âmbito familiar, afetando família e amigos. Embora a situação traumática não tenha alterado os planos profissionais dos entrevistados, o relacionamento deles com o Banco ficou prejudicado. A revolta por ter passado por essa experiência e o sentimento de impotência durante a situação traumática persistem até esse momento. Os três entrevistados mencionaram o fato de que colegas seus saíram do banco devido a uma experiência traumática do tipo da que eles passaram. Esse dado indica que a empresa está perdendo bons funcionários e as pessoas, bons empregos. Os funcionários ainda não conseguiram uma adaptação eficaz após a situação traumática vivida. Por adaptação, Simon (1989, p.14) entende “um conjunto de respostas de um organismo, em vários momentos, a situações que o modificam, permitindo manutenção de sua organização (por mínima que seja) compatível com a vida”. Sempre ocorre algum tipo de adaptação a uma mudança. A dificuldade é a de encontrar uma adaptação que seja adequada. “Para ser adequada, basta que, primeiro, a resposta solucione o problema que surge para o indivíduo. Segundo, que a solução traga satisfação para o indivíduo. Terceiro, que a solução encontrada não provoque conflitos intrapsíquicos (coerência com os valores internos), nem conflitos sócio-culturais” (Simon, 1989, p. 16). Percebe-se que os três entrevistados apresentam uma adaptação ineficaz severa, pelos critérios da EDAO (Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada). Esta tabela, desenvolvida por Simon (1989), visa o estabelecimento de um diagnóstico a partir do conceito de adaptação, adotado por este autor. O conceito de adaptação aproxima-se do conceito de Resiliência, muito usado atualmente por diversos autores (BRUNET et al., 2001, NIEVES-GRAFALS, 2001, OGDEN, 2001), em relação a situações traumáticas. Este conceito é emprestado da física e significa a “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica” (FERREIRA, 1999). Este conceito também é ilustrado com a capacidade de um metal voltar à sua forma original, depois de ser amassado. O conceito de adaptação, no entanto, torna-se mais útil no caso de um trauma, porque não é possível voltar ao estado anterior. Não se refaz o passado. A situação traumática ocorreu, e a elaboração e superação dessa situação exige seu reconhecimento. “A volta do organismo ao estado primitivo, depois da perturbação causada pelo estímulo, não é possível, nem desejável, se considerarmos as modificações causadas pelo crescimento” (SIMON, 1989, p. 15) Das três pessoas entrevistadas, duas não procuraram auxílio médico ou psicológico, apesar de apresentar sintomas que trazem “sofrimento significativo”, conforme apregoado pelo DSM-IV (APA, 1995). A terceira está insatisfeita com a psicoterapia procurada. Esse dado confirma que a maioria das vítimas de violência não procura tratamento ou decepciona-se com ele, quando o procuram (OCHBERG, 1991), o que confirma os achados de Mezey; Evans e Hobdell (2002) e McFarlane (2000) para quem os pacientes com Transtorno de Estresse pós-Traumático, por desconhecimento ou pela própria ambivalência em relação aos sintomas, não procuram auxílio médico-psicológico. Confirmando esta idéia, convém retomar os dados de Taylor et al. (2003), que recrutaram os participantes para uma pesquisa a partir da indicação de médicos e de anúncios na mídia. Entre os 299 indivíduos que contataram os pesquisadores, 60 cumpriam os critérios diagnósticos de PTSD. Nessa amostra, o tempo médio que apresentavam os sintomas foi de 8,7 anos. Fica o questionamento: porque essas pessoas, que estão sofrendo com os sintomas por mais de 8 anos não procuraram tratamento anteriormente? Isso faz pensar nos outros 297 assaltos ocorridos no banco durante o ano de 1999 e em quantos funcionários ainda podem estar sofrendo seqüelas dessa experiência traumática. Não há estudos epidemiológicos deste tipo no país, um campo aberto para novas pesquisas. O PTSD é uma doença tipicamente dos tempos modernos. Vivemos, sem dúvida, em um ambiente disruptivo ou se preferirmos, repleto de identificação radioativa. A violência está presente em todos lugares, seja na realidade, seja na eletrônica, através de filmes, e jogos. Nos EUA, um jovem de 18 anos teria assistido cerca de 40.000 homicídios na televisão (LAMPRECHT; SACK, 2002). Não se pode concluir ingenuamente que este fato produza pessoas ou uma sociedade violenta. Mais ingenuidade é admitir que isso não tem influência alguma na mente de um jovem. O ambiente em que vivemos no Brasil sem dúvida permite que o inimigo seja fragmentado, diluído e identificado no estranho que nos pede uma informação ou no menino no semáforo que vem nos pedir uma ajuda para comer. E-mails na Internet nos avisam sobre as mais estranhas peripécias dos assaltantes, e trazem a seguinte mensagem implícita: desconfie de tudo e de todos, não relaxe. Chnaiderman (2003) comenta notícias de jornais do ano 1996, dizendo que as reações dos meios de comunicação ao aumento da violência foram desproporcionais ao aumento da própria violência. A preocupação com a criminalidade saltou de 10% da população pesquisada por um jornal, para 29% em apenas 4 meses. As pessoas deveriam, então, estar acostumadas com esse ambiente, com a violência, e de certa forma, anestesiadas com relação aos seus efeitos. A passagem por uma situação traumática, porém, não se transforma em experiência, no sentido de um aprendizado, de “habilidade que se adquire pela prática” (GREGORIM et. al, 1999). Como o próprio conceito de trauma estabelece, ele fica como um corpo estranho no psiquismo, e cada situação ameaçadora é vivida como única. Pelo contrário, a partir da concepção freudiana de facilitação, expressa no “Projeto para uma psicologia científica” (1895a/1995 Edição Eletrônica) é de se pensar que os traumas provocam um efeito cumulativo, se não descarregados ou integrados através de associações, isso é, se não tiverem um sentido. Essa característica cumulativa foi constatada por Brunet et al. (2001), com motoristas de ônibus que desenvolveram PTSD após vários acidentes. Em um caso atendido em consultório, uma bancária, que já havia sofrido três assaltos na agência em que trabalhava, sem desenvolver sintomas, passou a desenvolve-los após um assalto durante o qual estava no banheiro, e que apenas ouviu os gritos e ameaças dos assaltantes. O filósofo grego Heráclito dizia que uma pessoa não pode mergulhar duas vezes no mesmo rio. Na segunda vez, nem ela, nem o rio, são os mesmos. Da mesma forma, cada situação de violência pode ser considerada como nova, e não se transforma em experiência, como em ocorre em outras situações da vida. Ao contrário, o efeito cumulativo de situações traumáticas é um dos fatores predisponentes do desenvolvimento do PTSD. Isto parece ter ocorrido com os bancários entrevistados. Todos já haviam sofrido assaltos anteriormente, ou no próprio trabalho ou fora dele. A situação que foi considerada traumática, no entanto, foi sentida como a “pior”, com mais elementos ameaçadores para a própria vida. O indivíduo que, após uma experiência traumática desenvolve sintomas de PTSD fica preso em um circuito: reexperimentação-ansiedade-evitação. Estas pessoas perdem a capacidade de assimilar novas experiências, como se sua personalidade estivesse detida em um certo ponto, incapaz de desenvolvimento (CIA, 2001). A pessoa fica presa no circuito do medo, e a quantidade de libido investida para sua proteção impede que a quantidade de energia à disposição do ego para o desenvolvimento pessoal e relacionamento interpessoal fique extremamente prejudicado. A experiência traumática, de um assalto ou seqüestro de um bancário com objetivo de assalto, “atravessa o escudo protetor” e traz um acréscimo de energia que incapacita o ego de descarga ou de ligar por associação. O que seria essa ligação por associação? Como Freud, podemos pensar que a única experiência comum, que talvez possa deixar um registro mnêmico dessa experiência seja o trauma do nascimento, a primeira vez em que estivemos expostos a uma possibilidade de morte. A angústia da morte é algo que atinge a todas as pessoas. No PTSD, a proximidade da morte parece ser uma experiência que altera a continuidade da vida. É como se a pessoa entrasse em contato com a perspectiva real da finitude, e seus valores, esperanças e perspectivas nunca mais fossem os mesmos. Pierre Janet (apud CIA, 2001, p.78) argumentava que o individuo criava uma “fobia à lembrança”, que evitava a “síntese ou integração” das lembranças traumáticas, mantendo-as afastadas da consciência. A natureza do trabalho bancário já é, em si, estressante. Essa foi a argumentação legal da campanha sindical iniciada em 1933 que, após vários movimentos grevistas, conseguiu a redução da jornada de trabalho do bancário para seis horas, enquanto a maioria dos outros trabalhadores cumprem uma jornada de 8 horas diárias (CANEDO, 1978). “O salário exíguo, o trabalho desarticulado e a insegurança, somados ao horário exaustivo, tiveram por conseqüências um empregado de pequena produção, e doente. As doenças mais comuns eram a tuberculose e a ‘psiconeurose bancária’” (Canedo, 1978, p.43). Essa era a forma como era visto, em 1938, o trabalho bancário pelo IAPB, o extinto Instituto de Aposentadoria dos Bancários. Essa “psiconeurose bancária” ainda era descrita com os seguintes sintomas: afeta as funções do cérebro, dando fraqueza, dificuldade de concentrar atenção, dor de cabeça e irritabilidade. Surgem insônias e as fobias de várias espécies, ou seja, o medo de comer alimentos comuns e a aversão a muita coisa mais, que até aí a vítima do mal costumava fazer sem nada sentir. O sintoma que domina é a angústia ou o excesso de escrúpulo” (CANEDO, 1978, p.43). Embora o Banco investigado seja mais sensível e invista mais em relação à saúde e qualidade de vida de seus funcionários, criando um programa para aqueles que passam pela traumatizante experiência de ser assaltado ou seqüestrado em sua atividade profissional, ainda há muito para ser feito, e é preciso salientar que este banco é uma exceção no país. Campos (1998), médico do trabalho do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte (MG), sobre o desenvolvimento do PTSD nos bancos da cidade, avalia que só conseguem estabelecer o nexo causal do desenvolvimento do quadro com uma situação traumática de trabalho, quando ocorrem lesões físicas nos funcionários. “O sofrimento psíquico é ignorado e velado de um silêncio, no mínimo, estranho. A este, na maioria dos casos, não se dá assistência médica ou psicológica e, muito menos, se reconhece o vínculo com o trabalho”. Essa afirmação dá uma dimensão do pioneirismo de um programa como o PAVAS, elaborado pelo banco pesquisado, principalmente se pensarmos na falta de recursos sociais para esta problemática. Gray e Acierno (2002), pesquisando o PTSD em pessoas idosas, concluem que, para os adultos, há poucos recursos sociais para auxílio no tratamento do PTSD. Os índices de PTSD encontrados nas diferentes pesquisas internacionais mencionadas nos fazem questionar o mundo em que vivemos. O ambiente disruptivo descrito por Benyakar deixou de estar confinado a alguns países ou regiões do planeta, geralmente distante de nós, brasileiros. A violência hoje não é mais uma exceção no país, mas está cada vez mais presente e próxima. Infelizmente, podemos predizer que, a menos que as condições sociais sejam alteradas para que possam ser combatidas as raízes do comportamento violento de natureza sócio-econômica, cada vez mais teremos situações traumáticas e pessoas desenvolvendo sintomas de PTSD. O próprio Freud (1927b/1995, Edição Eletrônica) em “O futuro de uma ilusão” já estabelecia essa relação entre a frustração social de parcelas da população e o crescimento da violência: É de esperar que essas classes subprivilegiadas invejem os privilégios das favorecidas e façam tudo o que podem para se liberarem de seu próprio excesso de privação. Onde isso não for possível, uma permanente parcela de descontentamento persistirá dentro da cultura interessada, o que pode conduzir a perigosas revoltas. Se, porém, uma cultura não foi além do ponto em que a satisfação de uma parte e de seus participantes depende da opressão da outra parte, parte esta talvez maior — e este é o caso em todas as culturas atuais—, é compreensível que as pessoas assim oprimidas desenvolvam uma intensa hostilidade para com uma cultura cuja existência elas tornam possível pelo seu trabalho, mas de cuja riqueza não possuem mais do que uma quota mínima. Em tais condições, não é de esperar uma internalização das proibições culturais entre as pessoas oprimidas. Pelo contrário, elas não estão preparadas para reconhecer essas proibições, têm a intenção de destruir a própria cultura e, se possível, até mesmo aniquilar os postulados em que se baseia. A hostilidade dessas classes para com civilização é tão evidente, que provocou a mais latente hostilidade dos estratos sociais mais passíveis de serem desprezados. Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes e os impulsiona à revolta, não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura. Este texto reflete bem a relação entre problemas sociais, que a causam a frustração, e a revolta que surge a partir dele, através de assaltos, seqüestros, e no âmbito deste trabalho, as ocorrências criminais contra os bancos e por, conseqüência, contra os bancários. O Psiquiatra argentino Mordechai Benyakar (2003) propôs nove princípios de atendimento em saúde mental após desastres, conhecidos como os 9 W’s, por todos iniciarem com a letra W (em inglês), e ele toma o termo desastre a partir de sua etimologia, disastrum , que significava os momentos em que os astros saíam de suas órbitas naturais, e provocavam o Caos, criando situações inesperadas na Terra. O princípio apresentado em primeiro lugar é o da Prevenção (Warning), e esta prevenção é compreendida a partir de duas vertentes. A primeira é no sentido da adoção de medidas com o objetivo de evitar a situação desastrosa. Em nosso país, essa prevenção passa não apenas por uma ação de transformação social, mas também pela transformação das políticas de segurança e judiciárias, que não estão cumprindo com seu papel na sociedade à qual devem servir, mas também das empresas e as próprias pessoas reconhecerem de fato a realidade. Considerar que a violência seja algo normal pode ser tão patológico quanto ela. “Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação” (SOUZA, 2000). A segunda relaciona-se com o conceito de “imunidade psíquica”. Este conceito, derivado da imunidade biológica, propõe o contato com doses controladas do elemento patogênico. No tocante a este tema, significaria a discussão e divulgação de mais esta conseqüência de situações violentas: a capacidade de provocar patologias psicológicas. Eranen e Liebkind (Apud URSANO; FULLERTON; NORWOOD, 1996) defendem que a diferença entre um acidente e um desastre é de grau; uma distinção crucial entre elas é que, em um desastre, a estrutura social e os processos são afetados suficientemente para ameaçar a existência e o funcionamento da pessoa ou da comunidade. As necessidades de recurso são maiores do que os recursos disponíveis. É tarefa da sociedade como um todo, mas principalmente dos profissionais que escolheram para si o trabalho com saúde como profissão, criar, desenvolver e disponibilizar esses recursos para a população. Isso nos faz pensar na necessidade de disponibilizar recursos para o atendimento das vítimas. Como cidadãos, temos de cobrar esses recursos das autoridades competentes. Como profissionais de saúde, construí-los. 7. Referências AAPA- AMERICAN ACADEMY OF PHYSICIAN ASSISTANTS. Recognition and Treatment of Anxiety Disorders and Comorbid Conditions. 2002. Disponível em http://www.aapa.org/. Acesso em 13 Out. 2003. ALARCON, R. D; TRUJILLO, J. La contemporaneidad de la violência y sua fronte multidimensional.. Alcmeon 23, v.6, n.3. 1997. Disponível em <http://www.alcmeon. com.ar/6/23/>. Acesso em 06 abr. 2002. APA-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-IV. 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Sim/Não (Precisa 1) Sint. atuais Sint. ao longo da vida Freq Ints Freq Ints C. Esquiva persistente de estímulos/diminuição da responsividade (5) esforço para evitar pensamentos ou sentimentos (6) esforço para evitar atividades ou situações (7) incapacidade para relembrar aspectos do trauma (8) diminuição do interesse em atividades usuais (9) sentimento de alienação e estranheza (10) restrição da afetividade (11) perspectiva de futuro reduzida Número de Sintonias Atuais para o Critério C (Precisa 3) Atinge Critério? Sim /Não Número de Sintonias ao Longo da Vida para o Critério C Atinge Critério? Sim/Não (Precisa 3) Sint. atuais Freq D. Sintomas persistentes de aumento da excitabilidade (12) dificuldade para adormecer (13) irritabilidade ou acessos de raiva (14) dificuldade para se concentrar (15) hipervigilância (16) tendência a assustar-se com facilidade (17) reatividade autonômica Ints Sint. ao longo da vida Freq Ints Número de Sintonias Atuais para o Critério D (Precisa 2) Atinge Critério? Sim /Não Número de Sintonias ao Longo da Vida para o Critério D Atinge Critério? Sim/Não (Precisa 2) Sintomas atuais Sint. ao longo da vida CAPS Avaliação Global (18) impacto sobre o desempenho social (19) impacto sobre o desempenho profissional (20) melhora global (21) validade da avaliação (22) gravidade global Sint. atuais Freq Características Associadas ou Hipotéticas (23) sentimento de culpa por participação ou omissão (24) sentimento de culpa por ter sobrevivido (25) tendência homicida (26) decepção com autoridade (27) sentimento de desesperança (28) memória prejudicada, esquecimento (29) tristeza e depressão (30) sensação de estar arrasado Número de Sintomas Associados Número de Sintomas Associados Ints Sint. ao longo da vida Freq Ints Atuais : ___________ Ao Longo Da Vida : _____________ Anexo 2 - Roteiro de Entrevista Clínica Apresentação Pessoal do Entrevistador. A apresentação torna-se essencial neste trabalho em função das próprias características do quadro de Transtorno de Estresse pós-Traumático. A hipervigilancia e a sensação de culpa presentes neste quadro podem levar o entrevistado a uma postura de desconfiança e de pouca colaboração. Assim, é preciso deixar clara a identidade do entrevistador e o motivo da entrevista. Dados Pessoais Nome Idade Escolaridade Estado civil Filhos - idade Cargo Tempo de Banco Tempo de trabalho no local de trabalho onde ocorreu o assalto ou seqüestro. Anamnese História de vida. Histórico de tratamento psicológico/psiquiátrico antes do evento. Utilização de psiquiátrica. Setor Afetivo-relacional Constituição familiar (Pais, irmãos) Amizades, (quantidade, freqüência). Relacionamento conjugal/ familiar. Lazer com a família e amigos, cuidados com os filhos. Sexualidade. Setor Orgânico Doenças anteriores. Uso de álcool, drogas, próprio ou por alguém da família. Surgimento de alguma doença após a exposição à situação traumática, ou agravamento de doença pré-existente. Setor Sócio-Cultural Alterações no relacionamento com amigos, participação em grupos (religião, político, esportivo). Surgimento ou acirramento de intenções de cunho ilegal em relação à justiça e vingança. Revolta contra as instituições relacionadas à segurança e justiça. Vida Funcional (Produtividade) Porque entrou no banco Quais eram as perspectivas profissionais Porque nesta agência. Como era o relacionamento com os colegas. Estava satisfeito com o banco, com o trabalho, com as pessoas? Recordações sobre o evento traumático Descrição da situação traumática Reação dos colegas Pensamentos durante o evento Recursos profissionais utilizados Reações familiares. Providências adotadas pelo banco em relação à segurança Alterações Após o Evento Traumático Alterações na perspectiva profissional. Como está o clima na agência O que ficou alterado após o assalto, no banco Como o evento alterou sua vida (rotina diária, projetos futuros, comportamentos preventivos,...) Como tem estado sua saúde: aumento de consultas médicas, sintomas, cronificação de doenças pré-existentes, surgimento de novas doenças. Alterações na alimentação, no sono, início ou aumento do uso de drogas, estimulantes, álcool. Convívio social: lazer, grupos de convivência Situação familiar: lazer com a família, cuidados com filhos Alterações na Sexualidade: Quantidade e qualidade. Algum incidente nesse período: acidentes, brigas Expectativas quanto ao futuro profissional Expectativas quanto ao futuro em geral Apêndice: Entrevistas de três bancários vítimas de assalto ou seqüestro Caso 1 - Sueli Entrevista realizada em 19.02.2003 Agência Baixa dos Sapateiros – Salvador- Bahia A entrevista foi realizada na sala do gerente, que não estava presente no dia. Sueli, 39 anos, divorciada, escolaridade superior completo, fazendo pós-graduação na área de Marketing. Tem uma filha de 15 anos.. Trabalha no banco há 20 anos. Na agência em que ocorreu o assalto estava há 4 anos e atualmente exerce o cargo de gerente de contas de pessoas físicas. P. Preciso saber um pouco a seu respeito. Você já tinha feito algum tratamento psicológico antes? R. Só tinha feito uma consulta uma vez com um psicólogo na época da separação. Que ele disse que eu precisava fazer psicoterapia, mas, como eu morava no interior tinha que vir para Salvador fazer o tratamento. Como eu não tinha condições eu nunca... eu não vim. P. Na sua família tem alguém com história de doença psiquiátrica? R. Tenho uma tia. P. Sabe o diagnóstico? R. Não. Ela morava em São Paulo. Foi internada em São Paulo. Ela não tinha as funções normais. Inclusive dizem que ela se parece comigo. (Risos) P. Antes do assalto como era sua vida em termos de lazer? R. Era ótimo eu tinha vontade de ir para praia cinema barzinhos agora não tenho mais. P. Você tinha a alguma uma doença crônica? R. Não. P. Você podia contar com um foi o assalto? R. Lá não foi o primeiro, teve muitos assaltos. Teve um que eu me tranquei no banheiro e não cheguei a ver. Eu cheguei de manhã, eu já tinha problema de cervical, sempre eu chegava um pouco mais tarde. O segredo ficava com um colega ou eu, porque eu ia no médico de manhã, estava fazendo acupuntura. Nesse dia eu cheguei mais cedo e quando eu cheguei esse colega já tinha chegado e o policial, para trocar a farda. Aí a gente estava esperando no auto atendimento. Até aí a gente não notou nada. Daí eu olhei e estava lá a telefonista e a faxineira. Aí foram chegando outros colegas e fui acender a luz, com a telefonista do meu lado, e aí eu ouvi falar assim: ¨É um assalto¨. Aí eu falei estão assaltando alguém na rua. Eles falaram é não; é um assalto na agência, é aqui dentro, aqui dentro. A telefonista disse: "eu vou desmaiar estou me sentindo mal" e eu cheguei fui..... Aí levaram todo mundo lá para dentro, jogaram todo mundo no chão e eu estava bem só tremendo um pouco, querendo desmaiar, e estava todo mundo jogado lá no chão. Daí ficou todo mundo lá sentado aí veio um deles e falou assim: “Você trabalha aonde?”. Eu disse: No atendimento. “Então venha você para cá” e me tirou de junto do pessoal e aí sentei, não na minha carteira. Sentei na outra. Aí disse assim: “Fique aí como se nada estivesse acontecendo”. Eu fiquei normal, né, normal. Para os outros que estavam entrando, parecia que nada tinha acontecido. E tinha um com o guarda lá na frente. Aí quem chegava ia entrando. Esse que estava perto de mim foi lá para dentro. Foi quando ele quebrou onde tinha as fitas de videocassete dentro. Aí eu estava sozinha no atendimento, e com o barulho eu pensei: “Pronto, ele matou alguém”. Aí só veio aquele sentimento que ele matou alguém. Fez aquele barulho todo de vidro caindo, aquela “zoada”. Aí quando eu estava assim, normal, o que estava com o guarda virou o revolver assim para mim: “O que você está olhando aí, sua puta, sua puta. Senão eu dou um tiro agora na sua cabeça”. Nessa hora eu não (Neste momento Sueli começa a chorar). Aí eu baixei a cabeça, né, e comecei a chorar. Aí o outro que ouviu os gritos dele veio saber o que era. Aí começaram a brigar. Porque um disse que era para gritar e o outro disse que não era para gritar. Aí esse que disse que era para gritar ficou com a arma, um revolver de prata, me xingando, querendo saber quem tinha o segredo, quem estava com a chave, se quem tinha o segredo ainda ia chegar, só que quem tinha o segredo era eu, mas até pelo fato de estar fazendo este tratamento de manhã, a gente acaba esquecendo, não é? Então eu anotei tudo (a combinação do cofre) num papelzinho que ficava aqui. Aí eu não disse que era eu nem que era o colega. Eu fiquei também na dúvida, não tinha sido informada sobre qual a atitude eu devia ter num caso desses. Aí começou a chegar...chegou o outro colega que tinha a chave, chegou... e chegou mais dois. Aí eu já estava chorando ali de cabeça baixa. Aí botaram os clientes também, botaram uma senhora. Aí nessa hora apareceu outro, lá do fundo e perguntou porque você está chorando? Eu falei – “Eu tenho uma filha para cuidar”.Ele disse: “Eu também tenho filho. Ninguém vai fazer nada com você não”. Aí pegou todo mundo, disse: “Bota todo mundo no chão”. Eu mais os outros colegas que entrou antes da hora. Aí esse colega que tinha a chave, disse assim: “Porque você não dá logo esse segredo?” Aí que deram as coronhadas nesse colega, e disse que ia lá dentro, disse que ia dar tiro na perna de um, esse terrorismo todo, né. Aí ficou todo mundo jogado no chão. Aí quando acabou, veio um estagiário gritando, acabou tudo, acabou, porque parece que uma mulher viu e saiu gritando: “É um assalto, é um assalto!” Aí o cofre não tinha aberto porque não tinha dado o tempo, né, eles saíram, mas disseram que voltavam aí o que acontece, quando acabou tudo era roupa da gente jogada no chão, tudo desarrumado, meu celular ligado, aí a telefonista disse: “Vou vomitar bílis”, e foi lá para dentro vomitar bílis. Aí no dia seguinte o gerente mandou um estagiário para lá porque eu já estava com medo. Não agüentava nem olhar para as pessoas. Aí ele mandou um estagiário para lá para eu poder sair. Saí eu e minha filha, mas não adiantou nada porque eu estava com medo de tudo, aí eu dormi e teve um dia que eu dormi e sonhei com assalto. Sonhei que iam assaltar a agência. Aí quando foi de manhã, eu estava fazendo tratamento, aí fui, como eu estava mal, fui fazer RPG e voltei quando voltei, aí, eu de manhã, eu liguei para contar meu sonho. Aí quando eu cheguei, eu liguei logo para a agência. Aí a telefonista atendeu, perguntou como eu estava, eu disse que ainda estava tremendo um pouco, mas estava bem, pois estava tomando remédio. Eu estava com depressão e eu só queria ficar trancada no meu quarto. Eu disse: “Eu sonhei que iam assaltar a agência hoje”. Ela disse: “Virgem Maria, Deus que me livre”. Ela disse que o gerente não estava. Aí, como eu estava tomando remédio, eu fui dormir. Aí quando é de tarde, umas três horas, e eu não estava atendendo o telefone porque todo mundo queria saber, e eu não estava conseguindo falar então eu nem atendia telefone. Aí nesse dia de tarde ligou uma cliente e insistiu em falar comigo, aí eu fui atender ao telefone. Aí ela disse Sueli, eu soube do assalto, eu falei é, tal dia. Aí ela disse não, teve outro hoje. Aí quando ela disse, eu lembrei do meu sonho. Eu disse, eu não acredito, aí foi justamente, eu liguei para o gerente às 11 horas quando eu desliguei disse que o assaltante já estava na frente dele. Disse que estava com a roupa preta, Porque nesse horário eles foram já. Aí eu fiquei impressionada com isso.(Chora) P: Nisso você estava afastada... R: Eu estava afastada já, só acompanhando. Aí quando eu soube disso, eu entrei em desespero, eu fiquei louca, gritando, chorando, lembrando do sonho, aí eu tentei ligar para a agência e ninguém atendia, eu pensei que tinham matado alguém e ninguém queria me contar. Aí de lá para cá, fiquei afastada uns 15 dias, e depois eu estava entrando em depressão, a psicóloga conversou comigo se eu queria trabalhar, ai eu disse que achava melhor trabalhar, só que não em agência. Aí fiquei um período lá na superintendência porque era uma atividade totalmente diferente de agência, né, mais seguro também, mas não pude nem contribuir muito, porque foi um período assim, eu nem tive acesso às coisas, foi assim como se fosse para ajudar só, e aí eu saí de férias. Tem mais alguma coisa? (ansiosa). P.: Quando foi o assalto? R: Foi no dia 29 de Outubro T: Do ano passado? R: Do ano passado. P.: É muito comum durante um assalto ou seqüestro as pessoas falarem de coisas esquisitas, inusitadas que passam pela cabeça. você lembra de alguma diferente que você possa ter pensado durante o assalto? R: Nada, eu só pensava em ajudar as pessoas. Aí quando eu saí de junto delas é que minha situação ficou pior, né. Eu me senti só, né, aí criei aquela coisa de que eu ia ser refém, eu pensei em mim com uma arma na cabeça saindo pela porta. Porque eu era a única que estava lá na frente, e que eu ia sair morta. P: Você lembra o momento em que você teve mais medo? R: Foi quando ele estava com o revolver comigo, ele estava nervoso e eu achei que ia disparar.e quando o outro me xingou e apontou a arma, eu achei que ele ia disparar o revolver. P: Depois disso você procurou ajuda psicológica, além dessa sessão que você mencionou? R: Eu fui lá na Cassi (Serviço de Saúde do banco), depois o médico...o psicólogo da Cassi me orientou uma psicóloga, aí eu estou fazendo terapia com ela e ela me passou um psiquiatra, porque não adiantou as férias, não adiantou ficar afastada... P: Ajuda, mas não resolve... R: Aí a situação toda de não saber para onde vai, isso me causou um estresse grande, fiquei pior ainda. Porque foram várias situações e eu ainda ia acabar voltando para lá, entendeu? Ai eu não sabia como ia ser, sabe? Acabei fazendo alguns trabalhos com a Psicóloga porque eu ia acabar voltando para lá, sabe? Para que, se isso fosse acontecer, não tivesse problemas. Eu tenho ficado muito nervosa, a relação com a minha filha piorou muito porque eu tenho medo de levar ela para os lugares, de alguém me pegar. E até ultimamente eu não tenho saído de casa, fazer o que, eu não sinto prazer. Eu só estou engordando, engordando, eu sinto ansiedade, P: Você está comendo mais do que antes? R: Comida? Sim. Mesmo sem vontade. P: Você tem ido mais em médico do que você ia antes? R: Chego a ir ao hospital todo dia, porque tenho que ter horário para fazer acupuntura, rpg, tem a psicóloga, tem o psiquiatra, aí tem minha filha que tem problemas de saúde e toma remédio controlado. As pessoas disseram que acham que é minha energia que está chamando coisas ruins. P: Sua filha já tomava remédio controlado? R: Já. Aí depois do assalto ela teve perda do apetite. Sem fome ela ficou, e ela desmaiou domingo passado, aí eu fico pensando que tudo isso atrapalha profissionalmente, eu fico me sentindo mal com tudo isso. P: É comum as pessoas começarem a beber mais depois de uma situação destas. você notou se teve aumento de bebida, ou de café ou chá depois do assalto? R: Beber, eu ia beber sim, mas o que aconteceu é que meu pai enfartou nas minhas férias e eu tive dengue logo em seguida, fiquei cinco dias internada, era eu em um apartamento e meu pai em outro. Eu fui buscar ele, doente, e cheguei lá fiquei internada, aí eu fiz uma promessa de não beber, mas eu como muito doce, chocolate. Eu já gostava, mas eu comia assim, controlada, moderada, agora eu estou comendo muito. P: Há quanto tempo foi sua separação R: Há 12 anos P: E você está namorando, está sozinha... R: Tinha dois anos que eu não estava namorando aí eu arrumei um paquera. Estava muito bom, ele me ajudou bastante, mas sexualmente eu não correspondia nada, eu não tinha vontade de nada aí ele ficava comigo, mas sem nada. P: Depois do assalto é que ficou assim? R: É. P: E antes, como era? R: Antes era normal P: Você tem amigos? R: Eu me afastei deles. P: Também neste período? R: Sim P: Como está sua psicoterapia? R: Está boa. P: O que vocês fazem na psicoterapia, vocês conversam sobre o assalto? R: Eu chego lá e não tenho vontade de falar nada. Aí ela fica perguntando como você está, como foi o dia, outro dia eu cheguei lá e ela falou: “Nossa Sueli, você está tão sem energia que está até me contagiando. Eu vou ter que fazer alguma coisa porque deste jeito... você é nova, menina, olha a vida... você tem muita vida pela frente”. Aí começou a fazer um exercício de respiração. Mandou eu inspirar o que eu quero para mim e expirar o que eu não quero. P: Você ainda lembra do assalto, mesmo em situações de descontração? R: A presença dele é constante, sabe? Eu sinto a presença dele do meu lado, sabe, sinto até a arma balançando, como aconteceu no dia. Aí tudo se mistura, sabe. Lembrança do sonho com a realidade. Como Sueli tenha ficado visivelmente abalada e estava chorando, comentei que os sintomas que estava sentindo eram relacionados ao PTSD. Li a descrição dos sintomas na tabela CAPS, que estava comigo, e ela ia confirmando a presença deles, com breves comentários ou aceno de cabeça. Dei especial atenção ao sonho, mostrando que era um sintoma e não uma premonição, e que ela não foi responsável pelo segundo assalto, assim como não foi responsável pelo fato de seu colega ter sido agredido pelos assaltantes. Enfatizei que ela estava com sintomas decorrentes do assalto, que não existiam antes e da mesma forma que surgiram poderiam desaparecer. Recomendei que tivesse paciência com sua filha e que também pedisse o mesmo dela. Sugeri que procurasse seus amigos, pois neste momento era preciso cercar-se de pessoas queridas. Ao término, ela comentou “Antes eu não gostava de falar disso, agora parece que eu fico até mais aliviada”. Caso 2 - Jorge Entrevista realizada em 18.02 na Unidade Especial de Negócios – Salvador BA A entrevista, previamente acordada, foi realizada em uma sala normalmente utilizada para reuniões, isolada. Não houve interrupções durante a entrevista. Jorge, 33 anos, superior incompleto, ciências contábeis. Casado, assistente de negócios, está na agência há 5 meses. Quando ocorreu o assalto era posto efetivo. 3 anos de banco, na agência de conceição da feira. P.: Antes de começarmos, preciso saber um pouco a seu respeito. Seus pais são vivos? R.: São vivos e bancários também, do banco do nordeste. Meu pai é apósentado e minha mãe está na ativa, no banco, lá em Feira de Santana. P.: Sua relação com eles é boa? R.: É boa P.: Tem irmãos? R.: Tenho uma irmã que é funcionaria do BB. Muita gente da família é bancária. Tenho um primo que é da superintendência, outro tio também é do BB. P.: Você casou há quanto tempo? R.: Já tenho 12 anos de casado. P.: Como é seu relacionamento com sua esposa? R.: É bom. Graças a Deus, é tranqüilo. P.: Vocês têm filhos? R.: Um menino de onze e uma menininha de 3 anos. P.: Tinha algum problema na sua família, algum aspecto que você não gostava, que queria melhorar? R.: Não...Era uma família normal, exceto o problema financeiro. A gente sempre querendo fazer uma coisa a mais para melhorar a vida familiar, não é? E esse estresse traz reflexos na vida conjugal, não é? Mas isso não é um problema, é uma coisa da vida mesmo. P.: O que eu estou querendo investigar é como era a sua família, para poder ver o que mudou após o assalto. Que tipo de lazer você costumava ter com sua família? R.: São poucos, o lazer mais nosso, coincidentemente, com o banco, porque eu já tenho mais de 3 anos trabalhando fora de feira. E tem a universidade também, né, ela me toma muito tempo, então o lazer que a gente tem mais são os passeios normais no shopping, ir no cinema, e uma pizza, né, viagens são muito poucas, porque o tempo que a gente tem eu trabalho ou estou na universidade. E coincidentemente, as férias da gente nunca coincidem, não é? Porque o período escolar dos meninos...tem o trabalho e a universidade...Eu estudo na Universidade estadual de Feira de Santana, ela teve três meses de greve, então dezembro e janeiro a gente estava em aula, então o lazer da gente ficou encolhido. P.: Você tinha algum problema orgânico crônico, alguma doença, alguma dor que te incomoda, alguma coisa? R.: Não. Problema só alérgico, alergia. Eu já tinha antes de entrar no banco, uma rinite alérgica, e ela continua, vai bem, obrigada, (risos). P.: Bebe? R.: Normal P.: Tem algum exagero? R.: Não, aquela coisa normal, em encontros de amigos, a gente sai para tomar uma cervejinha...É uma terapia, né, uma terapia da vida moderna. P.: Nada que tenha trazido algum problema em relação à sua família? R.: Não, normal. P.: Porque entrou no banco? R.: Vocação, como eu falei, na minha família tem muito bancário. Existem pessoas normais na família (risos), mas a minha família, ela gosta de banco. Meu pai se aposentou com 27 anos de banco, minha mãe já está com 20 anos de banco e por aí vai. É uma característica...não que a gente herde, mas é algo da índole, um perfil...a gente gosta do serviço, apesar de trabalharmos em bancos diferentes, quando a gente se encontra fala de banco. P.: Na infância ou adolescência você já pensava em trabalhar em banco? R.: Não, na verdade, a gente via os problemas laboriais, os problemas financeiros, é uma categoria que dá uma certa estabilidade, mas a gente vê que não é a coisa de estar tranqüilo, entrei no banco, vou ficar aqui até me aposentar. Não tem outra alternativa...tentei ser pequeno empresário, tem alguns bons anos, fiquei uns 8 ou 10 anos sendo empresário, aí prestei o concurso do banco, passei, e não consegui conciliar a atividade de pequeno empresário com o banco, principalmente porque eu estava trabalhando fora da cidade..Eu optei pelo banco. Minha formação acadêmica é uma área relacionada com o banco, eu resolvi apostar. P.: Você tinha perspectivas profissionais definidas? R.: Tinha não, tenho. Como na família tem muita gente bancária, a gente já conhece a estrutura de banco. Tem gente que entra no banco, passa dez anos e não sabe como funciona a estrutura do banco. Sabe fazer o serviço dele, sei lá, um caixa, ele pode ser o melhor caixa da agência, do estado, mas ele não sabe como funciona a estrutura do banco. Eu já conhecia mais ou menos alguma coisa, eu já entrei no banco com uma visão definida, mais ou mesmo do que eu quero. P.: Agora esta visão se alterou? R.: Não, não alterou. Eu tenho vontade de fazer alguma coisa acadêmica na minha área, que é de contabilidade, eu gosto dessa área financeira, e talvez eu consiga casar minha área acadêmica com a função aqui. No banco a gente sabe que para seguir a carreira da gente primeiro tem que ser bancário, não tem como queimar etapa, então na medida do possível a gente vai tentar buscar. P.: Como era a sua agência. como era a turma, o pessoal. R.: A agência era boa, me surpreendi com a agência, quando fui tomar posse, a agência tinha poucos funcionários, no dia em que cheguei na agência só tinha o gerente e dois caixas, né, o gerente se desdobrando, abrindo contas, o prédio estava passando por reformas, tanto que foi reformado total, alguns meses depois que eu tomei posse, foi praticamente posto abaixo e levantada outra agência, então o primeiro impacto que eu tive...tinha aqueles ar condicionados que eram umas caixonas, que a gente preferia trabalhar no calor para não agüentar a zoada que eles faziam. Depois ficou boa, era uma agência arrumada, com poucos funcionários, então tinha uma integração boa. Tinha um gerente bom, uma pessoa que já tinha bastante experiência de banco, bastante aglutinador, então no começo foi bom. Eu já tinha uma experiência de estágio, foi curta, mas me deu uma visão de agência, foi legal. P.: Você tinha amizades, tinha uma relação de coleguismo entre vocês? R.: Também. Freqüentávamos a casa uns dos outros, tanto no banco...como fora do banco. Isso é bom aqui no banco...em agências pequenas, em agências grandes isso dificulta mais. Em agência pequena a gente consegue muito isso. P.: Você pode me contar um pouco como foi a situação do assalto que você viveu? R.: Você quer que eu fale sobre como foi ocorrido? P.: Como aconteceu, e se você puder me dar o máximo de detalhes possível... R.: Certo. Foi interessante, né?. Depois eu fiquei sabendo que foi a primeira vez que ocorreu isso com um Posto Efetivo. Como a agência era pequena, como eu falei, quando eu tomei posse o gerente estava no atendimento, aquela coisa toda, então quando eu tomei posse, aquela mesa de atendimento passou a ser minha, e começou a ter uma identidade do povo da cidade como se eu fosse o gerente, ou também um gerente da agência, um subgerente. Então o pessoal me tratava muito como o outro gerente, aquela coisa. A gente explicava, mas é o que fica, principalmente em cidade pequena que o pessoal é muito caloroso. e o banco tem uma aproximação muito grande com a comunidade, ficou aquela coisa de gerente, meu gerente, meu gerente. Mesmo porque passei a assumir aquela parte de abertura de contas, contratação de cheque especial, operações, então fica se confundindo realmente, e como hoje os bancos estão usando muito o nome de gerente mesmo para quem não seja comissionado como gerente, em banco particular tem gerente disso, gerente daquilo sem ser gerente efetivamente, eu acho que isso contribuiu para que eu ficasse visado. Houve mudança na gerencia da agência, veio um pessoal que não era conhecido na cidade e passou a ser gerente, e com o fato ocorrido na mudança de gerente, que foi de janeiro para fevereiro, porque o gerente estava de férias, e o substituto era uma colega com quem eu já tinha trabalhado de estagiário na agência Santo Estevão, ele estava lá para ser gerex, e na época não tinha o cargo, ele viajava, íamos e vínhamos de carona comigo. P.: Qual a distancia da sua residência? R.: 26 quilômetros da porta da minha casa até a agência. Então acho que foi mais uma coisa que contribuiu, “como você não é gerente? O gerente não tem carro”. E aconteceu numa quinta feira, eu achei uma coisa estranha, e como a gente anda com uns procedimentos de segurança, não aconteceu nada, mas tinha alguma coisa assim me dizendo, uma coisa estranha. Na sexta feira eu fui sozinho, porque o colega que ia comigo ele tinha uma moto e nesse dia ele foi de moto, porque sexta feira, às vezes eu saía da agência e ia direto para a universidade, e ele voltava de moto. Normalmente a gente saia todo mundo junto, para não ficar ninguém sozinho, para não ficar visado, porque sempre o último que sai ficam pensando que ele é que tem a chave do cofre. E saía dois, três, quatro colegas juntos e fechava a agência, para evitar de ser visado. Quando eu estava me dirigindo para a agência naquela manhã, eu estava doze quilômetros de Feira de Santana, eu fui fechado, passou dois carros por mim, muito velozes, eu até estranhei a velocidade, ainda mais que é um trecho que ninguém passa correndo, ai esses dois carros passaram. Aí tinha uma curva e uma lombada, e depois da lombada esses dois carros estavam parados na pista. Na hora, eu nem desconfiei que fosse um assalto ou seqüestro, mas a hora que eu senti aquilo estranho, aí já veio um terceiro carro que estava encostado no meu carro. Eu pensei: “já vou descer do carro”. Aí fui obrigado a parar, parei o carro, era um Vectra, um Uno e um Astra. Um Vectra prata, um Uno vinho e o Astra verde. Na hora que eu senti que era um assalto eu parei, mas já com medo que já tivessem pegado minha família. Porque a gente sempre acompanha quando tem esses eventos, que eles atacam primeiro a família do colega e meu medo àquela hora é que eles já tivessem pegado alguém da minha família. Como os carros estavam todos com revestimento fumê, a gente via que tinha gente ali dentro, mas não dava para ver nitidamente. Aí alguns correram junto de mim, entraram no carro comigo, me passaram para o banco traseiro, e tiraram os carros do meio da pista. Eu fiquei com dois bandidos dentro do carro comigo, apontando as armas para mim, e aí fomos para uma estrada vicinal, onde a gente foi, com os três carros, uma estrada de chão batido, aí que eu vi que não tinha ninguém da minha família, vi que eram mais ou menos umas 15 pessoas todas bem armadas, né, com metralhadoras, pistolas fuzis e aí começaram na base das ameaças e da negociação. Sabiam que eu tinha saído de casa, que tinha deixado minha filhinha sozinha, que ela tinha dois anos, que eu tinha deixado minha esposa na escola, que eu não tentasse nada porque se não eles entravam em casa, pegavam todo mundo, matavam todo mundo, isso um baixinho com uma metralhadora...nessa hora quase eu me indispus com ele, porque quando essas coisas acontecem a gente perde o medo, né, fica mais preocupado com a família da gente do que com a gente mesmo, porque se a pessoa não tivesse família, nada, acho que a pessoa tomava uma atitude. Aí eles falaram que eu era o gerente da agência, que eles iam para a agência, que eu não tentasse nada porque se eles quisessem eles tomavam conta da cidade porque eles tinham capacidade...e no dia, na cidade, só tinham 6 policiais, se estavam todos, no dia, porque normalmente só ficam 4 policiais, que tinham 6 que eles sabiam, e que tinham capacidade de entrar no banco de qualquer jeito. P.: Normalmente é uma cidade tranqüila? R.: Não é muito tranqüila porque ela é próxima de Feira de Santana, porque é uma cidade que liga a BR-101 a Feira de Santana, a estrada passa no meio da cidade, então perde um pouco da tranqüilidade, não é a primeira vez que eu fui assaltado, tem uma cidade perto dali que o Banco do Brasil foi fechado pela quantidade de assaltos, roubo de cargas, essas coisas tem lá, porque tem poucos policiais e pela facilidade de fuga, mas também não é uma cidade perigosa. Nisso entrou outros dois no carro, falando que iam assaltar o banco....eu conversando com a delegada depois, ela disse que estas quadrilhas estão bem preparadas, que isso não é mais quadrilha, que é um pequeno exército, porque a gente vendo a movimentação deles, nenhum falava: “olha você vai naquele carro”. Todo mundo já sabia que carro entrava, que arma que pegava, que direção ia ou não ia. E eu estava ali, assustado, vendo aquela movimentação toda. Aí me botaram na direção do meu carro e vieram os dois comigo. Um armado com revólver e o outro armado com metralhadora e aí fomos para a cidade, com os dois carros me escoltando, quando chegamos na cidade mandaram parar bem antes da agência, para um dos dois que estavam comigo descer, aí eu vi que estavam descendo outras pessoas pela praça, e aí um dos carros estacionou após a delegacia, onde ficaram quatro marginais armados de metralhadora e fuzis. Eles sabiam que se tivesse alguma coisa os policiais iam sair e iam ficar de costas para eles. E durante o trajeto o rapaz que portava a metralhadora dizia, fazia questão de dizer que se houvesse algum problema que a culpa ia ser minha, que eu não encrencasse porque senão ele matava minha filha, essas coisas que deixa a gente...preocupado né? Porque a gente sabe que isso acontece, é uma coisa que a gente ouve falar, que aconteceu, tal, e as manchetes estão aí dia a dia. Inclusive minha esposa tem um primo que tinha uma filha de 4 anos que foi assassinada pelo bandido, ele puxou, atirou mesmo na cabecinha da menininha. Então a gente sabe que isso acontece, então vem a preocupação na mente da gente. Porque a gente está preparado para acontecer coisas com o banco, já tinha acontecido há pouco tempo antes um tiroteio na frente, trocaram tiro com a policia, eles iam assaltar o banco, a policia viu a movimentação, teve um tiroteio e tudo, mas não foi uma coisa pessoal, não envolvia diretamente, era uma coisa do banco. E outra coisa é que a gente está acostumado a lidar com coisa do porte da gente, se você esta de carro o assaltante quer levar seu carro, se deixar alguma coisa no quintal alguém pula e entra, agora quando veio pára cima de mim, que levou para o lado pessoal ameaçando minha família, algo, alguém que está com uma estrutura para atacar o banco, a cidade, atacar a policia, saiu do meu...do nível de reação... não que eu fosse reagir ao assalto, reação psicológica, do meu preparo psicológico, porque a gente esta preparado para alguém pegar o seu celular e sair correndo, principalmente porque eu não tinha cargo nenhum no banco tinha preocupação, tinha medo mas eu nunca achava que ia ser alvo...é como se eu fosse tratado como o gerente da agência, eu estava recebendo uma carga muito grande ali, porque o gerente normalmente tem a chave, tem o segredo, ele tem como resolver o problema, entendeu, sabe que não é interesse do banco nem interesse dos colegas deixar que ninguém morra, ninguém sofra nada, ele sabe disso, mas eles sabem que quando o cara é gerente do banco ele tem como resolver e a gente como tinha pouco tempo de banco...eu não sabia como ia resolver aquela situação. Aí depois que esse rapaz saiu, dessas ameaças todas eu estava realmente preocupado, porque eu não tinha como dar acesso a eles à agência. Não sabia se já tinha chegado algum colega na agência, não tinha chave, não tinha segredo, não tinha nada. eu sabia que eles entravam do jeito que eles quisessem, mas eu tinha medo que, outra coisa que em hora nenhuma eu também não disse que eu não era gerente mas eles também não chegaram e me perguntaram se eu era o gerente, mas eu não desmenti porque eu tinha medo deles me matarem se descobrirem que eu não sou o gerente e me matarem para não perder....o trabalho deles, né, o segredo deles, né, inclusive depois eu fiquei sabendo que isso já aconteceu.No Acre pegaram um rapaz por engano e desmentiu e mataram ele e depois confirmaram que tinham matado como aviso, mas é uma coisa que eu fiquei sabendo posteriormente. Aí descemos, mandou estacionar e o que ficou no carro, ele desceu para entrar na agência comigo. Aí chegamos na agência, quando quisemos entrar, já tinha...o colega já tinha chegado, já tinha aberto a agência, quando a gente chegou na porta giratória para entrar o vigia viu que o rapaz queria entrar comigo ele travou a porta. Aí o cara falou vem cá, vem cá, vem cá, eu preciso falar com você, chamando o guarda, e o guarda se aproximou a uma distancia da porta, e o outro colega que estava substituindo na gerencia também sentiu, viu, também se aproximou para ver o que realmente estava acontecendo, fui logo dizendo para o vigia que eu estava na mão deles,, que não podia fazer nada e avisei que eram cerca de quinze. Porque às vezes pode pensar que era um só, né....e acionar o alarme, puxar o revólver e atirar pensando que seria um só, eu disse eu estou na mão deles, e são cerca de quinze. Tem um só me acompanhando mas o resto está todo aí na rua. Aí quando esse colega que estava substituindo encostou, o rapaz já virou para ele, e foi....uma coisa que eu até respirei aliviado, porque foi para mim, na minha situação... para mim foi....era o meu destino. isso é da sua área, você que sabe analisar isso, para mim foi uma... para o colega foi um peso, mas para mim foi uma tranqüilidade e disse: “olha, você manda abrir isso aí porque a gente vai tem como entrar ai de qualquer jeito e gente sabe que seu filho está sozinho em casa, sua mulher saiu com um filho seu para o médico, certo, seu filho está sozinho dentro de sua casa, você mora na rua tal, lá em Feira de Santana”, ele disse para o colega, e “sua casa tem um muro de pedra, um portão vermelho e aquele guardinha que você tem na sua rua com apito não vale nada, você manda abrir senão eu telefono e mando invadir sua casa e matar seu filho, você manda abrir aí”. Eu acho que para mim, porque, como eu falei anteriormente, tirou todo aquele peso que estava só para cima de mim e eu sem estrutura para enfrentar uma situação dessas, e eu já passei a dividir meu drama com o colega, porque seria um problema só meu, né. Comprova que eles estavam ameaçando minha família e tudo, né, porque efetivamente eles não pegaram minha família, porque Graças a deus eu tive essa sorte. Porque tem uma coisa que eu esqueci de falar. Tentaram me pegar à noite mas não conseguiram. Me pegar à noite, na quinta-feira. Eu tinha sentido alguma coisa, mas não desconfiança de que eles queriam me pegar, porque se fosse desconfiança, eu tinha chamado a policia, acionado a segurança do banco, porque isso a gente sabe que tem que fazer, não teve nada assim de alguém me fechar, de me pegar, mas eu não estava me sentindo bem, tinha aquele pressentimento. Nunca ia adivinhar que seria isso. Mas eles afirmaram categoricamente que eles tentaram me pegar de noite e não conseguiram. Não sei se é porque Eu não tenho uma rotina bem definida, pelo fato de trabalhar numa cidade e estudar em outra, então a gente está muito ao sabor dos acontecimentos, de uma hora para outra eu resolvo se eu vou para a universidade ou não, se eu vou para a universidade a gente nunca sabe quando vai embora mais cedo, então não tem aquela coisa casadinha, e como são muitas atividades, não tem aquela coisa de sua atividade é essa, são muitas coisas que a gente faz. Então nunca tem uma rotina definida, então acho que é por isso que eles falaram que não conseguiram me pegar à noite. Porque senão, fatalmente à noite eles tinham pegado minha família também. Então depois dessas ameaças, aí eu argumentei com os colegas, porque como a gente sabe como acontece... são cerca de quinze e estão bem armados, se eles qu9iserem, eles vão entrar aqui de qualquer jeito, e eu falei, inclusive tem um carro na frente da delegacia, a policia não tem como ajudar, porque a gente sabe de cidades que eles mataram os policiais primeiro para depois assaltar a agência. Em Cícero Dantas, eles tomaram a cidade inteira, mataram policial. Aí o colega autorizou que o guarda abrisse. Foi uma decisão difícil para ele mas é aquela coisa, a gente não esta mais preocupado com a gente, está preocupado é com o filho, né?. A gente vê que acontece, eu tenho um caso na família, eu sei que acontece. Então nós entramos, ele pediu a arma do vigia, pediu a arma do outro vigia, ele sabia que ele não estava lá, orientou o pessoal, né, eu falei novamente para o pessoal, eu estava mais ou menos de alvo, que eu estava meio angustiado, né, que a minha família também estaria de alvo, né, que eles estavam bem armados, tem metralhadora, tem tudo, né, que se eles quisessem, de qualquer jeito eles entrariam, aí falei para o vigia não tentar nenhuma reação, porque um contra um, aquela visão que a gente tem, é muito fácil, né, mas eu tinha visto o que é que estava lá fora. Aí eu pedi para abrir o cofre, comandamos o cofre para a abertura, tinha uns minutos para a abertura, né, e nesse tempo ele ficou conversando, falando para ninguém fazer nada, tentar nada, que eles não iam fazer nada se desse tudo certo. Ele estava com a uma arma quando entrou, ele entrou e pegou os dois revolveres dos vigias, né. Mas o revolver dos vigia ele não fez nada, né, ele só pegou e deixou na cintura, nem pôs balas, mas...estava armado. Depois que abrimos o cofre, ele achou que o que tinha ali era pouco. Ele disse “não, não, não, não vou arriscar minha vida por causa disso não, tem que ter mais dinheiro, tem que ter mais dinheiro. Aí começou a revistar tudo, aí pegou o dinheiro que tinha, inclusive o dilacerado...ele achou pouco, ele pediu para abrir um dos terminais de auto-atendimento. Nós tínhamos três caixas de saque, só dois funcionando, que ele queria tirar, aí nos começamos a conversar com ele: olha, acontece isso, acontece aquilo. Não, vamos levar, porque tá pouco, tá pouco, tá pouco, abra lá. Aí nós falamos: então nós só vamos abrir um, porque se a gente for abrir os dois, o pessoal tá lá sacando, o pessoal vai desconfiar, vai ter problema, a pessoa pode gritar, chamar a polícia, então é bom evitar isso, a gente abre um... P.:Você que falou isso? R.: Não, os colegas...estávamos três colegas, eu acho que isso favoreceu bastante. Tava eu, o Ulisses e o Gabriel. Eu era inexperiente de banco, tinha pouco tempo de banco, mas tinha o Ulisses e o Gabriel nos três como homens e a experiência de vida, e eles de banco, eu acho que a gente conseguiu conversar bastante com ele, deixar ele calmo, porque ele tava realmente dominando a situação, que a gente não estava enrolando ele, a gente teve bastante preparo psicológico ali naquele momento para suportar aquela situação. Eu acho que, se por exemplo, se nós tivéssemos colegas mulheres que ficassem nervosas, com choro e grito a situação podia reverter para o pior, né? Aí ele concordou que ia abrir só um caixa, só uma maquina, aí tirou o dinheiro, aí veio outro momento de tensão, que era o da saída dele, e então Você vai comigo, você vai ser refém, aí o colega, o mais experiente, o Gabriel, disse: rapaz, você já está com o dinheiro na mão, a gente fez tudo o que você queria. “não, ele tem que ir, ele tem que ir, a gente vai sair, aí se der merda ele vai ser o refém”. O que você queria fazer, eu também comecei a falar com ele, né, a gente fez, você está com o dinheiro na mão, vai embora, o pessoal já está desconfiando, você está com a minha família como alvo, me deixe, eu vou ficar, vá embora, leve o seu dinheiro. Aquele negócio de ameaça, se você acionar o alarme a gente vai invadir sua casa. Não se preocupe, você já está com o dinheiro, a gente dá um tempo para acionar o alarme, que a gente que acionar, vá embora, não vai ter nada o pessoal já está desconfiando, você já está com o dinheiro na mão, aquela coisa simples, não é, não é aquela coisa...você está vendo, se o pessoal tivesse saído o seu pessoal já teria te avisado... eu sei que Graças a Deus ele saiu, né, eu estava preocupado porque....se acontecesse alguma coisa com minha família, eu ficando, não aconteceria alguma coisa mais grave, né. E se acontecesse alguma coisa mais grave envolvendo minha família, para eu poder correr atrás, tomar alguma atitude.porque a gente não ia deixar as coisas acontecerem ficar só de espectador...mas graças a Deus, pelos colegas que estavam ali, né, que a gente conseguiu conversar com eles, conseguiu passar para ele alguma confiança, que ele não levou ninguém para a gente foi....a tensão que a gente estava, foi um alívio muito grande, porque a gente estava à beira do desespero ali, não é? Porque agente estava à beira de entrar assim...como é que diz...á beira de entrar no desespero...porque a gente estava ali fazendo...mas não sabia o que estava acontecendo lá fora. E com medo de uma ação da polícia, porque se tivesse uma ação da polícia, a gente ia ser o escudo, eles armados, a família de alvo e a gente com medo de ser refém, de ter um tiroteio e a gente ser o escudo, né, porque a gente sofre...o pessoal pergunta: mas você ficou quanto tempo com eles, quanto tempo ficou. Eu só lembro da teoria da relatividade porque você passa oito horas dormindo, às vezes é pouco, se você botar a mão na água quente e tirar já é muito, tempo, a gente não está vendo o tempo, a gente está só vendo aquela tensão ali do momento sem saber como vai terminar.A expectativa da gente se torna grande. E a gente não sabe como vai terminar, se vai terminar, se vai embora, se vai morrer alguém, se vai ter tiroteio porque a gente é o alvo, é a peça principal disso tudo. Na hora que me pegaram até a hora que eles foram embora eu estou valendo demais para eles porque para eles eu sou dinheiro. Eles estão mais preocupados comigo do que até o que tem dentro do cofre, então fica nessa tensão...então a gente conseguiu passar um, a confiança para ele que ele não levou a gente. Depois que eles foram embora é que a gente acionou o alarme telefonamos para a policia, telefonamos para os parentes da gente para saber se estava bem, porque aí...eu confesso para você, eu tive medo de que eles tivessem pegado alguém, enquanto a gente não tivesse a certeza... A tensão da gente é grande, porque eu deixei minha filha sozinha em casa com a babá então se eles tivessem entrado, pegado, ninguém ia ter como me avisar, ninguém ia saber, se tinha alguém lá dentro lá de casa, eu não tinha como saber. Eles sabiam que minha filha estava sozinha dentro de casa que eu tinha deixado minha esposa na escola, eles estavam me acompanhando ou estavam lá na porta, não era um blefe, eles sabiam. A situação...como eles sabiam dom colega, que a esposa do colega tinha saído para ir no médico, eles acompanharam a esposa até o consultório, eles estavam com a vida de gente nas mãos deles.quando a gente fala assim lá fora...parece um filme, um coisa de cinema. Imagine a nossa situação naquele momento, um cara retratando sua vida e você sabe que está na mão dele, que você não pode fazer nada. Por mais que você pudesse reagir, chamar a polícia, correr, fugir, alguma coisa, mas você está com a coleira no pescoço porque o cara falou que sabe onde está sua filha, como está, onde não está, então não tem o que você fazer. A situação sua de impotência...realmente ela é grande, porque você não tem...você não tem como fazer nada. Você sabe...meu filho tem 11 anos, ele tem maturidade para suportar, para entender melhor...aquela coisa toda, mas uma menina de dois anos, eles iam acabar machucando...e aquela preocupação, não adianta, aquilo que você fizesse não ia ter resultado...é uma coisa que...todo mundo sabe, todo mundo vê. E o maior impacto que a gente tem é o acontecimento do assassinato da criança, que, por mais que o tempo passa a gente nunca se conforma, então a gente tem medo porque a gente não ouviu falar, a gente viu acontecer então potencializa demais e aí vem a preocupação com a minha esposa porque sendo um parente mais próximo a gente sabe que areação é diferente...e eu tenho medo...mais medo ainda porque sabia que ela não iria agüentar se acontecesse alguma coisa. Mas dei graças a Deus, quando eles foram embora, acionamos a policia, quando a policia chegou, não tinham visto nada, chegaram até reclamando, brigando com a gente porque era para ter acionado e não sei o que, e tererê e fizeram aquela coisa...e eu disse calma: tinha um carro lá na porta de vocês, ficou lá o tempo todo e vocês não viram. Depois eles até agradeceram porque se tivesse alguma coisa eles teriam sido todos fuzilados, porque eles iam sair e iam ficar todos de costas para eles, né? Eles não tinham atentado para esse detalhe, isso é a realidade da gente nossa hoje, a falta de segurança e a impotência...só pegou porque foi uma coisa grande dessas tudo virado pára cima de mim P: Em algum momento você se sentiu culpado por algo relacionado ao assalto? R: È uma culpa que a gente sente que não é aquela culpa de...a gente fica sempre procurando aquele se...As aulas já tinham retornado, e eu gosto de deixar o carro com a mulher para a mulher ir para o trabalho aí eu não deixei o carro para ser mais comodista, né, se eu tivesse ido de ônibus...mas se eu tivesse ido de ônibus podiam ter pegado minha esposa, né? A gente fica com aquele se... aquele se... Algum jeito eles iam dar, porque eles ficam...eles esperam o tempo que for necessário. A gente procura...normalmente a gente fica procurando o que a gente podia ter feito para não acontecer, mas na realidade é o se outro se...se eu não trabalhasse, se eu não estivesse lá, essa coisa, né? Como eu falei antes, a questão de ser envolvido outro colega foi uma felicidade, né? pra mim chegou até a ser uma felicidade, até em relação ao banco, de segurança, de dizerem: “Não, você está mancomunado com alguém”, tudo. A gente sabe que tem essa sindicância que tem que apurar e realmente tem que apurar...eu já tive empresas que teve processo de sinistro, tem que acionar a policia, e a gente vê...eu sabia que nenhum funcionário meu tinha participado do arrombamento da loja, mas a policia foi em cima dos funcionários, e no caso meu, realmente não estavam. Eu também fui funcionário, a gente vê quando tem um assalto, vai ver e foi o funcionário que demitiu, que era o funcionário que estava trabalhando, a gente sabe que a policia tem que procurar a segurança, tem que analisar todos os fatos...então o fato de ter envolvido outro colega já me deixou numa situação não boa, não posso dizer que era uma situação boa aquela, mas uma zona de conforto de eu não ter sido a única peça utilizada naquele ato. E como eu falei os outros colegas da agência por serem pessoas maduras, já todos pais de família, funcionários de banco antigos, acho que o comportamento...ajudou bastante no processo porque eles têm a experiência de saber....porque eu não sei não tenho uma visão se no país está acontecendo muito, mas na Bahia está...escandaloso. No dia em que eles me pegaram estava ocorrendo um assalto em S., com troca de tiros, tinham pegado a gerente da agência do Baneb pela segunda ou terceira vez e no domingo seqüestraram um colega de outra cidade para assaltar a agência na segunda e isto está acontecendo na Bahia torrencialmente agora recentemente pegaram um colega meu...amigo de antes do banco já pela segunda vez Então são coisas que a gente que esta no banco...a gente vai vendo.Eu não sei em São Paulo como é, mas eu tenho um colega que já passou pelo processo do assalto e seqüestro três vezes então a gente vai vendo, vai pensando, vai amadurecendo....eu sei que a experiência que o pessoal da agência tinha me ajudou bastante. Se fossem colegas novatos, colegas que...não que a mulher seja, mas a situação da mulher é mais pesada...a mulher não ia agüentar uma situação com ameaça de filho, não que a mulher seja o sexo frágil, mas é uma situação delicada até para a gente que é homem, pode agüentar um certo peso, pode entrar num combate corpo a corpo, para uma mulher fica difícil a situação. Acho que ajudou bastante a experiência deles P: Qual foi o momento em que você sentiu mais medo? R: O momento em que eu senti mais medo foi todos os que eu estava convencido que minha família estava envolvida. Na hora da abordagem, eu não tive medo da abordagem, eles me pegando, empurrando com a arma ali na mão eu só conseguia procurar nos outros carros para ver se tinha alguém da família, procurei também para ver se tinha algum outro colega. fiquei preocupado com o colega, mas minha preocupação era saber se estava ali minha esposa ou minha filha. Uma coisa que eu esqueci de comentar é que nesse tempo meu filho não estava na cidade, ele tinha viajado com o tio, ele tinha viajado. Uma coisa que ficou pesada para a gente é que meu menino ficou sabendo tudo pela televisão, ele estava em uma cidade próxima, e me filmaram, filmaram saindo da agência, tudo, a televisão, e ele viu tudo pela televisão. Ele não acreditava que eu estava bem porque eu não tinha falado com ele ainda, ele ficou achando que tinha acontecido alguma coisa comigo, porque ele ficou sabendo do assalto no dia, viu eu caminhando e tudo, mas “porque meu pai não falou comigo, porque ele não me ligou?”, então foi difícil conversar com ele, quando eu liguei para ele, ele disse: “não meu pai, você esta falando eu não sei onde é que o senhor está. Eu não sei se você está bem, se está no hospital, se você esta em casa.” É um menino de dez anos, vê as coisas, já entende um pouco das coisas mas no momento, foi como eu te falei, ele estava longe, estava na fazenda do meu tio. Então o momento que mais tive medo foi o momento da abordagem, que eu pensei que tinha alguém da minha família. Quando a gente foi para a estrada, que o cara falou que eu tinha deixado minha filha em casa...uma menina de dois anos, ameaçar uma menina de dois anos de morte....foi um momento para mim apavorizante. Se...fosse eu e ele ali, se dependesse da minha vida, eu não teria nada, eu mataria ele ali. Porque eu só pedia que fosse retirado o risco de vida de minha filha Eu só pensava em alguma coisa que eu pudesse fazer para deixar minha família tranqüila. Aí quando pararam, que eles falaram que sabiam que minha filha...e realmente minha filha estava sozinha, eu sabia que eles não estavam blefando, que eu tinha deixado minha esposa no banco...foi o mesmo que me cortar, né? Passar uma faca em mim. Senti ali que eu não podia fazer nada. Na hora em que eles falaram do meu colega, eu também fiquei com medo, os caras realmente estão dispostos, porque eles sabiam também da vida do colega, eu fiquei agoniado, porque até então eu estava preocupado com tudo mas sempre com aquela esperança, a gente se agarra em alguma coisa, de que eles estavam ali comigo, para eles estava suficiente então a gente sempre ficava com o pensamento de que vai dar tudo certo, que eles estão comigo, não vão querer fazer muita coisa, mas quando a gente chega no banco e diz que a família do colega está sendo vigiada, então voltou todo aquele desespero de novo porque eles estavam com gente em Feira. Se eles tivessem me seguido de Feira de Santana, iam me pegar ali, nos estávamos ali, então não tinha ninguém em Feira... a gente fica procurando alguma coisa para se apoiar..não, não, não tem ninguém em feira, Fé em deus que não vai ter ninguém lá. vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, se der algum problema aqui, eles estão comigo só vai acontecer comigo, não vai acontecer nada com a minha família lá.. Quando a gente no banco, naquela pressão, aquela negociação, aquela coisa, ele fala do colega, então já me veio aquele negócio: eles estão em feira, porque não tem como monitorar tudo, duas famílias ao mesmo tempo, e sair e me pegar, então tinha e...depois falando, na declaração, o delegado falou: Tinha, porque eles não usam todo mundo na ação, sempre fica alguém para o apoio, para dar um suporte, e depois, eu conversando com o pessoal da rua, eles falaram que tinha gente na rua, que tinha comportamento estranho, que tem barzinho na rua, tem oficina na rua que vê o movimento, porque não é uma rua que seja uma rua de trânsito, uma rua que o pessoal passa para ter acesso a outros locais. É uma rua que só passa por ali quem tem alguma coisa por ali, então quando tem alguém estranho na rua a gente conhece, porque a gente conhece todo mundo que mora na rua, e o pessoal falou que tinha carro que estava parando, que estava falando com a molecada. Na hora, pensa alguma coisa mas não imagina fica aquela coisa assim no ar, depois que aquilo passa, aí é que a pessoa vai saber o que aconteceu. Então naquele momento a pancada que eu tive, na hora que eu fui pego, né, falo do impacto, o impacto que eu tive quando ele falou da minha filha, eu tive de novo lá na porta do banco. E também na hora da saída, né, porque...a gente fica...na hora a gente pensa em tudo, né, porque o pessoal falando que ele vai morrer, na hora a gente pensa em tudo, a cabeça da gente está a mil, não tem tempo nem de ficar nervoso, aí na hora da sair veio aquele medo de dar errado, de dar um problema, e eles quererem me culpar e quererem me punir alguma coisa, a gente fica naquela...atenção, né. porque daqui a pouco eles podem fazer alguma coisa com a minha família para dizer que eu fiz alguma coisa que não deu certo para eles, né, a gente fica...no desespero mesmo, é aquela angustia, a gente não sabe o que é que está acontecendo, o que vai acontecer, se é que vai acontecer... isso é sua área, você pode explicar, na hora que a gente mentaliza uma coisa, a gente não consegue tirar, só fica pensando aquilo, até que aconteça alguma coisa mais pesada ou alguma coisa diferente que muda a mentalização da gente, mas às vezes não consegue nem conversar direito porque a gente só fica pensando, pô, a gente vai sair daqui agora, e se não der certo, e se eles quiserem botar a culpa em mim, pegar alguém dizendo que a culpa foi minha e a gente fica com aquele negocio focalizando, focalizando, focalizando, n~e daí que veio o impacto para não ir com eles, fiquei com medo de acontecer alguma coisa, e disse, não se acontecer alguma coisa eu vou correr atrás, então já começa a tocar outra coisa, já vem aquele medo de você querer tomar uma atitude sem saber o que esta acontecendo e você fazer uma coisa que comprometa tudo porque você esta com aquele nervoso, voltado para aquilo ali, e daí a pouco entrar no desespero, ai tenta se controlar, se controlar, por isso eu digo que a. gente que tem experiência de vida ajuda bastante, porque se eu fosse uma pessoa que não tivesse essa experiência, teria entrado em desespero, e teria se encaminhado para outra coisa. P.: Você já tinha passado por assalto antes R.: Já, agora sempre coisa como eu falei, como eu tinha empresa, tinha um mercadinho, já aconteceram alguns delitos, algumas coisas no mercadinho, coisa pequena, roubar toca-fitas do radio, que a gente já esta acostumado. Teve um caso de assalto com a esposa minha que eu tinha saído e ela ficou, também teve um caso depois do carnaval, de eu estar no ponto de ônibus e o pessoal vir e (desliga o gravador). Conta então que e professor de karatê, e na situação do assalto, reagiu e dominou as pessoas que tentaram assalta-lo. Pede para não divulgar essa informação por temer, em próximos assaltos, que os bandidos, sabendo disso, usem mais violência ou tentem pegar diretamente sua família que é mais desprotegida. P.: Durante o assalto ao banco, passou alguma idéia engraçada, esquisita, na sua cabeça? R.: Uma bobagem qualquer. No momento de nervoso a gente procura uma válvula de escape, né, não tive não tive umas coisas assim, diferentes, a gente procura conciliar o que esta ocorrendo conversar com o pessoal, para o pessoal ficar calmo, mas uma coisa assim na minha mente, de engraçada, não teve não. P.: Me conta um pouco do que aconteceu depois, primeiro no banco R.: Seguindo o curso dos acontecimentos, a gente, como a gente tinha negociado com o assaltante, a gente combinou de não acionar o alarme naquele momento, inclusive a gente de agência como tem uma visão da rua, o carro que estava estacionado em frente de uma delegacia, a gente esperou ele sair para acionar o alarme, porque a gente sabia que não ia Ter efetivamente como eles fazerem nada e isso a gente estava vendo ali como ocorreu. Esse tempo foi angustiante mesmo, deu desespero porque a gente não tinha como saber se estava tudo bem, ficamos esperando aquele momento, uma coisa rápida, mas...volta aquela coisa da relatividade, depois a gente não conseguia ligar, telefonar, acionar a policia, ligar para a superintendência, para o departamento de segurança, policia chegando, policia saindo, querendo conversar, toda a cidade ligando para a gente, e os celulares eles tinham levado, a gente só com os telefones da agência para ligar, e sem conseguir falar lá em casa, sem saber se a mulher estava bem, aquela angustia, ai querendo comunicar, falar, na hora certa porque quando você aciona o alarme que teve assalto a cidade toda sai para a porta da agência, o pessoal da superintendência quer saber o que aconteceu, o núcleo de segurança quer saber o que aconteceu, a policia quer saber o que aconteceu e ate a policia das cidades vizinhas quer saber o que aconteceu, e você fica naquele desespero o cara que esta me ligando e policial ou e bandido porque na hora que a policia chegou lá, rapaz, e um absurdo, a gente lá, ligaram para lá dizendo que era aqui do banco e que iam testar o alarme. Ai você já fica, putz, e se eles estão ligando para aqui pedindo informação. Você fica...você tem uma linha para você agir, mas você fica desnorteado. Naquela hora você fica preocupado com você, você começa a respirar, vem aquela carga, aquele alivio de acabou, você vai sentir, vai digerir aquilo que você passou daí o que você quer e cair fora, se mandar, ir para sua casa, pegar todo mundo, ir para o seu canto e respirar, mas esse momento, esse impacto, a gente não consegue se isolar naquele momento, ele deixa a gente...como se diz, ...sensível mesmo. P.: Isso já faz um ano? R.: Fez um ano agora. P.: E depois, como ficou a agência? R.: Veio o pessoal da superintendência estadual para dar o apoio, a agência ficou fechada, a gente teve um momento de confraternização com nossos colegas, não de comemorar alguma coisa, mas de conversar entre si, eu fui agradecer muito o apoio dos colegas... Neste momento o gravador utilizado parou de funcionar. Jorge contou que ficou muito mal após o assalto, e não queria mais trabalhar. Sua família aconselhou que saísse do banco, e eles ajudariam no sustento da família. Por indicação da psicóloga que fez o atendimento emergencial, na agência, foi transferido para Salvador, distante 110 km de sua residência. Trabalha em um setor que atende apenas empresas, sem presença de dinheiro, sentindo-se mais seguro. Não relatou novos problemas físicos após o assalto, mas notou que tem ido mais a médicos devido à gastrite, não mencionada antes, que aumentou. Mantém relacionamento pessoal com os colegas da antiga agência. Foi indicada psicoterapia, mas ele não procurou. Em relação à sexualidade, comentou que teve alteração quantitativa, com diminuição da freqüência de relações sexuais e na qualidade do ato sexual, com diminuição do prazer que sente na relação sexual. Atribui isso ao estresse de trabalhar longe, ir direto para a faculdade e só depois ir para sua casa, o que o deixa muito cansado. Em relação ao lazer, disse ter alterado algumas rotinas por conta do medo de ser assaltado novamente. Não deixa mais o filho andar de bicicleta sem a sua companhia ou sair sozinho na rua. Tem ido com a família apenas ao shopping center, onde se sente mais seguro. Passa os fins de semana em casa. Foi autorizada verbalmente a utilização desse material, sob pseudônimo e sem dados que pudessem identifica-lo. Quando solicitei que escolhesse um pseudônimo para si, ficou algum tempo pensando e respondeu: Jorge. Em seguida explicou que ao conversar com um dos bandidos que o seqüestrou, que parecia ser o chefe da quadrilha, chamou-o de você e ele retrucou: “Me chame de Jorge”. Caso 3 - Teresa Entrevista realizada em uma agencia de uma capital do nordeste em 19.02.2003. Teresa, 48 anos, nível superior, casada, tem 2 filhas. A mais velha com 22 e mais nova com 21 anos. Função: gerente de contas. Este mês está substituindo o gerente principal da agência.Tempo de banco: 26 anos. Está a um ano e meio nesta agência. P. - Já havia passado por assaltos anteriormente? R - Nesta agência passei por dois assaltos. O primeiro foi em maio de 2002 e o segundo em novembro. O primeiro assalto que eu presenciei foi na agência......de Pirajá, em setembro de 2001. P. - Você sentiu alguma alteração no clima da agência depois do assalto? Depois deste ultimo assalto sim. Este último deixou marcas. Talvez foi a forma como a pessoa entrou na agência. É o pessoal da marreta. E eles invadem a agência quebrando o vidro lateral, então você ouvia aquele barulho.... P. - Durante o expediente? R. - Durante o expediente, as 13:40 mais ou menos. você ouvir, além dos gritos, porque eles chegam gritando, e aquele barulho, dos vidros caindo, o cara gritando, pisoteando o vigilante... então aquilo ali me deixou marcas. Até hoje, eu não posso ouvir qualquer barulho, quando vem alguém instalar algum equipamento, faz um barulho, a gente acha que já é um assalto. Esse clima de insegurança ficou em todos nós. Eu senti também a minha reação. No primeiro assalto eu fui bem mais segura. Quando eu percebi que estava sendo assaltada, eu já percebi o bandido na porta giratória, eu trabalhava ali naquela mesa (aponta para uma mesa num plano mais elevado, onde ocorre o atendimento a clientes) eu permaneci sentada. Eu pensei: eu saio? Não, é melhor não, o mais seguro é ficar. E fiquei aguardando as instruções dele, né. De forma tranqüila. Quando ele me mandou sair da minha mesa e disse quem é o gerente da agência,.... o pessoal da limpeza e os vigilantes, eu fiquei do lado deles. O tempo todo de certa forma tranqüila. Ele falou: Você está muito tranqüila eu posso atirar no gerente e depois vou atirar em você, assim... ele me ameaçou, né. Mas eu estava tranqüila. O gerente não estava, a outra colega comissionada estava em treinamento, e no dia a única comissionada efetiva era eu. E como eu substituo o gerente, assumi toda a responsabilidade para mim. A colega que estava com a chave do cofre, muito insegura, ela tinha acabado de programar o cofre, ela chegou com a chave e eu disse: É um assalto. Um deles estava preso na porta giratória com um colega. Aí ela disse: “Eu vou esconder a chave”. Eu disse: “Não, você não vai esconder a chave, você vai abrir o cofre, você vai abrir o cofre”. Porque seria um risco muito grande para a gente se não abrisse o cofre aí eu assumi. Disse: “Não, eu tenho que assumir isso e transmiti segurança para ela”. Aí ficamos as duas abraçadas esperando o bandido chegar. Quando o bandido chegou, ela ficou com um bandido e eu fiquei com o outro porque nesse segundo assalto, eles queriam tudo, foi um com um colega para a sala lá dentro pegar a fita e ela foi levando o bandido para o cofre. Eles disseram: “Isso aqui parece um labirinto”, você fica meio perdido. E Graças a Deus, ela se controlou e conseguiu abrir o cofre. O meu medo naquele dia era grande. O pessoal tudo drogado, trocando murros, dois bandidos armados trocando murros. Entre eles. Então a insegurança é muito grande. Aí a menina da limpeza ficou muito nervosa porque um deles colocou o revólver na cabeça dela para ir atrás do vigilante que tinha se escondido no banheiro, aí quando ela voltou com o vigilante e o bandido, ela voltou assim numa situação terrível, aí eu me abracei com ela e ficamos assim. Aí o bandido disse: “A senhora está muito tranqüila, a senhora apertou o alarme”? Eu falei: “Não, não é vantagem nenhuma para mim apertar o alarme”. Eu estava mais ou menos segura, assim, eu estava morrendo de medo, mas transmitindo segurança, né. Agora dessa ultima vez.....eu estava atendendo um cliente quando ouvi o barulho, né. Vi o pessoal correndo para a parte interna, e eu corri atrás, junto com os clientes, com os vigilantes, eu corri risco, mas não deu para controlar. Não deu para ficar sentada esperando eles. Só que eles já estavam instruídos para pegar uma senhora de óculos, que era eu. Aí quando eu entrei fui socorrer uma colega que estava trabalhando internamente que estava passando mal. Ai ficou eu, uma cliente e ela, escondidas num canto da sala, aqui da porta não dava para ver. Nós estávamos com medo, mas o cara entrou na sala e me puxou. Queria só eu. E eu permaneci com ele dez minutos sendo pressionada nesse corredor. Para que abrisse a porta antes do tempo porque ele sabia, era horário de expediente, a porta do cofre estava programada. E com a arma apontada para mim, me deu murro nas costas, o tempo todo me ameaçando: “Abra, abra”. E eu falei um pouco ríspida com ele não tenho a chave, para mim aqueles dez minutos foi terrível. Eu falei "eu não tenho a chave, a chave está com o colega ele está lá em cima na bateria de caixas vamos lá pegar a chave com ele". Mas ele não ouvia “Abra a porta”, ele queria que eu abrisse de qualquer jeito. Foi uma situação em que eu falei assim: “vou morrer”. Eu cheguei assim a pensar.é hoje, agora, não vai ter jeito. E um cliente...quando ele mandou deitar, quando já estavam saindo, tinha um cliente deitado no chão rezando, rezando alto. Eu falei: “Meu Deus, vai ser hoje, não tem jeito”. Aí eu até consegui pedir uma ajuda para conseguir pegar a chave e poder abrir o cofre, mas acho que ele veio comigo aqui só para poder ver como é que estava aqui fora. Depois ele voltou me dando murro, lá para dentro, e continuou me pressionando depois ele mandou eu deitar porque já estava indo embora. Eu pensei que ele estava indo na bateria de caixas buscar o colega para abrir. Eu fiquei um tempinho deitada. Aí quando veio um colega pegar água para o pessoal que estava nervoso é que eu vi que o assalto tinha terminado.Aí eu....caí, comecei a ficar nervosa, então dessa vez eu não consegui manter a calma. P. - Que momento você ficou com mais medo? R. - Que momento Foi esse momento em que eu fiquei com ele aqui. Porque na hora em que a porta quebrou, que fez aquele barulho, pelo menos eu ainda tentei correr né, era assim eu posso me salvar. Aí não, era eu e ele. E ele com a arma apontada para mim me dando murro, ele vai pensar que eu não quero abrir a porta, mas eu não tenho chave. Eles não ouvem a gente, eles não enxergam nada, o pessoal tudo drogado. É terrível. Porque em maio, quando ficamos na situação em estávamos todos reunidos na tesouraria esperando o cofre apitar, o meu medo naquele momento era a colega não conseguir abrir o cofre, porque a pessoa fica nervosa ou o segredo não é colocado direito, porque às vezes acontece de você colocar o segredo e não conseguir abrir. Eu não sei se é porque nos estávamos todos reunidos, parece que um está protegendo o outro, eu me senti mais segura e depois que nos conseguimos abrir o cofre e levou o dinheiro, eu me acalmei. Já nesse, eu sabia que não tinha condição, então para mim, eu só esperava que fosse atirar em mim, não esperava mais nada. Eu não tinha como fazer ele perceber por isso que para mim foi muito ruim. E tinha essa situação que eu fiquei sabendo depois que ele já veio direcionado para mim, e que normalmente eu chego cedo, mas às vezes eu tenho que chegar um pouco mais tarde, mas o próprio serviço obriga a gente a vir mais cedo eu não tenho acesso à chave. Porque isso, porque eu estou sempre substituindo o gerente. O gerente vai a treinamento, às vezes esta na regional, então o gerente fica muito fora da agência.então pela minha condição aqui de serviço, eu me sinto muito lesada, nesse sentido. Eu sei que eu era o alvo deles quando eles chegaram. P.: O que o assalto mudou no relacionamento com os colegas na agência? R.: Duas colegas foram afastadas, depois do assalto. A primeira, ele liberou de imediato porque ela estava realmente transtornada ela ficou mal, se afastou uns dias, depois saiu de férias e aí o gerente conseguiu coloca-la numa agência que não tem atendimento a clientes. Agora a outra colega também ela já...em conseqüência do assalto de maio, porque ela foi solicitada para ir à delegacia identificar bandido, nessa identificação, segundo ela, um dos bandidos a viu, e ela se sente ameaçada. Ela está saindo do banco por causa disto. Mas de uma forma geral, os colegas estão sempre pressionando, querendo que tirem a agência daqui. Todo dia estão cobrando a gente em função do assalto. Então existe uma preocupação constante. A tendência, até porque eu passei por dois assaltos, a tendência é a gente esquecer, porque a gente sabe que pode acontecer, mas não fica lembrando disso no dia a dia. E agora não a gente tem medo de que possa acontecer de novo a qualquer momento. P.: Como foi logo após o assalto? R.: Eu fiquei afastada dois dias. A ocorrência, o evento foi na quinta, na sexta a agência não funcionou, eu fiquei afastada segunda e terça e retornei ao trabalho na quarta-feira. P.: Teve algum acompanhamento psicológico? R.: Tive no dia, fizemos um trabalho, nós tivemos uma sessão aqui, tivemos primeiro um atendimento em grupo, depois eu tive um atendimento individual. Depois eu fui a Cassi, mas não dei continuidade. Teve esses três dias que eu fiquei afastada. Agora tem dia que eu sonho com assalto, ás vezes até em casa, porque aqui tem muita ocorrência também, porque é fácil eles seguirem a gente, por mais que você mude o roteiro, se eles quiserem eles seguem você. Então existe essa preocupação não só aqui dentro como fora. P.: Você reparou se você tem ido mais a médico agora do que antes do assalto? R.: Não, até pelo meu próprio histórico...Eu sou meio avessa a ir a médicos, eu estou sempre adiando. P.: Mas apareceu alguma doença nova, que não existia antes? R.: Não, só dor de cabeça, eu sempre tenho dor de cabeça, mas doença assim, não.Eu só sinto mais essa sensação de insegurança. na hora de entrar, na hora de sair, durante, porque tem gente que só pensa nisso na hora de entrar e sair, mas durante o expediente também é inseguro. Agora para a gente não existe hora segura.inclusive eu comentei com a segurança, esse dois policiais aqui não são suficientes para a agência. Quando teve a ocorrência foi na troca de turno, saíram os da manha para entrar das tarde, foi nessa hora que aconteceu. Na troca de turno. Nos trabalhamos com a sensação de insegurança. P.: Na sua casa, no relacionamento com a sua família, você percebeu alguma mudança? R.: A gente fica mais nervosos, né? Por mais que a gente não queira, fica mais nervoso. A gente se irrita mais facilmente, né? P.: Aqui na agência as pessoas também estão mais irritadas? R.: Estão. Nós temos um colega, o P. que ele anda todo traumatizado. A gente nota que ele tem aquela preocupação constante com tudo, está o tempo todo observando, ele realmente ficou traumatizado. P.: Durante um assalto, muita gente pensa em coisas inusitadas, que não era o lugar ou momento de pensar. você lembra se passou algo assim pela sua cabeça? R.: Não, nos outros assaltos, eu fiquei mais de expectadora, olhando, seguindo as ordens deles, calada, né. Nesse não eu talvez levantei um pouco a voz, eu tenho que ser um pouco mais calma. Talvez por isso eu levei os murros nas costas (Risos) Também, ele estava pedindo a mesma coisa a todo o momento, e eu respondendo também a mesma coisa, tem uma hora, né. Uma colega que estava ali fora me ouvindo disse depois "mas você hein, você foi demais, você estava falando muito alto com ele". (Risos) P.: Você sentiu culpa em relação a algum aspecto ou reação do assalto? R.: Não, culpa não. A gente tem culpa quando está descumprindo alguma norma de segurança. Mas graças a deus, não, estava tudo certo, os seguranças estavam aí, estava tudo como as normas de segurança do banco, até porque depois a gente que prestar contas para os nossos superiores. Porque o problema é a insegurança, né, muita gente acha que...é muita insegurança, né, com a nossa vida em família, eu fico muito preocupada com minhas filhas, eu passei a ter uma preocupação constante com o perigo que é na rua. Hoje se elas demoram...e não durmo até elas chegarem eu ligo para o celular. Essa noite mesmo minha filha saiu e demorou para chegar, eu liguei para saber onde ela estava. Então eu não tinha essa preocupação, hoje eu tenho, estou muito mais preocupada. E tenho preocupação também de ligar para casa para dizer que eu estou bem. Eu fui numa audiência ontem, ela atrasou, eu já liguei dizendo onde eu estava. Eu não tinha essa preocupação. Não passava pela minha cabeça fazer isso. P.: Pelo fato de você substituir o gerente, alguém te acusou, direta ou indiretamente por algo relacionado ao assalto? R.: Teve essa colega que falou que eu fui muito ríspida com eles, acho que por isso eu levei os murros nas costas (Risos). Os colegas acham que nós podíamos fazer mais para a mudança da agência. Eles estão cobrando muito de mim. Eles dizem Ah, vocês não estão fazendo nada. Não é fácil, você sabe que não é fácil mudar uma agência de lugar, tem todo um processo, e eles ficam cobrando de mim, eles querem que eu resolva porque a expectativa é muito grande de que possa acontecer outro. Porque um dos bandidos que esteve aqui, uma semana depois ele esteve no auto-atendimento, entraram para observar alguma coisa, aí a menina da limpeza viu, ai a menina percebeu, ela ficou nervosa e saiu correndo gritando que era assalto, aí ele fugiu. P.: Alguém mais viu este bandido? R.: Não. Foi só uma pessoa. Eu não consigo identificar. Eu fiquei com ele, falei com ele, mas não consigo identificar. Sabe o que é olhar e não guardar a fisionomia? Eu estava tão nervosa que não guardei a fisionomia. Talvez até tenha visto ele por aí e não consegui identificar. Não é porque eu não queira, eu não consigo, não lembro. Olhei de frente para ele, mas não consigo. É uma turma perigosa, não pediram as fitas de tevê, não usaram capuz, foi no horário de expediente, a rua movimentada, toda hora passa polícia aí na porta, botaram o pessoal do auto-atendimento sentados no chão, quer dizer, todo mundo que passava pela rua sabia que estava tendo assalto. P. - Em que o assalto mudou sua vida? R.: A gente não se sente mais seguro. Porque o bandido, para planejar o assalto, ele fica analisando a vida de gente, eles sabem onde eu moro, né, eles podem me seguir, seguir outros colegas. Teve um colega que eles sabiam onde ele morava, sabia da vida dos filhos deles, eles sabem tudo da vida da gente. (Nesse momento somos interrompidos pela copeira da agência que vem servir café para mim e chá para ela) P.: Você reparou se começou a beber mais, bebidas alcoólicas ou café? R.: Chá. Eu passo o dia inteiro tomando chá.