Transtorno de Estresse pós-Traumático em bancários

Propaganda
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA
OTHON VIEIRA NETO
TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
EM
BANCÁRIOS
VÍTIMAS
DE
SEQÜESTRO.
São Bernardo do Campo
2004
ASSALTO
OU
OTHON VIEIRA NETO
TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
EM
BANCÁRIOS
VÍTIMAS
DE
ASSALTO
OU
SEQÜESTRO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação da Faculdade de Psicologia e
Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São
Paulo como parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Psicologia da Saúde.
Área de concentração: Psicologia da Saúde
Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa
São Bernardo do Campo
2004
OTHON VIEIRA NETO
Transtorno de Estresse pós-Traumático em bancários vítimas de assalto ou
seqüestro.
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação da Faculdade de Psicologia e
Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São
Paulo como parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Psicologia da Saúde.
Área de concentração: Psicologia da Saúde
Orientador: Prof. Dr. José Tolentino Rosa
Aprovado em: _____/ ______/ 2004
Banca Examinadora
Profa. Dra. Eva Maria Migliavacca
Instituição: Departamento de Psicologia Clínica – IPUSP
Assinatura: _____________________________________
Prof. Dr. Renato Teodoro Ramos
Instituição: Programa de Psicologia da Saúde - UMESP
Assinatura: _____________________________________
Prof. Dr. José Tolentino Rosa - Orientador
Instituição: Departamento de Psicologia Clínica – IPUSP
Assinatura: _____________________________________
Dedicatória
À Claudia e Felipe,
Razão de fazer tudo o que faço.
Financiamento
Pesquisa financiada pelo Banco do Brasil S/A.
Agradecimentos
Ao professor José Tolentino Rosa, por estimular a liberdade e a
responsabilidade de pensamento, orientando de forma tranqüila o
desenvolvimento deste trabalho.
Ao doutor Nilton Farias Pinto, orientador do Banco do Brasil, pelo
apoio
e
interesse
demonstrados,
superando
suas
atribuições
profissionais.
Aos professores e colegas da UMESP, que pela postura carinhosa e
solidária, transformaram em uma atividade prazerosa o curso e o
trabalho realizados.
Epígrafe
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do
intérprete que possua [...] qualidades ou condições, sem as quais os
símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a
primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o
intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe a interpretar.
A atitude cauta, a irônica, a deslocada- todas elas privam o intérprete
da primeira condição para interpretar.
FERNANDO PESSOA
Resumo
O objetivo deste trabalho é identificar as conseqüências psicológicas e o
desenvolvimento de sintomas de Transtorno de Estresse pós-Traumático em
bancários, vítimas de assalto ou seqüestro, no exercício de sua atividade
profissional. Inicia-se com uma descrição histórica dessa patologia, investiga-se
dados de sua prevalência, e a relação com fatores predisponentes presentes no
indivíduo. Do ponto de vista teórico, é realizado um mapeamento da concepção da
Neurose Traumática na obra de S. Freud e discute-se
suas tentativas de
articulação com as demais psiconeuroses, em função de sua etiologia.
Faz-se uma equiparação entre as neuroses traumáticas e O Transtorno de
Estresse pós-Traumático,
que é discutido à luz da Psicanálise. Baseia-se na
compreensão econômica do conceito de trauma psíquico de Sigmund Freud,
como um acontecimento de tal intensidade que torna o aparelho psíquico incapaz
descarga ou elaboração do excesso de energia conseqüente à situação
traumática. Acrescenta-se `a compreensão econômica do trauma, a dinâmica dos
sintomas do Transtorno de estresse pós-traumático.
A partir de entrevistas com trabalhadores bancários, vítimas de assalto ou
seqüestro, foi verificado o desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático, trazendo para esses trabalhadores varias limitações, especialmente
nos setores sócio-afetivo e na própria atividade profissional.
É discutido o caráter epidêmico do Transtorno de Estresse pós-Traumático na
realidade brasileira, onde os altos índices de violência cobram da sociedade e dos
profissionais de saúde uma resposta no sentido de minimizar as seqüelas
psicossociais das vítimas de crimes.
Descritores: Trauma, Transtorno de Estresse pós-Traumático, Neurose
Traumática, Violência, Psicanálise.
Abstract
The objective of this work is to identify the psychological consequences and the
development of symptoms of Post Traumatic Stress Disorder in bank workers,
victims of assault or kidnapping, in the exercise of its professional activity. Initiated
with a historical description of this pathology, investigated indices of its prevalence,
and the relation with individual predisponent factors. Of the theoretical point of
view, a mapping of the conception of the Traumatic Neurosis in the Sigmund
Freud’s work is constructed and is argued his attempts of joint with the others
psiconeuroses, in function of its etiology. A equalization between the traumatic
neuroses and the Post Traumatic Stress Disorder becomes, that is argued to the
light of the Psychoanalysis. Based on the economic understanding of Sigmund
Freud’s theory and psychic concept of trauma, as an event of such intensity that it
becomes the psychic device incapable discharge or elaboration it excess of
consequent energy the traumatic situation. Added the economic understanding of
the trauma, the dynamics of the symptoms of the Post Traumatic Stress Disorder.
Since interviews with banking workers victims of assault or kidnapping, were
verified the development of the Post Traumatic Stress Disorder, bringing for these
workers many limitations, especially in the fields partner-affective and the proper
professional activity. The epidemic character of the Post Traumatic Stress disorder
in the Brazilian reality is argued, where the high indices of violence charge of the
society and the professionals of health a reply in the direction to minimize the
psicossociais sequels of the victims of crimes.
Index-terms: Trauma, Post Traumatic Stress Disorder, Traumatic Neurosis,
Violence, Psychoanalysis
Lista de Ilustrações
Quadro 1 - Sintomas e critérios diagnósticos para o transtorno de
Estresse pós-Traumático
24
Quadro 2 - Tipos de Eventos Potencialmente Traumáticos
30
Quadro 3 -Alterações nas crenças encontradas após uma
experiência traumática
33
Quadro 4 - Índice de experiências possivelmente traumáticas
e desenvolvimento de PTSD
38
Quadro 5 - Critério Diagnóstico B para Transtorno de Estresse
Agudo
46
Lista de Siglas Utilizadas
AAPA- American Academy of Physician Assistants
APA- American Psychiatric Association
BB- Banco do Brasil
CID- Classificação Internacional de Doenças
CISD- Critical Incident Stress Debriefing
PAVAS- Programa de Assistência às Vítimas de Assalto e Seqüestro
PTSD- Post-traumatic Stress Disorder
SEADE- Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados. Anuário Estatístico do
Estado de São Paulo
TEPT- Transtorno de Estresse pós-Traumático
TOC- Transtorno Obsessivo Compulsivo
Sumário de Conteúdos (Parte 1)
DEDICATÓRIA
4
FINANCIAMENTO
5
AGRADECIMENTOS
6
EPÍGRAFE
7
EPÍGRAFE
7
RESUMO
8
ABSTRACT
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
10
LISTA DE SIGLAS UTILIZADAS
11
Sumário de conteúdos (Parte 2)
1 – INTRODUÇÃO
15
1.1- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
15
1.2- SOBRE A ESCOLHA DO TEMA
21
1.3- O TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
26
1.4- A PREVALÊNCIA DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
45
1.5- OUTROS TRANSTORNOS ASSOCIADOS AO PTSD
50
1.6- O TRANSTORNO DE ESTRESSE AGUDO
52
1.7- A CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA DE NEUROSE E O PTSD
56
59
1.8- A NEUROSE TRAUMÁTICA NA OBRA DE SIGMUND FREUD
1.9- ALGUNS ASPECTOS DA DINÂMICA DO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO69
2. OBJETIVOS
76
3. MÉTODO
76
3.1 PARTICIPANTES
3.2 LOCAL
3.3 INSTRUMENTO
3.4 PROCEDIMENTO
77
78
78
78
4. RESULTADOS
80
4.1 CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
4.2- O PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO
4.3- CASOS DE FUNCIONÁRIOS VÍTIMAS DE ASSALTO OU SEQÜESTRO
4.3.1- O CASO DE SUELI – A CULPA PELO ASSALTO
4.3.2- O CASO DE JORGE – A DIFICULDADE DE UM HERÓI
4.3.3. O CASO DE TERESA - SENTIMENTOS DE DESCONTROLE.
80
82
87
88
90
92
5. ANÁLISE PSICOLÓGICA DAS ENTREVISTAS
95
5.2- A ANSIEDADE
5.3- AUSÊNCIA DE PRAZER
5.4- DIFICULDADES NO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
5.5- IRRITABILIDADE
5.6- A LEMBRANÇA DE PEQUENOS DETALHES
5.7- O SENTIMENTO DE CULPA
5.8- REVOLTA
97
101
102
103
104
106
107
5.9- IDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR
5.10- ALTERAÇÕES NA SAÚDE
5.11- ADIÇÕES A HÁBITOS ORAIS
108
109
110
6. DISCUSSÃO
111
7. REFERÊNCIAS
120
8. ANEXOS
135
ANEXO 1: A ESCALA CLINICAMENTE ADMINISTRADA PARA PTSD
ANEXO 2 - ROTEIRO DE ENTREVISTA CLÍNICA
135
137
APÊNDICE: ENTREVISTAS DE TRÊS BANCÁRIOS VÍTIMAS DE ASSALTO OU
SEQÜESTRO
140
CASO 1 - SUELI
CASO 2 - JORGE
CASO 3 - TERESA
140
147
165
1 – Introdução
Pode
haver
uma
epidemia
silenciosa de Transtorno de
Estresse pós-Traumático
não
detectada pelos médicos de
assistência
primária.
(SABBAGH, 1995).
1.1- Considerações preliminares
Considerando-se que o quadro psicopatológico denominado Transtorno de Estresse
pós-Traumático está diretamente associado a situações de violência, a afirmação acima
instiga uma reflexão sobre uma série de fenômenos da sociedade brasileira. Tanto para
psicólogos como para cidadãos, é importante compreender de forma mais profunda as
raízes psicossociais do Transtorno de Estresse pós-Traumático e repensar as respostas que
nós, cidadãos e profissionais de saúde, temos a oferecer para as seqüelas psicossociais das
vítimas silenciosas da violência entre nós.
A violência no país se impõe de tal forma que não se pode mais negá-la. O que
antes era assunto apenas de poucos jornais, programas de rádio e de televisão
sensacionalistas, atualmente é tema predominante não só na mídia como também na
população e entre os profissionais de saúde.
Muito se discute hoje sobre a psicologia do agressor. A cada crime ocorrido que,
por algum motivo, ganha notoriedade ou choca a população, surgem reportagens e matérias
na mídia sobre as motivações psicológicas do agressor, numa tentativa de compreensão das
raízes da violência, sobre como evitá-la, sobre a possibilidade ou não da recuperação dos
criminosos, se o menor de idade que comete crimes deve cumprir penas semelhantes às de
um adulto e assim por diante. A psicologia do criminoso vem obtendo assim, um destaque.
Profissionais de saúde mental são constantemente procurados pela mídia para
emitirem opiniões sobre o funcionamento mental do agressor.
Pouco se fala, no entanto, da psicologia da vítima, sobre a forma que um crime afeta
psicologicamente a vítima, seus familiares e a sociedade como um todo.
A inclusão do diagnóstico de Transtorno de Estresse pós-Traumático no DSM-III
em 1980 teve o mérito de possibilitar o reconhecimento de que uma situação de violência
pode trazer conseqüências psicológicas (RUSCIO; RUSCIO; KEANE, 2002), e a existência
desse diagnóstico produz um enfoque necessário para olharmos o outro pólo de uma
situação de violência – o agredido. Este diagnóstico permite o estudo e a compreensão das
seqüelas psicológicas de situações como as gerads por atos violentos, desastres de origem
natural, acidentes, enfim, situações que possam provocar nas pessoas, choque, abalo ou
comoção, que são sinônimos da palavra trauma (GREGORIM et al. 1999).
Considerando a realidade brasileira, em que estamos expostos a situações de
violência que vão desde as ações de quadrilhas organizadas, até a violência doméstica,
privada, a existência deste diagnóstico pode permitir o estabelecimento de estratégias de
intervenção com o objetivo de reduzir as conseqüências e o sofrimento psíquico das
vítimas. A violência pode provocar um trauma psicológico nas vítimas, e este trauma pode
acarretar o desenvolvimento de um quadro psicopatológico que tem a denominação de
Transtorno de Estresse pós-Traumático.
O termo violência comporta distintas conotações. Implica em uma coerção ou
intimidação pelo uso da força de alguém em condição de inferioridade física ou moral.
Implica também na ruptura de uma lei ou de uma regra (COSTA, 1984/1986). Partindo
dessas conotações, muitos comportamentos podem ser violentos, sem ser necessariamente
traumatizantes. Podemos falar de uma violência política, na censura, ou de uma violência
econômica por parte de um governo que, ao escolher determinado modelo de economia,
gera desemprego. Da mesma forma, um pai que ao educar seu filho, o proíbe por meio de
ameaça ou culpa, de realizar algum comportamento inadequado ou perigoso, está agindo
com violência, por mais que este ato seja uma expressão de amor.
Para evitar ambigüidades, neste trabalho, propõe-se a utilização estrita do conceito
de violência definida por Alarcon e Trujillo (1997, www.alcmeon. com.ar), psicólogos
argentinos:
Um tipo de conduta individual ou coletiva que, praticada intencional,
impulsiva ou deliberadamente, causa dano físico, mental ou emocional
tanto ao próprio indivíduo ou indivíduos que a executam como a outros em
seu ambiente imediato e mediato e ao ambiente mesmo.
Essa definição foi adotada porque ela requer que haja um dano causado por uma
ação para que esta seja considerada como violenta. Nesse sentido, uma série de atos
praticados por indivíduos ou grupos que, infelizmente, vem crescendo em nosso país,
adequa-se a essa definição.
Não é o objetivo deste trabalho estudar as raízes do comportamento violento, que
pode ter diversas motivações: econômica, política, social, religiosa ou psicológica.
Pretende-se limitar ao estudo das conseqüências psicológicas que os atos dos
indivíduos, ou grupos, que empregam meios violentos para atingir seus objetivos,
provocam nas vítimas, de forma direta ou indireta.
Um rápido olhar nos noticiários da imprensa local, nacional ou internacional, pode
dar uma dimensão da importância do tema: atentados suicidas provocados por homensbombas, grupos do narcotráfico que controlam bairros inteiros, seqüestros, assaltos e até
maridos ciumentos que matam as suas esposas supostamente infiéis, cada vez mais estão
presentes no cotidiano da população.
Programas televisivos exploram bastante este tema. Cada vez mais ouvimos em
programas de televisão e rádio expressões como “o trauma da vítima” ou o “medo da
população”, sem que isto seja devidamente entendido ou explicado. O sensacionalismo
destes programas, que alcançam grande audiência e popularidade, explora a ineficácia das
autoridades e a desproteção da população, e produzem o efeito de aumentar a sensação de
medo e desamparo nos indivíduos.
Este é apenas um elemento a mais em nossa cultura de medo. A crescente violência
que ocorre em nosso país produz uma sensação de insegurança e instabilidade, que
Benyakar (2003) classifica como ambiente disruptivo (disfuncional). Para esse autor,
ambiente disruptivo é um ambiente no qual as regras de relacionamento interpessoal, social
e com o meio físico ficam distorcidas, obrigando o indivíduo a adaptar-se a um ambiente
incompreensível e imprevisível, ficando assim repleto de elementos ameaçadores. Essa
definição, originalmente destinada a compreender um fenômeno social presente nos países
ou regiões onde atentados terroristas são freqüentes, como o Oriente Médio, Israel ou a
Irlanda, posteriormente foi aplicada também a países sujeitos a desastres geográficos e
àqueles onde há grande incidência de violência, seja por parte de grupos organizados, com
conotação política, seja por ações individuais.
Gampel (2000, p. 511), referindo-se a este tipo de ambiente, prefere utilizar o
conceito de “identificação radioativa”, como uma representação metafórica do processo de
penetração de aspectos violentos e destrutivos da realidade social nos indivíduos. Esse
processo, segundo a autora, ocorre através da internalização de resíduos “radioativos” que
não são conscientes, e a pessoa se identifica com os aspectos desumanizantes da realidade,
atuando a partir dessas identificações ou repassando para seus filhos através do processo de
transmissão transgeracional.
Enquanto em outros países os fatores geradores de um ambiente disruptivo podem
ser localizados em guerras declaradas, oficiais, ou em instabilidades geográficas capazes de
provocar desastres e ceifar vidas, no Brasil o crime contra a pessoa é o elemento mais
preocupante para dois terços da população, que acredita que será vítima de algum tipo de
ato violento, conforme pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (ILANUD, 2002). Outro dado a ser
destacado é o de que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
mais de 70% das mortes ocorridas com pessoas com idade entre 15 e 24 anos foram
provocados por fatores externos, ou seja, pela violência e por acidentes. Esse tipo de
mortalidade teve um aumento de 20,85% no período entre os anos de 1990 e 2002
(ESCÓSSIA, 2003).
Embora o aumento da criminalidade seja um fenômeno presente em muitos países,
inclusive nos EUA (ALARCON; TRUJILLO, 1997), algumas nações estão conseguindo
dar uma resposta social a este problema, invertendo essa tendência. Na Colômbia, país mais
violento da América do Sul, a taxa de homicídios diminuiu 21% em relação ao ano passado
(MAISONNAVE, 2003). É importante citar que, nesse país, essa taxa é dez vezes superior
à dos EUA (BROOK et al., 2003).
Embora pareça ser desnecessário comentar sobre os alarmantes índices da violência
no Brasil, a estatística fornece uma dimensão relativa do problema. Os dados do Seade -
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (1999), registraram em 1999 mais de um
milhão e duzentas mil ocorrências policiais no Estado de São Paulo, referentes a crimes
envolvendo pessoas, para uma população de 36.276.632 habitantes (SEADE, 1999). Foram
excluídos desse levantamento os crimes que não provocaram dano físico ou ameaça física
às vítimas, como furtos, estelionato, contrabando ou tráfico de entorpecentes, entre outros.
O número total de ocorrências foi de 2.430.506 o que representa 6,7% em relação à
população do estado.
O número de ocorrências policiais potencialmente traumatizantes representa 3,5%
em relação à população, mas devemos considerar que uma ocorrência policial pode
envolver muitas vítimas. Um roubo a uma residência, por exemplo, gera um único boletim
de ocorrência, mas uma família inteira pode ter sido vitimizada. O mesmo ocorre em
assaltos a estabelecimentos comerciais e bancos, em que muitos funcionários e clientes
sofrem ou testemunham situações de violência. Após o ano de 1999, houve uma
modificação na forma de classificação dos crimes, por parte da Secretaria de Segurança
Pública, distribuindo-os em grandes categorias, como Crimes contra o Patrimônio ou
Crimes contra a Pessoa, o que inviabilizou um levantamento mais atualizado, uma vez que
um crime cujo objetivo é o patrimônio muitas vezes também atinge pessoas.
Muitas das pessoas que viveram as situações de violência em São Paulo podem ter
apresentado seqüelas psicológicas, e entre elas, o desenvolvimento do quadro
de
Transtorno de Estresse pós-Traumático como decorrência do trauma sofrido por um ato
violento.
Como vários dos fatores ambientais potencialmente traumáticos estão associados a
condições sociais, econômicas e políticas do país (SCHESTATSKY et al., 2003), pode-se
ter uma idéia do potencial traumatogênico de um país com as desigualdades econômicas,
sociais e culturais como o Brasil que produzem e, de certa forma, reproduzem a violência,
como afirmam Migliavacca e Vieira (2002, p. 237):
Em um contexto mais amplo, não podemos deixar de lembrar que
estamos sendo vítimas sociais de uma violência que nos atinge a todos,
direta ou indiretamente e que, em função disso, a nossa cultura é
geradora e multiplicadora de indivíduos fragmentados, semimortos e de
vítimas da identificação com os agressores: algozes sádicos.
Rodrigues (Informação verbal)1, psiquiatra argentina, confirma essa afirmação ao
mencionar que pesquisas norte-americanas indicam que cerca de vinte e cinco por cento das
pessoas que foram sexualmente abusadas na infância, tornam-se abusadores de crianças
quando atingem a idade adulta. Da mesma forma, sabe-se que os criminosos em série foram
vítimas de algum tipo de maltrato físico em sua infância (LAMPRECHT; SACK, 2002).
Este ambiente contaminado por “identificação radioativa”, no qual ocorre a
produção e reprodução da violência teria potencialmente a capacidade de provocar uma
experiência traumática nos indivíduos, podendo ser definido como um verdadeiro ambiente
disruptivo (BENYAKAR, 2003).
Por experiência traumática entende-se a resultante da interação entre um evento
factual, da realidade externa, onde ocorre algum tipo de risco à vida do indivíduo, com uma
vivência interna, da realidade psíquica, quando o indivíduo é incapaz de assimilar essa
experiência e elaborá-la de forma normal.
Embora a
experiência traumática também possa surgir de eventos de origem
natural, tais como erupções vulcânicas, furacões, inundações, e de situações acidentais,
como acidentes de trabalho e de trânsito, Cia (2001) mostra estudos onde foi constatado
que a violência de origem humana é mais prejudicial, do ponto de vista psíquico, que a de
origem natural ou acidental.
A
principal
conseqüência
psicológica
da
experiência
traumática
é
o
desenvolvimento do quadro psicopatológico do Transtorno de Estresse pós-Traumático
(TEPT) ou, como utilizaremos neste trabalho, PTSD, abreviação da denominação inglesa
Post Traumatic Stress Disorder2 (CIA, 2001).
Uma pesquisa realizada nos EUA constatou que 20% das pessoas que foram vítimas
de algum tipo de violência desenvolveram sintomas do PTSD (BREWIN; ANDREWS;
ROSE, 2003). Aplicando essa proporção aos dados do SEADE, chegamos à impressionante
conclusão de que, só no Estado de São Paulo, mais de 250 mil pessoas teriam desenvolvido
.
1 Informação transmitida no curso Transtornos Dissociativos. São Paulo, 08.11.2003
2 Apesar da existência da abreviação em português TEPT, será utilizada neste trabalho a abreviação em inglês PTSD por ser a adotada pelos autores, inclusive os
brasileiros, como Roso (1998).
esta patologia no ano de mil novecentos e noventa e nove. Ainda há de se ressaltar que este
número é projetado a partir de dados oficiais. Pela experiência, sabemos que o número real
pode ser muito maior, pelo fato de que muitas vítimas não fazem boletim de ocorrência
policial, por diversos motivos, dos quais pode-se destacar o constrangimento muitas vezes
causado pela polícia, o pequeno prejuízo material envolvido, ou a própria desconfiança na
eficácia das autoridades.
Apesar da dimensão epidêmica do que o PTSD pode ter, estranhamente, esta
patologia é pouco debatida pelos profissionais de saúde no Brasil, e pouco identificada pela
própria população que desenvolve os sintomas.
1.2- Sobre a escolha do tema
O interesse pelo tema a ser pesquisado (O Transtorno de Estresse pós-Traumático
em bancários vítimas de assalto ou seqüestro), surgiu a partir da experiência com o
atendimento psicoterápico de trabalhadores bancários vítimas de assaltos sofridos em seus
locais de trabalho. Muitos pacientes atendidos apresentavam diversos sintomas do
Transtorno de Estresse pós-Traumático, e vinham com uma demanda específica de “querer
ser como eram”, antes do assalto. Essa demanda, assim como o motivo que a gerou, tornou
necessária uma compreensão maior da relação existente entre a vivência de uma situação
traumática e o sofrimento psíquico posterior a ela.
Além disso, como supervisor do Estágio de Aconselhamento Psicológico na UniFMU, em função de uma parceria iniciada em 1999 entre a universidade e a Secretaria da
Justiça do Estado de São Paulo, foram feitos também o acompanhamento e supervisão dos
atendimentos psicológicos dos usuários do Centro de Referência e Apoio à Vítima
(CRAVI). O Cravi foi um projeto-piloto daquela secretaria criado para prestação de
assistência social, jurídica e psicológica, baseado em um modelo utilizado nos EUA, na
cidade de Boston. Nos atendimentos supervisionados freqüentemente os pacientes
apresentavam transtornos psicológicos após terem sofrido assaltos, seqüestros ou a perda
de alguém próximo, por assassinato. O atendimento nesse Centro de Referência também
instigou estagiários e supervisores a conhecer melhor esses transtornos.
Confirmando as pesquisas bibliográficas, foi verificado que a violência pode trazer
conseqüências psicológicas para suas vítimas e, uma das conseqüências comuns é o
desenvolvimento do quadro chamado de Transtorno de Estresse pós-Traumático (PTSD),
uma designação recentemente adotada pela Classificação Internacional das Doenças- CID10 (COOPER, 1997).
Essa síndrome foi descrita com esta denominação pela primeira vez na terceira
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Psiquiátrica Americana (APA),
o DSM-III, em 1980. Inicialmente destinava-se ao estudo e diagnóstico dos combatentes da
Guerra do Vietnã, que apresentavam diversas dificuldades emocionais após o fim da guerra.
Os mesmos sintomas foram identificados posteriormente na população civil, em pessoas
que passavam pela experiência de situações traumáticas, tanto as de origem natural, como
terremotos, , furacões, inundações e erupções vulcânicas, como por situações provocadas
pelo homem, como assaltos, estupros, acidentes automobilísticos e outros (ROSO, 1998).
O grande avanço da inclusão deste diagnóstico é o reconhecimento de que a
exposição a situações estressoras (ameaçadoras) severas pode produzir patologias que
persistem mesmo quando a situação termina (DAVIDSON, 2002).
A existência deste diagnóstico mostrou-se útil também tanto no campo pericial, no
sentido de fundamentação de demandas judiciais de indenizações, quanto na clínica, pois
permite a organização de um quadro clínico sobre a base de um determinante etiológico
específico, possibilitando o desenvolvimento de uma série de estratégias de intervenção
(AMOR; PEREZ; GANCEDO, 2001).
Embora alguns autores considerem este quadro como uma “neurose de
compensação”, porque freqüentemente envolve litígios jurídicos de compensação
financeira pelo trauma sofrido, Bryant e Harvey (2003) não encontraram diferenças entre os
sintomas de vítimas de acidentes de trânsito que entraram com pedidos de compensação
financeira, daqueles que não apresentaram esta demanda jurídica.
Para um profissional de saúde, os aspectos legais relacionados ao desenvolvimento
da patologia podem ser secundários, se for adotada a posição de Emsley, Seedat e Stein
(2003, p. 140): “Como médicos, nós acreditamos que o PTSD é uma doença e que é nosso
papel tentar ajudar aqueles que sofrem dela”.
Apesar da inclusão desse diagnóstico ser recente, a experiência traumática sempre
esteve presente na história da humanidade. “O homem é, assim, um ser da catástrofe...” diz
Berlink(1998, http://www.geocities.com /HotSprings/Villa /3170/RLPF Mar99 .htm), e é
da capacidade criativa para sua superação, que desde a era glacial, vem garantindo a
sobrevivência da espécie. O homem sempre teve que enfrentar as forças da natureza ou
inimigos mais poderosos, e nem sempre levou vantagem sobre eles, tendo sua vida
constantemente ameaçada. Podemos imaginar que estas lutas, inevitáveis à sobrevivência,
possam, desde os tempos mais remotos, ter deixado marcas na mente do homem primitivo.
Os primeiros registros dessas marcas são citados por Cia (2001), sobre evidências de
Transtorno de Estresse pós-Traumático em soldados no século seis a.C. Cazabat (2001) cita
também registros de sofrimento psicológico após batalhas presentes na Bíblia, no Talmud, e
em clássicos da antiguidade, como a Ilíada.
O estudo do trauma sempre esteve presente na história de psicologia e, em especial,
da psicanálise (VIEIRA E VIEIRA NETO, 1998). As reações sintomáticas após uma
situação traumática passaram a constituir uma categoria diagnóstica a partir de 1836,
quando era conhecida como “Doença dos Trens”, por se desenvolverem geralmente após
acidentes ferroviários, chegando a ser consideradas como resultantes de um deslocamento
do cérebro no momento da colisão (MARLOWE, 2000). Daquela época até hoje, o quadro
resultante de situações traumáticas é estudado por mais de cem anos (McKEEVER; HUFF,
2003), e passou por várias denominações diferentes, entre elas: “Fadiga de Batalha”,
“Síndrome do Obus”, “Neurose de Guerra”, “Neurose de Guerra em Tempos de Paz”,
“Síndrome de DaCosta”, “Choque pós-Guerra”, “Síndrome de Abuso Infantil”, “Neurose
Traumática, Síndrome de Campos de Concentração”, “Síndrome de Sobrevivência”,
“Síndrome do Trauma do Estupro”, “Síndrome de Estocolmo” (AMOR; PEREZ;
GANCEDO, 2001). Provavelmente, a maioria dos soldados combatentes na segunda
Guerra Mundial, diagnosticados com “Fadiga Operacional” , como era nomeado na época,
apresentavam critérios diagnósticos para PTSD, (ORR et al., 2000).
É interessante salientar que essas modificações das denominações acompanharam
diversos momentos históricos, dependendo de quem era o agressor ou a vítima principais.
Cazabat (2003) localiza historicamente algumas dessas denominações: No início do
século, com a preocupação com os prejuízos emocionais decorrentes de situações de abuso
sexual infantil, principalmente nos EUA, o quadro passou a ser denominado como
“Síndrome do Abuso Infantil”. Durante a Primeira Guerra Mundial, o surgimento de
sintomas era mais freqüente nos soldados em combate, advindo daí as diversas alusões à
guerra nos nomes da patologia. Até mesmo Sigmund Freud3 (1919a/1995, Edição
Eletrônica) utiliza os termos “Neurose de Guerra” e “Neuroses de Guerra em Tempo de
Paz”, para designar este quadro. Após o conhecimento das atrocidades nazistas em relação
aos judeus, no final da Segunda Guerra Mundial, surgiu o nome de “Síndrome dos Campos
de Concentração” para descrever os sintomas desenvolvidos pelos sobreviventes. Com o
advento do movimento feminista e das denúncias de ataques de ordem sexual, o quadro
passou a ser chamado de “Síndrome do Trauma de Estupro”. A designação de “Síndrome
de Estocolmo” surgiu após um assalto à banco ocorrido naquela cidade, em 1973, quando
funcionários do banco e clientes foram tomados como reféns pelos assaltantes e
apresentaram diversas alterações psicológicas, inclusive do estabelecimento de laços
afetivos com os agressores. Todas essas denominações foram substituídas pela atual, de
Transtorno de Estresse pós-Traumático.
O trauma e suas conseqüências atravessam horizontalmente e verticalmente a
sociedade. Encontramos situações traumáticas em todas as sociedades e países, e vão desde
a situação de veteranos de guerra, de vítimas de tortura, de seqüestros, situações onde
pessoas são tomadas como reféns, até as mais íntimas situações de violência doméstica,
contra a mulher e contra crianças e bebês (CAZABAT, 2001).
Apesar das situações traumáticas estarem presentes na história da humanidade, o
estudo do trauma parece sempre ser colocado em segundo plano, sofrendo de uma espécie
de “amnésia” (SCHESTATSKY et al. 2003) até que algum desastre, de impacto local ou
mundial, traga novamente à tona a discussão. Isso ocorreu após o atentado às Torres
Gêmeas, em 11 de setembro de 20014.
Na realidade brasileira, os profissionais de saúde não podem mais negar o contexto
social, numa posição de avestruz, que enfia a cabeça na terra em situações de perigo. Em
nossa sociedade, onde a violência está tão difundida e impregnante, o “psicanalista não
pode mais trabalhar distraidamente e ignorar o impacto da violência social que o rodeia.
Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995.
motivo pela qual a numeração das páginas não é indicada, sendo utilizada a expressão Edição Eletrônica.
3 A obra de Freud utilizada neste trabalho foi a Edição Eletrônica das
Windows 98. 1 CD-ROM,
4 Alusão ao atentado terrorista que ocorreu em 11 de setembro de 2001, quando aviões de passageiros foram seqüestrados e lançados contra os edifícios conhecidos pelo
nome “Torres Gêmeas”, em Nova York, EUA, causando a morte de mais de cinco mil pessoas.
[...] se o espaço psicanalítico permite a introdução do contexto social violento,isso concede
ao indivíduo a oportunidade de revitalizar-se, de viver ao invés de sobreviver” (GAMBER,
2000. p. 515). Para essa autora, é necessário repensar a teoria psicanalítica de uma forma
que leve ao compromisso e não à negação da realidade. A negação da realidade em que o
homem está inserido é um sintoma traumático (LOPEZ-IBOR, 2003)
Little (1995 citado por BENYAKAR, 2003) descreve um episódio ocorrido na
Sociedade Britânica de Psicanálise, durante a guerra. Em meio à reunião, iniciou-se um
violento bombardeio nazista em Londres. No meio do debate, Donald Winnicott ficou em
pé e disse: “Eu gostaria de assinalar que estão bombardeando”. Ninguém lhe prestou
atenção e a reunião continuou como se nada tivesse acontecido (p. [21]). Para Benyakar
(2003), essa postura põe em risco a própria razão de ser do profissional de saúde mental,
em nossos dias: “ajudar a preservar a subjetividade do homem em um mundo cada vez mais
ameaçador” (p. [21]).
Corrêa (2000) comenta as discussões desenvolvidas no Colóquio em homenagem a
N. Abraham e M. Torok , realizado em Paris, em Janeiro de 2000. Neste colóquio, foi
levantada a dificuldade dos analistas europeus em reconhecer o caráter traumático real do
holocausto. Para aqueles analistas, a capacidade traumatogênica do holocausto estaria
baseada na hipótese de que o holocausto seria uma reedição de alguma situação traumática
já conhecida no nível intrapsíquico (p. 12). Abraham e Torok, os homenageados do
Colóquio, refutaram esta concepção, salientando em seus trabalhos “ a importância do
traumatismo vivido, assinalando que sua realidade poderia superar a mais terrível das
fantasias” (p. 15). Talvez essa seja a capacidade mais patogênica de uma situação
traumática – a de provocar uma irrupção brusca do mundo externo no mundo interno
(BENYAKAR, 2003, p. 42). O trauma afeta não só o indivíduo, mas também aqueles que o
rodeiam e a própria sociedade.
A resposta do indivíduo exposto ao trauma afeta a todos os membros da
família, especialmente às crianças. O trauma é uma experiência tão
intensa, de tal modo potente, que os indivíduos que o vivenciam passam
a encarar de modo distinto o mundo e suas vivências posteriores serão
modeladas pela experiência traumática prévia (YEHUDA, 2002.
www.ufrgs.br/psiq/celg html).
Uma experiência potencialmente traumática comum no Brasil é a situação de
assalto, e entre os assaltos, o assalto que é cometido contra as instituições bancárias. Dado o
grande número de assaltos a bancos que ocorrem no Brasil, em que funcionários e clientes
são agredidos, e gerentes de agências são constantemente seqüestrados, inclusive com suas
famílias, para facilitar o ingresso nas agências, o trabalho bancário pode ser considerado
um fator de risco de desenvolvimento do PTSD para aqueles trabalhadores que vivem
situações de assalto ou seqüestro.
Trabalhadores das profissões conhecidas como de médio ou alto risco, como policiais, bombeiros e empregados bancários são freqüentemente confrontados
com incidentes críticos, como atos de violência, assaltos, desastres e confrontação com pessoas feridas ou mortas (VAN DER PLOEG; DORRESTEIJN; KLEBER,
2003).
O perigo não está presente apenas no local de trabalho. “Passa a ser comum que os
bancários sejam abordados e se tornem reféns no caminho para o trabalho ou, até, em suas
próprias casas, de forma que a insegurança é levada a todos os lugares , família, pessoas do
convívio cotidiano”, afirma Campos (1998).
Sato (1988, p. 121) menciona que o trabalho bancário está “extremamente
relacionado com o desgaste da saúde, quer por existir riscos de acidentes de trabalho, quer
por existir risco de assalto a bancos”. A partir de seu trabalho no DIENSAT (Departamento
Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde nos Ambientes de Trabalho), ela informa que
“vários trabalhadores (de bancos) procuravam o atendimento médico por crises após
assalto” (p. 121).
Estes dados trazem os seguintes questionamentos: O bancário, ao viver a situação de
assalto ou seqüestro desenvolve os sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático?
Quais sintomas são mais comuns? Estes sintomas persistem por muito tempo? Quando os
funcionários assaltados continuam a trabalhar na mesma instituição, na mesma agência,
este fator interfere na cronificação ou na superação dos sintomas? Estes funcionários
alteram sua produção funcional, sua perspectiva profissional e o relacionamento com
colegas e com a própria instituição?
1.3- O Transtorno de Estresse pós-Traumático
Como citado anteriormente, a denominação de Transtorno de Estresse pósTraumático é recente, instituída em 1980. Foi a nova designação do quadro conhecido
anteriormente como Neurose Traumática, como aparecia até a CID-9, e substituiu diversas
denominações anteriores que descreviam parcialmente os sintomas.
Neste trabalho, foi feita a opção pela designação constante da CID-10 (COOPER,
1997), de Transtorno de Estresse pós-Traumático, inclusive pelas implicações jurídicas
relacionadas ao desenvolvimento dessa patologia como um acidente de trabalho, quando a
situação traumática do assalto ocorre no local de trabalho, ou no percurso do funcionário
entre sua residência e o trabalho.
Pelo mesmo motivo, a descrição do quadro e dos critérios diagnósticos será baseada
na Classificação Internacional das Doenças – CID-10 (COOPER, 1997) e no Manual
Diagnóstico
e
PSYCHIATRIC
Estatístico
de
ASSOCIATION,
Transtornos
1995),
Mentais–DSM-IV
por
serem
(APA-AMERICAN
instrumentos
reconhecidos
internacionalmente, e que permitem o diagnóstico a partir de critérios de exclusão de
sintomas, quando mais de um diagnóstico é possível (SLADE; ANDREWS, 2002).
Assim, será utilizada para a categoria nosográfica a abreviação PTSD, e convém
esclarecer também que ficará reservado o termo “ansiedade” para o processo psíquico
provocado por situações onde surge a necessidade de preparação para o enfrentamento de
um perigo, conforme conceituado por Sigmund Freud (1917c/1995, Edição Eletrônica).
A Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (COOPER, 1997, pág. 160),
em seu décimo volume, descreve o Transtorno de Estresse pós-Traumático da seguinte
forma:
Surge como uma resposta tardia ou protraída a um evento ou situação
estressante
(de
curta
ou
longa
duração),
de
uma
natureza
excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual provavelmente
causa
angustia
invasiva
em quase todas as pessoas. Fatores
predisponentes, tais como traços de personalidade (por exemplo,
compulsivos, astênicos) ou história prévia de doença neurótica, podem
baixar o limiar para o desenvolvimento da síndrome ou agravar seu
curso, mas não são necessários nem suficientes para explicar sua
ocorrência”. (grifo nosso)
Esta descrição sugere que qualquer pessoa está sujeita ao desenvolvimento deste
quadro. Uma vez que fatores predisponentes da personalidade não são necessários, a ênfase
para a compreensão da etiologia recai sobre o evento estressante. Neste aspecto,
encontramos uma circularidade conceitual: desenvolvem os sintomas aqueles indivíduos
que passam por uma situação que “provavelmente causa angústia invasiva em quase todas
as pessoas” (COOPER, 1997, p.160).
Quais seriam as situações são essas que podem ser consideradas traumáticas? Pela
experiência, é reconhecido
que
algumas pessoas
passam por situações terríveis e
sobrevivem sem grandes conseqüências psicológicas, ao passo que, para outras pessoas, um
pequeno susto pode tornar-se traumático. Como localizar o ponto de corte entre um fato,
um evento desagradável da realidade externa e uma situação traumática? Quais seriam os
elementos da realidade que poderiam estar potencialmente desenvolvendo o PTSD?
Vieira Lança uma luz sobre essa questão ao estabelecer ao trazer para ao focalizar
no aspecto econômico do aparelho psíquico (Vieira, 2001, p.4):
O mais desconcertante em um primeiro contato com o tema é a
imprecisão, a névoa que encobre o que é considerado traumático. Ora
emerge como algo que se define pela surpresa, pelo inesperado, como um
choque súbito para o qual o indivíduo não construiu um aparato protetor,
ora pela intensidade do choque que suplanta o aparato protetor, como
frustrações importantes, ora como uma somatória de eventos que se
constituem como traumáticos por seu valor cumulativo. O que parece
estar em jogo é uma relação entre aparato protetor e intensidade, que
mantém atrelado o trauma ao seu aspecto econômico.
Essas dificuldades de limitação da definição, podem estar associadas ao próprio
conceito de trauma. Uma experiência só pode ser considerada traumática a partir dos efeitos
que ela produz na pessoa que viveu a experiência. Assim, o trauma só pode ser identificado
retrospectivamente (FURST, 1967). Benyakar (2003) ilustra este problema com uma
comparação com um traumatismo físico: Uma pessoa ao martelar um prego, bate
acidentalmente em seu dedo, causando uma fratura (um traumatismo). Não se pode
simplesmente propor uma lei geral estabelecendo que martelar pregos causa traumatismos.
O traumatismo será conseqüência de uma relação em que, se por um lado, a presença do
martelo é indispensável, por outro, será preciso levar em consideração a intensidade da
martelada e a constituição física do indivíduo que sofre o acidente. Sendo assim, a situação
que “causa angústia invasiva na maioria das pessoas” torna-se demasiadamente vaga para
descrever o surgimento do quadro em um indivíduo em particular.
Benyakar (2003) sustenta a idéia de que o caráter traumático de um acontecimento
depende da relação entre três conceitos: Evento Factual, Vivência e Experiência.
Por evento factual pode-se pensar no fato em si, vindo da realidade e independente
do pensamento ou desejo do indivíduo, aquilo que costumeiramente é chamado de mundo
externo ou realidade. Já o conceito de Vivência remete exclusivamente ao que é conhecido
como de mundo interno. A Experiência, por sua vez, seria o resultado da articulação entre
os conceitos anteriores, do Evento Factual e da Vivência. Aqui se daria o caráter traumático
a um acontecimento. Dessa forma, uma experiência traumática ocorreria quando um evento
factual específico apresenta-se com intensidade capaz de romper a articulação entre afeto e
representação, conservando-se no psiquismo como um fato não elaborado ou elaborável
(BENYAKAR, 2003, p. 37).
Embora muitos eventos factuais podem ter conseqüências traumáticas, alguns
acontecimentos da realidade podem ter uma maior capacidade traumática, se tiver as
seguintes qualidades:
a) Ser inesperado
b) Causar a interrupção de um processo normal.
c) Prejudicar o sentimento de confiança no outros.
d) Conter traços estranhos, não codificáveis ou interpretáveis.
e) Ameaçar a integridade física própria ou de pessoas significativas.
f) Distorcer ou destruir o lar.
Lafont (1998, p.18) contesta essa concepção defendendo a idéia de que, embora seja evidente que a carga traumática
tende a aumentar com a magnitude da situação, isto é, com a intensidade da ameaça, sua proximidade e o fator surpresa presentes,
“não existe acontecimento traumático absoluto”.
O desenvolvimento do PTSD não ocorreria, portanto, como se fosse um arco reflexo (UCHITEL, 2001), pois não se trata
de uma reação automática e inevitável a uma situação na qual está presente alguma ameaça à vida.
Por outro lado, a especificidade dos sintomas, a ansiedade e a excitação presentes neste quadro psicopatológico não
permitem a aceitação de que a vivência de uma situação traumática trouxe à tona uma neurose pré-existente, como alguns autores
defendem (PORTIELES, 2002).
Freud (1925/1995, Edição Eletrônica), descrevia que, para que um acontecimento
tenha o caráter traumático, é preciso que o elemento de perigo esteja presente. Ao discutir o
motivo da presença da ansiedade em uma situação de perigo, ele define o que significa a
própria situação de perigo:
Claramente, ela consiste na estimativa do paciente quanto à sua própria
força em comparação com a magnitude do perigo e no seu
relacionamento de desamparo em face desse perigo — desamparo físico
se o perigo for real e desamparo psíquico se for instintual. Ao proceder
assim o indivíduo será orientado pelas experiências reais que tiver tido.
(Quer ele esteja certo ou errado em sua estimativa não importa quanto ao
resultado.) Denominemos uma situação de desamparo dessa espécie, que
ele realmente tenha experimentado, de situação traumática. Teremos
então bons motivos para distinguir uma situação traumática de uma
situação de perigo.
Além da presença de uma ameaça superior à força da pessoa ameaçada, para Freud
(1893b/1995, Edição Eletrônica), a possibilidade de um acontecimento ter um caráter
traumático inclui também a capacidade do aparelho psíquico em descarregar ou associar a
carga de afeto investida neste acontecimento:
Todo evento, toda impressão psíquica é revestida de uma determinada
carga de afeto (Affektbetrag) da qual o ego se desfaz, seja por meio de
uma reação motora, seja pela atividade psíquica associativa. Se a pessoa
é incapaz de eliminar esse afeto excedente ou se mostra relutante em
fazê-lo, a lembrança da impressão passa a ter a importância de um
trauma[...] (FREUD, 1893b/1995, Edição Eletrônica)
Vieira (2001, p. 237), complementa essa idéia a partir de uma visão da economia psíquica. Para essa autora, a partir de
uma fonte ambiental de estimulação para o aparelho psíquico, há uma frágil fronteira entre uma situação ter conseqüência
traumática ou possibilitar o crescimento do indivíduo. Essa fronteira, que a autora chama de ponto de mutação, ocorre pela relação
econômica entre a estimulação e o trabalho do aparelho psíquico frente a ela:
Consideramos que seja indispensável manter a referência
quantitativa. Algo só é traumático pelo seu quantum. Dentro de um certo
espectro, o efeito traumático dependerá da forma como o aparelho
psíquico trabalhar com o fator quantitativo. Se o excedente de
estimulação for de tal magnitude que possa induzir a uma maior
complexidade das relações no aparelho psíquico, entre suas instâncias,
com o corpo e com o ambiente, não teremos um efeito traumático, mas
um desenvolvimento, uma progressão. Se, por outro lado, o excedente de
estimulação induzir a uma menor complexidade nas interações das
estruturas, a rupturas de conexões e a obstrução ou eliminação de funções
organizadoras, teremos um estancamento do desenvolvimento ou uma
regressão e nisto consistiria o efeito traumático.
Talvez a melhor forma de pensarmos a relação entre a situação potencialmente traumática e o indivíduo que a vive seja o
modelo proposto por Freud (1917b/1995, Edição Eletrônica), de séries complementares. Em sua conferência XXIII da obra
“Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” (1917b/1995, Edição Eletrônica), ele mostra, na forma de um diagrama, como a
psiconeurose depende de uma complementariedade dos fatores constitucionais com uma experiência circunstancial. A disposição da
libido, fixada a partir das experiências infantis proporcionaria o elemento constitucional, enquanto que a frustração da satisfação
libidinal, elemento circunstancial proporcionado pela realidade. Apenas um dos fatores não seria suficiente para o desenvolvimento
da neurose, e, na medida em que um dos fatores torna-se mais forte, é necessária uma quantidade menor do outro fator para atingir o
mesmo resultado.
Como seria a série complementar na neurose traumática? A situação traumática fornece o elemento circunstancial,
advindo da realidade na forma de uma ameaça à vida. Quais seriam os elementos constitucionais?
Abordando essa questão pelo aspecto filogenético, Freud levanta uma hipótese em seu trabalho “Neuroses de
Transferência- Uma síntese”, (1915/1987, p. 75) que, após os perigos da era glacial, a humanidade tornou-se angustiada, e o mundo,
anteriormente fonte de prazer, passou a ser um mundo ameaçador. A angústia real causada pelas ameaças do mundo fica acrescida
da libido insatisfeita, amplificando a situação ameaçadora.. No mesmo trabalho, Freud explica como esse processo ocorre nas
crianças: “o excesso relativo de libido”, insatisfeita, “transformar-se-ia em angústia real, diante de algo estranho, (assim) como
também tende em geral (a criança) a angustiar-se diante de qualquer coisa nova” (p. 75). Essa hipótese explicaria os dois elementos
da série complementar do PTSD.
Teríamos então, o seguinte diagrama:
Libido Insatisfeita (Fator endógeno) + Situação de ameaça à vida (Fator exógeno) = Transtorno de Estresse pósTraumático.
Ferenczi (1919, p. 26) também pensa de mesma forma, mas localizando o excesso da libido no ego, criando uma estase da
libido narcísica. Assim:
Um indivíduo que desde a origem apresenta uma tendência narcísica
desenvolverá mais facilmente uma Neurose Traumática; mas ninguém
lhe está inteiramente imune, na medida em que o estágio narcísico é um
ponto de fixação importante do desenvolvimento libidinal de todo ser
humano.
A esse elemento narcísico, Mingote et al., (2001) acrescentam a ausência de recursos de suporte social, como família,
amigos e intervenção profissional profilática. Para esses autores, a série complementar teria esse aspecto:
Situação Estressora + Vulnerabilidades pessoais
----------------------------------------------------------------Recursos de proteção + Autoestima + Suporte social
Incidência de PTSD =
A resposta a essa pergunta ainda não está devidamente respondida, e segue sendo discutida (SCHESTATSKY et al. 2003,
MCKEEVER; HUFF, 2003), embora alguns elementos já tenham sido reconhecidos.
A partir de pesquisas estatísticas com indivíduos que desenvolveram o PTSD, foram
identificados fatores que favorecem o surgimento da patologia. Cia (2001) elenca alguns
destes fatores: Depressão ou ansiedade pré-existentes, exposição anterior a outras situações
traumáticas, separação ou morte precoce dos pais, histórico de abusos físicos, e inclusive
adversidades da vida adulta, como dívidas, enfermidade física no momento do trauma e
divórcio recente. Ozer et al. (2003) acrescentam a estes a existência de graves
psicopatologias em membros da família do indivíduo.
Outro fator estatisticamente pesquisado que facilitaria o desenvolvimento do PTSD é a atitude mental durante a situação
traumática. Em mulheres vítimas de violência sexual e não sexual, Valentiner et al. (1996), verificaram que aquelas mulheres que, de
alguma forma resistiram mentalmente ao ataque, mesmo que tivessem um comportamento passivo, não desenvolviam os sintomas.
Ao contrário, as pessoas que se abandonaram à situação, com um sentimento de ser um “objeto” nas mãos dos agressores,
desenvolveram mais sintomas. Podemos pensar neste processo a partir do que Kehl (2000, p. 138), afirma, quando comenta que “é a
condição de completa passividade do sujeito (que no caso nem deveria ser chamado de ‘sujeito’), diante de um acontecimento, que o
torna irrepresentável para este sujeito”. Aquilo que está fora do alcance da representação é a catástrofe, como ela diz, ou trauma.
Da mesma forma, estabelecer um plano de ação que possa transformar a passividade em atividade (VALENTINER et al.,
1996) e compreender o sentido da agressão (EHLERS; MAERCKER; BOOS, 2000) parecem reduzir o risco de PTSD. Estes autores
verificaram que, entre os prisioneiros políticos que eram torturados, o índice de desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático era pequeno. Eles atribuem esse baixo índice ao fato de que, além da prisão e possível tortura serem fatores presumíveis
para essas pessoas, o comprometimento com a causa política defendida possa ser o elemento protetor da saúde mental do indivíduo
nessa situação. Assim, para essas pessoas, há um sentido, mesmo que hediondo, na tortura sofrida. Na população civil submetida a
atos violentos, é comum a busca desse sentido. Para a pergunta feita constantemente por vítimas de algum tipo de violência: “Porque
foi acontecer logo comigo?”, não há respostas.
Mas, deixemos momentaneamente as considerações etiológicas para nos aproximarmos das manifestações sintomáticas
do PTSD.
Segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID), os principais sintomas do Transtorno de Estresse pósTraumático (COOPER,1997) são:
Aspectos típicos incluem episódios de repetidas revivescências do
trauma sob a forma de memórias intrusas (“flashbacks”), sonhos
ou pesadelos; ocorrendo contra o fundo persistente de uma
sensação
de
entorpecimento
e
embotamento
emocional,
afastamento de outras pessoas, falta de responsividade ao
ambiente, anedonia, e evitação de atividades e situações
recordativas
do
trauma.
Há
usualmente
um
estado
de
hiperexcitação autonômica com hipervigilância, uma reação de
susto aumentada e insônia. Ansiedade e depressão estão
comumente associados aos sintomas e sinais acima e ideação
suicida não é infreqüente” (p. 160-1).
Estes sintomas nos fazem pensar sobre o sofrimento, a restrição da
liberdade pessoal, amorosa e social, que esta doença produz. No caso de
pessoas traumatizadas em seu ambiente de trabalho, possivelmente a evitação
dos estímulos que estejam associados ao trauma sejam inviabilizadas, o que
pode produzir aumento na ansiedade.
Para melhor visualização, os sintomas característicos do PTSD serão
apresentados na forma de um quadro, (Quadro 1):
Quadro 1 – Sintomas e critérios diagnósticos para o transtorno de Estresse pósTraumático5 :
Critérios Diagnósticos para F43.1 - 309.81 Transtorno de Estresse
Pós-Traumático
A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos
estiveram presentes:
(1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais
eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou
uma ameaça à integridade física, própria ou de outros;
(2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror.
Nota: Em crianças, isto pode ser expressado por um comportamento
desorganizado ou agitado
B. O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou
mais) das seguintes maneiras:
(1) recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo
imagens, pensamentos ou percepções.
Nota: Em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com
5 Reproduzido do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais-DSM_IV (APA, 1995, Edição Eletrônica)
expressão de temas ou aspectos do trauma;
(2) sonhos aflitivos e recorrentes com o evento.
Nota: Em crianças podem ocorrer sonhos amedrontadores sem um
conteúdo identificável;
(3) agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo
novamente (inclui um sentimento de revivência da experiência, ilusões,
alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive aqueles que
ocorrem ao despertar ou quando intoxicado).
Nota: Em crianças pequenas pode ocorrer reencenação específica do
trauma;
(4) sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios
internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento
traumático;
(5) reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos
que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático.
C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e
entorpecimento da responsividade geral (não presente antes do
trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas
associadas com o trauma;
(2) esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem
recordações do trauma;
(3) incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma;
(4) redução acentuada do interesse ou da participação em atividades
significativas;
(5) sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras
pessoas;
(6) faixa de afeto restrita (por ex., incapacidade de ter sentimentos de
carinho);
(7) sentimento de um futuro abreviado (por ex., não espera ter uma
carreira profissional, casamento, filhos ou um período normal de vida).
D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (não presentes
antes do trauma), indicados por dois (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) dificuldade em conciliar ou manter o sono
(2) irritabilidade ou surtos de raiva
(3) dificuldade em concentrar-se
(4) hipervigilância
(5) resposta de sobressalto exagerada.
E. A duração da perturbação (sintomas dos Critérios B, C e D) é
superior a 1 mês.
F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou
prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
Especificar se:
Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a 3 meses.
Crônico: se a duração dos sintomas é de 3 meses ou mais.
Especificar se:
Com Início Tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos 6 meses
após o estressor.
Em relação ao período do surgimento dos sintomas mencionados no quadro, a CID10 (COOPER, 1997) esclarece que pode variar de algumas semanas a meses após o evento
traumático. Este dado é confirmado por pesquisas com sobreviventes de incêndios, em que
Perry et al. (2003) encontraram uma incidência de 35% das pessoas da amostra investigada,
que desenvolveram PTSD, dois meses após a ocorrência do incêndio. A mesma população,
avaliada seis meses depois, apresentava índices de 40%. Este número subiu para 45.2%
após um ano. Em outra pesquisa, realizada com membros das forças armadas da Espanha
expostos a atentados terroristas, Amor, Perez e Gancedo (2001), encontraram um período
médio de latência entre a situação traumática e o surgimento do quadro de quatro meses e
meio, variando entre um desenvolvimento imediato, até quarenta e dois meses após a
ocorrência.
A CID (COOPER, 1997, p. 161) alerta ainda que: “Em uma pequena proporção dos
casos, o transtorno pode apresentar um curso crônico por muitos anos e uma transição para
uma alteração permanente da personalidade”.
O período após o qual o PTSD é considerado crônico é a partir de três meses, um
período mais curto que outras desordens psiquiátricas (CARLIER, VOERMAN;
GERSONS, 2000). Este aspecto é importante, pois muitos sintomas podem ser
incorporados pelo indivíduo de forma egosintônica. Os aspectos culturais presentes na
sociedade em relação ao medo, à sensação de impunidade atribuída aos criminosos e a
ineficiência das políticas de segurança podem validar alguns sintomas, levando a uma
postura permanente de clausura e evitação, sem que isto seja questionado, nem pelo próprio
indivíduo, nem por seus familiares. Um exemplo dessa validação social, é o caso de uma
paciente, vítima de seqüestro-relâmpago, atendida no consultório que , ao ser informada
sobre o caráter sintomático das alterações que apresentava, argumentou: “Mas não sou eu
que estou doente, o mundo é que é perigoso”.
O tratamento socialmente dado a uma pessoa traumatizada é que seu
sofrimento e as alterações que está apresentando são “normais”, e que
passarão com o tempo. Aqui vemos um equívoco freqüente entre os conceitos
de “normal” e “comum”. Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001,
Edição Eletrônica), o verbete normal significa “o que é segundo a norma,
habitual, natural”. Em saúde este conceito é utilizado com o sentido de
ausência de doença, como uma condição saudável. Já o conceito comum
significa o “pertencente a todos ou muitos, vulgar, trivial” (Idem, op. Cit.).
Portanto, o desenvolvimento de sintomas após uma situação traumática pode
ser encarado como “comum”, mas não podemos considerá-lo “normal”. A
freqüência de um fenômeno não significa sua normalidade, mas apenas sua
previsibilidade (VIEIRA e VIEIRA NETO, 1998). Pelo contrário, o trauma
pode ser considerado um “corpo estranho” ao psiquismo, da mesma forma que
a violência é um corpo estranho à sociedade, algo que impede o curso natural
de um processo (COSTA, 1984/1986, p.16).
Benyakar (2003) discute o impacto de um ambiente violento nos indivíduos. O
ambiente disruptivo provoca uma distorção na compreensão da realidade. “...à medida que
a ameaça é difusa, anônima e impune, cada indivíduo ao lado pode ser um agressor em
potencial, e isso impede que a pessoa se defenda ou prepare-se para um perigo”. (p. 64) Se
a fonte de perigo não pode ser identificada, ela se generaliza, e passa a fazer parte da
cultura. Este autor aponta como uma das principais características do “ambiente disruptivo”
a inversão de sentido das instituições sociais, que tornam-se incapazes de cumprir as
funções para as quais foram criadas, principalmente a de garantir a segurança da população.
Segundo Santo e Silva (2001), quando Hans Selye formulou sua teoria sobre o
Estresse, identificou uma primeira fase, chamada de Reação de Alarme, durante a qual o
organismo reconhece o estressor e começa ativando o sistema neuroendócrino. A função
dessa fase seria de preparação do organismo para uma ação, seja ela de fuga ou luta, mas
que possa garantir a sobrevivência. Essas alterações teriam a função de adaptação do
indivíduo a uma nova realidade. Mas, como é possível se adaptar a um ambiente
disruptivo?
Benyakar (2003, p.66) responde parcialmente a esta questão: “Integradas às cenas
cotidianas, as ameaças deixam de ser reconhecidas como provenientes do mundo externo e
se internalizam. Uma vez incorporadas como parte da própria subjetividade, inundam e
modelam a vida inteira”. Com isto, as respostas adaptativas de alarme levam os indivíduos
a redesenhar sua vida inteira, evitando as situações perigosas. Mas em um ambiente
disruptivo, estamos cercados por novos fatos que atualizam e fortalecem a ameaça.
“Geralmente, os esforços adaptativos, desgastantes e sabidamente inúteis conduzem ao
recolhimento gradual das pessoas em suas próprias casas, ao isolamento social, a condutas
de auto e hetero-agressão ou, inclusive, a novas violências” (BENYAKAR, 2003, p.67).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV
(American Psychiatric Association, 1995, Edição Eletrônica), o quadro de Transtorno de
Estresse pós-Traumático é descrito como:
A característica essencial do Transtorno de Estresse pós-Traumático é o
desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um
extremo estressor traumático, envolvendo a experiência pessoal direta de
um evento real ou ameaçador que envolve morte, sério ferimento ou
outra ameaça à própria integridade física; ter testemunhado um evento
que envolve morte, ferimentos ou ameaça à integridade física de outra
pessoa; ou o conhecimento sobre morte violenta ou inesperada, ferimento
sério ou ameaça de morte ou ferimento experimentados por um membro
da família ou outra pessoa em estreita associação com o indivíduo.
Com esta descrição, o DSM-IV evita a definição circular apresentada na CID-10
(COOPER, 1997), conforme discutido anteriormente, delimitando a natureza da situação
possivelmente traumatizante. De uma forma resumida, o estressor é visto como uma
situação em que ocorre o risco de morte ou ferimento, a si mesmo ou a outros, sem
mencionar a “anormalidade do evento” (SCHESTATSKY et al., 2003). Até mesmo
situações de emergência corporal ou mental, como infarto do miocárdio, parada cardíaca ou
o surgimento de uma esquizofrenia paranóide, por serem situações que apresentam uma
ameaça à vida, podem provocar o aparecimento do PTSD (MINGOTE et al., 2001).
Existem, no entanto, situações potencialmente traumáticas que não envolvem um
risco de morte. Estas situações também podem trazer sofrimento psíquico e
desenvolvimento de sintomas. Por este motivo, alguns autores estabeleceram uma
classificação dos tipos de trauma e suas possíveis conseqüências psicológicas. Para Terr
(1991, citado por CIA, 2001), haveria dois tipos básicos de situação traumática. O trauma
de Tipo I relaciona-se com o tipo de evento estudado neste trabalho. São traumas de
pequena duração, inesperados e eventuais, como geralmente são os assaltos ou seqüestros
com finalidade de assalto a agências bancárias, e que freqüentemente favorecem o
desenvolvimento de PTSD. O trauma de Tipo II seria provocado por eventos de maior
duração, previsíveis e repetidos. Este tipo de trauma favorece o desenvolvimento de
Transtorno Dissociativo (RODRIGUES, 2003).
Para melhor discriminação das diferenças, os tipos de traumas serão apresentados
no Quadro 2 6:
Quadro 2- Tipos de Eventos Potencialmente Traumáticos
TRAUMAS TIPO I
Acontecimentos repentinos, perigosos e angustiantes, pouco freqüentes e de
duração limitada, como desastres de origem natural, acidentes automobilísticos,
assaltos, sequestros-relâmpago, estupros.
Os eventos são recordados em detalhe e criam lembranças bem vivas e
completas.
.
6 Adaptado do livro Trastorno de estrés Postraumático CIA, A. H. Buenos Aires: Imaginador, 2001. p. 57-58).
Geralmente oferecem uma rápida recuperação, mas podem conduzir ao
desenvolvimento de PTSD, com idéias intrusivas, evitação e hiperexcitação.
TRAUMAS TIPO II
Acontecimentos variados, múltiplos, crônicos, de longa duração, são repetitivos
e previsíveis. Geralmente são causados intencionalmente por outras pessoas,
como abuso físico ou sexual contínuo, maus-tratos, tortura, seqüestro
prolongado, assédio moral.
A vítima se sente incapaz de defender-se.
As lembranças são geralmente imprecisas, confusas, isoladas e fragmentadas,
devido à dissociação. Com a repetição da situação traumática, a dissociação
pode se tornar uma forma de tornar a experiência menos dolorosa e angustiante.
Traz alterações na forma da pessoa ver a si mesma e ao mundo, devido aos
sentimentos de vergonha, desvalorização e culpa.
As tentativas de defesa podem envolver, respostas dissociativas, negação e
insensibilidade ou anestesia afetiva, isolamento e consumo de drogas.
Uma diferença importante entre os dois tipos, é que o trauma do Tipo II, embora
extremamente violento e angustiante, geralmente não é acompanhado do medo da morte.
Uma pessoa maltratada ou sexualmente violentada por um conhecido ou familiar, apesar do
horror que está vivenciando, sabe que não será morta pelo agressor.
Nesse sentido, O DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica) ainda descreve como
respostas aos eventos traumáticos necessários para o diagnóstico de PTSD, o surgimento
de “intenso medo, impotência ou horror”, além de uma rememoração persistente da
situação traumática e tentativa de esquiva de estímulos que possam se associar com o
trauma.
Essas lembranças são sentidas como “espontâneas, involuntárias, ao surgirem não
são facilmente interrompidas, parecendo ter ‘vida própria’” (CÂMARA FILHO; SOUGEY,
2001). Na opinião destes autores, as sensações de reviver o acontecimento ou flashbacks
seriam os sintomas mais característicos do PTSD.
Sobre a possibilidade de desenvolvimento de PTSD apenas por testemunhar um fato
violento, em pesquisa realizada em Nova York após os atentados terroristas de 11 de
setembro de 2001, foram encontrados 44% de pessoas com sintomas de PTSD na
população, que assistiu os eventos pela televisão (SCHUSTER et al., 2001).
Ainda no DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica), encontramos o seguinte critério
diagnóstico:
O quadro sintomático completo deve estar presente por mais de um mês e
a perturbação deve causar sofrimento ou prejuízo clinicamente
significativo no funcionamento social, ocupacional ou outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
Embora a maioria das pessoas tenha um restabelecimento sem nenhuma intervenção
profissional, pesquisas com uma amostra de 205 mulheres adultas que sofreram agressões
sexuais e não sexuais, verificaram que mais de um terço da população investigada mantinha
sintomas três meses após o ataque, e que uma parcela substancial poderia desenvolver
graves problemas a menos que uma intervenção efetiva fosse providenciada
(VALENTINER et al., 1996).
Além dos sintomas descritos no DSM-IV (APA, 1995) e na CID-10 (COOPER,
1997), outros trabalhos recentes mostraram a existência de outras conseqüências de
situações traumáticas, que Mingote et al. (2001) designaram como “sintomas secundários”
presentes no PTSD, mas não mencionados no DSM-IV. Estes sintomas podem aparecer
como alterações na percepção do tempo presente e passado, antecipações catastróficas e
premonições em “espiral negativa”. Sobre a dificuldade de localização temporal que as
vítimas de traumas apresentam, Câmara Filho e Sougey (2001, www.scielo.br) mencionam
que,
Mesmo estando o perigo afastado e confinado ao passado, o indivíduo
pós-traumatizado continuamente revive o ocorrido, vivenciando-o como
experiência contemporânea em vez de aceitá-lo como algo pertencente ao
passado. Ele fica incapaz de retomar o curso de sua vida porquanto o
trauma constantemente está a interrompê-la: é como se o tempo parasse
no momento do trauma.
Freud (1917a/1995, Edição Eletrônica) descrevia esta dificuldade em relação ao
passado e ao futuro como “fixação ao trauma”, argumentando que toda neurose inclui uma
fixação em uma fase do passado. “É como se esses pacientes não tivessem findado com a
situação traumática, como se ainda tivessem enfrentando-a como tarefa imediata ainda não
executada”. Isso também descreve um dos sintomas constantes do DSM-IV (APA, 1995), o
sentimento de futuro abreviado. A pessoa traumatizada tem dificuldades em fazer
planejamentos em longo prazo, ou mesmo de manter os planos de vida e trabalho
previamente existentes, gerando constantemente conflitos entre a pessoa traumatizada e sua
família.
Os sentimentos de vergonha e da raiva após situações traumáticas também são
comuns e podem desempenhar um papel importante na manutenção do quadro. Usando
uma amostra de 116 mulheres vítimas de diversos crimes que envolviam algum tipo de
violência, Andrews et al. (2000), concluíram que a vergonha e humilhação (geralmente pela
impotência diante da situação) e da raiva (contra si mesmo e contra outros) impediam um
relaxamento necessário para a elaboração da situação traumática. Também foi encontrada
uma resposta ao trauma na forma de culpa, como ruminações obsessivas por ter sobrevivido
ou na forma de autorecriminações, geralmente pouco realistas, por não ter, de alguma
forma, evitado a situação traumática. As pessoas traumatizadas recriminam-se também por
reações que consideravam pouco adequadas durante a situação traumática (MINGOTE et
al., 2001). O sentimento de culpa estava presente na CID-9 como sintoma constitutivo da
Neurose Traumática, sendo excluído na CID-10 enquanto critério diagnóstico para o
Transtorno de Estresse pós-Traumático.
Podemos relacionar o aparecimento destes sentimentos com o que Shatan (2001)
descreve como dupla ferida: psíquica e social. Um sujeito que é vitimizado por determinada
situação sente-se, mais tarde, atacado pela sociedade mediante atitudes de incompreensão,
censura ou reprovação. Este autor ainda levanta a importância das perdas na formação dos
sintomas. Ele afirma que toda situação traumática envolve uma perda. Pode tratar-se de
uma perda material, da perda da própria dignidade pessoal, perda da confiança em outras
pessoas e na perda das crenças e ideais de toda a vida. Segundo este autor, estas perdas
causam “um estado de congelamento em que parecem ter experimentado uma espécie de
anestesia emocional”. Talvez este fator possa servir de indicativo para a compreensão do
fato de que pesquisas encontram taxas maiores de PTSD quando o evento traumático é
provocado pelo homem, em comparação com as conseqüências de desastres naturais.
Cia (2001) elenca as alterações de crenças após uma situação traumática, conforme
o quadro abaixo (Quadro 3):
Quadro 3: Alterações nas crenças encontradas após uma experiência traumática7:
CRENÇAS PRÉ-TRAUMA
•
CRENÇAS PÓS-TRAUMA
Invulnerabilidade: Isso não pode
acontecer comigo.
• Confiança em si mesmo: Me sinto
bem. Sei que posso conseguir o que
quero.
• Confiança no futuro: Vou ser feliz
no futuro.
• Eu posso.
•
•
Sensação que o mundo tem um
sentido.
• Acreditar que as pessoas obtêm o
que merecem.
• Confiar nas pessoas.
• Sentir que o mundo é um lugar
seguro.
•
Preocupação recorrente: Vai voltar
a acontecer.
Não valho nada, não vou conseguir
o que me proponho.
•
Nunca vou conseguir estar bem.
•
•
Não consigo nada. Não vou poder.
Não importa o que eu faça, não
vou poder controlar nada
Não encontro sentido em nada.
•
O mundo é injusto
•
•
Desconfio de tudo e de todos.
Sinto-me inseguro de todas as
formas.
Outro fator importante que deve ser levado em consideração na relação do indivíduo
traumatizado com seu meio é de que as pessoas reagem defensivamente ao relato de uma
experiência traumática, tendendo a, de alguma forma, culpar a vítima. Para manter uma
falsa sensação de segurança, as pessoas reagem de forma a pensar que “Isso não vai
acontecer comigo, pois sou mais cuidadoso que ele” (BENIAKAR, 2003). Esta postura,
além de culpar uma pessoa que já se sente culpada, é puramente defensiva, e irracional. Em
uma sociedade violenta, todos estão sujeitos a sofrer ações criminosas, por mais que tente
negar isto. Afinal, como dizia Freud (1925/1995, Edição Eletrônica) “O viajante
7 Adaptado de Cia. A. H. Buenos Aires: Imaginador, 2001. p. 62.
surpreendido pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus próprios temores; mas,
apesar de tudo isto, não enxergará mais que um palmo adiante do nariz”.
Indivíduos traumatizados apresentam também uma tendência a apresentar falsas
memórias em quantidade maior que entre indivíduos não traumatizados (ZOELLNER et al.,
2000), respondem de forma mais intensa a estímulos visuais e sonoros (ORR et al., 2000), e
alguns pacientes buscam uma re-exposição compulsiva a novos eventos potencialmente
traumáticos (CÂMARA FILHO; SOUGEY, 2001).
Outras alterações também podem estar presentes. Glina et al. (2001) mencionam o
caso de um motorista de ônibus que, após ter sofrido o último de cinco assaltos à mão
armada, ficou “duas ou três noites sem dormir, com suores intensos e as pernas tremendo”.
No mesmo trabalho é citado o caso de um gerente de banco que, após sofrer um assalto,
passou a apresentar cansaço, “moleza”, mal-estar e palidez. O medo intenso da repetição
da situação fez inclusive com que esta pessoa deixasse crescer a barba e o bigode, como um
“disfarce” para que não fosse reconhecido pelos assaltantes.
Abuso de substância, comportamento violento e prejuízos no relacionamento
interpessoal também são comuns no PTSD, embora não sejam considerados sintomas
formais (CARLIER, 2000).
Embora seja impossível prever as reações humanas diante de qualquer situação, a
partir de estudos estatísticos, Horowitz, Wilner e Alvarez (1979) descrevem cinco fases
características de respostas aos traumas, com um possível estado final de resolução mais ou
menos completo, que pode incluir várias alterações permanentes na estrutura de
personalidade. Tal curso é ainda influenciado pelo tipo de estressor:
1- Fase de choque: A resposta imediata a um evento traumático pode ir desde o alarme
agudo (uma crise de medo) até a incapacidade perplexa de assimilar o significado da
experiência. Ferenczi (1919) comenta este choque inicial da seguinte forma: “os
sintomas neuróticos só se desenvolvem após o desaparecimento do estado passageiro
de confusão mental, quando os sujeitos abalados revivem a lembrança da situação
perigosa” (p. 18). Ele compara esta fase à situação de uma mãe que, após salvar seu
filho de um perigo com o maior sangue-frio, desaba emocionalmente após lembrar o
perigo pelo qual o filho passou.
2- Fase da negação: Após o choque, algumas pessoas podem experimentar uma negação
que dura de semanas a meses, antes de manifestarem respostas emocionais ao trauma.
Os sintomas incluem amnésia, torpor, distúrbios no sono, sintomas somáticos,
hiperatividade e retraimento. Benyakar (2003), refere-se a este tipo de reação que
algumas pessoas reagem como se “nada tivesse acontecido”, mas que desenvolvem
sintomas sem relacioná-los com a situação traumática pela qual passaram.
3- Fase intrusiva: Algumas pessoas não atravessam a fase de negação. Experimentam
um período de recordação espontânea do trauma. Quando a fase de negação é
retardada, a emergência súbita de sintomas da fase intrusiva (por ex., resposta de
alarme exagerada, pensamentos intrusivos, preocupação, afeto instável, estado de
excitação crônica, distúrbios no sono e nos sonhos) pode levar a uma ansiedade
considerável e a um medo de “ficar louco”. A maioria dos indivíduos responde bem à
afirmação de que estas experiências são normais e transitórias.
4- Fase de elaboração do trauma: Durante esta fase, o indivíduo examina significados do
evento traumático, outros eventos associados e memórias, lamenta as perdas e
ferimentos, e considera novos planos para lidar com o futuro.
5- Fase de aceitação: A fase de aceitação é alcançada quando a pessoa reconhece o
impacto do trauma sobre seu psiquismo, exibe planos esperançosos para o futuro e
reassume o trabalho e atividades de lazer.
Mas, se em decorrência de maior vulnerabilidade pessoal ocorrer um desequilíbrio
psíquico a ponto do indivíduo não alcançar a fase de aceitação, dá-se uma situação de
conflito que, ao ser expressa através de sintomas, caracterizaria o PTSD.
Outros autores identificaram fases com características semelhantes em vítimas de
situações traumáticas em que uma coletividade é atingida.
Ursano, Fullerton e Norwood (1996), a partir de estudos realizados pelo governo
americano, indicam quatro fases após um desastre: a primeira, que ocorre logo após o
desastre, consiste no surgimento de fortes emoções, sentimento de descrença, embotamento
afetivo, medo e confusão. Estas reações seriam respostas esperadas após um evento
anormal. Os familiares, amigos, vizinhos, oferecem um sistema de suporte que é o mais
utilizado. A segunda fase, chamada por eles de fase de adaptação, começa entre uma
semana e alguns meses após o desastre. Nesta fase de adaptação, os sintomas de evitação se
alternam com os sintomas de lembranças intrusivas. Os sintomas intrusivos aparecem
primeiro, e consistem em pensamentos e sentimentos espontâneos, hipervigilância, insônia
e pesadelos. Esta fase é freqüentemente acompanhada de aumento de consultas médicas,
com queixas de fadiga, vertigens, dores de cabeça e náuseas. Irritabilidade, apatia e
isolamento social também estão presentes.
A terceira fase, surge após cerca de um ano do desastre, e é acompanhada de
desapontamento e ressentimento, quando as expectativas de auxílio e restauração não são
atendidas. Neste período, o senso de coletividade fica prejudicado diante das preocupações
individuais. A fase final, de reconstrução, pode durar anos. É quando a pessoa reconstrói
sua vida, e a recuperação do desastre envolve a resolução dos sintomas iniciais, através de
uma reavaliação do evento, integrando-o dentro de um novo conceito individual. Embora
este esquema refira-se a desastres naturais, podemos pensar sua aplicabilidade em relação a
situações traumáticas de uma forma geral.
Os trabalhos mencionados mostram que o Transtorno de Estresse pós-Traumático
pode trazer diversas formas de alterações que provocam sofrimento psíquico, além dos
mencionados na CID-10 (COOPER, 1997) e DSM-IV (APA, 1995). A constante, nestes
casos, é o surgimento do sintoma após a “exposição a um extremo estressor traumático”.
Entretanto, a relação entre características pessoais prévias e experiência traumática
não está clara, e há divergências entre quais características seriam mais patogênicas
anteriormente ao trauma.
Por outro lado, não podemos simplesmente afirmar que a situação traumática
desencadeia o aparecimento de sintomas de uma neurose pré-existente. Os sintomas
descritos anteriormente são específicos do quadro estudado, não pertencendo a nenhuma
outra categoria nosográfica.
1.4- A prevalência do Transtorno de Estresse pós-Traumático
Conforme Kessler et al. (1995), entre os americanos, 60,7% dos homens e 51,2%
das mulheres viveram algum tipo de situação traumática em suas vidas, tais como sofrer
ferimentos físicos ou testemunhar alguém sendo ferido ou morto; envolvimento em
incêndio, inundação ou desastre natural; envolvimento em algum acidente com ameaça à
vida; ou exposição a combate. A prevalência de Transtorno de Estresse pós-Traumático
nessas pessoas foi de 10,4 % nas mulheres, e 5% nos homens.
Nesta pesquisa, realizada por Kessler et al. (1995), com uma população de mais de
cinco mil pessoas, com idades entre 15 e 54 anos, foram encontrados dados surpreendentes
da incidência de situações possivelmente traumáticas, e desenvolvimento do quadro de
Transtorno de Estresse pós-Traumático (Ver Quadro 4).
Quadro 4: Índice de experiências possivelmente traumáticas e desenvolvimento de
PTSD.8
Mulheres (%)
Trauma
Homens (%)
Experiência
Desenvolvimento
Experiência
Desenvolvimento
Abuso físico
5
49
3
22
Estupro
9
46
1
65
Ameaça com
arma
Combate
7
33
19
2
0
0
6
39
Molestação
12
27
3
12
Ataque físico
7
21
11
2
Choque
12
10
11
4
Acidente
14
9
25
6
Testemunhar
acontecimento
violento
15
7
36
6
Conforme os dados mostram, e outros autores confirmam (MAES et al.1998,
YEHUDA,1998), os índices encontrados de PTSD variam de acordo com o gênero e com o
8 Extraído de KESSLER, R.C. et al. Posttraumatic stress disorder in the National
Comorbidity Survey. Archives of General Psychiatry. v.52, n.12. 1995
fator estressor. Mingote et al. (2001), advertem que o tipo do estressor pode condicionar
variações no curso da enfermidade, devendo receber atenção especial. Os estressores
causados pelos homens parecem apresentar uma prevalência maior que os de origem
natural. Essa discrepância pode ser verificada através de uma comparação: enquanto 57%
das mulheres vítimas de violência sexual desenvolvem PTSD, em erupções vulcânicas, nas
quais a ameaça à vida também é muito intensa, e as perdas materiais são devastadoras,
estudos mostram que apenas 3.6% da população exposta desenvolveram PTSD (MINGOTE
et al., 2001).
Mesmo entre os estressores causados pela violência de origem humana, ocorrem
diferenças. Mueser et al. (1998) encontraram maior taxa de PTSD em crianças quando o
estressor foi o abuso sexual, tanto para meninas como para meninos. Em mulheres adultas,
os maiores estressores encontrados foram o ataque sexual ou físico sem armas e testemunho
de morte ou grave ferimento; entre os homens, o assassinato de amigos ou parentes ou
sofrer um ataque com armas.
Yehuda, McFarlane e Shalev (1998) citam estudos nos quais foram encontrados
índices menores que os de Kessler et al. (1995), tanto para a vivência de situações
traumáticas, quanto para o desenvolvimento de PTSD. Este estudo, realizado com uma
população fortuita de 1007 jovens, revelou que apenas 39% foram expostos a algum
estressor e destes, 23.6% desenvolveram PTSD.
Em outra pesquisa, com prisioneiros de guerra, o índice de prevalência foi de 4750%. Em civis expostos a ataques na Irlanda do Norte, foram encontradas taxas de 94%
(CURRAN; MILLER, 2001).
Maes et al. (1998) citam pesquisa onde foi encontrada taxa de 16% de PTSD em
sobreviventes de infarto do miocárdio. Em vítimas de acidentes de trânsito, a taxa varia
entre 10 a 39%. Em vítimas de violência não sexual, 70% apresentam sintomas do PTSD
nos primeiros três meses após a situação violenta e 20% mantiveam os sintomas após este
período (FOA; ZOELLNER; ALVAREZ, 2003) . O DSM-IV (APA, 1995, Edição
Eletrônica) indica uma variação enorme e pouco precisa, “entre 3% e 58%”.
Macready (1998), em pesquisa com prostitutas na África do Sul, Tailândia, Turquia,
Estados Unidos e Zâmbia, encontrou taxa de PTSD de 67%. Este dado sugere a
impossibilidade de uma adaptação a um ambiente disruptivo. A taxa encontrada
surpreende, pois, embora possamos imaginar que pela própria atividade que as prostitutas
exercem, na qual ficam expostas a ataques de ordem física e sexual, elas estariam mais
acostumadas com este tipo de situação. Para esta população, o índice de PTSD encontrado é
bem maior que na população em geral, e superior aos de prisioneiros de guerra.
Além destes números, Benyakar, (2003) comenta que no início dos estudos sobre o
Transtorno de Estresse pós-Traumático, na década de oitenta, era feito um cálculo de que,
para cada indivíduo afetado fisicamente, havia, no mínimo, quatro pessoas afetadas
psicologicamente: ele próprio e seus familiares, ou pessoas próximas. Com os atentados
terroristas, este número aumentou para vinte traumatizados para cada ferido físico e, “desde
o ataque às Torres Gêmeas, sabe-se que, para cada danificado físico há pelo menos
duzentas pessoas que requerem alguma assistência psicológica” (p. 93).
Diversos fatores contribuem para a divergência dos índices de PTSD encontrados
nas diferentes pesquisas:
Em primeiro lugar, diferentes populações estão sujeitas a diferentes estressores.
Mueser et al. (1998) constataram essa diferença pesquisando pacientes de dois hospitais
norte-americanos de cidades diferentes. Além disso, Maes et al. (1998), apontam que um
fato que pode alterar as taxas encontradas nos diversos estudos pode ser o intervalo de
tempo entre a situação ameaçadora e a avaliação diagnóstica. Pesquisa efetuada por
Yehuda, McFarlane e Shalev (1998) na Austrália, encontraram em 19% das vítimas de
acidentes automobilísticos o diagnóstico de PTSD. Este estudo mostra que o PTSD
aumentou no período de 6 meses após o acidente. Em pesquisa semelhante desenvolvida
por Resnik, Kilpatrick e Lipovsky (1996), as mulheres adultas da amostra, vítimas de
ataque sexual apresentavam índice de 94% de PTSD uma semana após o assalto, 65%
persistiam por um mês após o ataque, e 47% após um ano. Assim, dependendo do estressor
e da população atingida, os índices de desenvolvimento do PTSD podem aumentar ou
reduzir com o passar do tempo e, dependendo do intervalo de tempo decorrido entre a
experiência traumática e a investigação, índices diferentes serão encontrados.
Outro fator mencionado por Maes et al. (1998) pode ser a diferença do referencial
diagnóstico utilizado. Ele comenta um estudo realizado por Creamer (1989) onde em um
grupo exposto a múltiplos homicídios, usando-se o DSM-3, a taxa era de 74% de incidência
de PTSD. Já com a utilização do DSM-III-R, a taxa caía para 33%. Em vítimas de acidentes
de trânsito, usando o DSM-IV,a taxa de incidência era de 34.8%. Para a mesma amostra,
com os critérios do DSM-III-R, a taxa de incidência aumentava para 39.2%.
Um quarto aspecto a ser abordado, é o da existência e utilização de diferentes
instrumentos de avaliação diagnóstica para o PTSD. Roso (1998) lista as tabelas mais
utilizadas, que medem a presença de sintomas, e de outras variáveis associadas ao seu
desenvolvimento. Entre as mais utilizadas, estão a CAPS- Clinician Administered PTSD
Scale (Anexo 1), a IES- Impact of Events Scale, a MISS- Mississipi Rating Scal for Combat
Related PTSD e sua versão Civil, e a SOS- Significant Other Scale. O uso de escalas
diferentes aponta índices diversos da presença do quadro patológico. Embora as escalas
citadas tenham sido aprovadas e utilizadas por pesquisadores de diversos países, é
inevitável que se encontre pequenas variações dependendo do instrumento utilizado.
Um quarto fator importante a ser destacado, é o da diferença da cultura entre as
diversas populações pesquisadas, e as conseqüentes variações nas formas de
relacionamento da população com situações possivelmente traumáticas, como crimes e
experiências de violência. Kerr-Correa (2000), em estudo sobre o abuso sexual, cita
pesquisas nos EUA onde a incidência do abuso sexual contra a mulher varia entre 12,9% e
28%, ao passo que no Brasil, segundo esta autora, a estimativa é de 7%. Estes dados, lidos
ingenuamente, indicariam que nos EUA, onde a polícia age com maior eficácia e a punição
para os criminosos é mais rigorosa que no Brasil, haveria um número maior de casos de
abuso sexual. A autora conclui que essa diferença não reflete a realidade, podendo ser
atribuída a pouca pesquisa sobre o tema no Brasil e, principalmente, à descrença da
população no sistema judiciário brasileiro, deixando de denunciar muitos crimes. Essa
descrença fica evidente ao comparar-se a estimativa de casos com os números oficiais. O
número de ocorrências policiais de casos de estupros consumados e tentativas de estupro,
no ano de 1999, indica um índice de apenas 0,01% deste tipo de ocorrência na população
total do Estado de São Paulo (SEADE, 1999), contra uma estimativa de 7% (KERRCORREA, 2000). Uma paciente atendida em psicoterapia, vítima de seqüestro-relâmpago,
comentou não ter feito ocorrência policial do crime do qual foi vítima. Ao ser questionada
sobre o motivo disso, argumentou: “Para quê? A polícia não vai fazer nada. Não quero
virar estatística”. Embora esse seja um dado isolado, pela experiência sabe-se que esta
postura retrata a falta de confiança que parte da população tem nas autoridades policiais.
Além disso, há o fator de que os sintomas do PTSD são considerados “normais”
pela população de um modo geral, e por isso, não há procura de tratamento, mascarando a
incidência real que este quadro pode ter na população. Objetivando realizar uma pesquisa
sobre a eficácia de diferentes tratamentos para o PTSD, Taylor et al. (2003), recrutaram os
participantes a partir da indicação de médicos e de anúncios através da mídia. Entre os 299
indivíduos que contataram os pesquisadores, 60 cumpriam os critérios diagnósticos de
PTSD. Nessa amostra, o tempo médio que apresentavam os sintomas foi de 8,7 anos.
Durante este período, essas pessoas não procuraram tratamento, deixando de aparecer em
levantamentos epidemiológicos.
Por último, outro aspecto que deve ser levantado, é em relação ao pouco
conhecimento, ou ao pouco valor dado a este diagnóstico, inclusive por profissionais de
saúde. Mueser et al.(1998), pesquisando 275 pacientes do serviço público de saúde mental
norte-americano, encontraram taxa de 43% que apresentavam diagnóstico de PTSD,
embora apenas 2% tivessem recebido este diagnóstico em seus prontuários. Pesquisas
semelhantes citadas por ele encontraram taxa de 34% e 29%. Andrade et al. (1999) em
pesquisa epidemiológica realizada entre os pacientes do serviço de triagem do Hospital das
Clínicas de São Paulo, não incluíram o PTSD entre as categorias avaliadas, apesar da alta
prevalência indicada pelo DSM-IV, entre 3% e 58%. Este autor encontrou índice de 12,9%
na categoria Qualquer Transtorno Ansioso, que possivelmente engloba sintomas do PTSD.
1.5- Outros transtornos associados ao PTSD
O Transtorno de Estresse pós-Traumático também aparece com altas taxas de
comorbidade com outros distúrbios de natureza mental. Kessler et al.(1995), encontraram
em mulheres internadas com graves perturbações mentais, alguma experiência de violência
sexual na infância ou quando adultas, e entre os homens, o fato de terem vivido ataques
armados, ou testemunhado assassinato ou graves ferimentos em outra pessoa. Este autor
chegou a resultados de que, na população em geral, 83% das pessoas com PTSD tem outro
transtorno psiquiátrico associado.
Da mesma forma que a pessoa traumatizada sente-se susceptível diante de sintomas
físicos, muitas vezes procurando o serviço médico sem necessidade, o mesmo ocorre em
relação a sintomas psicológicos. O paciente com PTSD tem uma sensibilidade maior em
relação à depressão e ansiedade. Foi encontrado um significante aumento de comorbidade
em pacientes com PTSD. As doenças associadas mais encontradas foram:
Episódio
Depressivo Maior, Transtorno Bipolar e Síndrome do Pânico (com e sem Agorafobia) em
veteranos de guerra (BROWN; STOUT, 1999).
Clark (2001), em pesquisa com cento e cinqüenta drogaditos, encontrou em 53%
das mulheres e 14% dos homens da amostra, critérios diagnósticos de PTSD, segundo o
DSM-IV(APA, 1995). Transtornos relacionados ao uso de álcool foram identificados entre
60% a 80% em veteranos de guerra (MINGOTE et al., 2001). Essa comorbidade talvez
possa ser entendida se pensarmos que o aparelho psíquico, após uma situação traumática,
está inundado de excitação para a qual não consegue uma descarga, e isso faz com que o
indivíduo procure formas de anestesia, como na adição alcoólica, ou na transformação da
estimulação, através mudança da passividade em atividade, com o uso de drogas, ou mesmo
do aumento do consumo de cafeína ou outros estimulantes Em pesquisa realizada nos
EUA, foi verificado que não é a situação traumática que provoca o aumento do consumo de
álcool e drogas, mas sim o desenvolvimento do quadro de PTSD. Na amostra pesquisada
que passou por uma vivência traumática mas não desenvolveu sintomas do Transtorno de
Estresse pós-Traumático, não foram encontrados níveis significativos de aumento do
consumo de álcool e drogas, apenas um ligeiro aumento do consumo de nicotina. Já na
parte da amostra que desenvolveu os sintomas, houve elevação significativa do consumo
de drogas e álcool (BRESLAU; DAVIS; SCHULTZ, 2003). Esses dados levam a pensar
que o uso de substancias visa aliviar os sintomas e não a experiência do trauma em si.
Câmara Filho e Sougey (2001), mencionam que os pacientes com de PTSD teriam
duas vezes mais probabilidade de apresentar outros transtornos, inclusive Transtorno
Obsessivo Compulsivo (TOC). Sobre essa possibilidade, Torres (2001), aponta a
semelhança entre alguns sintomas do PTSD e do Transtorno Obsessivo Compulsivo,
indicando que a presença de rituais é o principal elemento diferençável para o diagnóstico
de TOC.
Mosca e Banchero (2002) descrevem que as alterações fisiológicas provocadas pelo
PTSD, alterando o sistema imunológico e de memória, são responsáveis também pelo
surgimento de casos de dor crônica e alergias.
Mingote et al. (2001), citam ainda alterações persistentes na personalidade, como
traços depressivos, intensificação de traços de caráter prévios, isolamento social e grande
necessidade de controle e dependência, nas pessoas diagnosticadas com PTSD.
Levantando hipóteses sobre a alta taxa de comorbidade entre o PTSD e outros
transtornos mentais, Mueser et al. (1998) comentam que é possível que a experiência de um
trauma e o desenvolvimento de PTSD, especialmente em idade precoce, produza uma
vulnerabilidade para o desenvolvimento de outros distúrbios psiquiátricos. Por outro lado,
pacientes com determinados transtornos, como a depressão, podem ficar mais propensos a
lembrar experiências passadas traumáticas e seus efeitos, deixando os sintomas de PTSD
como um diagnóstico secundário em seu quadro.
A relação entre o Transtorno de Estresse pós-Traumático com a depressão pode
ficar mais evidente se for levada em consideração que alguns sintomas, como a perda do
interesse nas atividades, dificuldades relacionadas ao sono e ideação suicida são comuns a
ambos os quadros. Além destes, o sintoma de autorecriminação, presente na depressão, é
muito comum no Transtorno de Estresse pós-Traumático, surgindo na forma de culpa por
não ter evitado a situação traumática.
Embora muitos sintomas do Transtorno de Estresse pós-Traumático possam
assemelhar-se aos sintomas de outras patologias, é importante mencionar que os estudos
sobre a neurobiologia do PTSD indicam que esse quadro apresenta alterações biológicas
diferentes das demais. As taxas de cortisol e as alterações no funcionamento do eixo
Hipotálamo-Pituitário-Adrenal (HPA), são diferentes dos encontrados em casos de
Depressão e mesmo, do próprio Estresse (GRAEFF, 2003, NEWPORT; NEMEROFF,
2000)
1.6- O transtorno de estresse agudo
A experiência traumática não tem como conseqüência psicopatológica única o
desenvolvimento do Transtorno de Estresse pós-traumático. A CID (COOPER, 1997) e o
DSM_IV (APA, 1995) apontam a existência de um outro diagnóstico possível após uma
experiência traumática: O Transtorno de Estresse Agudo (TEA).
Enquanto o PTSD tenha que persistir por mais de 30 dias, o TEA é um diagnóstico
que deve ser utilizado no período entre 48 horas e 30 dias após a situação traumática.
Segundo o DSM-IV (APA, 1995, Edição eletrônica):
Por definição, um diagnóstico de Transtorno de Estresse Agudo
aplica-se apenas a sintomas que ocorrem dentro de 1 mês após o
estressor agudo. Uma vez que o Transtorno de Estresse PósTraumático exige mais de 1 mês com sintomas, este diagnóstico
não pode ser feito durante o período inicial de 1 mês. Para os
indivíduos com o diagnóstico de Transtorno de Estresse Agudo
cujos sintomas persistem por mais de 1 mês, o diagnóstico de
Transtorno de Estresse Pós-Traumático deve ser considerado.
Essa descrição sugere que a diferença entre os dois diagnósticos seria apenas no
tempo de duração dos sintomas. Teríamos então a seguinte divisão nas alterações
provocadas pela vivência de uma situação traumática:
•
Até 48 horas: Uma reação normal a uma situação anormal.
•
Após 48 horas e até 30 dias: Transtorno de Estresse Agudo (TEA).
•
Após 30 dias: Transtorno de Estresse pós-Traumático (PTSD).
Se o diferencial diagnóstico ficar limitado à duração dos sintomas, fica uma
questão sobre a necessidade da existência dessa categoria diagnóstica. Porque não uma
única categoria para diagnóstico, independente do tempo de duração? A própria limitação
de 30 dias para o TEA já dificulta o diagnóstico, uma vez que só pode ser dado com
segurança retrospectivamente. Uma pessoa avaliada após três semanas da situação
traumática, receberá o diagnóstico de TEA que será válido apenas por uma semana. Caso
não haja alteração nos sintomas nessa semana, deverá ser reavaliada para ter o diagnóstico
de Transtorno de Estresse pós-Traumático. Assim, o TEA seria apenas um diagnóstico de
caráter provisório, enquanto o PTSD seria o diagnóstico mais duradouro.
No entanto, examinando-se mais cuidadosamente os critérios diagnósticos para o
TEA, veremos que, embora quase todos os critérios do TEA sejam iguais aos do PTSD, no
critério B, há uma diferença fundamental, conforme Quadro 5:
Quadro 5 – Critério Diagnóstico B para Transtorno de estresse agudo9.
B. Enquanto vivenciava ou após vivenciar o evento aflitivo, o
indivíduo tem três (ou mais) dos seguintes sintomas dissociativos:
(1) um sentimento subjetivo de anestesia,
distanciamento ou ausência de resposta
emocional;
(2) uma redução da consciência quanto às coisas que o rodeiam (por
ex., "estar como num sonho");
(3) desrealização;
(4) despersonalização;
(5) amnésia dissociativa (isto é, incapacidade de recordar um aspecto
importante do trauma).
Assim, além dos sintomas comuns ao PTSD, o diagnóstico de TEA exige a presença
de ao menos três sintomas dissociativos, o que, se por um lado, estabelece um diferencial
importante em relação ao PTSD, por outro, cria as seguintes contradições diagnósticas:
Em primeiro lugar, uma pessoa que, no período de um mês após uma situação
traumática, desenvolve todos os sintomas do PTSD e TEA, exceto os sintomas
dissociativos, ou apenas dois entre os sintomas dissociativos discriminados, não teria os
critérios diagnósticos para TEA e o tempo decorrido não permite o diagnóstico de PTSD.
Embora essa pessoa possa apresentar “sofrimento clinicamente significativo e/ou prejuízo
no funcionamento social ou ocupacional” (APA, 1995), não há diagnóstico previsto, e isso
pode ter relevantes implicações sob o aspecto jurídico-trabalhista, como concessão de
afastamento do trabalho por licença-saúde e a caracterização da situação traumática
enquanto acidente de trabalho.
9
Extraído do Manual Diagnóstico e Estatístico- DSM-IV (APA, 1995, Edição Eletrônica).
Em segundo lugar, uma pessoa que apresenta os sintomas do PTSD após um mês da
situação traumática, apresentando sintomas dissociativos, seria diagnosticada com PTSD
apenas pelo critério do tempo de duração da enfermidade?
A diferença diagnóstica entre as duas categorias diagnósticas recai sobre dois
pontos: O tempo de duração dos sintomas e a presença de sintomas dissociativos.
(HARVEY; BRYANT, 2001).
Sobre a presença de sintomas dissociativos, McCarthy (2001) descreve que o
“PTSD crônico em jovens é apresentado com sintomas como dissociação, comportamento
auto-destrutivo, abuso de substâncias, e/ou problemas de conduta que podem obscurecer a
origem pós-traumática do transtorno”. Para esse autor, a presença de sintomas dissociativos
não exclui que o diagnóstico mais apropriado seja de Transtorno de Estresse pósTraumático.
Harvey e Bryant (2001) relacionam as críticas que diversos autores fazem sobre a
existência do diagnóstico de TEA:
1)
Não há evidências que justifiquem a ênfase na dissociação como tendo
um papel importante após um trauma. A maioria das pessoas que
apresentam todos os sintomas para TEA exceto a dissociação,
desenvolvem PTSD 6 meses após a experiência traumática. Embora a
dissociação represente um importante papel, sua importância tem sido
desnecessariamente enfatizada nesse diagnóstico.
2)
A função do diagnóstico de TEA teria apenas a capacidade de predizer
outros diagnósticos, uma vez que estudos mostram que a presença da
dissociação durante ou logo após o trauma pode predizer o
desenvolvimento futuro de PTSD. No entanto, embora a maioria das
pessoas com diagnóstico de TEA acabem desenvolvendo PTSD, um
número considerável de pacientes com PTSD não apresentaram os
sintomas necessários para o diagnóstico de TEA no primeiro mês após a
situação traumática.
3)
A existência desse diagnóstico torna patológicas reações a um trauma que
podem ser transitórias.
4)
A única diferença entre o PTSD e TEA acaba sendo o tempo de duração
dos sintomas.
5)
O diagnóstico de TEA foi incluído com poucas evidências que
justificassem sua inclusão, mais baseada em argumentos lógicos do que
em pesquisas empíricas.
6)
O próprio “flashback” ou lembrança intrusiva, um dos sintomas mais
característicos do PTSD, pode ser interpretado como uma dissociação
(JONES et al., 2003).
Além das críticas levantadas, pode-se constatar também a sobreposição dos dois
diagnósticos. Entre 72% e 83% das pessoas que desenvolveram TEA, apresentam sintomas
de PTSD 6 meses após a situação traumática. Essas taxas caem para entre 63% e 80% após
2 anos (HARVEY, 2002). Brewin et al., (2003), encontraram uma sobreposição diagnóstica
de 95,5% entre as duas categorias. Este alto índice, segundo esses autores, questiona o
quanto se trata realmente de diagnósticos distintos.
1.7- A concepção psicanalítica de neurose e o PTSD
A utilização do DSM-IV e a CID-10, justifica-se por tratarem-se de referências
internacionalmente aceitas, e que visam à uniformidade diagnóstica. Eles estabelecem uma
relação direta entre a existência de um “fator estressor traumático” e o desenvolvimento de
sintomas psíquicos.
Esta relação, a princípio, contraria a concepção etiológica das neuroses, utilizada
pela psicanálise, de que a neurose seria, segundo Laplanche e Pontalis (1983), uma :
“afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito
psíquico que tem as suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos
entre o desejo e a defesa”(p. 377).
Como articular essa compreensão da neurose com um quadro que se origina a partir
de um único evento, atual, e não infantil, e no qual os sintomas não são uma representação
simbólica, mas estão diretamente relacionados, na forma de repetição ou temor, com o fator
desencadeante? Como entender uma neurose na qual o conflito entre o desejo e a defesa
não estão presentes?
Aparentemente, Freud, depara-se com questões semelhantes. Sua preocupação com
a Neurose Traumática transpassa verticalmente sua obra. Desde o trabalho Novas
Observações Sobre as Neuropsicoses de Defesa, de 1896, até seu último trabalho Esboço
de Psicanálise de 1938, encontramos sua preocupação em relacionar a Neurose Traumática
com suas recentes descobertas sobre a etiologia e a dinâmica das demais psiconeuroses..
Em diversas ocasiões, classifica a Neurose Traumática como uma exceção etiológica, que
necessita de uma maior compreensão de sua metapsicologia.
Freud considerava a Neurose Traumática como uma Neurose Atual, ao lado da
Neurose de Angústia e da Neurastenia. Neuroses atuais são aquelas em que a origem não
“deve ser procurada nos conflitos infantis, mas no presente;” e que “os sintomas não são,
nelas, uma expressão simbólica e sobre-determinada” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983.
p. 382).
Podemos observar que vários sintomas que aparecem como critérios diagnósticos no
DSM-IV (APA-1995) para o Transtorno de Estresse pós-Traumático estão presentes na
descrição que Freud fazia da Neurose Traumática, que ele também denominava como
“Neurose de Guerra” ou “Neuroses de Guerra em Tempo de Paz”. Na conferência Fixação
em Traumas-O Inconsciente (1917a/1995, Edição Eletrônica),
ele faz o seguinte
comentário sobre os sintomas da Neurose Traumática e sua classificação como uma
Neurose Atual:
As neuroses traumáticas dão uma indicação precisa de que em sua raiz se
situa uma fixação no momento do acidente traumático. Esses pacientes
repetem com regularidade a situação traumática, em seus sonhos, onde
ocorrem ataques histeriformes que admitam uma análise, verificamos
que o ataque corresponde a uma completa transportação do paciente para
a situação traumática. É como se esses pacientes não tivessem findado
com a situação traumática, como se ainda tivessem enfrentando-a como
tarefa imediata ainda não executada; e levamos muito a sério esta
impressão.
Neste trecho podemos constatar a semelhança da descrição de um dos principais
sintomas do PTSD. Enquanto o DSM-IV (APA, 1995) descreve como: “episódios de
repetidas revivescências do trauma sob a forma de memórias intrusivas (“flashbacks”),
sonhos ou pesadelos”, Freud (op. Cit.) fala de uma situação não acabada, e da repetição que
ocorre na memória ou em pesadelos.
Da mesma forma, sobre o período de surgimento dos sintomas, a descrição que
Freud faz dessa neurose, em “Moisés e o Monoteísmo” (1939/1995, Edição Eletrônica),
muito se assemelha à do DSM-IV (APA, 1995):
Pode acontecer que um homem que experimentou algum acidente
assustador — colisão ferroviária, por exemplo, — deixe a cena desse
evento aparentemente incólume. No decorrer das semanas seguintes,
contudo, desenvolve uma série de sintomas psíquicos e motores graves,
os quais só podem ser remontados a seu choque, à concussão, ou ao que
quer que seja. Agora, esse homem tem uma ‘neurose traumática’. Tratase de um fato inteiramente ininteligível — o que equivale a dizer: novo.
O tempo decorrido entre o acidente e o primeiro aparecimento dos
sintomas é descrito como sendo o ‘período de incubação’, numa clara
alusão à patologia das doenças infecciosas.
Esta comparação com as doenças infecciosas é interessante, pois dá ao trauma um
caráter de “corpo estranho”, alheio aos processos psíquicos normais e que necessita ser, de
alguma forma, combatido, pois implica sempre num dano à integridade, e à dignidade como
uma vivencia de morte para a própria pessoa que “passa a ser registro biográfico indelével e
ameaça de morte permanente, com características sinistras de ‘corpo estranho que fratura
minha vida’ e que ‘me aprisiona em um sem-sentido’” (MINGOTE et al., 2001).
As tentativas de Freud de relacionar a Neurose Traumática com as demais neuroses,
e com a compreensão do funcionamento mental, vai requerer diversas formulações do
conceito de trauma. Como a discussão acerca da evolução da concepção de trauma em
Freud foge ao objetivo deste trabalho, será utilizada a descrição de 1917 em que trauma
seria “[...] uma experiência que, em curto período de tempo, aporta à mente um acréscimo
de estímulo excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado de maneira normal, e
isto pode resultar em perturbações permanentes da forma em que essa energia opera”.
(1917a/1995, Edição Eletrônica).
1.8- A Neurose Traumática na obra de Sigmund Freud
“[...] porque teremos de
trabalhar de lá para cá, do
mundo para seu homem, e o
sentido do percurso talvez
choque o leitor, que de costume
vê a Psicanálise aplicar-se
‘psicologicamente’, referir-se a
impulsos, defesas, sintomas, a
´coisas
de
dentro’”.
(HERMANN, 1985, p.75)
A afirmação acima dá idéia do desconforto que o estudo do PTSD provoca para um pesquisador que utiliza o referencial
psicanalítico. Articular o PTSD, um quadro que surge a partir de um acontecimento externo, real, com uma dinâmica psíquica
constituída por desejos, fantasias e ansiedades, dá uma sensação de estar tentando “reinventar a roda”.
Por vezes, tem-se a impressão de um retrocesso, como se houvesse uma negação das descobertas sobre o funcionamento
mental que a Psicanálise realizou durante todo o século XX. É como se estivéssemos no final do século XIX, ao lado de Freud,
defendendo a “Teoria da Sedução”. E sempre fica o medo de, ao final do trabalho, chegarmos à conclusão de que “não acredito mais
em minha neurótica”, como escreveu a Fliess na famosa carta de 21 de setembro de 1897 (MASSON, 1986, p. 265), em que
expressa seu desapontamento com a importância do trauma advindo da realidade externa na etiologia da histeria.
Por esse motivo, tornou-se imprescindível o recorte de algumas passagens da obra de Freud, onde ele menciona o caráter
de excepcionalidade da dinâmica da Neurose Traumática em relação às demais neuroses.
Por tratar-se de um levantamento do tema na obra de Sigmund Freud, neste capítulo serão utilizadas as denominações
Neurose Traumática, Neurose de Guerra e Neurose de Guerra em Tempo de Paz, como eram conhecidas naquela época, e não o
nome atual, Transtorno de estresse pós-Traumático.
Uchitel (2001) defende a idéia de que a Neurose Traumática questiona a psicanálise e os psicanalistas. Como falar de uma
neurose sem raízes na infância? Como trabalhar com um paciente com sintomatologia tão específica?
A partir da leitura de alguns trabalhos da obra de Freud, podemos perceber, como
será demonstrado a seguir, que o trauma, juntamente com suas conseqüências, está
diretamente relacionado à história da psicanálise, e põe em evidência algumas dificuldades
teóricas em relação à
sua especificidade etiológica, a metapsicologia do trauma e a
necessidade, ou não, de uma terapêutica própria (VIEIRA E VIEIRA NETO, 1998).
Em suas primeiras descobertas, Freud considerava que toda neurose era de origem
traumática. Em seu trabalho “Novas Observações sobre as Neuropsicoses de Defesa”
(1896/1995, Edição Eletrônica), ele afirma:
Para causar uma histeria, é preciso que a experiência que vai se tornar traumática, através da
liberação e da repressão do afeto doloroso, pertença aos traumas sexuais da infância e seu conteúdo
deve consistir numa irritação real dos órgãos genitais
O trauma, nesse momento da obra freudiana, teria duas características: envolver dor e estar relacionado aos órgãos
sexuais. Apesar de já ter abandonado a teoria da sedução, a idéia de um acontecimento sexual não prazeroso permanece.
Quanto ao período da vida em que este trauma ocorreria, Renato Mezan (1982, p.38) comenta que:
A data do trauma é localizada ao redor dos três ou quatro anos de idade.
A “predisposição à histeria”, tão genérica nos escritos anteriores, é agora
explicitamente substituída pelo efeito póstumo do trauma sexual infantil.
Sydney Furst (1967, p. 16), confirma essa concepção afirmando:
Evidentemente, a primeira teoria freudiana acerca das neuroses foi de
índole traumática. Como clínico, interessou-se primeiramente pelo
trauma por sua patogenicidade; foi nesta relação que Freud tratou com
aqueles aspectos formais e dinâmicos dos fatos traumáticos que
determinaram o resultado patológico.
Toda neurose, então, teria etiologia traumática, necessitando de um fator
circunstancial da realidade externa. O próprio Freud coloca isto textualmente, quando, nas
“Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise” (1917a/1995, Edição Eletrônica), já com
uma compreensão maior sobre o funcionamento mental, revê essa concepção:
Assim, a neurose poderia equivaler a uma doença traumática, e
apareceria em virtude da incapacidade de lidar com uma experiência cujo
tom afetivo fosse excessivamente intenso. Na verdade, foi esta realmente
a primeira fórmula pela qual (em 1893 e 1895) Breuer e eu explicamos
teoricamente nossas observações.
Na primeira de suas “Cinco Lições de Psicanálise”, (1910/1995, Edição Eletrônica),
quando apresenta a paciente Anna O., atendida por Breuer, dá a seguinte explicação para a
origem de seus sintomas:
Quase todos se haviam formado desse modo, como resíduos — como
‘precipitados’, se quiserem — de experiências emocionais que, por essa
razão, foram denominadas posteriormente ‘traumas psíquicos’; e o
caráter particular a cada um desses sintomas se explicava pela relação
com a cena traumática que o causara. Eram, segundo a expressão técnica,
determinados pelas cenas cujas lembranças representavam resíduos, não
havendo já necessidade de considerá-los como produtos arbitrários ou
enigmáticos da neurose.
A partir dessa concepção, ter-se-ia a visão de que Anna O. sofreu de neurose
Traumática. Os conceitos de impulso e defesa ainda não haviam sido definidos, assim como
seus decisivos papéis no conflito que prova a neurose.
Aqui o trauma ainda é visto como um “corpo estranho” alterando o equilíbrio
homeostático do aparelho psíquico. O fator patogênico da histeria vinha do exterior, era
uma circunstância acidental na vida do paciente. A situação traumática, denominada por
Breuer como “estado hipnóide” seria responsável pela dissociação psíquica, criando um
conjunto de idéias inconscientes, paralelas à consciência. A proposta terapêutica coerente
com essa teoria era, então, ab-reagir à situação traumática inconsciente, liberando a energia
(de forma catártica) associada à cena traumática.
Para Garcia-Roza (1984/1999), a teoria do trauma como origem da histeria foi, ao
mesmo tempo, uma descoberta e um obstáculo para o desenvolvimento da teoria
psicanalítica. A descoberta foi em relação à origem psicológica dos sintomas histéricos, e o
obstáculo consistiu no impedimento da compreensão da sexualidade infantil e do Complexo
de Édipo, no período em que a origem da histeria era entendida a partir de um fato único,
proveniente da realidade externa.
Com as descobertas posteriores e o abandono da explicação da origem traumática
das neuroses, o papel etiológico do trauma foi substituído pela fantasia inconsciente. No
entanto, a neurose traumática permaneceu como um enigma e, em diversos momentos,
Freud discute a análise das neuroses traumáticas, buscando a relação entre estas, que
classificava entre as Neuroses Atuais, com as demais psiconeuroses de defesa, originadas
por um conflito inconsciente. Esta relação parece nunca ter sido completamente
desenvolvida, e percebe-se que esta neurose ficou como uma espécie de exceção à teoria da
etiologia sexual das neuroses.
Já no início de suas investigações em psicanálise, em uma carta a seu amigo Fliess,
Freud (1950[1894]/1995, Edição Eletrônica), descreve os fatores presentes na causa das
neuroses, já colocando em destaque a Neurose Traumática. Comunica a Fliess os diversos
fatores causadores da neurose, como a degeneração, senilidade e o conflito. Em seguida,
fala da conflagração:
Conflagração: é uma concepção nova. Significa o que se pode chamar de
degeneração aguda (por exemplo, nas intoxicações graves, nas febres, no
estágio inicial da paralisia geral) — ou seja, catástrofes em que há
perturbações dos afetos sexuais sem causas desencadeantes sexuais.
Talvez as neuroses traumáticas pudessem ser abordadas sob esse
enfoque”.(Grifo nosso)
Segundo essa idéia, um trauma, uma intoxicação, ou uma febre, teria o mesmo
efeito etiológico, de perturbar o afeto sexual. Este trecho mostra também que, mesmo em
um período anterior às descobertas sobre o funcionamento mental e a causa das neuroses, o
tema da Neurose Traumática estava presente em suas preocupações, sobre uma doença que
provocava perturbação no afeto sexual, sem origem sexual.
No trabalho “Estudos Sobre a Histeria” (1895b/1995, Edição Eletrônica),
publicado no ano seguinte, persiste a necessidade de uma compreensão dessa neurose,
tentando o estabelecimento de uma analogia com o processo da conversão histérica, que
seria a representação simbólica de um afeto aflitivo cuja associação foi inibida:
As experiências que liberaram o afeto original, cuja excitação foi então
convertida num fenômeno somático, são por nós descritas como traumas
psíquicos, e a manifestação patológica que surge desta forma, como
sintomas histéricos de origem traumática. (A expressão ‘histeria
traumática’ já foi aplicada a fenômenos que, por serem conseqüência de
danos físicos — traumas no sentido mais estrito do termo — fazem parte
da classe das ‘neuroses traumáticas’).
Ainda no mesmo trabalho, Freud tenta estabelecer uma correspondência etiológica a
partir da concepção dos estados hipnóides, termo proposto por Breuer para explicar o
surgimento de um estado mental, capaz de provocar uma divisão da mente, e o conseqüente
“represamento” de afetos que, impossibilitados de uma expressão normal, procurariam
formas patológicas de expressão:
Penso, contudo, que o caso lança alguma luz também sobre o
desenvolvimento das neuroses traumáticas. Durante os primeiros dias
após o fato traumático, o estado de pavor hipnóide repete-se a cada vez
que o fato é relembrado. Enquanto esse estado se repete com freqüência
cada vez maior, sua intensidade vai diminuindo tanto que ele não mais se
alterna com o pensamento de vigília, mas apenas coexiste com ele.
Torna-se então contínuo, e os sintomas somáticos, que antes só se faziam
presentes durante o ataque de pavor, adquirem existência permanente.
Todavia, posso apenas suspeitar de que seja isso o que acontece, já que
nunca analisei um caso dessa natureza .
Neste momento de sua obra, Freud ainda tem a concepção do trauma psíquico como
fator etiológico presente em toda neurose. Ele introduz a concepção de trauma em dois
tempos, o do acontecimento em si, e o da compreensão do significado do acontecimento.
Freud, nesse período, faz uma grande mudança no conceito de trauma, porque há o
reconhecimento da necessidade de um processo associativo que dá um significado a ele. O
segundo momento do trauma, a vivencia psíquica passa a ser o fundamental na etiologia da
neurose. A partir desse momento, começa haver uma separação entre o trauma associado,
integrado numa série psíquica, que gera a psiconeurose, e outro trauma, o não
representável, que origina a Neurose Traumática.
A histeria era compreendida como resultado de um grande trauma, ou da acumulação de
traumas parciais, com um significado.
È dessa forma que explica o caso Katharina , em seu trabalho Estudos sobre a
Histeria (1895b). Katharina vê o tio tendo relações sexuais com uma moça, e Freud fala
dessa cena como um momento traumático. No entanto, ela só se torna patogênica porque
faz com que Katharina lembre de duas investidas desse mesmo tio contra ela, às quais ela
não deu conotação sexual por não ter conhecimento sobre sexo. Na discussão deste caso,
Freud afirma:
Em toda análise de casos de histeria baseados em traumas sexuais,
verificamos que as impressões do período pré-sexual que não produziram
nenhum efeito na criança atingem um poder traumático, numa data
posterior, como lembranças, quando a moça ou a mulher casada adquire
uma compreensão da vida sexual (1895b/1995, Edição Eletrônica).
Já em 1917, porém, ele estabelece a diferença entre o que nesse momento era
considerado traumático, com uma situação de ameaça de morte presente na etiologia da
Neurose Traumática. Quando publica suas “Conferências Introdutórias”, coloca de
maneira inequívoca a distinção da neurose traumática.
As neuroses traumáticas não são, em sua essência, a mesma coisa
que as neuroses espontâneas que estamos acostumados a investigar
e tratar pela análise; até agora, não conseguimos harmonizá-las
com nossos pontos de vista, e espero, em alguma época, poder
explicar-lhes a razão desta limitação.
Quando Freud (1918/1995, Edição Eletrônica) fala do futuro da psicanálise, e sobre
a necessidade de um maior alcance social, visando o atendimento das classes menos
abastadas da população, e com isto, possibilitando que o número de pacientes favorecidos
pela psicanálise deixe de ser “desprezível”, ressalta a neurose traumática como entidade
nosográfica distinta das demais neuroses, apontando uma terapêutica também diferenciada:
É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o
ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter
novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra. No entanto,
qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os
elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão
a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa.
Conforme nota do editor inglês ao trabalho “Introdução à Psicanálise e neuroses de
guerra” (1919a/1995, Edição Eletrônica), no Quinto Congresso Psicanalítico Internacional,
ocorre um simpósio sobre a Psicanálise das Neuroses de Guerra, aberto com a exposição de
artigos de Sandor Ferenczi, Karl Abraham e Ernst Simmel. No ano seguinte, Freud escreve
um pequeno trabalho sobre as neuroses de guerra, onde ele esclarece sua relação com as
neuroses traumáticas:
À parte isso, as neuroses de guerra são apenas neuroses traumáticas, que,
como sabemos, ocorrem em tempos de paz também, após experiências
assustadoras ou graves acidentes, sem qualquer referência a um conflito
no ego (1919a/1995, Edição Eletrônica).
Em outro momento do mesmo trabalho, mais uma vez a neurose traumática (ou de
guerra) é vista como uma exceção à etiologia sexual das neuroses:
Essa outra parte da teoria psicanalítica, com a qual o estudo das neuroses
de guerra não entrou em contato, é no sentido de que as forças
motivadoras que se expressam na formação dos sintomas são sexuais e
que as neuroses nascem de um conflito entre o ego e os instintos sexuais
que este repudia. (‘Sexualidade’, neste contexto, deve ser entendida no
sentido amplo em que é usada na psicanálise e não se deve confundir
com o conceito mais limitado de ‘genitalidade’.) Não deixa de ser
verdade, como observa Ernest Jones na sua contribuição a este volume,
que essa parte da teoria não se mostrou ainda aplicável às neuroses de
guerra. O trabalho que poderia provar o contrário não foi realizado ainda.
Pode ser que as neuroses de guerra sejam absolutamente material
adequado para este propósito.
Este caráter de exceção que adquire a Neurose Traumática é constatado até mesmo
pelos adversários da psicanálise, para quem Freud, neste momento, não podia apresentar
respostas. Explicita isto no “Estudo autobiográfico” de 1919 (1919b/1995, Edição
Eletrônica):
Após a guerra nossos adversários tiveram o prazer de anunciar que os
fatos haviam produzido um argumento conclusivo contra a validade
das teses de análise. As neuroses de guerra, disseram eles, haviam
provado que os fatores sexuais eram desnecessários à etiologia de
distúrbios neuróticos. Mas seu triunfo foi frívolo e prematuro, pois, por
um lado, ninguém tinha sido capaz de efetuar uma análise completa de
um caso de neurose de guerra, de modo que, de fato, não se conhecia
ao certo absolutamente nada quanto à motivação deles e nenhuma
conclusão podia ser inferida dessa incerteza: ao passo que, por outro
lado, a psicanálise de há muito havia chegado ao conceito do
narcisismo e das neuroses narcísicas, nas quais a libido do paciente
está vinculada ao seu próprio ego, em vez de vinculada a um objeto.
Ainda no mesmo ano, escreve um Memorandum a uma comissão estabelecida pelo
Ministério de Guerra austríaco, onde defende a existência da Neurose de Guerra como uma
neurose e que não “tratava-se de uma questão de graves danos no sistema nervoso,
semelhantes às hemorragias e inflamações que ocorrem em doenças não traumáticas”
(1919a/1995, Edição Eletrônica), como muitos médicos da época defendiam. Neste
memorando, critica a postura dos médicos do exército, que tinham como proposta
terapêutica para a neurose de guerra tratar o paciente como se estivesse simulando a
doença, e, a partir disso, tornar a vida no hospital pior que no front, através da constante
aplicação de choques elétricos, impedindo que os pacientes dormissem, e outros castigos.
Com isso, os médicos pretendiam o restabelecimento do doente. Na verdade, parece que o
objetivo destes médicos era o de curar um trauma com outro maior ainda. Dessa forma, o
médico colocava-se a serviço da pátria ou da guerra, numa postura criticada por Freud, e
não a serviço do restabelecimento da saúde.
Esse procedimento terapêutico, contudo, ostenta desde o início um
estigma. Não se destinava à recuperação do paciente, ou, pelo menos,
não em primeira instância; destinava-se, acima de tudo, a restaurar a sua
aptidão para o serviço. Nisso a
medicina servia a propósitos
estranhos à sua essência. O próprio médico estava sob comando militar e
tinha seus próprios perigos a temer — perda de posição ou uma acusação
de negligenciar o dever —, se permitiu ser levado por considerações
outras além daquelas que lhe foram prescritas. O insolúvel conflito entre
os direitos de humanidade, que normalmente pesam para um médico de
maneira decisiva, e as exigências de uma guerra nacional estavam
fadados a confundir a sua atividade.
Nesse mesmo trabalho Freud defende a utilização das técnicas desenvolvidas a
partir de seu método para tratamento dessas enfermidades, embora não explicite como essas
técnicas podem adequar-se ao tratamento de uma neurose diferente das neuroses
espontâneas.
Em 1920, é escrito o trabalho “Além do Principio de Prazer” (FREUD, 1920/1995,
Edição Eletrônica), onde redefine a teoria pulsional, e isto altera toda a psicanálise,
lançando novos fundamentos que vão alterar a concepção de aparelho psíquico,
transferência, técnica, e neste trabalho, ele inclui o conceito da compulsão à repetição.
Aqui, novamente,
pode-se perceber a preocupação com a Neurose Traumática,
descrevendo-a como uma neurose que traz mais sofrimento e incapacitação do que a
própria histeria:
O quadro sintomático apresentado pela neurose traumática aproxima-se
do da histeria pela abundância de seus sintomas motores semelhantes; em
geral, contudo, ultrapassa-o em seus sinais fortemente acentuados de
indisposição subjetiva (no que se assemelha à hipocondria ou
melancolia), bem como nas provas que fornece de debilitamento e de
perturbação muito mais abrangentes e gerais das capacidades mentais.
Ainda não se chegou a nenhuma explicação completa, seja das neuroses
de guerra, seja das neuroses traumáticas dos tempos de paz .
.
No mesmo trabalho, volta a falar da excepcionalidade desta neurose em relação à
teoria dos sonhos, desenvolvida vinte anos antes:
Se não quisermos que os sonhos dos neuróticos traumáticos abalem
nossa crença no teor realizador de desejos dos sonhos, teremos ainda
aberta a nós uma saída: podemos argumentar que a função de sonhar, tal
como muitas pessoas, nessa condição está perturbada e afastada de seus
propósitos, ou podemos ser levados a refletir sobre as misteriosas
tendências
masoquistas
do
ego
[...].
Nesse
ponto,
proponho
abandonarmos o obscuro e melancólico tema da neurose traumática, e
passar a examinar o método de funcionamento empregado pelo aparelho
mental em uma de suas primeiras atividades normais;
Em 1923, já no momento da psicanálise conhecido como Segunda Tópica (após a
publicação de “O Ego e o Id”), no texto “Observações sobre a teoria e prática da
Interpretação dos Sonhos” (1923/1995, Edição Eletrônica), reafirma:
Tanto quanto eu possa perceber, no momento, os sonhos ocorrentes em
uma neurose traumática constituem as únicas exceções genuínas, e os
sonhos de punição as únicas exceções aparentes à regra de que os sonhos
se orientam para a realização de desejos.
Em 1925, no texto “Inibições, Sintomas e Ansiedade” (1925/1995, Edição
Eletrônica), discute os dois tipos de ansiedade - um gerado a partir de perigos provenientes
do Id, outro que seria a reprodução de situações semelhantes ao ato do nascimento:
Como sabemos, uma psiconeurose está especialmente sujeita a
desenvolver-se com base em uma neurose ‘atual’. Isto se afigura
como se o ego tivesse tentando poupar-se à ansiedade, que ele
aprendeu a manter em suspensão por algum tempo, e ligá-la pela
formação de sintomas. A análise das neuroses de guerra
traumáticas — expressão que, incidentalmente, abrange grande
variedade de perturbações — provavelmente teria revelado que
grande número delas possui algumas características das neuroses
‘atuais’.
Os sonhos, no entanto, parecem evidenciar a especificidade da neurose traumática.
Os pesadelos presentes na neurose traumática, descritos no DSM-IV (APA, 1995), parecem
configurar uma exceção à teoria de que os sonhos são uma “satisfação alucinatória de
desejos inconscientes”. Na revisão de sua teoria sobre os sonhos, expressa nas “Novas
Conferências Introdutórias sobre Psicanálise” de 1933 (1933[1932]/1995, Edição
Eletrônica), ele confirma esse caráter de excepcionalidade, já indicado em 1920 e 1923:
Contra a teoria da realização de desejos dos sonhos surgiram apenas duas
dificuldades sérias. Uma discussão a respeito destas afastar-nos-ia muito
do caminho que seguimos e, na verdade, ainda não nos proporcionou
qualquer conclusão inteiramente satisfatória.
A primeira dessas dificuldades apresenta-se no fato de que as pessoas
que experimentaram um choque, um trauma psíquico grave — tal como
acontecia, com tanta freqüência, durante a guerra, e tal como propicia a
base para a histeria traumática —, são regularmente reconduzidas, em
seus sonhos, à situação traumática. De acordo com nossas hipóteses
referentes à função dos sonhos, isto não deveria ocorrer. Que impulso
decorrente de desejos poderia satisfazer-se retornando, dessa maneira, a
essa experiência traumática tão desagradável? É difícil imaginar.
[...] Nas neuroses traumáticas as coisas são diferentes. No caso destas,
os sonhos regularmente terminam em geração de ansiedade. Não
teríamos receio de admitir, penso eu, que aqui a função do sonho falhou.
Não invocarei o ditado segundo o qual a exceção comprova a regra: sua
sabedoria me parece ser a mais questionável. Mas, sem dúvida, a exceção
não subverte a regra. Se, no interesse de estudá-la, isolamos determinada
função psíquica, como o sonhar, do mecanismo psíquico como um todo,
possibilitamos a descoberta das leis que lhe são peculiares; quando,
porém, a inserimos novamente no contexto geral, devemos estar
preparados para descobrir que esses achados são obscurecidos e
prejudicados por colidirem com outras forças.
Mesmo em seu último trabalho, “Esboço de Psicanálise”, de 1938 (1940
[1938]/1995, Edição Eletrônica), Freud parece deixar para o futuro a resolução da
inconsistência da Neurose Traumática frente ao corpo teórico desenvolvido e consolidado
pela Psicanálise. É como se, em seu último trabalho, reforçasse a idéia expressada no início,
da especificidade da Neurose Traumática:
Podemos falar com um bom grau de certeza sobre o papel desempenhado
pelo período da vida. Parece que as neuroses são adquiridas somente na
tenra infância (até a idade de seis anos), ainda que seus sintomas possam
não aparecer até muito mais tarde. A neurose da infância pode tornar-se
manifesta por um curto tempo ou pode mesmo nem ser notada. Em todo
caso, a doença neurótica posterior se liga ao prelúdio na infância. É
possível que aquelas que são conhecidas como neuroses traumáticas
(devido a um susto excessivo ou graves choques somáticos, tais como
desastres ferroviários, soterramentos, etc.) constituem exceção a isto;
suas relações com determinantes na infância até aqui fugiram à
investigação.
Este breve rastreamento do tema Neurose Traumática na obra de Sigmund Freud
permite a aceitação, sob a ótica da psicanálise freudiana, da relação apontada no DSM-IV
(APA, 1995) e CID-10 (COOPER, 1997) de que o Transtorno de Estresse pós-Traumático
seja desencadeado por um fator estressor, limitado neste trabalho, ao assalto ou seqüestro
de bancários.
1.9- Alguns aspectos da dinâmica do Transtorno de Estresse pósTraumático
O PTSD seria apenas uma reação normal a um evento anormal, um quadro
nosográfico próprio, ou a experiência de uma situação traumática teve apenas uma função
desencadeante para uma neurose pré-existente?
Não podemos afirmar ser uma reação normal, quando em muitos casos os sintomas
permanecem por anos, como um “corpo estranho” (FREUD, 1893/1995, Edição
Eletrônica). O próprio fato de que os sintomas regridem e desaparecem quando a pessoa se
submete a tratamento psicoterápico específico (FIGLEY, 2003), também atesta pela
“anormalidade” de sua presença.
A sintomatologia específica do Transtorno de Estresse pós-Traumático evoca
algumas questões sobre sua dinâmica: por um lado, não podemos falar, simplesmente, de
uma resposta automática e previsível a uma situação em que a vida ou integridade esteve
ameaçada, como se fosse um arco reflexo. Por outro lado, ainda que a prevalência de casos
de pessoas que desenvolvem os sintomas seja alta, a maior parte delas sobrevive a estas
situações sem o surgimento do transtorno. Diversos autores apontam a existência de fatores
anteriores ao trauma, que facilitam o desenvolvimento de PTSD, após uma experiência
traumática. A própria natureza e duração da experiência, influem no desenvolvimento ou
não dos sintomas, e em sua prevalência.
Fatores
pré-existentes
como
histórico
de
traumas
anteriores,
separações,
características depressivas, parecem produzir uma vulnerabilidade ao desenvolvimento do
PTSD. Para Anna Freud (1971), o principal elemento seria a repetição de situações
traumáticas. Segundo essa autora, nenhum fato verdadeiramente traumático é assimilado
plenamente”(p.261), e a vulnerabilidade crescente é inevitável, quando ocorre a repetição
quantitativa ou qualitativa de traumas anteriores.
O aparelho psíquico funciona seguindo-se o princípio da constância ou homeostase.
Qualquer aumento de energia recebida requer uma descarga equivalente tendo como
objetivo o retorno do aparelho ao estado anterior. Após um transtorno produzido por um
estímulo externo, quando não são possíveis a descarga ou as via associativas (FREUD,
1893/1995, Edição Eletrônica), o desenvolvimento dos sintomas é a única saída possível
para um ego tornado frágil, por mais que não seja a mais adequada (FENICHEL,
1957/1998).
Este excesso de energia não descarregada provocaria alterações no modo de
funcionamento mental, e o aparelho psíquico passa a tentar eliminar a excitação ou
defender-se dela. Nesse sentido, o Transtorno de Estresse pós-Traumático seria resultado de
três alterações no modo normal de funcionamento psíquico: Facilitação da memória e sua
tentativa de descarga, compulsão a repetição e a falha nas defesas.
Freud, em seu trabalho “Fixação em Traumas - O Inconsciente” (1917a/1995, Edição
Eletrônica), comenta que a “As neuroses traumáticas dão uma indicação precisa de que em
sua raiz se situa uma fixação no momento do acidente traumático” (grifo nosso). É
importante chamar a atenção para um ponto desta frase: que na raiz da neurose traumática
encontra-se a fixação, e não que é um sintoma dela. O acontecimento traumático parece ter
a capacidade de atrair catexias para a constante recordação da situação traumática. Essa
idéia se coaduna com a concepção de facilitação contida no trabalho “Projeto para uma
psicologia científica” (FREUD, 1895a/1995, Edição Eletrônica).
Vieira, (2001) explica dessa forma a relação entre uma situação traumática e a
facilitação provocada: Um estímulo externo , que chega ao sistema ϕ (responsável pela
recepção de estímulos), é classificado por sua qualidade e quantidade, ou repetição. Essa
classificação ocorre desde o limiar da percepção, até o limite da dor. O estímulo percorre ϕ
sem alterar este sistema. Quando atinge o sistema ψ (responsável pela memória), o estímulo
distribui-se, obedecendo a uma razão direta em que a maior quantidade em ϕ corresponde a
uma maior complexidade em ψ. Quanto maior a intensidade do estímulo em ϕ, maior a
quantidade de neurônios envolvidos em ψ. Pelo tipo de estímulo específico, será definida a
via de conexão que o estímulo vai percorrer. Se a pessoa já tiver vivido uma experiência
parecida, porém menos intensa que a experiência atual, já existe um caminho formado para
a condução do estímulo. Se, porém, este caminho não for suficiente, será necessária
abertura de novas vias. A facilitação nova vai depender da intensidade do estímulo atual em
relação aos anteriores, e do número de repetições. Se um estímulo for muito intenso, ele vai
criar uma ampla facilitação tanto nas barreiras de contato (sinapses) já facilitadas
anteriormente (pelo número de repetições), quanto pelas novas vias, abertas pela
intensidade. O próximo estímulo, de mesma qualidade, vai se conduzir pela mesma via,
facilitada, aberta pelo excesso de estímulos, ou seja pelo trauma.
Pode-se fazer uma analogia deste processo com o que ocorre com a água das chuvas
em um terreno sem vegetação. Quando ocorre uma chuva intensa, cuja quantidade de água
seja superior à capacidade de absorção do terreno, a partir da composição e inclinação do
solo, o excedente de água tenderá a escorrer, criando sulcos na terra. Uma vez abertos,
esses sulcos provocarão uma alteração na topografia do terreno, e, a cada nova chuva,
funcionarão como um caminho natural para o escoamento da água. Seria necessário um
longo período de estiagem para que o terreno voltasse a ser como era antes.
Da mesma forma, após a facilitação provocada por um estímulo de muita intensidade,
ele atrairá novos estímulos de qualidade semelhantes, e isso provocaria a continuidade da
situação traumática ou a atração das catexias para as vias facilitadas.
Assim, se uma parte da libido atém-se a estas vias facilitadas, ocorre o
desinvestimento em outras áreas, de onde podemos inferir a causa das seguintes
características comuns no PTSD (FENICHEL 1957/1998):
1 – Diminuição da libido: a energia sexual é mobilizada para atuar sobre a excitação
invasora , em função de um bloqueio ou diminuição de várias funções egóicas;
2 – Atitudes instintivas ou egóicas regressivas, por exemplo, a dependência e a
passividade, sensação de desamparo e regressões orais.
3 – Alterações do sono (que é um estado supostamente de investimento da libido no
próprio ego, que é invadido pela excitação): insônia e repetição do trauma nos sonhos;
5 – Repetições do trauma em estado de vigília, numa tentativa de descarga do excesso de
estimulação associada às lembranças.
A tarefa do aparelho psíquico seria, nesse caso, tentar ligar a energia livre presente no
trauma em uma série psíquica, associativamente. Mas isso não é possível devido à própria
intensidade da estimulação, e ele continua se reinvestindo, criando um círculo vicioso.
Esses conceitos corroboram a concepção de Ferenczi (1919), de que o trauma produz
uma retirada da libido dos objetos, que é investida narcisicamente. Esse sobreinvestimento
libidinal provoca um excesso de estimulação sem representação.
Essa seria a diferença entre o trauma e o estresse para Benyakar (2003). No trauma, a
irrupção brusca do mundo externo no mundo interno interrompe a articulação entre o afeto
e a representação, enquanto o estresse implica numa distorção dessa articulação, pois está
sujeita a uma tensão e pressão máximas.
Quando ocorre a quebra dessa função articuladora , o que ocorre é que uma vivencia
traumática, que é vivencia de vazio, fica ligada ao evento factual que provocou a essa
experiência. Essa associação de evento factual com vivencia traumática leva a perceber a
experiência como se fosse traumática.
Assim, a essência do traumático seria a irrupção no psiquismo de algo heterogêneo,
do não próprio, quando o psiquismo não tem possibilidades de transformar em próprio, ou
seja, de buscar associações. Então o afeto desligado buscará incessantemente a
representação do experimentado, produzindo a sintomatologia do traumático, sonhos,
hiperalerta, flashes, pensamentos repetitivos (CROCQ, 2002).
O trauma não representa, ele apresenta (UCHITEL, 2001) e, ao re-apresentar, ele
precisa ser descarregado, uma vez que não pode ser associado. Uma das formas de descarga
seria através de sua repetição.
A repetição teria várias funções para o aparelho psíquico:
A)
Descarregar a excitação, num funcionamento automático da Compulsão à
repetição, a serviços do Instinto de Morte, de forma mecânica, automática e
sem aprendizagem (BASILI E BASILI 2002).
B)
Permitir, através de uma descarga parcial, a diminuição da intensidade das
lembranças traumáticas, permitindo a ligação dessa catexia, tornando-a
inofensiva (FUCKS, 2002).
C)
Transformar a passividade decorrente da própria situação traumática em
atividade, a serviço de um instinto de dominação (FREUD, 1920/1995,
Edição Eletrônica). Nesse sentido pode-se ver pesquisa de Valentiner et al.
(1996), que constatou que mulheres que assumiam uma postura ativa
durante um abuso sexual tinham menos probabilidade de desenvolver os
sintomas do PTSD.
D)
A repetição egóica tem o intento de elaborar o evento traumático,
completando a integração da nova informação da realidade a antigas,
armazenada em formas de esquemas cognitivo-afetivos (MINGOTE et.al.,
2001).
E)
A repetição também tem o intuito de encontrar uma saída nova para a
situação traumática em que prevaleça o princípio do prazer. Isso pode
explicar o que ocorre com algumas pessoas traumatizadas, a busca
compulsiva de novas situações perigosas, que ofereçam a possibilidade de
alterar seu desfecho.
F)
Há uma ordem progressiva na forma como os estímulos são trabalhados e o
efeito do trauma obriga a repetição dessa ordem evolutiva: da morte para a
alucinação e desta para a aceitação do desprazer e a representação da
realidade (VIEIRA, 2001)
Em relação às defesas, alguns aspectos devem ser enfatizados. Como a experiência
traumática é um fator da realidade externa, a maioria das defesas utilizadas pelo indivíduo
com PTSD dirige-se contra os sintomas, e acabam sendo, em si, novos sintomas.
O evento factual tornou-se traumático por uma falha da barreira contra estímulos ou
escudo protetor (FREUD, 1920/1995, Edição Eletrônica), inundando o ego com um excesso
de energia. Essa inundação dilacera a capacidade defensiva do ego, fazendo com que ele
regrida a formas de funcionamento mais primitivas, como o desamparo.
As alterações provocadas no Ego pelo trauma fazem com que seja necessária uma
compreensão da relação do indivíduo com os sintomas e as defesas utilizadas, a partir de
alguns caminhos.
O primeiro, no sentido de providenciar parâmetros para avaliar o impacto de eventos
potencialmente traumáticos no funcionamento egóico (entendendo-se como funcionamento
egóico a capacidade de sintetizar e controlar o impacto emocional de eventos externos e
estímulos internos). Em segundo lugar, estar orientado a identificar em profundidade, o
propósito dinâmico da apresentação dos sintomas e os eventos traumáticos que os
precipitaram.
Além desses fatores, avaliar as defesas mais comumente utilizadas:
1)
As formas regredidas que a pessoa adota em seu relacionamento com
a realidade. Esta regressão pode ser verificada a partir das adições
orais, comumente presentes na sintomatologia do PTSD
2)
A criação de uma condição de vitimização, transformando o
sofrimento em lucro secundário (FENICHEL, 1957), o que fez com
que o PTSD fosse considerado por vários autores como sendo uma
“neurose de compensação”.
3)
Identificação com o agressor, perpetuando a violência e criando
novas vítimas (BASILI e BASILI, 2002)10.
Além destes, é preciso levar em consideração que o confronto com a situação
traumática provoca uma descontinuidade no psiquismo. Quando o self experimenta uma
descontinuidade muito radical, perde sua qualidade de integração, e a vulnerabilidade
provoca a dissociação e cisão. Isso poderia explicar a atemporalidade dos sintomas e a
fixação no passado (LIFTON, 1979 apud CIA, 2001).
Para Chertoff (1998), uma situação traumática teria também a capacidade de tornar
manifestos conflitos latentes anteriores. Um dos casos clínicos apresentados por essa autora
descreve uma mulher para a qual o parto difícil de seu primeiro filho foi traumático,
gerando sintomas de PTSD. A situação do parto, para a paciente, ativou as lembranças de
um estupro provocado por uma gangue de jovens, quando esta mulher era adolescente. Essa
forma de compreensão aproxima-se da dinâmica de uma psiconeurose, na discussão de que
o PTSD seria uma neurose atual versus a compreensão de uma psiconeurose. Desta forma,
o trauma seria apenas um estímulo que ativa um conflito anterior, dinamicamente
controlado. Ele teria, nesse enfoque, um papel semelhante ao do resto diurno na teoria da
formação dos sonhos, de ser um estímulo externo, circunstancial e sem importância em si
mesmo, mas que desorganiza o equilíbrio econômico entre impulsos e defesas que, durante
o sono, procura descarga de forma alucinatória, produzindo um sonho.
Montaño (2003) relata como jovens adolescentes colombianos tinham o traficante Pablo
Escobar como ídolo. Muitos destes jovens tiveram familiares assassinados pelos traficantes,
a mando do próprio Pablo Escobar.
10
2. Objetivos
O presente trabalho visa estudar a relação entre situações de violência vividas por
bancários em sua atividade profissional, e o possível desenvolvimento de sintomas de
Transtorno de Estresse pós-Traumático.
Os objetivos deste trabalho são:
1) Investigar se uma experiência da violência de um assalto, ou seqüestro com a
finalidade de assalto, pode tornar-se traumatizante para os bancários que a sofrem, e
se as vítimas do assalto ou seqüestro desenvolvem sintomas do Transtorno de
Estresse pós-Traumático.
2) Identificar o tipo de alteração psicológica após a vivência de um assalto na
agência, ou de um seqüestro com finalidade de assalto à agência bancária. .
3) Destacando o aspecto funcional, descrever as medidas que o bancário adota em
relação às mudanças ocorridas, e se ele utiliza meios defensivos que alteram seu
desempenho, carreira ou perspectivas profissionais
4) Verificar se ocorre o reconhecimento da enfermidade e se há a busca de auxílio
profissional.
3. Método
Participaram da pesquisa três funcionários de agências de um banco comercial que
passaram pela experiência de assalto ou seqüestro, para averiguar se esta experiência
alterou sua vida, e como influenciou suas relações interpessoais, sua produtividade e
perspectivas profissionais, e se houve o desenvolvimento do Transtorno de Estresse pósTraumático.
3.1 Participantes
A população investigada é composta de pessoas que passaram por experiência de
assalto ou seqüestro nos últimos cinco anos, utilizando-se uma amostra de três casos. Tratase de uma amostra por conveniência, de pessoas que após sofrerem assalto ou seqüestro
com finalidade de assalto à agência bancária em que trabalham, apresentaram algum tipo de
sofrimento psicológico. Estes três casos foram selecionados por terem procurado o
Programa de Assistência às Vítimas de Assalto ou Seqüestro (PAVAS) do banco escolhido.
Este programa, entre outros benefícios, facilita o deslocamento do funcionário que passou
por uma situação de assalto ou seqüestro para outra agência ou departamento. Desta forma,
a amostra é composta de indivíduos que, após uma situação de assalto ou seqüestro,
sentiram alguma dificuldade em permanecer trabalhando no mesmo local. Estas pessoas
não foram avaliadas por profissionais de saúde do banco, para essa finalidade. O
deslocamento é realizado na esfera administrativa, sob consulta ao serviço de saúde da
instituição, ou por orientação do órgão encarregado pela segurança do banco. Pelas normas
do PAVAS, ocorre uma solicitação da própria pessoa, que tem prioridade na transferência,
a partir da existência de vagas em outras agências ou departamentos.
Considera-se que as variáveis de idade, sexo, escolaridade, estado civil, local da
agência e tempo de trabalho não interferem na análise dos dados, por isso foram
desprezadas na escolha da amostra. Em relação à idade, uma vez que é condição para o
ingresso na instituição bancária que o funcionário seja maior de 18 anos, foi desprezada
esta variável.
A instituição bancária selecionada foi um banco estatal, comercial, de abrangência
nacional, e esta seleção deveu-se a vários fatores: em primeiro lugar, por ser uma
instituição bancária que oferece relativa estabilidade, com baixa rotatividade de
funcionários. Este fator tem como conseqüência o fato de que os relacionamentos
interpessoais possam ser mais duradouros. Por outro lado, pelo fato de ser uma instituição
onde o ingresso é precedido de concurso público altamente disputado, a carreira
profissional é valorizada e o emprego visto como permanente. Outro ponto a ser destacado
é o interesse dessa instituição bancária no desenvolvimento e aprimoramento de um
programa de intervenção que auxilie os funcionários que passam pela experiência de assalto
ou seqüestro.
3.2 Local
As entrevistas serão realizadas no consultório do pesquisador, uma sala destinada ao
atendimento psicoterápico de adultos, que tem as seguintes características: Dimensões: A
sala mede 3 (Três) metros de comprimento por 4 (Quatro) metros de largura. Esta sala
contém o seguinte mobiliário: Três poltronas estofadas, colocadas de forma triangular, um
divã, uma mesa de centro e uma mesa própria para computadores, com um computador.
As entrevistas poderão também ser realizadas no próprio local de trabalho do
entrevistado, por conveniência do sujeito, desde que estejam disponíveis as condições
mínimas de sigilo e privacidade.
Com a concordância do entrevistado em formulário próprio para esse fim, as
entrevistas serão gravadas em fita de áudio para posterior transcrição.
3.3 Instrumento
Serão realizadas entrevistas preliminares (Apêndice) com bancários assaltados ou
seqüestrados. As entrevistas serão semi-dirigidas, tendo como base um modelo de
questionário desenvolvido para tal finalidade (Anexo 1), baseado na escala CAPS,
desenvolvida por Blake et al. (ROSO, 1998) (Anexo 2). A análise das entrevistas terá como
orientação a investigação da presença dos sintomas descritos no DSM-IV (APA, 1995) e
outras alterações na vida do entrevistado, não contempladas na descrição do quadro clínico,
assim como alterações na relação do entrevistado com a instituição bancária, com sua
perspectiva profissional e sua família.
3.4 Procedimento
Foi realizada uma análise de conteúdo das entrevistas realizadas. A análise de
conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações (BARDIN, 1977, p.38),
utilizada de forma qualitativa sobre um fato clínico. Fato clínico segundo Oliveira e Rosa
(2001, p. 13), “[...] é um método de investigação consensual de construção de inferências
sobre a dimensão subjetiva, intersubjetiva e relacional da prática psicanalítica..”.
Assim, a partir das entrevistas realizadas, serão efetuadas análises de seus conteúdos
com o objetivo de confrontar os dados encontrados com a descrição dos sintomas de
Transtorno de Estresse pós-Traumático constantes no DSM-IV (APA, 1995), e também
para buscar a compreensão dos sintomas do PTSD, a partir dos conceitos teóricos da
psicanálise.
Os sintomas identificados nas entrevistas são:
1) Lembrança constante (intrusiva) da situação traumática.
2) A ansiedade
3) Alterações na saúde.
4) Ausência de prazer.
5) Alterações no relacionamento interpessoal (irritabilidade, isolamento social).
Outras alterações encontradas a partir das entrevistas, que não constam dos critérios
diagnósticos para Transtorno de Estresse pós-Traumático segundo o DSM-IV (APA, 1995):
1) Lembrança de detalhes secundários da situação traumática.
2) O sentimento de culpa.
3) Revolta em relação ao ocorrido.
4) Mecanismo de defesa de Identificação com o Agressor.
5) Regressões a hábitos orais.
Foi realizado um levantamento bibliográfico de estudos semelhantes até a entrega
final da dissertação.
O projeto de pesquisa situa-se como um estudo psicopatológico, que se acerca de
problemas etiológicos, na medida em que irá trabalhar com o desencadeante assalto ou
seqüestro, considerando a interação da vítima com o seu ambiente, uma vez que serão
analisadas as dificuldades de adaptação do sujeito nos diversos setores. Essa conjugação
tem por intuito buscar elementos para o desenvolvimento de uma proposta de intervenção
preventiva e terapêutica que considere os fatores individuais e institucionais.
O desenvolvimento deste projeto de pesquisa é, desta forma, condição tática
indispensável para a elaboração de um projeto de intervenção específico para o Transtorno
de Estresse pós-Traumático para funcionários de agências bancárias assaltadas.
4. Resultados
4.1 Características da instituição bancária
O Banco escolhido para a pesquisa é um dos maiores do país. Tem, atualmente,
3155 (três mil, cento e cinqüenta e cinco) agências, onde trabalham 90468 (noventa mil,
quatrocentos e sessenta e oito) funcionários diretos, entre empregados e estagiários. Não
estão computados nesse número os funcionários das empresas de vigilância, limpeza e
telefonia que prestam serviços ao banco, que também, no caso de assalto, geralmente estão
presentes na agência. Por ser uma empresa estatal e um instrumento de implantação de
políticas econômicas do governo, o banco mantém agências em pequenos municípios do
país e no meio rural. Nos pequenos municípios, muitas vezes, não há estrutura de segurança
adequada, o que torna o banco, nestes municípios, alvo de assaltos. Além deste fator, há de
se considerar também que, nos pequenos municípios a criminalidade é menor do que nos
grandes centros urbanos. Isso faz com que a população, incluindo os funcionários do
banco, por não viverem o ambiente disruptivo dos grandes centros urbanos, fique menos
preparada para situações de violência.
O ingresso do funcionário no banco é realizado por meio de concurso público. Os
diversos benefícios oferecidos pela empresa, como assistência médica e complementação
de aposentadoria, fazem com que o concurso para ingresso seja altamente disputado, e o
emprego é visto como uma carreira permanente, ao contrário de outros bancos, onde o
emprego é visto como algo temporário. Embora nos últimos anos tenha havido uma
redução de salários e benefícios indiretos, o salário inicial ainda é superior ao das
instituições bancárias privadas. Por ser uma empresa estatal, há uma relativa estabilidade no
emprego, o que o torna atraente em um país com alta taxa de desemprego como o Brasil.
Em função dessa estabilidade, o grupo de trabalho nas agências geralmente é constante e
facilita o estabelecimento de laços afetivos que são extensivos ao relacionamento familiar e
social. Os funcionários e suas famílias convivem também nas instituições ligadas à própria
empresa, como clubes, cooperativas e colônia de férias, geralmente destinados apenas aos
próprios funcionários e familiares.
Em 1999, ocorreram muitos assaltos em agências deste Banco no país. Embora os
números sejam altos, é preciso salientar que, segundo informações do Sindicato dos
Bancários de São Paulo, o Banco em questão não é o mais assaltado no país, e que hoje, os
índices diminuíram muito, tanto pelas medidas de segurança mais rigorosas adotadas pelos
próprios bancos, quanto pela diversificação dos crimes praticados pelas quadrilhas mais
organizadas, que estão optando pelo seqüestro de empresários. Por serem considerados
confidenciais, não estão disponíveis dados atualizados sobre o número de assaltos e
seqüestros de funcionários do banco. Um levantamento do Sindicato dos Bancários de Belo
Horizonte (SEEB-BH, 2003), não oficial, aponta para uma redução de mais de 40% no
número de assaltos no ano de 2003 em relação a 1999.
Segundo informações do próprio banco, os assaltos ocorrem basicamente de duas
maneiras: Em primeiro lugar, grupos armados invadem o banco durante o expediente, às
vezes enfrentando a resistência da segurança armada do banco ou da polícia, quando é
acionada. A outra modalidade mais comum é a do seqüestro do funcionário ou de algum
familiar deste, ou de sua família inteira. Isto geralmente ocorre na noite anterior, com o
objetivo de que o funcionário abra a agência e o cofre na manhã seguinte para o ingresso
dos assaltantes. Estas ocorrências geralmente são acompanhadas de muita violência e
ameaças.
4.2- O Programa de Assistência às Vítimas de Assalto ou Seqüestro
Freud (1913/1995, Edição Eletrônica), comentando sobre a alegação dos altos
custos do tratamento psicanalítico, dizia que:
[...] a despesa envolvida na psicanálise é excessiva apenas na
aparência. Inteiramente à parte do fato de nenhuma comparação ser
possível entre a saúde e a eficiência restauradas, por um lado, e um
moderado dispêndio financeiro por outro, quando adicionamos os custos
incessantes das casas de saúde e do tratamento médico e contrastamo-los
com o aumento de eficiência e de capacidade de ganhar a vida que resulta
de uma análise inteiramente bem sucedida, temos o direito de dizer que
os pacientes fizeram um bom negócio.
Pela legislação trabalhista holandesa, desde 1994, os empregadores têm a obrigação
de cuidar dos empregados que enfrentam incidentes críticos. Além disto, os empregadores
devem desenvolver procedimentos preventivos para evitar que seus funcionários enfrentem
situações traumatizantes, assim como são responsáveis pelas conseqüências das mesmas. Se
um empregado passa por uma situação traumatizante, o empregador deve providenciar um
suporte psicológico adequado (VAN DER BLOEG, DORRESTEIJN; KLEBER, 2003).
Essa preocupação não visa apenas o bem estar e a qualidade de vida dos
funcionários. No caso da relação das pessoas traumatizadas com seu trabalho, além do
sofrimento que o PTSD provoca, na própria pessoa e nos familiares, há que se considerar
também o prejuízo que esta patologia provoca na empresa em que trabalham. Há um
prejuízo direto para o sistema de saúde, uma vez que Walker et al. (2003) encontrou dados
em pesquisa realizada, que mulheres com PTSD apresentam um custo aos serviços de saúde
104% maior que mulheres sem PTSD, chegando a despesas de até US$ 6.381,00 por ano.
Levando em conta a alta prevalência de PTSD conseqüente a assaltos e a pouca
pesquisa sobre a eficácia de programas de intervenção em crise existentes, há uma
necessidade de desenvolvimento de programas breves, baratos capazes de prevenir ou
evitar o surgimento do PTSD crônico. (FOA; ZOELLNER; ALVAREZ, 2003)
Essa necessidade tem inclusive uma motivação econômica: o paciente com PTSD,
além do sofrimento que traz a si e seus familiares, representa um alto custo social e, no caso
dos bancários, custo para a empresa e para o sistema de saúde. Marshal et al. (2000)
concluíram após investigações com veteranos australianos da guerra do Vietnã que, aqueles
que desenvolveram PTSD apresentavam um gasto com saúde 50% mais elevado do que a
média da população. Pesquisa de Walker et al, (2003) mostrou que mulheres com PTSD
apresentam uma despesa com saúde maior que o dobro das mulheres sem PTSD. Uma
pequena parte desse aumento, no entanto, representa custo com saúde mental. Isso significa
que essas mulheres vitimizadas procuram mais os serviços de saúde com outras queixas,
não pelo PTSD, que deixa de ser identificado e diagnosticado. Como os transtornos de
ansiedade podem induzir sintomas somáticos, os pacientes procuram freqüentemente
cuidados médicos antes de procurar tratamento para o sofrimento psicológico (AAPAAMERICAN ACADEMY OF PHYSICIAN ASSISTANTS, 2002) Se esse quadro pudesse
ter sido reconhecido pelo paciente ou pelo profissional de saúde, muito dinheiro gasto
poderia ter sido economizado. Quando envolve como comorbidade o uso de álcool ou
drogas, Brown, Stout e Mueller, (1999) identificaram gastos de US$ 4.042,00 por paciente
com PTSD, em um período de 6 meses, contra US$ 780,00 para pacientes que não tinham o
diagnóstico de PTSD.
Gabbard e Lazar (2000) citam estudos em que a oferta de psicoterapia para
militares americanos com dependência química, proporcionou economia de
três milhões de dólares em 3 anos. O cálculo realizado é de que para cada
dólar gasto com psicoterapia, são economizados US$ 4,00 com outras
despesas de saúde.
Foa et. al. (1995), avaliando um programa de intervenção psicoterápica preventiva,
composta de apenas 4 sessões, com mulheres vítimas de violência sexual e não sexual, após
2 meses encontraram taxa de 10% de pessoas que desenvolveram sintomas de PTSD no
grupo que recebeu esta intervenção, contra 70% do grupo controle, que não recebeu as
sessões. Após 5 meses e meio, o número no grupo que recebeu as intervenções manteve-se
em 10%, enquanto no outro a taxa encontrada foi de 33%. Um programa barato, com
apenas 4 sessões pôde impedir o desenvolvimento da doença em boa parte da amostra.
Nesse sentido, são valorizados e devem ser estimulados os esforços
continuados para identificar e executar programas eficazes da prevenção e do
tratamento do PTSD (MARSHAL et al., 2000).
Os eventos traumáticos causam efeitos demonstráveis em longo prazo, podendo
tornar-se crônicos na saúde mental e física. Tentar impedir esses efeitos adversos é uma
tarefa de saúde pública (MCFARLANE, 2000).
No Brasil, há poucas iniciativas da saúde pública para trabalhar com vítimas de
desastres, de uma maneira geral, e da violência, de forma particular.
Menos ainda são os programas das empresas privadas que reconhecem o sofrimento
psíquico de seus trabalhadores como problema de saúde e investem em ações profiláticas
que permitam reduzir o impacto das situações de violência em seus empregados e
familiares.
O banco investigado desenvolveu, a partir de 2000, um programa de assistência aos
funcionários e seus familiares que passaram por experiência de violência relacionada ao
trabalho bancário. Este programa recebeu o nome de PAVAS (Programa de Assistência a
Vítimas de Assalto e Seqüestro).
Com a implantação do PAVAS, foi implantada a idéia de um atendimento
multidisciplinar, envolvendo as diversas áreas relacionadas ao banco.
Na ocorrência de um assalto ou seqüestro com finalidade de assalto ao banco, o
gerente ou outro funcionário da agência vitimizada aciona o programa, através de um
telefonema para o departamento de Gestão de Pessoas, e serão deslocadas para o local as
equipes relacionadas à ocorrência.
São cinco as equipes envolvidas:
1.
Superintendência Regional
2.
Segurança
3.
Jurídica
4.
Saúde
5.
Gestão De Pessoas
1. À Superintendência Regional, responsável pelo funcionamento da agência e
aspectos administrativos, cabe:
•
Avaliar a viabilidade do funcionamento da agência;
•
Contabilizar as perdas;
•
Deslocar funcionários de agências próximas para atendimento dos clientes;
•
Atender clientes quando for indispensável.
•
Atender a imprensa, quando necessário.
2. Á equipe de segurança cabem as tarefas de:
•
Providenciar o fechamento da agência, se necessário.
•
Avaliar a continuidade do perigo para a agência, funcionários e seus
familiares.
•
Promover a proteção do patrimônio do banco. Isso é importante quando
houve troca de tiros, com a quebra de vidros e portas.
•
Isolar a área, no caso de vitima fatal, até a chegada das autoridades policiais;
•
Reforçar a segurança da agência;
•
Acompanhar os policiais no caso de perícia;
•
Providenciar a segurança pessoal dos funcionários e de suas famílias. No
caso de seqüestros realizados na residência do funcionário, é providenciada
a segurança do imóvel e de seus familiares, até a avaliação de que não há
mais perigo, ou com a prisão dos assaltantes ou com o deslocamento do
funcionário e sua família.
3. A equipe jurídica tem a incumbência de:
•
Assistir o funcionário nas declarações à polícia. Nenhum funcionário presta
depoimento à polícia sem a presença de um advogado.
•
Adotar providências judiciais imediatas para preservar o patrimônio do
banco e dos funcionários envolvidos.
•
Acompanhar o funcionário e seus familiares no reconhecimento dos
assaltantes, quando presos.
Muitas vezes os procedimentos relacionados às autoridades policiais podem ser
também traumatizantes. As longas esperas para prestar depoimento, em um ambiente tenso
e assustador como são em geral as delegacias de policia, associadas às posturas muito vezes
rudes por parte dos policiais, podem ser re-traumatizantes para o funcionário. O funcionário
que acabou de sobreviver a uma experiência angustiante sente-se frágil atemorizado neste
ambiente. A presença do advogado torna-se mais que uma representação legal do banco.
Ele passa a ser visto como um elemento de proteção pessoal, e o funcionário sente-se
amparado e seguro com sua presença.
4. A equipe de saúde:
•
Envia ao local um médico e um psicólogo ou assistente social para
atendimento emergencial dos envolvidos.
•
Assiste a família no caso de seqüestro de um de seus membros.
•
Providencia acompanhamento médico para feridos.
•
Promove visitas posteriores à agência e famílias envolvidas para avaliação
diagnóstica.
•
Encaminha os envolvidos para tratamento médico ou psicológico, com
direito ao máximo de 200 sessões de psicoterapia.
•
Faz um acompanhamento sistemático sobre a saúde dos funcionários.
5. A equipe de Gestão de Pessoas:
•
Define procedimentos emergenciais e de acompanhamento do funcionário e
de sua família.
•
Quando necessário, promove o alojamento da família em hotéis da região.
•
Realiza a transferência do funcionário quando recomendado pela equipe de
segurança ou equipe de saúde.
A implantação do programa trouxe diversas alterações na forma da empresa lidar
com o problema assalto. Não obstante o empenho do banco no sentido da adoção de
medidas de segurança, para evitar as ocorrências potencialmente traumatizantes, o PAVAS
trouxe o reconhecimento dos problemas emocionais gerados pela situação de assalto ou
seqüestro. Foi reconhecido pela empresa que o assalto traz mais prejuízos do que o dinheiro
levado pelos assaltantes. Isto provocou uma mudança da cultura da empresa em relação à
saúde emocional de seus empregados.
Ele não apenas reduziu o impacto da assustadora experiência de assalto ou
seqüestro, mas humanizou as relações interpessoais do grupo. O reconhecimento do colega
como vítima permitiu uma identificação dos sintomas como decorrentes de uma situação, e
não como uma fragilidade pessoal.
O acompanhamento e preocupação posteriores por parte das equipes permitem a
redução da sensação de fragilidade. O medo da repetição da situação, comum ao individuo
traumatizado, torna-se algo suportável, uma vez que a sensação de desamparo fica
reduzida. O funcionário sente-se cuidado e, apesar da realidade do país, mais seguro.
O PAVAS encontra ainda uma série de dificuldades. Na área de saúde, pelas
dimensões do país, muitas vezes não há profissionais de saúde próximos a agências que
sofreram assalto ou seqüestro. Além disso, muitas vezes o profissional não está capacitado
a trabalhar com este tipo de demanda, e a intervenção fica baseada em senso comum. Isso,
porém, não é uma dificuldade exclusiva do serviço de saúde do banco, mas algo que ocorre
na realidade brasileira.
O Banco, com a implantação desse programa, além dos benefícios trazidos aos
empregados, verificou-se que o preço é baixo em relação à economia proporcionada. Este
programa tem um alto custo para a instituição, mas, convém lembrar o que Freud
(1913/1995 Edição Eletrônica) disse: “Nada na vida é tão caro quanto a doença — e a
estupidez”.
4.3- Casos de funcionários vítimas de assalto ou seqüestro
Serão apresentados os casos entrevistados. A apresentação dos casos teve como
critério a descrição do local da entrevista, a identificação do indivíduo, a descrição da
situação traumática, e as alterações sentidas após essa situação. Por motivos éticos, o nome
dos entrevistados foi alterado. A transcrição integral da fita da entrevista encontra-se na
forma de apêndice.
4.3.1- O caso de Sueli – A culpa pelo assalto
Entrevista realizada em 19.02.2003. A entrevista foi realizada na sala do gerente,
que não estava presente no dia. A sala onde a entrevista foi realizada mede
aproximadamente 3 metros de largura por dois metros e meio de comprimento, continha o
seguinte mobiliário: uma mesa, sobre a qual havia um monitor de computador, três
cadeiras, estando uma de um lado da mesa e as outras duas do outro lado, e um pequeno
armário. A sala era separada do saguão da agência por uma divisória que ia do piso até o
teto. Na divisória havia uma porta de entrada, que ficou fechada durante a entrevista. A
entrevista transcorreu sem interrupções.
A funcionária, que chamarei de Sueli, tem 39 anos, é divorciada há 12 anos e tem
uma filha de 15. Já havia passado por outros dois assaltos anteriormente que, segundo ela,
não trouxeram alterações em sua vida, ao contrário do último. Em 29 de Outubro de 2002,
dirigiu-se normalmente ao trabalho. Era um dia como outro qualquer.
Quando chegou a agência onde trabalhava,
os assaltantes já haviam entrado,
embora ela não os tivesse notado. Sueli era uma das pessoas que detinham a combinação do
cofre, embora não fosse sua atribuição abri-lo diariamente. Isto é um procedimento de
rotina nos bancos. Alguns funcionários têm a combinação do cofre para poder abri-lo no
caso da ausência do gerente ou tesoureiro. Ao entrar na agência, foi rendida pelos
assaltantes, e colocada junto aos outros funcionários que chegaram antes dela. Os
assaltantes perguntaram então quem abria o cofre, e Sueli manteve-se em silêncio, pois
acreditava que não conseguiria abri-lo, por estar nervosa, e por não se lembrar onde havia
guardado a combinação. Quando outro colega chegou, foi abordado e agredido pelos
assaltantes para que abrisse o cofre. Este fato gerou posteriormente um sentimento de culpa
em Sueli, pois ela avalia que, se tivesse aberto o cofre quando interpelada, teria evitado a
agressão do colega e diminuiria o tempo que os assaltantes permaneceram na agência.
Sueli considera não ter recebido orientação, por parte do banco, sobre como se
comportar durante um assalto. Enquanto estavam no interior da agência, os assaltantes
fizeram diversas ameaças, inclusive para Sueli. Quando os assaltantes quebraram o
aparelho de circuito interno das câmeras de segurança, Sueli interpretou o barulho como
sendo da morte de algum colega. Nesse momento, um dos assaltantes que estava com o
vigilante da agência dirigiu-se a ela dizendo: “O que você está olhando aí, sua puta, sua
puta. Senão eu dou um tiro agora na sua cabeça”, e ela começou a chorar. Um colega
abriu o cofre, mas ainda levou um tempo para que os assaltantes saíssem, pois o cofre tinha
mecanismo de tempo para abertura. Esse período de espera foi marcado por muita tensão.
Os assaltantes pegaram o dinheiro e fugiram.
Sueli sentiu-se mal após o assalto, “não agüentava nem olhar para as pessoas” e
pediu um afastamento do trabalho ao serviço médico do banco, ficando afastada por quinze
dias. Alguns dias depois de seu afastamento, teve um sonho em que a agência estava sendo
assaltada novamente. Na tarde desse mesmo dia, recebeu um telefonema de uma colega,
que disse que a agência havia sofrido novo assalto. “Entrei em desespero”, disse ela,
completando que “fiquei louca, gritando, chorando”. Tentou ligar para a agência, mas não
atendiam ao telefone, e ela imaginou que seus colegas estavam todos mortos. Sentiu-se
novamente culpada por não ter alertado seus colegas, evitando o assalto.
Foi deslocada para um departamento interno do banco, que não tinha atendimento
de público nem havia manuseio de valores. Sueli interpretou essa transferência como sendo
um ato apenas para ajudá-la, uma vez que ela não tinha uma função definida. Atualmente
foi transferida para outra agência, na mesma cidade, localizada em um prédio mais seguro,
no centro da cidade, mas não conseguiu adaptar-se. Considera seus colegas frios e distantes
em relação a ela, e considera que não foi bem acolhida.
Sueli relatou as seguintes alterações após o assalto:
Estava namorando há dois anos com um rapaz, mas terminou o relacionamento
porque achava que não podia corresponder às expectativas dele de ter uma vida sexual
normal, pois após o assalto, não conseguiu mais ter relacionamentos sexuais.
Passou a evitar sair de sua casa, reduzindo seus momentos de lazer, como ir à praia
e em barzinhos com amigos, o que fazia freqüentemente antes do assalto. Afastou-se dos
amigos e seu relacionamento com sua filha adolescente ficou muito tenso, com brigas
constantes, porque Sueli tem medo de levá-la para sair com seus amigos.
Sua filha desenvolveu anorexia e “toma remédios controlados”. Sueli avalia que, de
alguma forma, teve participação na doença da filha. Ela mesma, por sua vez, percebe
alterações na alimentação, pois está comendo muito “mesmo sem vontade”, especialmente
doces e chocolate.
Tem medo de sofrer novos assaltos e sente a presença constante do assaltante
“balançando a arma, como aconteceu no dia”.
Sente-se culpada pelas adversidades que vem enfrentando, e sente que as pessoas
também a culpam. Comentou durante a entrevista que “as pessoas acham que a minha
energia é que está atraindo coisas ruins”.
Aumentou o número de consultas a médicos, e chega a ir ao hospital todos os dias,
com diversas queixas.
4.3.2- O caso de Jorge – A dificuldade de um herói
A entrevista foi realizada em 18.02.2003. Jorge já aguardava o entrevistador. A
entrevista, previamente acordada, foi realizada em uma sala normalmente utilizada para
reuniões, isolada. A sala, medindo aproximadamente quatro três metros de profundidade
por seis metros de largura, tinha como mobiliário uma mesa retangular e oito cadeiras. Uma
das paredes da sala era de vidro, com persianas que ficaram fechadas durante a entrevista.
A entrevista teve a duração de uma hora e vinte minutos, com uma única interrupção, de
curta duração, quando uma copeira veio servir café.
O funcionário que chamarei de Jorge, tem 33 anos, atualmente faz curso superior, é
casado, tem dois filhos, um menino de 11 anos e uma menina de três anos. Trabalha no
banco há três anos, sua função é de Posto Efetivo11. Trabalhava em uma cidade pequena, no
interior de um estado do Nordeste, distante vinte e seis quilômetros de sua residência. Antes
de entrar no banco, foi proprietário de um pequeno comércio, e sofreu alguns furtos, mas
nunca um assalto à mão armada.
Posto Efetivo é o cargo inicial no banco. Nas agências, é o responsável pelo atendimento
de público, abertura de contas e trabalhos internos, administrativos. Anteriormente sua
denominação era de Escriturário.
11
No dia do assalto, há pouco mais de um ano atrás, sua esposa havia pedido para usar
o carro, único do casal. Jorge, “por comodismo”, não concordou e argumentou com ela que
seu colega, com quem pegava carona ocasionalmente, não iria trabalhar nesse dia, e que
tinha de ficar como carro, para ir para a faculdade após o trabalho.
Durante o percurso até a agência onde trabalhava, foi cercado por três carros: “um
Vectra prata, um Uno vinho e o Astra verde” sendo obrigado a parar. Os assaltantes eram
“mais ou menos quinze pessoas, todas bem armadas”. Anunciaram que iriam assaltar o
banco e começaram a contar detalhes de sua família e de sua casa, ameaçando que se não
colaborasse, matariam sua filha (seu filho tinha viajado para casa de parentes, fato
conhecido pelos assaltantes). Relatou que ficou preocupado com sua família e teve que
obedecer aos assaltantes, pois, “se a pessoa não tivesse uma família, nada, acho que a
pessoa tomava uma atitude”.
Dirigiu então seu carro para a agência, acompanhado de dois dos assaltantes, sendo
seguido pelos outros veículos. No trajeto, ficou muito preocupado com o momento da
entrada na agência, pois temia que seus colegas não permitissem o ingresso dos assaltantes.
Soube também, pelos assaltantes, que ele foi escolhido por ser o gerente da agência.
Jorge atribuiu esse erro pelo fato de ter um carro melhor que o do gerente. Não quis corrigir
essa informação, temendo que os assaltantes, pudessem fazer algo a ele por pensarem que
o assalto não daria certo.
Ao chegarem à agência, um dos carros estacionou em frente à delegacia de polícia,
que ficava na mesma praça. Desceu do carro, acompanhado do líder da quadrilha. Quando
se aproximaram da porta da agência, chamou o gerente e o assaltante disse a ele: “olha,
você manda abrir isso aí porque a gente tem como entrar aí de qualquer jeito, e a gente
sabe que seu filho está sozinho em casa, sua mulher saiu com um filho seu para o médico,
certo? Seu filho está sozinho dentro de sua casa, você mora na rua tal”. Jorge sentiu-se
muito aliviado neste momento, o que gerou um sentimento de culpa posterior. O alívio
ocorreu, segundo ele, porque, por um lado, o gerente não se oporia à entrada deles, e por
outro, porque não haveria suspeita de que ele estivesse, de alguma forma, associado aos
assaltantes, que era outra preocupação que teve durante o trajeto até a agência.
Após pegarem o dinheiro que estava no cofre, os ladrões consideraram pequeno o
valor recolhido e quiseram levar também o dinheiro dos terminais eletrônicos. Isso
aumentou sua tensão, pois havia clientes usando os terminais e Jorge teve medo de que
houvesse tiroteio. Depois de terem recolhido esse dinheiro os assaltantes saíram da agência,
deixando a instrução de que esperassem algum tempo antes de acionarem o alarme.
Jorge sentiu-se muito abalado com o assalto e revoltado por ter sido tomado como
refém, por ser confundido com o gerente.
Sentiu-se culpado pelo sofrimento causado ao filho, pois seu filho assistiu pela
televisão a notícia do assalto e, ao não conseguir telefonar para casa, imaginou que seu pai
havia morrido, e também pelas limitações que tem colocado a sua família pelos sintomas
que vem apresentando
Após o assalto, chegou a pensar em pedir demissão do banco para não se expor a
novos assaltos, mas acabou aceitando uma transferência. para outra cidade, distante 110
Km de sua residência, por não querer mais trabalhar naquela agência, temendo por sua
família, uma vez que os assaltantes sabiam seu endereço.
Relatou as seguintes alterações após esse seqüestro e assalto:
Por medo de ser assaltado novamente, altera constantemente sua rotina e percurso
para ir ao trabalho e à faculdade.
Não deixa mais o filho andar sozinho de bicicleta ou ir desacompanhado à casa de
amigos. Seu lazer tem se limitado a sair com a família apenas para ir ao Shopping Center da
cidade, único local em que se sente seguro.
Quanto ao relacionamento com sua esposa, Jorge comenta que percebeu alterações
no relacionamento sexual, tanto na diminuição da freqüência, como na qualidade, pois já
não sente tanto prazer como antes. Atribui isso ao cansaço pelo deslocamento diário até o
banco.
Tem ido mais a médicos por sentir um aumento em sua gastrite.
4.3.3. O caso de Teresa - Sentimentos de descontrole.
A entrevista foi realizada em 19.02.2003. A entrevista foi realizada na sala da
gerência, fora do horário de atendimento ao público. A sala mede aproximadamente dois
metros e meio de largura por dois de comprimento e ficava isolada, em um canto, separada
do saguão da agência por divisória que não chegava até o teto. Na sala havia apenas a mesa,
sobre a qual havia um monitor de computador e um aparelho de telefone. A entrevista
durou aproximadamente quarenta minutos e foi interrompida por dois telefonemas sobre
trabalho, que Teresa atendeu de forma rápida..
Teresa, 48 anos, nível superior completo, é casada e tem duas filhas, com 22 e 21
anos. Trabalha há 26 anos no banco e atualmente exerce a função de gerente de contas,
constantemente substituindo o gerente principal da agência.
Passou anteriormente por dois assaltos que se alternam em seu relato, sempre
comparando o último, pior, com o anterior, no qual manteve o controle sobre a situação.
Segundo ela, o primeiro assalto foi mais tranqüilo, ficou com o grupo de colegas em um
canto enquanto os assaltantes dominavam o gerente e pegavam o dinheiro. Já no segundo
foram empregadas mais violência e ameaças.
Em setembro de 2002, durante um dia normal de trabalho, no horário de expediente
ao público, chegou na agência uma quadrilha conhecida na cidade como a Gangue da
Marreta. Teresa já havia ouvido falar
dessa quadrilha em noticiários policiais. Dez
assaltantes, aproximadamente, colocaram-se à frente das portas de vidro da agência e
começaram a bater com marretas nos vidros do banco, para quebrá-los, enquanto alguns
deles apontam armas para dentro, e “aquele barulho de dos vidros caindo, o cara gritando,
pisoteando o vigilante”. “Aquilo me deixou marcas”, acrescenta em seguida.
Após entrarem na agência, dirigiram-se a ela perguntando pelo gerente. Como o
gerente não estava, e “como eu substituo o gerente, assumi toda a responsabilidade para
mim”, disse ela. Essa postura Teresa manteve durante o assalto, tentando proteger e cuidar
dos colegas. Uma de suas colegas disse que ia esconder a chave do cofre, ao que ela
contestou, ordenando que chave fosse entregue, e transmitiu “segurança para ela”. Um
dos assaltantes aproximou-se de Teresa e pediu para que abrisse cofre. Segundo ela, eles
estavam instruídos para abordar a “mulher de óculos”, que era ela. Ela disse que não tinha
a chave do cofre com ela, que precisaria pegá-la em outro setor, mas o assaltante não a
ouvia e gritava para que ela abrisse o cofre. Teresa respondeu de forma ríspida, gritando
que não estava com a chave, e o assaltante passou a dar socos em seus braços e ombros.
Neste momento, ela sentiu-se muito assustada e teve certeza de que iria morrer. Após
pegarem o dinheiro, os assaltantes mandaram que ela se deitasse, com os outros
funcionários e clientes, e correram para fora do banco. Teresa diz que ficou muito nervosa
após esse assalto, e faltou ao trabalho por três dias.
Teresa comenta as seguintes alterações em sua vida após o assalto:
O ambiente no grupo de trabalho, que era bom antes do assalto, ficou muito
prejudicado. Uma colega pediu demissão do banco com medo de ser novamente assaltada,
outra foi transferida para outra cidade. Há um colega “traumatizado” que passa o tempo
todo assustado. Ela sente-se muito cobrada pelos subordinados para que consiga uma
mudança da agência para um local que ofereça maior segurança. Este pedido já foi feito aos
setores responsáveis, mas ainda não foi providenciada a mudança, e os funcionaram a
acusam de ser displicente em relação a isso. Teresa fica revoltada com essa situação, pois
isso seria responsabilidade do gerente principal da agência, mas é a ela que são dirigidas as
reclamações e críticas.
Em sua vida pessoal, Teresa está mais assustada e temerosa de novos assaltos. Tem
sobressaltos quando ouve barulhos inesperados ou de vidros quebrando, e sonha
constantemente com cenas do assalto. Passou a controlar suas filhas, ligando
freqüentemente para elas através do telefone celular, apenas para saber se estão bem. Suas
filhas não aprovam esse controle, gerando constantes atritos familiares.
Teresa também desenvolveu uma preocupação em ligar para sua casa para dizer que
está bem, quando ocorre algum imprevisto e ela se atrasa em uma atividade.
Está mais nervosa do que antes e irrita-se com mais facilidade com sua família. Não
percebeu aumento de consultas médicas, por ser "avessa a médicos”, mas começou a ter
dores de cabeça, o que não ocorria antes do assalto.
Aumentou o consumo de chá que, segundo ela, passa o dia todo bebendo.
5. Análise psicológica das entrevistas
5.1 A lembrança constante da situação traumática (flashback)
O primeiro elemento que chama a atenção nos relatos dos entrevistados é a forma
viva e rica em detalhes da descrição dos assaltos, apesar do intervalo de tempo decorrido
(quatros meses para Sueli, um ano para Jorge e cinco meses para Teresa) desde o assalto.
Esse elemento é comum em outras pessoas traumatizadas.
A imagem do momento traumático fica viva na memória, mesmo dezenas de anos
após o incidente traumático (LÓPEZ-IBOR, 1998). Nas entrevistas realizadas, pode-se ver
este elemento. Sueli ainda lembra constantemente do assaltante “balançando a arma, como
aconteceu no dia”. Jorge ainda sonha com o dia do assalto, e também tem constantes
lembranças intrusivas, mesmo em momentos de descontração.Teresa também recorda do
assalto constantemente, especialmente a cena da entrada da quadrilha na agência, dos
“vidros caindo, do cara gritando, pisoteando o vigilante”. Todos eles lembram-se com
exatidão de algumas palavras ameaçadoras dos assaltantes.
Sobre a força do registro de uma situação traumática, Freud, no “Projeto para uma
Psicologia Científica” (1895a/1995, Edição Eletrônica), explica que a memória está
representada pelas diferenças nas facilitações entre os neurônios, e que “esta facilitação
ocorre em virtude da magnitude da impressão ou da freqüência em que a impressão se
repete” (grifo nosso). Assim, em uma situação onde a vida está ameaçada, o excesso de
estimulação contra o qual a barreira protetora deveria funcionar, falha. Nesses casos, é a
magnitude da impressão que está em jogo.
Em “Além do Princípio do Prazer” (1920/1995, Edição Eletrônica), ele comenta
essa falha:
Descrevemos como ‘traumáticas’ quaisquer excitações provindas de fora
que sejam suficientemente poderosas para atravessar o escudo protetor.
Parece-me que o conceito de trauma implica necessariamente uma
conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob outros aspectos
eficazes contra os estímulos. Um acontecimento como um trauma
externo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no
funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas
as medidas defensivas possíveis. Ao mesmo tempo, o princípio de prazer
é momentaneamente posto fora de ação. Não há mais possibilidade de
impedir que o aparelho mental seja inundado com grandes quantidades
de estímulos; em vez disso, outro problema surge, o problema de
dominar as quantidades de estímulo que irromperam, e de vinculá-las no
sentido psíquico, a fim de que delas se possa então desvencilhar.
Devido à quantidade de estímulos, a vinculação no sentido psíquico, ficaria
impossível. Isso daria à situação traumática um caráter de uma experiência não
representável (BENYAKAR, 2003). A única possibilidade de reduzir esse excesso de
estimulação seria a descarga que ocorre, por exemplo, através dos sonhos repetitivos da
repetição da situação. Como essa via é insuficiente para a descarga, a impressão continua
altamente catexizada, outorgando às lembranças esse caráter atemporal.
Seria como um
aparelho eletrônico projetado para funcionar em 110 volts, que por algum motivo é ligado
em uma tomada de 220 volts. Os aparelhos mais modernos são dotados de “barreiras
protetoras” através de um sistema de fusíveis que, ao queimarem, protegem os circuitos do
aparelho. Quando esse sistema falha, os componentes ficam sobrecarregados, e mesmo
ligando posteriormente o aparelho em uma tomada de 110 volts, ele não mais funcionará
normalmente.
Garcia-Roza (1991), nos lembra que para Freud, o aparelho psíquico é,
fundamentalmente, um aparelho de memória, e que toda impressão, mesmo a mais
insignificante, deixa um traço inalterável, indefinidamente capaz de ressurgir um dia”. A
memória, no “Projeto para uma psicologia científica”, é concebida como o poder que uma
vivência tem de continuar produzindo efeitos. E esse poder depende de dois fatores: “a
memória de uma experiência (isto é, sua força eficaz contínua) depende de um fator que se
pode chamar de magnitude da impressão e da freqüência com que a mesma impressão se
repete” (FREUD, 1895a/1995, Edição eletrônica).
No caso do PTSD, não é a repetição que está em jogo, mas a magnitude da
impressão. Essa magnitude está diretamente relacionada ao temor da morte, presente na
situação traumática.
5.2- A ansiedade
Os três entrevistados apresentam ansiedade alta, na forma do medo de sofrer novas
violências, a si mesmo ou a pessoas próximas, que limita suas vidas.
De que ansiedade estamos falando? Aqui cabe um breve esclarecimento do termo,
tão presente na literatura psicanalítica. Segundo Hanns (1996, p. 62), o termo ansiedade foi
traduzido do original angst ou furcht que muitas vezes é traduzido por angústia. Segundo
ele, a palavra Angst em alemão significa medo, “abarcando desde os sentidos de ‘temor’ e
‘receio’ até os sentidos intensos de ‘pânico ‘ e ‘pavor’”. “Um animal perante o predador
sente Angst”, acrescenta (p. 63). O termo Angst, assim, refere-se não somente ao medo de
um objeto real, como um predador, mas também a objetos não específicos, aproximando-se
daquilo que conhecemos como Ansiedade. Nas Conferências Introdutórias (1917c/1995,
Edição Eletrônica), essa diferença fica expressa quando Freud utiliza-se de qualidades da
Angst: Há uma ansiedade realística, que seria um estado de preparação para o
enfrentamento de um perigo real, o sentimento que conhecemos popularmente como medo,
e uma ansiedade neurótica, onde o perigo é inexistente ou desproporcional à ansiedade
causada (FREUD, 1917c/1995, Edição Eletrônica). Mesmo a ansiedade realística,
aparentemente adequada à uma situação perigosa, é questionada:
Em geral, a reação ao perigo consiste numa mistura de afeto de ansiedade
e de ação defensiva. Um animal aterrorizado sente medo e foge; mas a
parte adequada desse processo é a ‘fuga’ e não o ‘estar com medo’.
Assim, é-se tentado a afirmar que a geração da ansiedade nunca é uma
coisa apropriada
[...] Em geral, a reação ao perigo consiste numa mistura de afeto de
ansiedade e de ação defensiva. Um animal aterrorizado sente medo
e foge; mas a parte adequada desse processo é a ‘fuga’ e não o
‘estar com medo’.Assim, é-se tentado a afirmar que a geração da
ansiedade nunca é uma coisa apropriada (1917c/1995, Edição
Eletrônica).
Dessa forma, podemos dizer que sempre há um caráter “neurótico” na ansiedade,
mesmo naquela que poderíamos considerar apropriada.
Em relação à ansiedade neurótica, Freud explica no mesmo texto que ela
pode dar-se basicamente de três maneiras. A primeira, de uma forma expectante, não
vinculada, ou seja, sem a presença de um objeto ameaçador, que seria a ansiedade presente
no quadro psicopatológico de Neurose de Angústia. A segunda, que aparece vinculada a
um objeto, o qual não oferece perigo real, ou o perigo oferecido é desproporcional à
ansiedade gerada. É o caso das fobias, ou, como Freud designava na época, Histeria de
Angústia, nas quais o objeto temido é a representação simbólica de conseqüências da
satisfação libidinal. A terceira, surge acompanhada dos sintomas nas psiconeuroses, como
na histeria ou na neurose obsessiva, quando o neurótico é impedido de realizar seu ritual.
Pode-se concluir dessa passagem que a ansiedade neurótica pode surgir sem objeto,
ter objeto simbólico, ou ser substituta de sintomas.
Qual seria a ansiedade no Transtorno de Estresse pós-Traumático? Ela tem um
objeto específico, que é a repetição da situação traumática. Este objeto não é simbólico de
um conflito, o temido é a repetição da situação. Por outro lado, não está por trás do
sintoma; ela é um dos principais sintomas desse quadro.
Poderíamos então considerar que no caso do Transtorno de Estresse pósTraumático, estamos lidando com uma ansiedade realística, com um medo real, de um
perigo real. Afinal, como justificado por uma pessoa traumatizada por um seqüestro-relâmpago:
“Não sou eu que estou doente. O mundo é que é perigoso”.
No caso da pessoa com Transtorno de Estresse pós-Traumático, mais do que a
ansiedade natural provocada pela convivência em um ambiente reconhecidamente perigoso,
parece haver a certeza de uma nova agressão iminente. Contra essa hipotética agressão, a
preparação para o enfrentamento do perigo é constante.
Pode-se argumentar contra isso que o perigo já existia antes da vivência da situação
traumática, o mundo já era perigoso e, se haviam motivos para cautela e apreensão, estes
não alteravam a vida e as atividades dos indivíduos. No paciente com Transtorno de
Estresse pós-Traumático, o que mudou não foi o mundo, mas sim a forma de ver o mundo.
Essa diferença fica evidenciada quando Freud (1925/1995 Edição Eletrônica)
distingue a ansiedade frente ao perigo e a ansiedade frente ao trauma:
Teremos então bons motivos para distinguir uma situação
traumática de uma situação de perigo.
O indivíduo terá alcançado importante progresso em sua
capacidade de autopreservação se puder prever e esperar uma
situação traumática dessa espécie que acarrete desamparo, em vez
de simplesmente esperar que ela aconteça. Intitulemos uma
situação que contenha o determinante de tal expectativa de uma
situação de perigo. É nessa situação que o sinal de ansiedade é
emitido. O sinal anuncia: ‘Estou esperando que uma situação de
desamparo sobrevenha’ ou ‘A presente situação me faz lembrar
uma das experiências traumáticas que tive antes. Portanto, preverei
o trauma e me comportarei como se ele já tivesse chegado,
enquanto ainda houver tempo para pô-lo de lado.’ A ansiedade, por
conseguinte, é, por um lado, uma expectativa de um trauma e, por
outro, uma repetição dele em forma atenuada. Assim os dois traços
de ansiedade que notamos têm uma origem diferente. Sua
vinculação com a expectativa pertence à situação de perigo, ao
passo que sua indefinição e falta de objeto pertencem à situação
traumática de desamparo — a situação que é prevista na situação
de perigo.
Teríamos, então, por um lado, o sinal de ansiedade, que surge como uma preparação
diante do perigo, algo adequado frente a um mundo perigoso. Por outro lado, o estado de
ansiedade, como se o perigo já estivesse presente. Esse é o mecanismo presente no
indivíduo com PTSD.
A ansiedade presente no PTSD parece ser do tipo que remonta a uma situação
especial, e única.: o trauma do nascimento seria um protótipo de toda experiência
traumática posterior (Freud 1925/1995, Edição Eletrônica) .
Vieira (2001, p.117-118) discute essa relação:
a resposta automática do trauma de nascimento é a angústia. A angústia
ficará daí para sempre associada com o excesso de estimulação, com o
trauma e surgirá como uma reação sempre que haja um perigo de
repetição desse estado. A angústia é um afeto essencialmente
desprazeroso e é uma forma de encontrar vias de descarga, o que se
evidencia por seu componente corporal.
Assim, cada situação traumática produziria uma ansiedade vivida originalmente no
nascimento. “A ansiedade surgiu originalmente como uma reação a um estado de perigo e é
reproduzida sempre que um estado dessa espécie se repete”, como ele afirma no trabalho
“Inibições, Sintomas e Ansiedade”(1925/1995, Edição Eletrônica).
Nas pessoas entrevistadas, podemos encontrar a ansiedade presente no temor da
repetição de uma situação perigosa. Por este motivo, Sueli não vai mais aos lugares que
freqüentava, como praia e barzinhos, nem leva mais sua filha para passeios, com medo de
novos assaltos. Jorge cerca-se de medidas de segurança, e não permite mais que seus filhos
saiam de casa desacompanhados. Teresa controla a atividade de suas filhas e tem medo o
tempo todo de um novo assalto, não apenas durante o expediente bancário, mas também no
trajeto entre o banco e sua residência e em seus passeios de lazer.
Talvez o exemplo mais impressionante da ansiedade produzida pela certeza da
repetição de uma situação traumática tenha ocorrido em 11 de setembro de 2002: No
aniversário do atentado terrorista às Torres Gêmeas, muitas pessoas do mundo todo,
traumatizadas pelo atentado, cancelaram viagens aéreas, temendo a repetição dos atentados.
5.3- Ausência de prazer
Os três entrevistados mencionaram a interferência da situação traumática em suas
atividades de lazer e prazer. Sueli parou de freqüentar a praia e os barzinhos, com amigos, e
separou-se de seu namorado, pois não podia corresponder ao que ele esperaria de uma
mulher. Jorge limitou seus passeios com a família a idas ao shopping center da cidade,
onde se sente mais seguro, e percebe que seu prazer sexual não é mais o mesmo, tanto em
qualidade como na freqüência, que diminuíram. Teresa evita sair de casa quando não é
necessário.
Além da presença da ansiedade limitando as atividades
sociais anteriormente prazerosas, parece ter havido uma redução da
capacidade
de
obtenção
de
prazer
por
parte
das
pessoas
entrevistadas. Essa redução pode ser compreendida a partir do fato
que a libido, narcisicamente investida, fica reduzida em sua
capacidade de ligar-se a objetos.
Podemos pensar também na relação entre uma situação
traumática e princípio do prazer. Toda situação de perigo imprime à
experiência mental um estado de excitação muito intensa, “que é
sentida como desprazer e que não é possível dominar descarregandoa” (FREUD, 1933[1932]/1995, Edição Eletrônica). Nesse estado
traumático, falham os esforços do princípio do prazer, no sentido de
buscar o prazer e evitar o desprazer. Isso nos traz uma:
[...] proposição simples: o que é temido, o que é o objeto da
ansiedade, é invariavelmente a emergência de um momento
traumático, que não pode ser arrostado com as regras normais
do princípio de prazer. De imediato compreendemos que,
dotados do princípio de prazer, não nos garantimos contra
danos objetivos, mas sim apenas contra determinado dano à
nossa economia psíquica. Vai uma grande distância desde o
princípio de prazer ao instinto de autopreservação. As
intenções de ambos estão longe de coincidir desde o início
(Grifo nosso) (FREUD, 1933/1995 Edição Eletrônica).
Essa discordância entre as intenções do instinto do prazer e do instinto de
autopreservação pode nos ajudar a entender o sintoma da dificuldade de prazer no
transtorno de Estresse pós-Traumático. Devido à ansiedade gerada por uma experiência
traumática, fica a sensação de que o perigo persiste. A prioridade do aparelho psíquico
torna-se a evitação do perigo. Como vimos acima, o princípio do prazer é incapaz de
defender o indivíduo de perigos reais, e
assim, o que prevalece é o instinto de
autopreservação. Diante de uma situação perigosa, a busca do prazer fica em segundo
plano. O que acontece no Transtorno de Estresse pós-Traumático, é que não ocorre a
percepção de que o perigo terminou e o indivíduo, sentindo-se ameaçado, não consegue
buscar o prazer.
5.4- Dificuldades no relacionamento interpessoal
Freud, em “Neuroses de Transferência:uma Síntese” (1915/1987, p.75), fazendo
uma analogia entre o desenvolvendo psicossexual do indivíduo com a
história da
humanidade, diz que “o mundo externo, que era preponderantemente amistoso, propiciando
qualquer satisfação, transformou-se em um acúmulo de riscos iminentes”. Essa mudança da
realidade externa
provocou uma alteração no investimento libidinal das pessoas. A
sobrevivência passou a ser tarefa prioritária, e humanidade “transformou em angústia real o
que antes era libido objetal”, mantendo a libido no ego.
Essa descrição hipotética da história da humanidade pode ser aplicada ao indivíduo
com Transtorno de Estresse pós-Traumático. O mundo, para esse indivíduo, passou a ser
visto como um local repleto de perigos, dos quais suas defesas são ineficazes. A vivência
traumática tem a capacidade de transformar a visão de mundo do indivíduo, e modela a
partir dela suas vivências posteriores (YEHUDA, 2002).
A conseqüência dessa mudança de visão de mundo com o aparecimento de um
mundo visto como angustiante (perigoso) após uma situação traumática, que impede a
capacidade de amar, e esse impedimento facilitaria o afastamento do relacionamento
interpessoal, pois há pouca libido objetal para ser investida. A pessoa passa então a viver
dentro de um invólucro narcísico (SYMINGTON, 2003, p. 66), com pouca abertura para o
relacionamento interpessoal.
Acrescenta-se a esse processo o fato de que a ansiedade provoca o confinamento da
pessoa, diante da possibilidade de novas situações traumáticas. A conjugação destes dois
fatores: redução da libido objetal e o medo de sair no mundo perigoso, teriam como
resultado o isolamento social e as dificuldades nos relacionamentos interpessoais.
Nos bancários entrevistados, essa dificuldade está presente. Sueli, além de ter
parado de ir a barzinhos e à praia com seus amigos, percebe um “clima ruim” na agência
onde trabalha atualmente, onde não se sente aceita. Jorge limitou seu lazer a passeios
familiares no Shopping da cidade onde mora, com sua família. Teresa ressente-se do clima
gerado pelo assalto na agência onde trabalha,
por sentir-se cobrada e distante dos
funcionários. Esse sintoma parece estar presente nos três casos analisados.
5.5- Irritabilidade
O sintoma de irritabilidade
mencionado no DSM-IV (APA, 1995) pode ser
compreendido a partir de uma consideração neurológica: A ansiedade constante, presente
nos indivíduos traumatizados, provoca uma descarga contínua de adrenalina que inibe o
funcionamento do córtex frontal, permitindo respostas emocionais subordinadas ao sistema
límbico (RODRIGUES, 2003). Assim, o comportamento da pessoa torna-se mais
impulsivo, gerando respostas agressivas que o indivíduo não teria sem a presença do estado
de ansiedade.
Teresa reconhece estar “mais nervosa” com seus familiares. Sueli menciona brigas
diárias com sua filha. Na entrevista com Jorge, não houve elementos para verificar este
dado.
5.6- A lembrança de pequenos detalhes
Outro aspecto que merece ser relatado, é o de que pequenos detalhes, absolutamente
sem importância na situação, ficam intensamente carregados na memória do indivíduo
traumatizado.
Sueli lembra-se do telefone celular caído no chão, durante o assalto, Jorge lembra-se
da marca, modelo e cor dos carros usados pelos assaltantes. Teresa não consegue lembrarse da fisionomia da pessoa que a agrediu, embora se considere boa fisionomista e lembre-se
de outros detalhes presentes na cena. Porque, numa situação onde está presente o risco de
vida, alguém repararia em detalhes insignificantes presentes na situação?
Freud, (1901 [1899]/1995, Edição Eletrônica) explica o que deveria ser retido na
memória e o que deveria ser esquecido:
É somente a partir do sexto ou sétimo ano — em muitos casos, só depois
dos dez anos — que nossa vida pode ser reproduzida na memória como
uma cadeia concatenada de eventos. Daí em diante, porém, há também
uma relação direta entre a importância psíquica da experiência e sua
retenção na memória. O que quer que pareça importante por seus efeitos
imediatos ou diretamente subseqüentes é recordado; o que quer que seja
julgado não essencial é esquecido. Quando consigo relembrar um
acontecimento por muito tempo após sua ocorrência, encaro o fato de têlo retido na memória como uma prova de que ele causou em mim, na
época, uma profunda impressão. Surpreendo-me ao esquecer uma coisa
importante, e talvez me sinta ainda mais surpreso ao recordar alguma
coisa aparentemente irrelevante.
É apenas em certos estados mentais patológicos que torna a deixar de
aplicar a relação mantida, nos adultos normais, entre a importância
psíquica de um evento e sua retenção na memória. (Grifo nosso)
A situação traumática é o estado mental patológico, nestes casos, com a quantidade
de energia que o ego não elabora e com o desenvolvimento da angústia de morte. A
situação criaria uma tendência à fuga do excesso de estimulação, nos moldes em que Freud
descreve em “Inibições, Sintoma e Ansiedade” (1925/1995, Edição Eletrônica) sobre o
processo de fuga ser uma forma de defesa contra estímulos externos. A primeira forma de
fuga seria a retirada da carga de percepção do objeto perigoso. Apesar do objeto estar ali, a
pessoa não o vê ou substitui por algum outro objeto presente na cena perigosa. É o mesmo
processo que ocorre na origem do fetichismo (FREUD, 1927a/1995, Edição Eletrônica) e
que ele denomina como rejeição. Neste texto, o perigo abordado é o do menino, na fase
fálica, perceber a ausência do pênis na mulher e entrar em contato com a angústia de
castração, temendo perder seu próprio pênis. Ele rejeita essa percepção e o que ocorre em
seguida é uma fixação da visão em outra parte do corpo da mulher ou nas roupas íntimas.
Antes, parece que, quando o fetiche é instituído, ocorre certo processo
que faz lembrar a interrupção da memória na amnésia traumática. Como
nesse último caso, o interesse do indivíduo se interrompe a meio
caminho, por assim dizer; é como se a última impressão antes da estranha
e traumática fosse retida como fetiche (1927a/1995, Edição Eletrônica).
No caso exemplificado por Freud, o perigo temido é o da castração. No indivíduo
traumatizado, o perigo vivido ou presenciado produz a angústia de morte, e como defesa
contra ela, aspectos mais ameaçadores da cena são substituídos, em termos de investimento
de carga perceptiva, por detalhes sem importância. Dessa forma, o medo da morte é
rejeitado ou fica reduzido..
Freud (1901 [1899]/1995, Edição Eletrônica) explica esse processo como resultante
de duas forças em conflito: a primeira, tenta estabelecer a retenção na memória da situação
importante. A outra, se opõe na forma de uma resistência. O resultado desse conflito é uma
conciliação:
o que é registrado como imagem mnêmica não é a experiência relevante
em si — nesse aspecto, prevalece a resistência; o que se registra é um
outro elemento psíquico intimamente associado ao elemento passível de
objeção — e, nesse aspecto, o primeiro princípio mostra sua força: o
princípio que se esforça por fixar as impressões importantes,
estabelecendo imagens mnêmicas reprodutíveis.
Isso implica numa capacidade de deslocar, por semelhança ou continuidade temporal, a
carga perceptiva para outro elemento presente.
Como exemplo desse processo, pode-se mencionar uma paciente atendida em
psicoterapia que sofreu um estupro em seu próprio automóvel. Durante o estupro, essa
mulher, vivendo uma violência inimaginável, e sendo ameaçada de morte, tinha como
principal preocupação o fato de seu sapato poder arranhar o painel do carro. Esse caso
mostra de forma evidente a função defensiva do deslocamento da carga perceptiva. É como
se ela dissesse para si mesma: “Não está ocorrendo nada comigo, apenas estou deitada em
uma posição que pode estragar o painel de meu automóvel, que gosto tanto. Preciso evitar
isso”.
5.7- O sentimento de culpa
A experiência perigosa não traumatiza apenas pelo medo, mas também pelos
sentimentos de vergonha e culpa que ela muitas vezes provoca (MCNALLY, 2003). O
sentimento de culpa está presente nos três relatos. Sueli culpa-se pela agressão sofrida pelo
colega, por não ter tido coragem de abrir o cofre e atribui à sua “energia ruim” o fato de
atrair situações desprazerosas. Talvez também o rompimento com o namorado possa ter
ocorrido em função da culpa. Simon (1989), explica que nas situações de crise onde há
fortes sentimentos de depressão e culpa, “há o risco de o indivíduo tentar aliviar-se por
auto-agressão, que pode variar da mutilação pessoal, material ou situacional, até o suicídio”
( p.61).
Jorge culpa-se por ter sido comodista e naquele dia, não ter deixado o carro com sua
esposa, como ela havia pedido, e ido de ônibus, e de ter provocado a preocupação e
sofrimento de seu filho. Teresa, embora mantenha em seu discurso o fato de ter cumprido
as normas de segurança e a inevitabilidade da situação, culpa-se pela reação que teve
diante do assaltante, gritando com ele e expondo-se a um risco desnecessário.
A culpa, na maioria das vezes irracional e onipotente, parece ter a função de
encontrar um sentido no ocorrido e muitas vezes, de encontrar um culpado pela situação. É
preciso encontrar um sentido para a tragédia, e o sentido pode ser dado a partir de uma
suposta falha individual. Nesse sentido, os gregos talvez fossem mais felizes. A palavra
desastre, de algo que não deveria acontecer, não previsto, vem do grego desastrum, quando
os astros saíam de sua órbita normal, provocando alterações em nosso planeta, quando
ocorre o que não deveria ocorrer (BENYAKAR, 2003).
A culpa também aparece nas três entrevistas em relação ao sofrimento causado à
família, ou pela preocupação despertada, ou pelas alterações sintomáticas após o assalto.
5.8- Revolta
Nas três entrevistas aparece um sentimento de revolta contra algum fator
relacionado à instituição. Sueli queixa-se de que o banco não a treinou sobre como proceder
em casos de assalto, e com as medidas adotadas pela empresa em relação à sua
transferência. Jorge acredita ter sido seqüestrado por engano. Foi confundido com o
gerente, “talvez por ter o carro melhor que o dele”, “Sem ter o salário de gerente”,
acrescenta. Teresa “teve de assumir as responsabilidades” durante o assalto, em função da
ausência do gerente, que “vive em treinamentos e reuniões”. Lopez-Ibor (1998), havia
encontrado afetos semelhantes em veteranos da guerra das Malvinas.
O ressentimento dos veteranos era dirigido para o governo e exército argentinos, e
não contra o exército inglês, o verdadeiro agressor. É como se essa revolta surgisse por uma
falha de proteção. Quem tinha a função de proteger esses indivíduos, falhou nessa missão.
Assim, no caso dos bancários entrevistados, o responsável pela experiência traumatizante
passa a ser o gerente ou a instituição, e o assaltante fica, de certa forma, perdoado. Freud
explica este processo a partir de uma referência ao medo da morte no trabalho “O Ego e o
Id” (1923b/1995, Edição Eletrônica). Na melancolia, o medo da morte ocorre porque o ego
se vê abandonado e perseguido pelo superego. “Para o Ego, portanto, viver significa o
mesmo que ser amado”, conclui.
Assim,
O superego preenche a mesma função de proteger e salvar que, em
épocas anteriores, foi preenchida pelo pai e, posteriormente, pela
Providência ou Destino. Entretanto, quando o ego se encontra num
perigo real excessivo, que se acredita incapaz de superar por suas
próprias forças, vê-se obrigado a tirar a mesma conclusão. Ele se vê
desertado por todas as forças protetoras e se deixa morrer. Aqui está
novamente a mesma situação que fundamenta o primeiro grande estado
de ansiedade do nascimento
e a ansiedade infantil do desejo — a
ansiedade devida à separação da mãe protetora .
A decepção pelo abandono do protetor, sentido quando o indivíduo fica exposto a
um perigo de vida parece ser mais intenso que o ódio contra o agressor.
Outro fator que ajuda a entendermos esse processo é o fato de vivermos em um
ambiente disruptivo. Em nossa sociedade, é como se a figura do criminoso estivesse
incorporada à paisagem. A presença do criminoso é vista como algo natural, e o que é
circunstancial é o fato do criminoso chegar até a vítima. É aí que ocorre a falha de quem
deveria proteger o indivíduo. Isso explicaria porque, em entrevistas na mídia com parentes
de vítimas, as pessoas geralmente culpam a polícia, a justiça, ou, mais genericamente, o
governo, mas dificilmente a acusação é dirigida contra o criminoso, o verdadeiro
responsável pela tragédia.
5.9- Identificação com o agressor
Nas três entrevistas pode ser verificada a presença do mecanismo de defesa
conhecido como Identificação com o Agressor. Este mecanismo, isolado e definido por
Anna Freud (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p.299), ocorre quando o “...indivíduo,
confrontado com um perigo exterior, identifica-se com o seu agressor, ou assumindo por
sua própria conta a agressão enquanto tal, ou imitando física ou moralmente a pessoa do
agressor”.
Sueli, ao culpar-se pela agressão sofrida pelo colega, é como se sentisse a
responsável pela agressão, e não uma vítima impotente do assalto. Teresa aceita as
recriminações dos colegas por não conseguir mudar o local da agência, como se estivesse
expondo os funcionários a novas agressões. O caso mais impressionante foi o de Jorge.
Quando sugeri ao funcionário entrevistado que escolhesse um pseudônimo para si, após
pensar por alguns segundos, disse-me “Jorge”. Em seguida esclareceu que “Jorge” era o
nome pelo qual era chamado o líder de seus seqüestradores.
5.10- Alterações na saúde
Nos três entrevistados foram identificadas alterações na saúde após a exposição às
situações traumáticas. Sueli teve uma série de problemas, que a levam ao hospital “quase
todos os dias”. Jorge menciona o surgimento de uma gastrite. Teresa relata o aparecimento
de uma dor de cabeça constante, não existente antes do assalto.
Vieira (2001, p.183), referindo-se ao excesso de energia livre provocado pelo
trauma que reflui para o corpo, “fará com que o órgão afetado funcione como um símbolo
mudo, análogo aos elementos oníricos mudos dos sonhos, com relação aos quais o
sonhador não era capaz de fazer nenhuma associação” e conclui que o estado de excitação é
manifestado nos órgãos, alterando sua função original, acrescentando a eles a função de
uma tentativa de descarga. A doença do individuo traumatizado seria resultante da
exigência de uma função mental e a órgãos não destinados a esse fim. Semelhante processo
encontramos na histeria de conversão com os impulsos eróticos. A diferença, no caso do
trauma, é a ausência de simbolização individual.
Outro elemento relacionado a essa característica do PTSD, é explicado por Ferenczi
(1919, p. 26). Ele defende a idéia de que, parte da libido retirada dos objetos é investida no
próprio ego, criando uma hipersensibilidade do ego, que se exprime por sensações
orgânicas hipocondríacas, o que leva o indivíduo traumatizado a uma necessidade de ser
mimado, cuidado e amado como crianças.
Essa hipersensibilidade também estaria na raiz dos sintomas de irritabilidade, pois o
ego torna-se incapaz de suportar qualquer situação que possa produzir moral, reagindo
diante da situação com agressividade.
Além dos aspectos mencionados, as sensações de impotência e fragilidade fazem
com que o indivíduo traumatizado supervalorize qualquer alteração corporal percebida. A
sensação de estar exposto a perigos de vida, provocada pela ansiedade faz com que
qualquer dor ou alteração fisiológica seja interpretada como sinal de grave doença.
5.11- Adições a hábitos orais
Embora Jorge não tenha mencionado nenhuma alteração nessa ordem, Sueli e
Teresa desenvolveram hábitos não existentes anteriormente. Sueli passou a comer muito
“mesmo sem ter vontade” e engordou. Teresa começou a “passar o dia tomando chá”.
Pode-se pensar no processo regressivo relacionado a essas características. A pessoa
traumatizada, reinvestindo sua libido no ego, fica numa espécie de narcisismo infantil, e o
surgimento de comportamentos regressivos faz parte desse processo. As pessoas
traumatizadas agem como uma criança que, após levar uma queda e esfolar o joelho, corre
para os braços da mãe. O abraço da mãe não tem o poder de cicatrizar o joelho esfolado,
mas tem a capacidade de mostrar à criança que está amparada, e que sua dor é suportável e
passageira.
6. Discussão
Se a ansiedade for uma reação do
ego ao perigo, seremos tentados a
considerar as neuroses traumáticas,
as quais tão amiúde se seguem a
uma fuga iminente da morte, como
um resultado direto de um medo da
morte (ou medo pela vida) e a
afastar de nossas mentes a questão
da castração e as relações
dependentes do ego (FREUD,
1925/1995, Edição Eletrônica).
O PTSD constitui um novo paradigma no estudo das interações de fatores psicosociais com os neurobiológicos. (MINGOTE ET AL., 2001). Não se pode falar deste
transtorno sem falar em realidade externa e no momento histórico-social que o indivíduo e
o “fator estressor” estão inseridos.
Freud dizia que “os histéricos sofrem de reminiscências” (1910/1995, Edição
Eletrônica) em um momento da psicanálise em que o trauma ainda era visto como fator
necessário na etiologia das neuroses. Esta frase adequa-se bem à situação do indivíduo com
Transtorno de Estresse pós-Traumático, e aos três bancários entrevistados.
Para as pessoas entrevistadas, mais do que um medo que é quase certeza da
repetição da agressão sofrida, fica a sensação de que aquela situação ainda não terminou,
que o perigo continua e que, como na situação original, não se sabe como vai terminar. Este
é um dos motivos pelos quais, no atendimento emergencial, conhecido por
Critical
Incident Stress Debriefing (CISD), ou simplesmente debriefing, um dos procedimentos
propostos ao terapeuta é de retomar com os indivíduos a lembrança do término da situação
traumática. Com perguntas do tipo “Quando você percebeu que terminou o evento
estressor?” e “O que sentiu nesse momento?”, coloca-se a ênfase no término daquela
situação. Talvez esse seja um dos motivos para a eficácia profilática desse tipo de
intervenção, embora alguns autores questionem sua validade (DEAHL, 2000).
Os três entrevistados apresentaram critérios diagnósticos para o PTSD, segundo o
DSM-IV.
Em relação ao Critério A do DSM_IV (APA, 1995, Edição eletrônica), os três
“experimentaram ou foram testemunha de ameaças ou risco real de perder a vida ou
tiveram contato com ameaça à integridade física”.
Entre os sintomas constantes do Critério B, de re-experimentação, foram
encontrados nos três casos os sintomas de Ideação intrusiva e de Ansiedade provocada por
estímulos associados ao trauma. Os três entrevistados ainda sentem como se a situação
traumática não tivesse terminado.
Quanto aos sintomas de evitação, Critério C, a diminuição do interesse, a sensação
de isolamento a evitação de lugares e pessoas que recordem o trauma estão presentes nos
entrevistados. Este último sintoma, inclusive, foi o responsável pela solicitação de
transferência de local de trabalho de dois dos entrevistados. A terceira entrevistada está
tentando providenciar a mudança do local de funcionamento da agência.
Em relação aos sintomas do Critério D, de excitabilidade, os três apresentaram
irritabilidade, hipervigilância e reação de susto aumentada, além de perceberem o
surgimento de doenças físicas não existentes previamente.
Quanto ao critério E, para todos eles, a perturbação dos sintomas ultrapassa um mês.
Para os três, inclusive, a duração dos sintomas é superior a três meses, podendo ser
considerados, para efeito diagnóstico, com Transtorno de Estresse pós-Traumático Crônico,
segundo os critérios do próprio DSM-IV (APA, 1995).
O critério F estabelece que “A perturbação causa sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo” (APA, 1995. Edição Eletrônica).
Os três apresentam,
além do sofrimento significativo, prejuízo social e ocupacional. Dois dos entrevistados
sentem-se isolados na nova agência para a qual foram transferidos. A terceira entrevistada
queixa-se do ambiente ruim que ficou no local de trabalho após o assalto.
A perturbação causada pelo assalto ou seqüestro causou sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo. Não apenas sua produtividade laboral ficou afetada, mas
seus relacionamentos afetivos e, inclusive, sexuais sofreram alterações. Para dois dos
entrevistados, a dificuldade surgida em relação à sexualidade após a situação traumática,
ficou explicitada na entrevista.
Fica assim constatado que os três entrevistados desenvolveram e apresentam o
quadro patológico de Transtorno de Estresse pós-Traumático Crônico.
As medidas defensivas adotadas por eles, como a restrição social e controle das
pessoas próximas para evitar supostos perigos, acabam fazendo com que os sintomas se
irradiem no âmbito familiar, afetando família e amigos.
Embora a situação traumática não tenha alterado os planos profissionais dos
entrevistados, o relacionamento deles com o Banco ficou prejudicado. A revolta por ter
passado por essa experiência e o sentimento de impotência durante a situação traumática
persistem até esse momento. Os três entrevistados mencionaram o fato de que colegas seus
saíram do banco devido a uma experiência traumática do tipo da que eles passaram.
Esse dado indica que a empresa está perdendo bons funcionários e as pessoas, bons
empregos.
Os funcionários ainda não conseguiram uma adaptação eficaz após a situação
traumática vivida. Por adaptação, Simon (1989, p.14) entende “um conjunto de respostas de
um organismo, em vários momentos, a situações que o modificam, permitindo manutenção
de sua organização (por mínima que seja) compatível com a vida”.
Sempre ocorre algum tipo de adaptação a uma mudança. A dificuldade é a de
encontrar uma adaptação que seja adequada. “Para ser adequada, basta que, primeiro, a
resposta solucione o problema que surge para o indivíduo. Segundo, que a solução traga
satisfação para o indivíduo. Terceiro, que a solução encontrada não provoque conflitos
intrapsíquicos (coerência com os valores internos), nem conflitos sócio-culturais” (Simon,
1989, p. 16). Percebe-se que os três entrevistados apresentam uma adaptação ineficaz
severa, pelos critérios da EDAO (Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada). Esta
tabela, desenvolvida por Simon (1989), visa o estabelecimento de um diagnóstico a partir
do conceito de adaptação, adotado por este autor.
O conceito de adaptação aproxima-se do conceito de Resiliência, muito usado
atualmente por diversos autores (BRUNET et al., 2001, NIEVES-GRAFALS, 2001,
OGDEN, 2001), em relação a situações traumáticas. Este conceito é emprestado da física e
significa a “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é
devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica” (FERREIRA,
1999). Este conceito também é ilustrado com a capacidade de um metal voltar à sua forma
original, depois de ser amassado.
O conceito de adaptação, no entanto, torna-se mais útil no caso de um trauma,
porque não é possível voltar ao estado anterior. Não se refaz o passado. A situação
traumática ocorreu, e a elaboração e superação dessa situação exige seu reconhecimento.
“A volta do organismo ao estado primitivo, depois da perturbação causada pelo estímulo,
não é possível, nem desejável, se considerarmos as modificações causadas pelo
crescimento” (SIMON, 1989, p. 15)
Das três pessoas entrevistadas, duas não procuraram auxílio médico ou psicológico,
apesar de apresentar sintomas que trazem “sofrimento significativo”, conforme apregoado
pelo DSM-IV (APA, 1995). A terceira está insatisfeita com a psicoterapia procurada. Esse
dado confirma que a maioria das vítimas de violência não procura tratamento ou
decepciona-se com ele, quando o procuram (OCHBERG, 1991), o que confirma os achados
de Mezey; Evans e Hobdell (2002) e McFarlane (2000) para quem os pacientes com
Transtorno de Estresse pós-Traumático, por desconhecimento ou pela própria ambivalência
em relação aos sintomas, não procuram auxílio médico-psicológico. Confirmando esta
idéia, convém retomar os dados de Taylor et al. (2003), que recrutaram os participantes
para uma pesquisa a partir da indicação de médicos e de anúncios na mídia. Entre os 299
indivíduos que contataram os pesquisadores, 60 cumpriam os critérios diagnósticos de
PTSD. Nessa amostra, o tempo médio que apresentavam os sintomas foi de 8,7 anos. Fica o
questionamento: porque essas pessoas, que estão sofrendo com os sintomas por mais de 8
anos não procuraram tratamento anteriormente?
Isso faz pensar nos outros 297 assaltos ocorridos no banco durante o ano de 1999 e
em quantos funcionários ainda podem estar sofrendo seqüelas dessa experiência traumática.
Não há estudos epidemiológicos deste tipo no país, um campo aberto para novas pesquisas.
O PTSD é uma doença tipicamente dos tempos modernos. Vivemos, sem dúvida,
em um ambiente disruptivo ou se preferirmos, repleto de identificação radioativa.
A violência está presente em todos lugares, seja na realidade, seja na eletrônica,
através de filmes, e jogos. Nos EUA, um jovem de 18 anos teria assistido cerca de 40.000
homicídios na televisão (LAMPRECHT; SACK, 2002). Não se pode concluir
ingenuamente que este fato produza pessoas ou uma sociedade violenta. Mais ingenuidade
é admitir que isso não tem influência alguma na mente de um jovem.
O ambiente em que vivemos no Brasil sem dúvida permite que o inimigo seja
fragmentado, diluído e identificado no estranho que nos pede uma informação ou no
menino no semáforo que vem nos pedir uma ajuda para comer. E-mails na Internet nos
avisam sobre as mais estranhas peripécias dos assaltantes, e trazem a seguinte mensagem
implícita: desconfie de tudo e de todos, não relaxe. Chnaiderman (2003) comenta notícias
de jornais do ano 1996, dizendo que as reações dos meios de comunicação ao aumento da
violência foram desproporcionais ao aumento da própria violência. A preocupação com a
criminalidade saltou de 10% da população pesquisada por um jornal, para 29% em apenas 4
meses.
As pessoas deveriam, então, estar acostumadas com esse ambiente, com a violência,
e de certa forma, anestesiadas com relação aos seus efeitos. A passagem por uma situação
traumática, porém, não se transforma em experiência, no sentido de um aprendizado, de
“habilidade que se adquire pela prática” (GREGORIM et. al, 1999). Como o próprio
conceito de trauma estabelece, ele fica como um corpo estranho no psiquismo, e cada
situação ameaçadora é vivida como única. Pelo contrário, a partir da concepção freudiana
de facilitação, expressa no “Projeto para uma psicologia científica” (1895a/1995 Edição
Eletrônica) é de se pensar que os traumas provocam um efeito cumulativo, se não
descarregados ou integrados através de associações, isso é, se não tiverem um sentido. Essa
característica cumulativa foi constatada por Brunet et al. (2001), com motoristas de ônibus
que desenvolveram PTSD após vários acidentes. Em um caso atendido em consultório, uma
bancária, que já havia sofrido três assaltos na agência em que trabalhava, sem desenvolver
sintomas, passou a desenvolve-los após um assalto durante o qual estava no banheiro, e que
apenas ouviu os gritos e ameaças dos assaltantes.
O filósofo grego Heráclito dizia que uma pessoa não pode mergulhar duas vezes no
mesmo rio. Na segunda vez, nem ela, nem o rio, são os mesmos. Da mesma forma, cada
situação de violência pode ser considerada como nova, e não se transforma em experiência,
como em ocorre em outras situações da vida. Ao contrário, o efeito cumulativo de situações
traumáticas é um dos fatores predisponentes do desenvolvimento do PTSD.
Isto parece ter ocorrido com os bancários entrevistados. Todos já haviam sofrido
assaltos anteriormente, ou no próprio trabalho ou fora dele. A situação que foi considerada
traumática, no entanto, foi sentida como a “pior”, com mais elementos ameaçadores para a
própria vida.
O indivíduo que, após uma experiência traumática
desenvolve sintomas de PTSD fica preso em um circuito: reexperimentação-ansiedade-evitação. Estas pessoas perdem a
capacidade de assimilar novas experiências, como se sua
personalidade estivesse detida em um certo ponto, incapaz
de desenvolvimento (CIA, 2001). A pessoa fica presa no
circuito do medo, e a quantidade de libido investida para sua
proteção impede que a quantidade de energia à disposição do
ego para o desenvolvimento pessoal e relacionamento
interpessoal fique extremamente prejudicado.
A experiência traumática, de um assalto ou seqüestro de um bancário com objetivo
de assalto, “atravessa o escudo protetor” e traz um acréscimo de energia que incapacita o
ego de descarga ou de ligar por associação. O que seria essa ligação por associação? Como
Freud, podemos pensar que a única experiência comum, que talvez possa deixar um
registro mnêmico dessa experiência seja o trauma do nascimento, a primeira vez em que
estivemos expostos a uma possibilidade de morte. A angústia da morte é algo que atinge a
todas as pessoas. No PTSD, a proximidade da morte parece ser uma experiência que altera
a continuidade da vida. É como se a pessoa entrasse em contato com a perspectiva real da
finitude, e seus valores, esperanças e perspectivas nunca mais fossem os mesmos.
Pierre Janet (apud CIA, 2001, p.78) argumentava que o individuo criava uma
“fobia à lembrança”, que evitava a “síntese ou integração” das lembranças traumáticas,
mantendo-as afastadas da consciência.
A natureza do trabalho bancário já é, em si, estressante. Essa foi a argumentação
legal da campanha sindical iniciada em 1933 que, após vários movimentos grevistas,
conseguiu a redução da jornada de trabalho do bancário para seis horas, enquanto a maioria
dos outros trabalhadores cumprem uma jornada de 8 horas diárias (CANEDO, 1978).
“O salário exíguo, o trabalho desarticulado e a insegurança, somados ao horário
exaustivo, tiveram por conseqüências um empregado de pequena produção, e doente. As
doenças mais comuns eram a tuberculose e a ‘psiconeurose bancária’” (Canedo, 1978,
p.43). Essa era a forma como era visto, em 1938, o trabalho bancário pelo IAPB, o extinto
Instituto de Aposentadoria dos Bancários. Essa “psiconeurose bancária” ainda era descrita
com os seguintes sintomas:
afeta as funções do cérebro, dando fraqueza, dificuldade de concentrar
atenção, dor de cabeça e irritabilidade. Surgem insônias e as fobias de
várias espécies, ou seja, o medo de comer alimentos comuns e a aversão
a muita coisa mais, que até aí a vítima do mal costumava fazer sem nada
sentir. O sintoma que domina é a angústia ou o excesso de escrúpulo”
(CANEDO, 1978, p.43).
Embora o Banco investigado seja mais sensível e invista mais em relação à saúde e
qualidade de vida de seus funcionários, criando um programa para aqueles que passam pela
traumatizante experiência de ser assaltado ou seqüestrado em sua atividade profissional,
ainda há muito para ser feito, e é preciso salientar que este banco é uma exceção no país.
Campos (1998), médico do trabalho do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte (MG),
sobre o desenvolvimento do PTSD nos bancos da cidade, avalia que só conseguem
estabelecer o nexo causal do desenvolvimento do quadro com uma situação traumática de
trabalho, quando ocorrem lesões físicas nos funcionários. “O sofrimento psíquico é
ignorado e velado de um silêncio, no mínimo, estranho. A este, na maioria dos casos, não
se dá assistência médica ou psicológica e, muito menos, se reconhece o vínculo com o
trabalho”. Essa afirmação dá uma dimensão do pioneirismo de um programa como o
PAVAS, elaborado pelo banco pesquisado, principalmente se pensarmos na falta de
recursos sociais para esta problemática. Gray e Acierno (2002), pesquisando o PTSD em
pessoas idosas, concluem que, para os adultos, há poucos recursos sociais para auxílio no
tratamento do PTSD.
Os índices de PTSD encontrados nas diferentes pesquisas internacionais
mencionadas nos fazem questionar o mundo em que vivemos. O ambiente disruptivo
descrito por Benyakar deixou de estar confinado a alguns países ou regiões do planeta,
geralmente distante de nós, brasileiros. A violência hoje não é mais uma exceção no país,
mas está cada vez mais presente e próxima. Infelizmente, podemos predizer que, a menos
que as condições sociais sejam alteradas para que possam ser combatidas as raízes do
comportamento violento de natureza sócio-econômica, cada vez mais teremos situações
traumáticas e pessoas desenvolvendo sintomas de PTSD.
O próprio Freud (1927b/1995, Edição Eletrônica) em “O futuro de uma ilusão” já
estabelecia essa relação entre a frustração social de parcelas da população e o crescimento
da violência:
É de esperar que essas classes subprivilegiadas invejem os privilégios das
favorecidas e façam tudo o que podem para se liberarem de seu próprio
excesso de privação. Onde isso não for possível, uma permanente parcela
de descontentamento persistirá dentro da cultura interessada, o que pode
conduzir a perigosas revoltas. Se, porém, uma cultura não foi além do
ponto em que a satisfação de uma parte e de seus participantes depende
da opressão da outra parte, parte esta talvez maior — e este é o caso em
todas as culturas atuais—, é compreensível que as pessoas assim
oprimidas desenvolvam uma intensa hostilidade para com uma cultura
cuja existência elas tornam possível pelo seu trabalho, mas de cuja
riqueza não possuem mais do que uma quota mínima. Em tais condições,
não é de esperar uma internalização das proibições culturais entre as
pessoas oprimidas.
Pelo contrário, elas não estão preparadas para reconhecer essas
proibições, têm a intenção de destruir a própria cultura e, se possível, até
mesmo aniquilar os postulados em que se baseia. A hostilidade dessas
classes para com civilização é tão evidente, que provocou a mais latente
hostilidade dos estratos sociais mais passíveis de serem desprezados. Não
é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão
grande de seus participantes e os impulsiona à revolta, não tem nem
merece a perspectiva de uma existência duradoura.
Este texto reflete bem a relação entre problemas sociais, que a causam a frustração,
e a revolta que surge a partir dele, através de assaltos, seqüestros, e no âmbito deste
trabalho, as ocorrências criminais contra os bancos e por, conseqüência, contra os
bancários.
O Psiquiatra argentino Mordechai Benyakar (2003) propôs nove princípios de
atendimento em saúde mental após desastres, conhecidos como os 9 W’s, por todos
iniciarem com a letra W (em inglês), e ele toma o termo desastre a partir de sua etimologia,
disastrum , que significava os momentos em que os astros saíam de suas órbitas naturais, e
provocavam o Caos, criando situações inesperadas na Terra.
O princípio apresentado em primeiro lugar é o da Prevenção (Warning), e esta
prevenção é compreendida a partir de duas vertentes.
A primeira é no sentido da adoção de medidas com o objetivo de evitar a situação
desastrosa.
Em nosso país, essa prevenção passa não apenas por uma ação de
transformação social, mas também pela transformação das políticas de segurança e
judiciárias, que não estão cumprindo com seu papel na sociedade à qual devem servir, mas
também das empresas e as próprias pessoas reconhecerem de fato a realidade. Considerar
que a violência seja algo normal pode ser tão patológico quanto ela. “Aceitar que a
violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se
submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de
sua transformação” (SOUZA, 2000).
A segunda relaciona-se com o conceito de “imunidade psíquica”. Este conceito,
derivado da imunidade biológica, propõe o contato com doses controladas do elemento
patogênico. No tocante a este tema, significaria a discussão e divulgação de mais esta
conseqüência de situações violentas: a capacidade de provocar patologias psicológicas.
Eranen e Liebkind
(Apud URSANO;
FULLERTON; NORWOOD, 1996)
defendem que a diferença entre um acidente e um desastre é de grau; uma distinção crucial
entre elas é que, em um desastre, a estrutura social e os processos são afetados
suficientemente para ameaçar a existência e o funcionamento da pessoa ou da comunidade.
As necessidades de recurso são maiores do que os recursos disponíveis.
É tarefa da sociedade como um todo, mas principalmente dos profissionais que
escolheram para si o trabalho com saúde como profissão, criar, desenvolver e disponibilizar
esses recursos para a população.
Isso nos faz pensar na necessidade de disponibilizar recursos para o atendimento das
vítimas. Como cidadãos, temos de cobrar esses recursos das autoridades competentes.
Como profissionais de saúde, construí-los.
7. Referências
AAPA- AMERICAN ACADEMY OF PHYSICIAN ASSISTANTS. Recognition and
Treatment of Anxiety Disorders and Comorbid Conditions. 2002. Disponível em
http://www.aapa.org/. Acesso em 13 Out. 2003.
ALARCON, R. D; TRUJILLO, J. La contemporaneidad de la violência y sua fronte
multidimensional.. Alcmeon 23, v.6, n.3. 1997. Disponível em <http://www.alcmeon.
com.ar/6/23/>. Acesso em 06 abr. 2002.
APA-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais DSM-IV. Edição eletrônica. Coordenação: Dr. Miguel R. Jorge. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
AMOR, J. L. M.; PÉREZ, J. L.; GANCEDO, I. Estúdio clínico del transtorno por estrés
postraumatico relacionado com el terrorismo urbano. Interpsiquis 2001 v.2. 2001.
Disponível em <http://www.psiquiatria.com>. Acesso em 05 Ago. 2002.
ANDRADE, L. H. et al. Epidemiologia dos transtornos mentais em uma área de captação
da cidade de São Paulo, Brasil. Revista de Psiquiatria Clínica v.26, n.5. 1999. Disponível
em <http://www.hcnet.usp.br>. Acesso em 20 Jul. 2002.
ANDREWS, B. et al. Predicting PTSD symtoms in victims of violent crime- The role of
shame, anger and childhood abuse. Journal of Abnormal Psychology, v.109, n.1, p.69-73.
2000.
BARDIN, L.; Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 Lda. 1977.
BENYAKAR, M. Lo disruptivo. Amenazas individuales y colectivas: el psiquismo ente
guerras, terrorismos y catástrofes sociales. Buenos Aires: Biblos, 2003. 224 p.
BERLINK, M. T. Catástrofe e representação. Revista Latino Americana de Psicopatologia
Fundamental. V. 2, n. 1, Mar. 1999. Disponível em <http ://www .geocities .com /
HotSprings/Villa/3170/RLPFMar99.htm.> Acesso em 20 Jun 2002.
BRESLAU, N; DAVIS, G. C; SCHULTZ, L. R. Posttraumatic stress disorder and the
incidence of nicotine, alcohol, and other drug disorders in persons who have experienced
trauma. Archives of psichiatry, v.60, n.3, 2003. p.289-294.
BREWIN, C. R; ANDREWS, B; ROSE, S. Diagnostic overlap between acute stress
disorder and PTSD in victims of violent crime. The American Journal of Psychiatry. v.
160, n. 4, p.783-785. 2003.
BROOK, D. W. et al. Early risk factors for violence in colombian adolescents. The
American Journal of Psychiatry. v. 160, n.8 p.1470-1478. 2003.
BROWN, P. L.; STOUT R. L.; MUELLER T. Substance use disorder and posttraumatic
stress disorder comorbidity addiction and psychiatric treatment rates. Psychology of
Addictive Behaviors v.13 n.2. 1999. Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso em 25
Jul. 2002.
BRUNET, A. et al. The effects of initial trauma exposure on the symptomatic response to a
subsequent trauma. Canadian Journal of Behavioural Science. v. 33, n. 2. p. 97-102. Abr.
2001.
BRYANT, R. A; HARVEY, A. G. The influence of litigation on maintenance of
posttraumatic stress disorder. The Journal of Nervous and mental Disease. v. 191, n. 3, p.
191-193. 2003.
CÂMARA FILHO, J.W.S.; SOUGEY, E. Transtorno de Estresse pós-Traumático:
formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de Psiquiatria,
v.23, n.4. 2001. Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso em 25 Mai. 2002.
CAMPOS, P, J. Assaltos s banco: Saúde Mental/Um outro lado do sofrimento. Jornal do
sindicato dos empregados de estabelecimentos bancários de Belo Horizonte. 1998.
Disponível em <http://www.bancariosbh.org.br/saude/sau_mental.htm>. Acesso em 05 de
set. 2002.
CANEDO, L. B. O sindicalismo Bancário em São Paulo. São Paulo: Símbolo. 1978. 219 p.
CARLIER, I. V. E; VOERMAN, B. E; GERSONS, B. P. R. Intrusive traumatic
recollections and comorbid posttraumatic stress disorder in depressed patients
Psychosomatic Medicine. n.62. p. 26-32. 2000.
CAZABAT, E. H. Una breve historia del estudio del trauma. Trabalho apresentado no II
Congresso Virtual de Psiquiatria. 2001.
Disponível em <http://www.psiquiatria.com/
congreso>. Acesso em 29 Mai. 2002.
CAZABAT, E. H. Trabalho apresentado no III Congresso Internacional de Psicotrauma.
Buenos Aires, 25/28 Jun. de 2003.
CHERTOFF, J. Psychodynamic assessment and treatment of traumatized patients. Journal
of Psychoterapy Practicer and Research.. n. 7, p. 35-46. 1998.
CIA, A. H; Trastorno por estrés Postraumatico. Buenos Aires: Imaginador, 2001. 472p.
CHNAIDERMAN, M. Jabor e a Psicanálise: Dez anos de Brasil. Percurso-Revista de
Psicanálise. v. 30. 1o. Semestre 2003.
COOPER, J. E. (Org.), Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID10. Referência Rápida. Tradução: Gabriela Baldisseroto. Porto Alegre: Artes Médicas,
1997. 404 p.
CORRÊA, O. B. R. Colóquio em homenagem a Nicolas Abraham e Maria Torok. In: Os
avatares da transmissão psíquica geracional. Corrêa, O. B. R. (Org.). São Paulo: Escuta.
2000. 100 p.
COSTA, J. F. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 2 edição 1986. 189 p. 1984.
CROCQ, L. A. O. El retorno del infierno y su mensaje. Revista de Psicotrauma para
Iberoamerica. v. 1, n. 2, Jun. 2002.
CURRAN, P.S; MILLER P.W. Psychiatric implications of chronic civilian strife or war:
Northern Ireland. Advances in Psychiatric Treatment, n.7, p.73-80. 2001. Disponível em:
<http://apt.rcpsych.org>. Acesso em 01 Mai. 2002.
DAVIDSON, J. R. T. Surviving disaster: what comes after the trauma? The British Journal
of Psychiatry, v. 181, p.366-368. 2002.
DEAHL, M. Psychological debriefing: controversy and challenge Australian and New
Zealand Journal of Psychiatry . v.34, n.6. Dez. 2000.
EHLERS, A; MAERCKER, A; BOOS, A. Posttraumatic Stress Disorder following political
imprisonment.the role of mental defeat, alienation, and perceived permanent change.
Journal of Abnormal Psychology. v.109, n.1 p.45-55. 2000.
EMSLEY, R. A; SEEDAT, S. F.C; STEIN, D. J. F.R.C.P.C. Posttraumatic Stress Disorder
and occupational disability in South African Security Force Members. The Journal of
Nervous and mental Disease. v. 191, n. 4. p. 237-241. 2003.
ESCÓSSIA, F. Violência atinge mais as mulheres jovens. Folha de São Paulo. São Paulo,
p. C6, 18 Dez. 2003.
KERR-CORREA, F. et al. Abuso sexual, transtornos mentais e doenças físicas. Revista de
Psiquiatria Clínica. v.27, n.5. 2000. Disponível em <http://www.hcnet.usp.br>. Acesso em
25 Jul. 2002. .
FENICHEL, O. (1957) Teoria psicanalítica das neuroses: fundamentos e bases da doutrina
psicanalítica. São Paulo: Atheneu. 1998. 665 p.
FERENCZI, S. (1919) Psicanálise das Neuroses de Guerra. In Sandor Ferenczi, Obras
Completas- Psicanálise III. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 442 p.
FERREIRA, A. B. H. F. Comum e Normal. In: Dicionário Aurélio Eletrônico Século
XXI. São Paulo: Nova Fronteira. 1999. 1 CD-ROM. Versão 3.0. Windows 98.
FIGLEY, C. R. El tratamiento del estrés traumático: una perspectiva basada en la teoria.
Revitsa de psicotrauma para iberoamérica. V. 2, n.1. p. 4-13. Mar 2003.
FOA, E. B. et al. Evaluation of a brief cognitive—behavioral program for the prevention of
chronic PTSD in recent assault victims. Journal of Consulting and Clinical Psychology. v.
63, n. 6. p.948-955. 1995.
FOA, E. B; ZOELLNER, L. A; ALVAREZ, J. A. Lleva la narracion desorganizada de lo
sucedido al Trastorno de estrés postraumatico (TEPT)? Breve resenha de las
investigaciones. In: Debriefing – Modelos e Aplicaciones. PERREN-KLINGER, G. Suíça:
Institut Psychotrauma, 2003. p. 55-62.
FREUD, ANNA. Comentários sobre o trauma. In: El trauma psíquico. FURST, S. S. et al.
Buenos Aires: Troquel. 1971.
FREUD, S. (1893a) Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação
preliminar. In: Edição eletrônica das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1893b) Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias
motoras orgânicas e histéricas In: Edição eletrônica das obras completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98
______ (1895a) Projeto para uma psicologia científica. In: Edição eletrônica das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1895b). Estudos sobre a histeria. In: Edição eletrônica das obras completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1896) Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa. In: Edição eletrônica
das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM,
Windows 98.
______
(1901 [1899]) Lembranças Encobridoras. In: Edição eletrônica das Obras
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1910) Cinco Lições de Psicanálise. In: Edição eletrônica das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1913) Sobre o início do tratamento. In: Edição eletrônica das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1915) Neuroses de transferência- Uma síntese. São Paulo: Imago, 1987.
503 p.
______ (1917a) Conferências introdutórias à Psicanálise. Conferência XVIII – A Fixação
em Traumas- O Inconsciente. In: Edição eletrônica das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1917b) Conferências introdutórias à Psicanálise. Conferência
XXIII –
Conferência XXIII- Os Caminhos Da Formação Dos Sintomas. In: Edição eletrônica das
obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows
98.
______ (1917c) Conferências introdutórias à Psicanálise. Conferência
XXV – A
Ansiedade. In: Edição eletrônica das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1918). Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In: Edição eletrônica das
Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows
98.
______ (1919a [1918]). Introdução à psicanálise e as neuroses de guerra. In: Edição
eletrônica das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CDROM, Windows 98.
______ (1919b [1918]). Um estudo autobiográfico. In: Edição eletrônica das Obras
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1920 [1919-1920]). Além do Princípio do Prazer. In: Edição eletrônica das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1923a). Observações sobre a teoria e prática da interpretação dos sonhos. In:
Edição eletrônica das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1
CD-ROM, Windows 98.
_______(1923b). O Ego e o ID. In: Edição eletrônica das Obras Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1925). Inibição, sintomas e ansiedade. In: Edição eletrônica das Obras
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1927a) O fetichismo. In: Edição eletrônica das Obras Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1927b) O futuro de uma ilusão. In: Edição eletrônica das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1933 [1932]). Novas conferencias introdutórias sobre psicanálise. Ansiedade e
vida instintual. In: Edição eletrônica das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1939 [1934-8]). Moisés e a religião Monoteísta. In: Edição eletrônica das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1940 [1938]). Esboço de psicanálise. In: Edição eletrônica das obras completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98.
______ (1950 [1892-1899]). Extrato das cartas dirigidas a Fliess. In: Edição eletrônica
das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. 1995. 1 CD-ROM,
Windows 98.
________ (1955[1920]) Memorandum
sobre o tratamento elétrico dos neuróticos de
guerra. . In: Edição eletrônica das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago. 1995. 1 CD-ROM, Windows 98
FUKS, L.B. O traumático na clínica. Estados Gerais da Psicanálise. 2002 .Disponível em
<http://www.geocities.com / HotSprings /Villa /3170 /EG. htm>. Acesso em 09 de Out. de
2002.
FURST, S. S. – El trauma psíquico: un estudio. In: S. S. Furst (Org.), El Trauma psíquico.
Buenos Aires, Editorial Troquel, 1971
GABBARD, G. O; LAZAR, S. G. Efficacy and cost effectiveness of psychotherapy.
Documento elaboradado para APA Commission on Psychotherapy by Psychiatrists. 2000.
Disponível em <http//www.appi.org.>. Acesso em 13 Out. 2003.
GAMPEL, Y. – El rol de la violência social en la realidad psíquica. In: Las Tareas del
análisis. Ahumada, J. L. et al. (Ed). Buenos Aires: Polemos, 2000. 559 p.
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1984. 16a.
Edição. 236 p.
GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à Metapsicologia freudiana 2. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1991. 235 p.
GLINA, D.M.R et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e
o diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública, v.17, n.3. 2001.
Disponível em <http://www.scielo.br>. Acesso em 25 Maio 2002.
GRAEFF, F. G. Bases biológicas do transtorno de estresse pós-traumático.
Revista
Brasileira de Psiquiatria. v. 25, suplemento 1 Jun. 2003.
GRAY, M. J; ACIERNO, R. Symptom presentations of older adult crime victims:
description of a clinical sample. Journal of Anxiety Disorders. v.16, n. 3. p. 299-309. 2002.
GREGORIM, E. O. et. al. Dicionário Michaelis-UOL. São Paulo: Melhoramentos. 1999. 1
CD-ROM, Windows 98.
HANNS, L. A. Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
505 p.
HARVEY, A. G; BRYANT, R. A. Acute Stress Disorder: A synthesis and critique.
Psychological Bulletin. V. 128, n. 6. p. 886-902. 2002.
HERMANN, F. A. Andaimes do real: O cotidiano. São Paulo: Vértice, 1985. 309 p.
HOROWITZ, M.; WILNER, N.; ALVAREZ, W. Impact of event scale, a measure of
subjetive distress. Psychosomatic Medicine, v. 41. 1979. Disponível em <http:// www.
scielo.br>. Acesso em 25 May 2002
ILANUD Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinqüente , 2002. Disponível em <http://www.fia.com.br/ admpauta /
144_ fotos/m1_mapaviolencia.htm> Acesso em 15 Nov. 2003.
JONES, E. et al. Flashbacks and post-traumatic stress disorder: the genesis of a 20thcentury diagnosis. The british journal of psyciatry. v. 182. p. 158-163. Fev. 2003.
KEHL, M. R. O sexo, a morte, a mãe e o mal. In: NESTROVSKI, A; SELIGMANNSILVA, M. (Orgs). Catástrofe e Representação. São Paulo: Escuta, 2000. p. 137-148.
KERR-CORREA, F. et al. Abuso sexual, transtornos mentais e doenças físicas. Revista de
Psiquiatria Clínica. v.27, n.5. 2000. Disponível em <http://www.hcnet.usp.br>. Acesso em
25 Jul. 2002.
KESSLER, R.C. et al. Posttraumatic stress disorder in the National Comorbidity Survey.
Archives of General Psychiatry v. 52, n. 12. 1995. Disponível em <http://www.scielo.br>.
Acesso em 25 Maio 2002.
LAFONT, B. Clínica de la Neurosis Traumática. Vertex Revista Argentina de Psiquiatria.
v.9, n.31 p. 18-23. Mar-Mai 1998.
LAMPRECHT, F; SACK, M. Posttraumatic Stress Disorder revisited. Psychosomatic
Medicine. v. 64, n. 2. p. 222-237. Mar/Abr 2002.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de Psicanálise. Lisboa: Martins Fontes.
1983. 707 p.
LOPEZ-IBOR, A. R. Estrés postraumático quince años después de Malvinas. VertexRevista Argentina de Psiquiatria, v.9, n.31. p.31-41, Mar-Mai 1998.
MACREADY, N. Stress disorder is common among prostitutes. British medical journal.
Ago. 1998. Disponível em < http//bmj.com>. Acesso em 20 Jul. 2002.
MAES, M., et al. Epidemiologic and phenomenological aspects of post-traumatic stress
disorder: DSM-III-R diagnosis and diagnostic criteria not validated. Psychiatry Research,
v.81, n.2. 1998. Disponível em <http://www.sciencedirect.com>. Acesso em 21 de Jun. de
2002.
MAISONNAVE, F. Violência na Colômbia cai no governo Uribe. Jornal Folha de São
Paulo. p. A31. 21 Dez. 2003.
MARLOWE, H. D. Psychological and psychosocial consequences of combat and
deployment with special emphasis on the Gulf War. 2000. 181 p. Disponível em
<http://www.rand.org/publications/MR/MR1018.11/MR1018.11.ch1.html>. Acesso em 03
abr.2003.
MARSHAL, R. P. et al. Medical-care costs associated with posttraumatic stress disorder in
Vietnam veterans. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry. v.34, n. 6. Dez.
2000.
McCARTHY, J. Post-traumatic stress disorder in people with learning disability. Advances
in Psychiatric Treatment. The Royal College of Psychiatrists. N. 7, 2001. p. 163-169.
Review of General Psychology
McFARLANE, A. C. Traumatic stress in the 21st century. Australian and New Zealand
Journal of Psychiatry. v. 34 n. 6. Dez. 2000.
McKEEVER, V. M; HUFF, M. E. A Diathesis-Stress model of Posttraumatic Stress
Disorder: Ecological, biological, and residual stress pathways. Review of General
Psychology. v. 7, n. 3. p.237-250. 2003.
McNALLY, R. J. Progress and controversy in the study of Posttraumatic Stress
Disorder. Annual Reviews Psychology. v.54. p. 229-252. 2003.
MEZAM, R. Freud: A Trama dos Conceitos . São Paulo: Perspectiva. 1982. 350 p.
MEZEY G; EVANS C; HOBDELL K. Families of homicide victims: psychiatric responses
and help-seeking. Psychology and Psychotherapy: Theory, Research and Practice. v. 75, n.
1. p. 65-75. Mar. 2002.
MASSON, J. M. A correspondência completa de Sigmund freud para wilhelm Fliess –
1887-1904. Rio de Janeiro: Imago, 1986. 503 p.
MIGLIAVACCA, E. M; VIEIRA, C. M. S. O pêlo branco do urso polar e o trauma, ou as
pulsões como diferentes tendências de interação com o meio. Revista de Psicanálise da
Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. V. 9, n. 2. Agosto de 2002. p. 227-239
MINGOTE, J.C. et al. Tratamiento integrado del Transtorno de Estrés Postraumático.
Aperturas - Revista de Psicoanálisis. N.8 Jul 2001. Disponível em <http://www. Aperturas
.org>. Acesso em 29 Mai. 2002.
MONTAÑO, I. L, Delincuentes Juveniles en Colombia y Drogadicción: Un Trauma Social
– Trabalho apresentado no III Congresso Internacional de Psicotrauma – Buenos Aires,
Jun. 2003.
MOSCA, D; BANCHERO, M. Trastorno de estrés postraumático, alergia e dolor crônico.
Patologias comórbidas ou intercambiáveis? Revista de Psicotrauma para Iberoamérica. N.
1, v. 1. p.20-25. 2002.
MUESER, K. T. et al. Trauma and Posttraumatic Stress Disorder in Severe Mental. Journal
of Consulting and Clinical Psychology v.66, n.3. 1998. Disponível em <http;//www.
spider.apa.org>. Acesso em 25 Jun. 2002.
NEWPORT, D. J; NEMEROFF, C. B. Neurobiología del Trastorno por Estrés
Postraumático. Current Opinion in neurobiology. n. 10, p. 211-218. 2000.
NIEVES-GRAFALS, S. Brief therapy of civil War-Related trauma: A case study. Cultural
Diversity and Ethnic Minority Psychology. v.7, n. 4. p. 387-398. Dez. 2001.
OCHBERG, F. M. Gift from within. Psychotherapy, v. 28, n. 1, 1991.
OGDEN, M. A. P.; MILTON, K. Sensorimotor Psychotherapy: One method for processing
traumatic memory. The International Journal for Understanding the Traumatic Processes
and Methods for Reducing, Preventing, and Eliminating Related Human Suffering. v. 6, n.
3. Out. 2000.
OLIVEIRA, M. D.; ROSA, J. T. Fatos clínicos psicanalíticos na psicoterapia de uma
paciente com depressão narcísica. Revista Mudanças - Psicoterapia e estudos psicossociais,
v.9, n.16, p.11-40. 2001.
ORR, S. P. et al. De novo conditioning in Trauma-Exposed individuals with and without
Posttraumatic Stress Disorder. Journal of Abnormal Psychology, v.109, n.2. 2000.
Disponível em <http;//www.spider.apa.org.>. Acesso em 14 Jun. 2002.
OZER, E. J. et al. Predictors of Posttraumatic Stress Disorder and symptoms in adults: A
Meta-Analysis. Psychological Bulletin v.129, n.1 2003. Disponível em <http://
www.scielo.br.> Acesso em 10 Set. 2003.
PEREZ, J. L.; GANCEDO, I. Concepto e epidemiologia del transtorno de estrés
postraumatico. Revista Aula Medica, v.3, n.1. 2001.
Disponível em <http://www.
grupoaulamedica.com/web/archivos_rojo/revistas_actual.cfm?idRevista=94.> Acesso em
18 Mar. 2002.
PERRY, S. et al. Predictors of posttraumatic stress disorder after burn injury. American
Journal of Psychiatry v.149, n.7. 1992. Disponível em <http:// www.scielo.br.> Acesso em
15 Maio 2002.
PESSOA, F. Mensagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 15. 256 p.
PORTIELES, A. C.; El conflicto internalizado y el trastorno por estrés postraumático.
Psiquiatria.com. v.6, n.4. 2002. Disponível em <http://www.psiquiatria. com/ articulos/
estres/11388/>. Acesso em 26 Maio 2003.
RESNICK, H.S.; KILPATRICK, D.G.; LIPOVSKY J.A. Assessment of rape-related
posttraumatic stress disorder stressor and symptom dimensions. Psychological Assessment.
A Journal of
Consulting and Clinical Psychology v.3, n.4. 1991. Disponível em
<http://www.scielo.br>. Acesso em 13 Jun. 2002.
RODRIGUES, G. Apostila do Curso: Transtornos Dissociativos, realizado em 8 Nov. 2003,
São Paulo. 12 p.
ROSO, M. C. Escalas de avaliação de Transtorno de Estresse pós-Traumático. Revista de
Psiquiatria Clínica, v.25, n.6 pág. 320-325, 1998.
RUSCIO, A. M; RUSCIO, J; KEANE, T. M. The latent structure of Posttraumatic Stress
Disorder. A taxometric investigation of reactions to extreme stress. Journal of Abnormal
Psychology, v.111, n.2, p.290-301. Maio 2002.
SABBAGH, L. Stress signs often missed in victims of violent crime. The Medical post.
Maio 1995. Disponível em <http;/www.mentalhealth.com>. Acesso em 04 Abr. 2002.
SANTO E SILVA, M. P. E. Stress pós Traumático em funcionários de Instituições
Financeiras. Monografia Submetida para o título de especialização em Engenharia de
Qualidade. Faculdade de Engenharia Química de Lorena. 2001.
SATO, L. Reprodução, Produção e Criação: Psicologia e Saúde no Trabalho. Anais do I
Conpsic. Conselho Regional de Psicologia –6a. região. 1988.
SCHESTATSKY, S. M. et al. A evolução histórica do conceito de estresse pós-traumático.
Revista Brasileira de Psiquiatria, v.25, suplemento 1. 2003. Disponível em
<www.scielo.com.>. Acesso em 23 Out. 2003.
SCHUSTER, M.A. et al. A National Survey of Stress Reactions after the September 11,
2001, Terrorist Attacks. The New England Journal of Medicine, v.345, n.20, p.1507-1512.
2001. Disponível em <http:www.nejm.com>. Acesso em 06. Jun. 2002.
SEADE. Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados. Anuário Estatístico do Estado
de São Paulo, 1999. Disponível em <http://www.seade.gov.br/cgi-bin/ hpseade/
tema_prod.ksh?tema=JSG>. Acesso em 06 abr. 2003.
SEEB-BH.
SINDICATO
DOS
EMPREGADOS
EM
ESTABELECIMENTOS
BANCÁRIOS DE BELO HORIZONTE. Assaltos a banco: estatísticas. 2004. Disponível
em <http://www.bancariosbh.org.br/>. Acesso em 03 Jan. 2004.
SHATAN, C. F. Transtorno de estrés postraumático: Entrevista a Chaim F. Shatan.
Aperturas
–
Revista
de
Psicoanálisis.
v.9.
2001.
Disponível
em
<http/:www.aperturas.com>. Acesso em 13 Jun 2002.
SIMON R. Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada. In R. Simon, Psicologia
Clinica Preventiva- Novos Fundamentos. São Paulo: E.P.U. 1989. 141 p.
SOUZA, M. L. R. A banalização da violência: efeitos sobre o psiquismo. Percurso-Revista
de Psicanálise. n. 25. 2o Semestre. 2000.
SYMINGTON, N. Narcisismo. Uma nova Teoria. São Paulo: Roca. 2003. 111 p.
TAYLOR, S. et al. Comparative Efficacy, Speed, and Adverse Effects of Three PTSD
Treatments: Exposure Therapy, EMDR, and Relaxation Training. Journal of Consulting
and Clinical Psychology. V. 71, n. 2. p. 330-338. 2003.
SLADE, T; ANDREWS, G. Exclusion criteria in the diagnostic classifications of DSM-IV
and ICD-10: revisiting the co-occurrence of psychiatric syndromes. Psychological
Medicine. v.32, n.7. 2002. p.1203-1211.
TORRES, A. R. Diagnóstico diferencial do transtorno obsessivo-compulsivo. Revista
Brasileira de Psiquiatria. V.23. n.2. 2001. Disponível em <http://www.hcnet.usp.br>.
Acesso em 25 Jul. 2002.
UCHITEL, M.. Neurose traumática: uma revisão crítica do
conceito de trauma. São Paulo: Casa Do Psicólogo. 2001.
URSANO, R. J.; FULLERTON, C. S.; NORWOOD, A. E. Psychiatric dimensions of
disaster: Patient care, community consultation and preventive medicine. Publicação da
American Psychiatric Association. 1996. Disponível em < http/:.www_psych_org1>.
Acesso em 05 Mar 2002.
VALENTINER, P.D. et al. Coping strategies and Posttraumatic Stress Disorder in female
victims of sexual and nonsexual assault. Journal of Abnormal
Psychology, v.105, n.3.
1996. Disponível em <http;//www.spider.apa.org>. Acesso em 25 Abr. 2002.
VAN DER PLOEG, E; DORRESTEIJN, S. M; KLEBER, R. J. Critical Incidents and
Chronic Stressors at Work: Their Impact on Forensic Doctors. Journal of Occupational
Health Psychology. V. 8 n. 2. 2003 p. 157-166.
VIEIRA, C. M. S. As relações traumatizantes e seus efeitos no aparelho psíquico:
uma cantata polifônica das idéias de S. Freud e S. Ferenczi. Dissertação (Mestrado).
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2001.
VIEIRA, C. M. S; VIEIRA NETO, O. Os efeitos psicológicos da violência. Revista Psikhê.
v.2, n. 2, p. 35-38, 1998.
VOLPE, J. S. Traumatic Stress: an overview. Trauma Responses. 2002. Disponível em
<http://www.aaets.org 2002.> Acesso em 20 Maio de 2002.
YEHUDA, R.; MCFARLANE, A.C.; SHALEV, A.Y. Predicting the developments of
posttraumatic stress disorder from the acute response to a traumatic event. Biological
Psychiatry, v.44, n.12. 1998. Disponível em <http://www.sciencedirect.com.> Acesso em
28 Maio 2002.
YEHUDA, R. Entrevista concedida ao jornal do Centro de Estudos Luis Guedes –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, v.13, n.49. 2002. Disponível em <http://
www.ufrgs.br/psiq/celg.html>. Acesso em 06 Fev. 2002.
WALKER, E. A. et al. Health care costs associated with Posttraumatic Stress Disorder
symptoms in women. Archives of General Psychiatry. v. 60, n. 4 p.369-374, 2003.
ZOELLNER, L.A. et al. Are trauma victims susceptible to “false memories”?. Journal of
Abnormal Psychology. v.109, n.3. 2000. Disponível <http;//www.spider.apa.org>. Acesso
em em 14 Jun 2002.
8. Anexos
Anexo 1: A Escala Clinicamente Administrada para PTSD
Clinician Administered PTSD Scale - CAPS
(Traduzida por Ligia M. Ito, 1994)
Sintomas de PTSD
A. Evento traumáutico:
....................................................................................................................................
Sint. atuais
Freq
Ints
Sint. ao longo da
vida
Freq
Ints
B. O evento traumático é persistentemente revivido
(1) lembranças recorrentes e intrusivas
(2) aflição quando exposto a eventos relacionados
(3) atua ou sente como se o evento recorresse
(4) sonhos angustiantes recorrentes sobre o evento
Número de Sintonias Atuais para o Critério B (Precisa 1) Atinge Critério? Sim /Não
Número de Sintonias ao Longo da Vida para o Critério B
Atinge Critério? Sim/Não
(Precisa 1)
Sint. atuais
Sint. ao longo da
vida
Freq
Ints
Freq
Ints
C. Esquiva persistente de estímulos/diminuição da responsividade
(5) esforço para evitar pensamentos ou sentimentos
(6) esforço para evitar atividades ou situações
(7) incapacidade para relembrar aspectos do trauma
(8) diminuição do interesse em atividades usuais
(9) sentimento de alienação e estranheza
(10) restrição da afetividade
(11) perspectiva de futuro reduzida
Número de Sintonias Atuais para o Critério C (Precisa 3) Atinge Critério? Sim /Não
Número de Sintonias ao Longo da Vida para o Critério C
Atinge Critério? Sim/Não
(Precisa 3)
Sint. atuais
Freq
D. Sintomas persistentes de aumento da excitabilidade
(12) dificuldade para adormecer
(13) irritabilidade ou acessos de raiva
(14) dificuldade para se concentrar
(15) hipervigilância
(16) tendência a assustar-se com facilidade
(17) reatividade autonômica
Ints
Sint. ao longo da
vida
Freq
Ints
Número de Sintonias Atuais para o Critério D (Precisa 2) Atinge Critério? Sim /Não
Número de Sintonias ao Longo da Vida para o Critério D
Atinge Critério? Sim/Não
(Precisa 2)
Sintomas atuais
Sint. ao longo da
vida
CAPS Avaliação Global
(18) impacto sobre o desempenho social
(19) impacto sobre o desempenho profissional
(20) melhora global
(21) validade da avaliação
(22) gravidade global
Sint. atuais
Freq
Características Associadas ou Hipotéticas
(23) sentimento de culpa por participação ou omissão
(24) sentimento de culpa por ter sobrevivido
(25) tendência homicida
(26) decepção com autoridade
(27) sentimento de desesperança
(28) memória prejudicada, esquecimento
(29) tristeza e depressão
(30) sensação de estar arrasado
Número de Sintomas Associados
Número de Sintomas Associados
Ints
Sint. ao longo da
vida
Freq
Ints
Atuais : ___________
Ao Longo Da Vida : _____________
Anexo 2 - Roteiro de Entrevista Clínica
Apresentação Pessoal do Entrevistador.
A apresentação torna-se essencial neste trabalho em função das próprias
características do quadro de Transtorno de Estresse pós-Traumático. A hipervigilancia e a
sensação de culpa presentes neste quadro podem levar o entrevistado a uma postura de
desconfiança e de pouca colaboração. Assim, é preciso deixar clara a identidade do
entrevistador e o motivo da entrevista.
Dados Pessoais
Nome
Idade
Escolaridade
Estado civil
Filhos - idade
Cargo
Tempo de Banco
Tempo de trabalho no local de trabalho onde ocorreu o assalto ou seqüestro.
Anamnese
História de vida.
Histórico de tratamento psicológico/psiquiátrico antes do evento.
Utilização de psiquiátrica.
Setor Afetivo-relacional
Constituição familiar (Pais, irmãos)
Amizades, (quantidade, freqüência).
Relacionamento conjugal/ familiar.
Lazer com a família e amigos, cuidados com os filhos.
Sexualidade.
Setor Orgânico
Doenças anteriores.
Uso de álcool, drogas, próprio ou por alguém da família.
Surgimento de alguma doença após a exposição à situação traumática, ou agravamento de
doença pré-existente.
Setor Sócio-Cultural
Alterações no relacionamento com amigos, participação em grupos (religião, político,
esportivo).
Surgimento ou acirramento de intenções de cunho ilegal em relação à justiça e vingança.
Revolta contra as instituições relacionadas à segurança e justiça.
Vida Funcional (Produtividade)
Porque entrou no banco
Quais eram as perspectivas profissionais
Porque nesta agência.
Como era o relacionamento com os colegas.
Estava satisfeito com o banco, com o trabalho, com as pessoas?
Recordações sobre o evento traumático
Descrição da situação traumática
Reação dos colegas
Pensamentos durante o evento
Recursos profissionais utilizados
Reações familiares.
Providências adotadas pelo banco em relação à segurança
Alterações Após o Evento Traumático
Alterações na perspectiva profissional.
Como está o clima na agência
O que ficou alterado após o assalto, no banco
Como o evento alterou sua vida (rotina diária, projetos futuros, comportamentos
preventivos,...)
Como tem estado sua saúde: aumento de consultas médicas, sintomas, cronificação de
doenças pré-existentes, surgimento de novas doenças.
Alterações na alimentação, no sono, início ou aumento do uso de drogas, estimulantes,
álcool.
Convívio social: lazer, grupos de convivência
Situação familiar: lazer com a família, cuidados com filhos
Alterações na Sexualidade: Quantidade e qualidade.
Algum incidente nesse período: acidentes, brigas
Expectativas quanto ao futuro profissional
Expectativas quanto ao futuro em geral
Apêndice: Entrevistas de três bancários vítimas de assalto ou
seqüestro
Caso 1 - Sueli
Entrevista realizada em 19.02.2003 Agência Baixa dos Sapateiros – Salvador- Bahia
A entrevista foi realizada na sala do gerente, que não estava presente no dia.
Sueli, 39 anos, divorciada, escolaridade superior completo, fazendo pós-graduação na área
de Marketing. Tem uma filha de 15 anos..
Trabalha no banco há 20 anos. Na agência em que ocorreu o assalto estava há 4 anos e
atualmente exerce o cargo de gerente de contas de pessoas físicas.
P. Preciso saber um pouco a seu respeito. Você já tinha feito algum tratamento psicológico
antes?
R. Só tinha feito uma consulta uma vez com um psicólogo na época da separação. Que ele
disse que eu precisava fazer psicoterapia, mas, como eu morava no interior tinha que vir
para Salvador fazer o tratamento. Como eu não tinha condições eu nunca... eu não vim.
P. Na sua família tem alguém com história de doença psiquiátrica?
R. Tenho uma tia.
P. Sabe o diagnóstico?
R. Não. Ela morava em São Paulo. Foi internada em São Paulo. Ela não tinha as funções
normais. Inclusive dizem que ela se parece comigo. (Risos)
P. Antes do assalto como era sua vida em termos de lazer?
R. Era ótimo eu tinha vontade de ir para praia cinema barzinhos agora não tenho mais.
P. Você tinha a alguma uma doença crônica?
R. Não.
P. Você podia contar com um foi o assalto?
R. Lá não foi o primeiro, teve muitos assaltos. Teve um que eu me tranquei no banheiro e
não cheguei a ver. Eu cheguei de manhã, eu já tinha problema de cervical, sempre eu
chegava um pouco mais tarde. O segredo ficava com um colega ou eu, porque eu ia no
médico de manhã, estava fazendo acupuntura. Nesse dia eu cheguei mais cedo e quando eu
cheguei esse colega já tinha chegado e o policial, para trocar a farda. Aí a gente estava
esperando no auto atendimento. Até aí a gente não notou nada. Daí eu olhei e estava lá a
telefonista e a faxineira. Aí foram chegando outros colegas e fui acender a luz, com a
telefonista do meu lado, e aí eu ouvi falar assim: ¨É um assalto¨. Aí eu falei estão
assaltando alguém na rua. Eles falaram é não; é um assalto na agência, é aqui dentro, aqui
dentro. A telefonista disse: "eu vou desmaiar estou me sentindo mal" e eu cheguei fui..... Aí
levaram todo mundo lá para dentro, jogaram todo mundo no chão e eu estava bem só
tremendo um pouco, querendo desmaiar, e estava todo mundo jogado lá no chão. Daí ficou
todo mundo lá sentado aí veio um deles e falou assim: “Você trabalha aonde?”. Eu disse:
No atendimento. “Então venha você para cá” e me tirou de junto do pessoal e aí sentei, não
na minha carteira. Sentei na outra. Aí disse assim: “Fique aí como se nada estivesse
acontecendo”. Eu fiquei normal, né, normal. Para os outros que estavam entrando, parecia
que nada tinha acontecido. E tinha um com o guarda lá na frente. Aí quem chegava ia
entrando. Esse que estava perto de mim foi lá para dentro. Foi quando ele quebrou onde
tinha as fitas de videocassete dentro. Aí eu estava sozinha no atendimento, e com o barulho
eu pensei: “Pronto, ele matou alguém”. Aí só veio aquele sentimento que ele matou
alguém. Fez aquele barulho todo de vidro caindo, aquela “zoada”.
Aí quando eu estava assim, normal, o que estava com o guarda virou o revolver
assim para mim: “O que você está olhando aí, sua puta, sua puta. Senão eu dou um tiro
agora na sua cabeça”. Nessa hora eu não (Neste momento Sueli começa a chorar). Aí eu
baixei a cabeça, né, e comecei a chorar. Aí o outro que ouviu os gritos dele veio saber o que
era. Aí começaram a brigar. Porque um disse que era para gritar e o outro disse que não era
para gritar. Aí esse que disse que era para gritar ficou com a arma, um revolver de prata, me
xingando, querendo saber quem tinha o segredo, quem estava com a chave, se quem tinha o
segredo ainda ia chegar, só que quem tinha o segredo era eu, mas até pelo fato de estar
fazendo este tratamento de manhã, a gente acaba esquecendo, não é?
Então eu anotei tudo (a combinação do cofre) num papelzinho que ficava aqui. Aí
eu não disse que era eu nem que era o colega. Eu fiquei também na dúvida, não tinha sido
informada sobre qual a atitude eu devia ter num caso desses. Aí começou a chegar...chegou
o outro colega que tinha a chave, chegou... e chegou mais dois. Aí eu já estava chorando ali
de cabeça baixa. Aí botaram os clientes também, botaram uma senhora. Aí nessa hora
apareceu outro, lá do fundo e perguntou porque você está chorando? Eu falei – “Eu tenho
uma filha para cuidar”.Ele disse: “Eu também tenho filho. Ninguém vai fazer nada com
você não”. Aí pegou todo mundo, disse: “Bota todo mundo no chão”. Eu mais os outros
colegas que entrou antes da hora. Aí esse colega que tinha a chave, disse assim: “Porque
você não dá logo esse segredo?” Aí que deram as coronhadas nesse colega, e disse que ia lá
dentro, disse que ia dar tiro na perna de um, esse terrorismo todo, né. Aí ficou todo mundo
jogado no chão. Aí quando acabou, veio um estagiário gritando, acabou tudo, acabou,
porque parece que uma mulher viu e saiu gritando: “É um assalto, é um assalto!” Aí o cofre
não tinha aberto porque não tinha dado o tempo, né, eles saíram, mas disseram que
voltavam aí o que acontece, quando acabou tudo era roupa da gente jogada no chão, tudo
desarrumado, meu celular ligado, aí a telefonista disse: “Vou vomitar bílis”, e foi lá para
dentro vomitar bílis. Aí no dia seguinte o gerente mandou um estagiário para lá porque eu
já estava com medo. Não agüentava nem olhar para as pessoas. Aí ele mandou um
estagiário para lá para eu poder sair. Saí eu e minha filha, mas não adiantou nada porque eu
estava com medo de tudo, aí eu dormi e teve um dia que eu dormi e sonhei com assalto.
Sonhei que iam assaltar a agência. Aí quando foi de manhã, eu estava fazendo tratamento,
aí fui, como eu estava mal, fui fazer RPG e voltei quando voltei, aí, eu de manhã, eu liguei
para contar meu sonho. Aí quando eu cheguei, eu liguei logo para a agência. Aí a
telefonista atendeu, perguntou como eu estava, eu disse que ainda estava tremendo um
pouco, mas estava bem, pois estava tomando remédio. Eu estava com depressão e eu só
queria ficar trancada no meu quarto. Eu disse: “Eu sonhei que iam assaltar a agência hoje”.
Ela disse: “Virgem Maria, Deus que me livre”. Ela disse que o gerente não estava. Aí,
como eu estava tomando remédio, eu fui dormir. Aí quando é de tarde, umas três horas, e
eu não estava atendendo o telefone porque todo mundo queria saber, e eu não estava
conseguindo falar então eu nem atendia telefone. Aí nesse dia de tarde ligou uma cliente e
insistiu em falar comigo, aí eu fui atender ao telefone. Aí ela disse Sueli, eu soube do
assalto, eu falei é, tal dia. Aí ela disse não, teve outro hoje. Aí quando ela disse, eu lembrei
do meu sonho. Eu disse, eu não acredito, aí foi justamente, eu liguei para o gerente às 11
horas quando eu desliguei disse que o assaltante já estava na frente dele. Disse que estava
com a roupa preta, Porque nesse horário eles foram já. Aí eu fiquei impressionada com
isso.(Chora)
P: Nisso você estava afastada...
R: Eu estava afastada já, só acompanhando. Aí quando eu soube disso, eu entrei em
desespero, eu fiquei louca, gritando, chorando, lembrando do sonho, aí eu tentei ligar para a
agência e ninguém atendia, eu pensei que tinham matado alguém e ninguém queria me
contar. Aí de lá para cá, fiquei afastada uns 15 dias, e depois eu estava entrando em
depressão, a psicóloga conversou comigo se eu queria trabalhar, ai eu disse que achava
melhor trabalhar, só que não em agência. Aí fiquei um período lá na superintendência
porque era uma atividade totalmente diferente de agência, né, mais seguro também, mas
não pude nem contribuir muito, porque foi um período assim, eu nem tive acesso às coisas,
foi assim como se fosse para ajudar só, e aí eu saí de férias. Tem mais alguma coisa?
(ansiosa).
P.: Quando foi o assalto?
R: Foi no dia 29 de Outubro
T: Do ano passado?
R: Do ano passado.
P.: É muito comum durante um assalto ou seqüestro as pessoas falarem de coisas esquisitas,
inusitadas que passam pela cabeça. você lembra de alguma diferente que você possa ter
pensado durante o assalto?
R: Nada, eu só pensava em ajudar as pessoas. Aí quando eu saí de junto delas é que minha
situação ficou pior, né. Eu me senti só, né, aí criei aquela coisa de que eu ia ser refém, eu
pensei em mim com uma arma na cabeça saindo pela porta. Porque eu era a única que
estava lá na frente, e que eu ia sair morta.
P: Você lembra o momento em que você teve mais medo?
R: Foi quando ele estava com o revolver comigo, ele estava nervoso e eu achei que ia
disparar.e quando o outro me xingou e apontou a arma, eu achei que ele ia disparar o
revolver.
P: Depois disso você procurou ajuda psicológica, além dessa sessão que você mencionou?
R: Eu fui lá na Cassi (Serviço de Saúde do banco), depois o médico...o psicólogo da Cassi
me orientou uma psicóloga, aí eu estou fazendo terapia com ela e ela me passou um
psiquiatra, porque não adiantou as férias, não adiantou ficar afastada...
P: Ajuda, mas não resolve...
R: Aí a situação toda de não saber para onde vai, isso me causou um estresse grande, fiquei
pior ainda. Porque foram várias situações e eu ainda ia acabar voltando para lá, entendeu?
Ai eu não sabia como ia ser, sabe? Acabei fazendo alguns trabalhos com a Psicóloga
porque eu ia acabar voltando para lá, sabe? Para que, se isso fosse acontecer, não tivesse
problemas. Eu tenho ficado muito nervosa, a relação com a minha filha piorou muito
porque eu tenho medo de levar ela para os lugares, de alguém me pegar. E até ultimamente
eu não tenho saído de casa, fazer o que, eu não sinto prazer. Eu só estou engordando,
engordando, eu sinto ansiedade,
P: Você está comendo mais do que antes?
R: Comida? Sim. Mesmo sem vontade.
P: Você tem ido mais em médico do que você ia antes?
R: Chego a ir ao hospital todo dia, porque tenho que ter horário para fazer acupuntura, rpg,
tem a psicóloga, tem o psiquiatra, aí tem minha filha que tem problemas de saúde e toma
remédio controlado. As pessoas disseram que acham que é minha energia que está
chamando coisas ruins.
P: Sua filha já tomava remédio controlado?
R: Já. Aí depois do assalto ela teve perda do apetite. Sem fome ela ficou, e ela desmaiou
domingo passado, aí eu fico pensando que tudo isso atrapalha profissionalmente, eu fico me
sentindo mal com tudo isso.
P: É comum as pessoas começarem a beber mais depois de uma situação destas. você notou
se teve aumento de bebida, ou de café ou chá depois do assalto?
R: Beber, eu ia beber sim, mas o que aconteceu é que meu pai enfartou nas minhas férias e
eu tive dengue logo em seguida, fiquei cinco dias internada, era eu em um apartamento e
meu pai em outro. Eu fui buscar ele, doente, e cheguei lá fiquei internada, aí eu fiz uma
promessa de não beber, mas eu como muito doce, chocolate. Eu já gostava, mas eu comia
assim, controlada, moderada, agora eu estou comendo muito.
P: Há quanto tempo foi sua separação
R: Há 12 anos
P: E você está namorando, está sozinha...
R: Tinha dois anos que eu não estava namorando aí eu arrumei um paquera. Estava muito
bom, ele me ajudou bastante, mas sexualmente eu não correspondia nada, eu não tinha
vontade de nada aí ele ficava comigo, mas sem nada.
P: Depois do assalto é que ficou assim?
R: É.
P: E antes, como era?
R: Antes era normal
P: Você tem amigos?
R: Eu me afastei deles.
P: Também neste período?
R: Sim
P: Como está sua psicoterapia?
R: Está boa.
P: O que vocês fazem na psicoterapia, vocês conversam sobre o assalto?
R: Eu chego lá e não tenho vontade de falar nada. Aí ela fica perguntando como você está,
como foi o dia, outro dia eu cheguei lá e ela falou: “Nossa Sueli, você está tão sem energia
que está até me contagiando. Eu vou ter que fazer alguma coisa porque deste jeito... você é
nova, menina, olha a vida... você tem muita vida pela frente”. Aí começou a fazer um
exercício de respiração. Mandou eu inspirar o que eu quero para mim e expirar o que eu
não quero.
P: Você ainda lembra do assalto, mesmo em situações de descontração?
R: A presença dele é constante, sabe? Eu sinto a presença dele do meu lado, sabe, sinto até
a arma balançando, como aconteceu no dia. Aí tudo se mistura, sabe. Lembrança do sonho
com a realidade.
Como Sueli tenha ficado visivelmente abalada e estava chorando, comentei que os
sintomas que estava sentindo eram relacionados ao PTSD. Li a descrição dos sintomas na
tabela CAPS, que estava comigo, e ela ia confirmando a presença deles, com breves
comentários ou aceno de cabeça. Dei especial atenção ao sonho, mostrando que era um
sintoma e não uma premonição, e que ela não foi responsável pelo segundo assalto, assim
como não foi responsável pelo fato de seu colega ter sido agredido pelos assaltantes.
Enfatizei que ela estava com sintomas decorrentes do assalto, que não existiam
antes e da mesma forma que surgiram poderiam desaparecer. Recomendei que tivesse
paciência com sua filha e que também pedisse o mesmo dela. Sugeri que procurasse seus
amigos, pois neste momento era preciso cercar-se de pessoas queridas.
Ao término, ela comentou “Antes eu não gostava de falar disso, agora parece que eu fico
até mais aliviada”.
Caso 2 - Jorge
Entrevista realizada em 18.02 na Unidade Especial de Negócios – Salvador BA
A entrevista, previamente acordada, foi realizada em uma sala normalmente
utilizada para reuniões, isolada. Não houve interrupções durante a entrevista.
Jorge, 33 anos, superior incompleto, ciências contábeis. Casado, assistente de negócios,
está na agência há 5 meses. Quando ocorreu o assalto era posto efetivo. 3 anos de banco, na
agência de conceição da feira.
P.: Antes de começarmos, preciso saber um pouco a seu respeito. Seus pais são vivos?
R.: São vivos e bancários também, do banco do nordeste. Meu pai é apósentado e minha
mãe está na ativa, no banco, lá em Feira de Santana.
P.: Sua relação com eles é boa?
R.: É boa
P.: Tem irmãos?
R.: Tenho uma irmã que é funcionaria do BB. Muita gente da família é bancária. Tenho um
primo que é da superintendência, outro tio também é do BB.
P.: Você casou há quanto tempo?
R.: Já tenho 12 anos de casado.
P.: Como é seu relacionamento com sua esposa?
R.: É bom. Graças a Deus, é tranqüilo.
P.: Vocês têm filhos?
R.: Um menino de onze e uma menininha de 3 anos.
P.: Tinha algum problema na sua família, algum aspecto que você não gostava, que queria
melhorar?
R.: Não...Era uma família normal, exceto o problema financeiro. A gente sempre querendo
fazer uma coisa a mais para melhorar a vida familiar, não é? E esse estresse traz reflexos na
vida conjugal, não é? Mas isso não é um problema, é uma coisa da vida mesmo.
P.: O que eu estou querendo investigar é como era a sua família, para poder ver o que
mudou após o assalto. Que tipo de lazer você costumava ter com sua família?
R.: São poucos, o lazer mais nosso, coincidentemente, com o banco, porque eu já tenho
mais de 3 anos trabalhando fora de feira. E tem a universidade também, né, ela me toma
muito tempo, então o lazer que a gente tem mais são os passeios normais no shopping, ir no
cinema, e uma pizza, né, viagens são muito poucas, porque o tempo que a gente tem eu
trabalho ou estou na universidade. E coincidentemente, as férias da gente nunca coincidem,
não é? Porque o período escolar dos meninos...tem o trabalho e a universidade...Eu estudo
na Universidade estadual de Feira de Santana, ela teve três meses de greve, então dezembro
e janeiro a gente estava em aula, então o lazer da gente ficou encolhido.
P.: Você tinha algum problema orgânico crônico, alguma doença, alguma dor que te
incomoda, alguma coisa?
R.: Não. Problema só alérgico, alergia. Eu já tinha antes de entrar no banco, uma rinite
alérgica, e ela continua, vai bem, obrigada, (risos).
P.: Bebe?
R.: Normal
P.: Tem algum exagero?
R.: Não, aquela coisa normal, em encontros de amigos, a gente sai para tomar uma
cervejinha...É uma terapia, né, uma terapia da vida moderna.
P.: Nada que tenha trazido algum problema em relação à sua família?
R.: Não, normal.
P.: Porque entrou no banco?
R.: Vocação, como eu falei, na minha família tem muito
bancário. Existem pessoas normais na família (risos), mas a
minha família, ela gosta de banco. Meu pai se aposentou
com 27 anos de banco, minha mãe já está com 20 anos de
banco e por aí vai. É uma característica...não que a gente
herde, mas é algo da índole, um perfil...a gente gosta do
serviço, apesar de trabalharmos em bancos diferentes,
quando a gente se encontra fala de banco.
P.: Na infância ou adolescência você já pensava em trabalhar em banco?
R.: Não, na verdade, a gente via os problemas laboriais, os problemas financeiros, é uma
categoria que dá uma certa estabilidade, mas a gente vê que não é a coisa de estar tranqüilo,
entrei no banco, vou ficar aqui até me aposentar. Não tem outra alternativa...tentei ser
pequeno empresário, tem alguns bons anos, fiquei uns 8 ou 10 anos sendo empresário, aí
prestei o concurso do banco, passei, e não consegui conciliar a atividade de pequeno
empresário com o banco, principalmente porque eu estava trabalhando fora da cidade..Eu
optei pelo banco. Minha formação acadêmica é uma área relacionada com o banco, eu
resolvi apostar.
P.: Você tinha perspectivas profissionais definidas?
R.: Tinha não, tenho. Como na família tem muita gente bancária, a gente já conhece a
estrutura de banco. Tem gente que entra no banco, passa dez anos e não sabe como
funciona a estrutura do banco. Sabe fazer o serviço dele, sei lá, um caixa, ele pode ser o
melhor caixa da agência, do estado, mas ele não sabe como funciona a estrutura do banco.
Eu já conhecia mais ou menos alguma coisa, eu já entrei no banco com uma visão definida,
mais ou mesmo do que eu quero.
P.: Agora esta visão se alterou?
R.: Não, não alterou. Eu tenho vontade de fazer alguma coisa acadêmica na minha área, que
é de contabilidade, eu gosto dessa área financeira, e talvez eu consiga casar minha área
acadêmica com a função aqui. No banco a gente sabe que para seguir a carreira da gente
primeiro tem que ser bancário, não tem como queimar etapa, então na medida do possível a
gente vai tentar buscar.
P.: Como era a sua agência. como era a turma, o pessoal.
R.: A agência era boa, me surpreendi com a agência, quando fui tomar posse, a agência
tinha poucos funcionários, no dia em que cheguei na agência só tinha o gerente e dois
caixas, né, o gerente se desdobrando, abrindo contas, o prédio estava passando por
reformas, tanto que foi reformado total, alguns meses depois que eu tomei posse, foi
praticamente posto abaixo e levantada outra agência, então o primeiro impacto que eu
tive...tinha aqueles ar condicionados que eram umas caixonas, que a gente preferia trabalhar
no calor para não agüentar a zoada que eles faziam. Depois ficou boa, era uma agência
arrumada, com poucos funcionários, então tinha uma integração boa. Tinha um gerente
bom, uma pessoa que já tinha bastante experiência de banco, bastante aglutinador, então no
começo foi bom. Eu já tinha uma experiência de estágio, foi curta, mas me deu uma visão
de agência, foi legal.
P.: Você tinha amizades, tinha uma relação de coleguismo entre vocês?
R.: Também. Freqüentávamos a casa uns dos outros, tanto no banco...como fora do banco.
Isso é bom aqui no banco...em agências pequenas, em agências grandes isso dificulta mais.
Em agência pequena a gente consegue muito isso.
P.: Você pode me contar um pouco como foi a situação do assalto que você viveu?
R.: Você quer que eu fale sobre como foi ocorrido?
P.: Como aconteceu, e se você puder me dar o máximo de detalhes possível...
R.: Certo. Foi interessante, né?. Depois eu fiquei sabendo que foi a primeira vez que
ocorreu isso com um Posto Efetivo. Como a agência era pequena, como eu falei, quando
eu tomei posse o gerente estava no atendimento, aquela coisa toda, então quando eu tomei
posse, aquela mesa de atendimento passou a ser minha, e começou a ter uma identidade do
povo da cidade como se eu fosse o gerente, ou também um gerente da agência, um subgerente. Então o pessoal me tratava muito como o outro gerente, aquela coisa. A gente
explicava, mas é o que fica, principalmente em cidade pequena que o pessoal é muito
caloroso. e o banco tem uma aproximação muito grande com a comunidade, ficou aquela
coisa de gerente, meu gerente, meu gerente. Mesmo porque passei a assumir aquela parte
de abertura de contas, contratação de cheque especial, operações, então fica se confundindo
realmente, e como hoje os bancos estão usando muito o nome de gerente mesmo para quem
não seja comissionado como gerente, em banco particular tem gerente disso, gerente
daquilo sem ser gerente efetivamente, eu acho que isso contribuiu para que eu ficasse
visado. Houve mudança na gerencia da agência, veio um pessoal que não era conhecido na
cidade e passou a ser gerente, e com o fato ocorrido na mudança de gerente, que foi de
janeiro para fevereiro, porque o gerente estava de férias, e o substituto era uma colega com
quem eu já tinha trabalhado de estagiário na agência Santo Estevão, ele estava lá para ser
gerex, e na época não tinha o cargo, ele viajava, íamos e vínhamos de carona comigo.
P.: Qual a distancia da sua residência?
R.: 26 quilômetros da porta da minha casa até a agência. Então acho que foi mais uma coisa
que contribuiu, “como você não é gerente? O gerente não tem carro”. E aconteceu numa
quinta feira, eu achei uma coisa estranha, e como a gente anda com uns procedimentos de
segurança, não aconteceu nada, mas tinha alguma coisa assim me dizendo, uma coisa
estranha. Na sexta feira eu fui sozinho, porque o colega que ia comigo ele tinha uma moto e
nesse dia ele foi de moto, porque sexta feira, às vezes eu saía da agência e ia direto para a
universidade, e ele voltava de moto. Normalmente a gente saia todo mundo junto, para não
ficar ninguém sozinho, para não ficar visado, porque sempre o último que sai ficam
pensando que ele é que tem a chave do cofre. E saía dois, três, quatro colegas juntos e
fechava a agência, para evitar de ser visado.
Quando eu estava me dirigindo para a agência naquela manhã, eu estava doze quilômetros
de Feira de Santana, eu fui fechado, passou dois carros por mim, muito velozes, eu até
estranhei a velocidade, ainda mais que é um trecho que ninguém passa correndo, ai esses
dois carros passaram. Aí tinha uma curva e uma lombada, e depois da lombada esses dois
carros estavam parados na pista. Na hora, eu nem desconfiei que fosse um assalto ou
seqüestro, mas a hora que eu senti aquilo estranho, aí já veio um terceiro carro que estava
encostado no meu carro. Eu pensei: “já vou descer do carro”. Aí fui obrigado a parar, parei
o carro, era um Vectra, um Uno e um Astra. Um Vectra prata, um Uno vinho e o Astra
verde. Na hora que eu senti que era um assalto eu parei, mas já com medo que já tivessem
pegado minha família. Porque a gente sempre acompanha quando tem esses eventos, que
eles atacam primeiro a família do colega e meu medo àquela hora é que eles já tivessem
pegado alguém da minha família. Como os carros estavam todos com revestimento fumê, a
gente via que tinha gente ali dentro, mas não dava para ver nitidamente. Aí alguns correram
junto de mim, entraram no carro comigo, me passaram para o banco traseiro, e tiraram os
carros do meio da pista. Eu fiquei com dois bandidos dentro do carro comigo, apontando as
armas para mim, e aí fomos para uma estrada vicinal, onde a gente foi, com os três carros,
uma estrada de chão batido, aí que eu vi que não tinha ninguém da minha família, vi que
eram mais ou menos umas 15 pessoas todas bem armadas, né, com metralhadoras, pistolas
fuzis e aí começaram na base das ameaças e da negociação. Sabiam que eu tinha saído de
casa, que tinha deixado minha filhinha sozinha, que ela tinha dois anos, que eu tinha
deixado minha esposa na escola, que eu não tentasse nada porque se não eles entravam em
casa, pegavam todo mundo, matavam todo mundo, isso um baixinho com uma
metralhadora...nessa hora quase eu me indispus com ele, porque quando essas coisas
acontecem a gente perde o medo, né, fica mais preocupado com a família da gente do que
com a gente mesmo, porque se a pessoa não tivesse família, nada, acho que a pessoa
tomava uma atitude. Aí eles falaram que eu era o gerente da agência, que eles iam para a
agência, que eu não tentasse nada porque se eles quisessem eles tomavam conta da cidade
porque eles tinham capacidade...e no dia, na cidade, só tinham 6 policiais, se estavam
todos, no dia, porque normalmente só ficam 4 policiais, que tinham 6 que eles sabiam, e
que tinham capacidade de entrar no banco de qualquer jeito.
P.: Normalmente é uma cidade tranqüila?
R.: Não é muito tranqüila porque ela é próxima de Feira de Santana, porque é uma cidade
que liga a BR-101 a Feira de Santana, a estrada passa no meio da cidade, então perde um
pouco da tranqüilidade, não é a primeira vez que eu fui assaltado, tem uma cidade perto dali
que o Banco do Brasil foi fechado pela quantidade de assaltos, roubo de cargas, essas
coisas tem lá, porque tem poucos policiais e pela facilidade de fuga, mas também não é
uma cidade perigosa.
Nisso entrou outros dois no carro, falando que iam assaltar o banco....eu conversando com a
delegada depois, ela disse que estas quadrilhas estão bem preparadas, que isso não é mais
quadrilha, que é um pequeno exército, porque a gente vendo a movimentação deles,
nenhum falava: “olha você vai naquele carro”. Todo mundo já sabia que carro entrava, que
arma que pegava, que direção ia ou não ia. E eu estava ali, assustado, vendo aquela
movimentação toda. Aí me botaram na direção do meu carro e vieram os dois comigo. Um
armado com revólver e o outro armado com metralhadora e aí fomos para a cidade, com os
dois carros me escoltando, quando chegamos na cidade mandaram parar bem antes da
agência, para um dos dois que estavam comigo descer, aí eu vi que estavam descendo
outras pessoas pela praça, e aí um dos carros estacionou após a delegacia, onde ficaram
quatro marginais armados de metralhadora e fuzis. Eles sabiam que se tivesse alguma coisa
os policiais iam sair e iam ficar de costas para eles. E durante o trajeto o rapaz que portava
a metralhadora dizia, fazia questão de dizer que se houvesse algum problema que a culpa ia
ser minha, que eu não encrencasse porque senão ele matava minha filha, essas coisas que
deixa a gente...preocupado né? Porque a gente sabe que isso acontece, é uma coisa que a
gente ouve falar, que aconteceu, tal, e as manchetes estão aí dia a dia. Inclusive minha
esposa tem um primo que tinha uma filha de 4 anos que foi assassinada pelo bandido, ele
puxou, atirou mesmo na cabecinha da menininha. Então a gente sabe que isso acontece,
então vem a preocupação na mente da gente. Porque a gente está preparado para acontecer
coisas com o banco, já tinha acontecido há pouco tempo antes um tiroteio na frente,
trocaram tiro com a policia, eles iam assaltar o banco, a policia viu a movimentação, teve
um tiroteio e tudo, mas não foi uma coisa pessoal, não envolvia diretamente, era uma coisa
do banco. E outra coisa é que a gente está acostumado a lidar com coisa do porte da gente,
se você esta de carro o assaltante quer levar seu carro, se deixar alguma coisa no quintal
alguém pula e entra, agora quando veio pára cima de mim, que levou para o lado pessoal
ameaçando minha família, algo, alguém que está com uma estrutura para atacar o banco, a
cidade, atacar a policia, saiu do meu...do nível de reação... não que eu fosse reagir ao
assalto, reação psicológica, do meu preparo psicológico, porque a gente esta preparado para
alguém pegar o seu celular e sair correndo, principalmente porque eu não tinha cargo
nenhum no banco tinha preocupação, tinha medo mas eu nunca achava que ia ser alvo...é
como se eu fosse tratado como o gerente da agência, eu estava recebendo uma carga muito
grande ali, porque o gerente normalmente tem a chave, tem o segredo, ele tem como
resolver o problema, entendeu, sabe que não é interesse do banco nem interesse dos colegas
deixar que ninguém morra, ninguém sofra nada, ele sabe disso, mas eles sabem que quando
o cara é gerente do banco ele tem como resolver e a gente como tinha pouco tempo de
banco...eu não sabia como ia resolver aquela situação. Aí depois que esse rapaz saiu, dessas
ameaças todas eu estava realmente preocupado, porque eu não tinha como dar acesso a eles
à agência. Não sabia se já tinha chegado algum colega na agência, não tinha chave, não
tinha segredo, não tinha nada. eu sabia que eles entravam do jeito que eles quisessem, mas
eu tinha medo que, outra coisa que em hora nenhuma eu também não disse que eu não era
gerente mas eles também não chegaram e me perguntaram se eu era o gerente, mas eu não
desmenti porque eu tinha medo deles me matarem se descobrirem que eu não sou o gerente
e me matarem para não perder....o trabalho deles, né, o segredo deles, né, inclusive depois
eu fiquei sabendo que isso já aconteceu.No Acre pegaram um rapaz por engano e
desmentiu e mataram ele e depois confirmaram que tinham matado como aviso, mas é uma
coisa que eu fiquei sabendo posteriormente. Aí descemos, mandou estacionar e o que ficou
no carro, ele desceu para entrar na agência comigo. Aí chegamos na agência, quando
quisemos entrar, já tinha...o colega já tinha chegado, já tinha aberto a agência, quando a
gente chegou na porta giratória para entrar o vigia viu que o rapaz queria entrar comigo ele
travou a porta. Aí o cara falou vem cá, vem cá, vem cá, eu preciso falar com você,
chamando o guarda, e o guarda se aproximou a uma distancia da porta, e o outro colega que
estava substituindo na gerencia também sentiu, viu, também se aproximou para ver o que
realmente estava acontecendo, fui logo dizendo para o vigia que eu estava na mão deles,,
que não podia fazer nada e avisei que eram cerca de quinze. Porque às vezes pode pensar
que era um só, né....e acionar o alarme, puxar o revólver e atirar pensando que seria um só,
eu disse eu estou na mão deles, e são cerca de quinze. Tem um só me acompanhando mas o
resto está todo aí na rua. Aí quando esse colega que estava substituindo encostou, o rapaz já
virou para ele, e foi....uma coisa que eu até respirei aliviado, porque foi para mim, na minha
situação... para mim foi....era o meu destino. isso é da sua área, você que sabe analisar isso,
para mim foi uma... para o colega foi um peso, mas para mim foi uma tranqüilidade e disse:
“olha, você manda abrir isso aí porque a gente vai tem como entrar ai de qualquer jeito e
gente sabe que seu filho está sozinho em casa, sua mulher saiu com um filho seu para o
médico, certo, seu filho está sozinho dentro de sua casa, você mora na rua tal, lá em Feira
de Santana”, ele disse para o colega, e “sua casa tem um muro de pedra, um portão
vermelho e aquele guardinha que você tem na sua rua com apito não vale nada, você manda
abrir senão eu telefono e mando invadir sua casa e matar seu filho, você manda abrir aí”.
Eu acho que para mim, porque, como eu falei anteriormente, tirou todo aquele peso que
estava só para cima de mim e eu sem estrutura para enfrentar uma situação dessas, e eu já
passei a dividir meu drama com o colega, porque seria um problema só meu, né. Comprova
que eles estavam ameaçando minha família e tudo, né, porque efetivamente eles não
pegaram minha família, porque Graças a deus eu tive essa sorte. Porque tem uma coisa que
eu esqueci de falar. Tentaram me pegar à noite mas não conseguiram. Me pegar à noite, na
quinta-feira. Eu tinha sentido alguma coisa, mas não desconfiança de que eles queriam me
pegar, porque se fosse desconfiança, eu tinha chamado a policia, acionado a segurança do
banco, porque isso a gente sabe que tem que fazer, não teve nada assim de alguém me
fechar, de me pegar, mas eu não estava me sentindo bem, tinha aquele pressentimento.
Nunca ia adivinhar que seria isso. Mas eles afirmaram categoricamente que eles tentaram
me pegar de noite e não conseguiram. Não sei se é porque Eu não tenho uma rotina bem
definida, pelo fato de trabalhar numa cidade e estudar em outra, então a gente está muito ao
sabor dos acontecimentos, de uma hora para outra eu resolvo se eu vou para a universidade
ou não, se eu vou para a universidade a gente nunca sabe quando vai embora mais cedo,
então não tem aquela coisa casadinha, e como são muitas atividades, não tem aquela coisa
de sua atividade é essa, são muitas coisas que a gente faz. Então nunca tem uma rotina
definida, então acho que é por isso que eles falaram que não conseguiram me pegar à noite.
Porque senão, fatalmente à noite eles tinham pegado minha família também. Então depois
dessas ameaças, aí eu argumentei com os colegas, porque como a gente sabe como
acontece... são cerca de quinze e estão bem armados, se eles qu9iserem, eles vão entrar aqui
de qualquer jeito, e eu falei, inclusive tem um carro na frente da delegacia, a policia não
tem como ajudar, porque a gente sabe de cidades que eles mataram os policiais primeiro
para depois assaltar a agência. Em Cícero Dantas, eles tomaram a cidade inteira, mataram
policial. Aí o colega autorizou que o guarda abrisse. Foi uma decisão difícil para ele mas é
aquela coisa, a gente não esta mais preocupado com a gente, está preocupado é com o filho,
né?. A gente vê que acontece, eu tenho um caso na família, eu sei que acontece. Então nós
entramos, ele pediu a arma do vigia, pediu a arma do outro vigia, ele sabia que ele não
estava lá, orientou o pessoal, né, eu falei novamente para o pessoal, eu estava mais ou
menos de alvo, que eu estava meio angustiado, né, que a minha família também estaria de
alvo, né, que eles estavam bem armados, tem metralhadora, tem tudo, né, que se eles
quisessem, de qualquer jeito eles entrariam, aí falei para o vigia não tentar nenhuma reação,
porque um contra um, aquela visão que a gente tem, é muito fácil, né, mas eu tinha visto o
que é que estava lá fora. Aí eu pedi para abrir o cofre, comandamos o cofre para a abertura,
tinha uns minutos para a abertura, né, e nesse tempo ele ficou conversando, falando para
ninguém fazer nada, tentar nada, que eles não iam fazer nada se desse tudo certo. Ele estava
com a uma arma quando entrou, ele entrou e pegou os dois revolveres dos vigias, né. Mas o
revolver dos vigia ele não fez nada, né, ele só pegou e deixou na cintura, nem pôs balas,
mas...estava armado.
Depois que abrimos o cofre, ele achou que o que tinha ali era pouco. Ele disse “não, não,
não, não vou arriscar minha vida por causa disso não, tem que ter mais dinheiro, tem que
ter mais dinheiro. Aí começou a revistar tudo, aí pegou o dinheiro que tinha, inclusive o
dilacerado...ele achou pouco, ele pediu para abrir um dos terminais de auto-atendimento.
Nós tínhamos três caixas de saque, só dois funcionando, que ele queria tirar, aí nos
começamos a conversar com ele: olha, acontece isso, acontece aquilo. Não, vamos levar,
porque tá pouco, tá pouco, tá pouco, abra lá. Aí nós falamos: então nós só vamos abrir um,
porque se a gente for abrir os dois, o pessoal tá lá sacando, o pessoal vai desconfiar, vai ter
problema, a pessoa pode gritar, chamar a polícia, então é bom evitar isso, a gente abre um...
P.:Você que falou isso?
R.: Não, os colegas...estávamos três colegas, eu acho que isso favoreceu bastante. Tava eu,
o Ulisses e o Gabriel. Eu era inexperiente de banco, tinha pouco tempo de banco, mas tinha
o Ulisses e o Gabriel nos três como homens e a experiência de vida, e eles de banco, eu
acho que a gente conseguiu conversar bastante com ele, deixar ele calmo, porque ele tava
realmente dominando a situação, que a gente não estava enrolando ele, a gente teve
bastante preparo psicológico ali naquele momento para suportar aquela situação. Eu acho
que, se por exemplo, se nós tivéssemos colegas mulheres que ficassem nervosas, com choro
e grito a situação podia reverter para o pior, né? Aí ele concordou que ia abrir só um caixa,
só uma maquina, aí tirou o dinheiro, aí veio outro momento de tensão, que era o da saída
dele, e então Você vai comigo, você vai ser refém, aí o colega, o mais experiente, o
Gabriel, disse: rapaz, você já está com o dinheiro na mão, a gente fez tudo o que você
queria. “não, ele tem que ir, ele tem que ir, a gente vai sair, aí se der merda ele vai ser o
refém”. O que você queria fazer, eu também comecei a falar com ele, né, a gente fez, você
está com o dinheiro na mão, vai embora, o pessoal já está desconfiando, você está com a
minha família como alvo, me deixe, eu vou ficar, vá embora, leve o seu dinheiro. Aquele
negócio de ameaça, se você acionar o alarme a gente vai invadir sua casa. Não se preocupe,
você já está com o dinheiro, a gente dá um tempo para acionar o alarme, que a gente que
acionar, vá embora, não vai ter nada o pessoal já está desconfiando, você já está com o
dinheiro na mão, aquela coisa simples, não é, não é aquela coisa...você está vendo, se o
pessoal tivesse saído o seu pessoal já teria te avisado... eu sei que Graças a Deus ele saiu,
né, eu estava preocupado porque....se acontecesse alguma coisa com minha família, eu
ficando, não aconteceria alguma coisa mais grave, né. E se acontecesse alguma coisa mais
grave envolvendo minha família, para eu poder correr atrás, tomar alguma atitude.porque a
gente não ia deixar as coisas acontecerem ficar só de espectador...mas graças a Deus, pelos
colegas que estavam ali, né, que a gente conseguiu conversar com eles, conseguiu passar
para ele alguma confiança, que ele não levou ninguém para a gente foi....a tensão que a
gente estava, foi um alívio muito grande, porque a gente estava à beira do desespero ali,
não é?
Porque agente estava à beira de entrar assim...como é que diz...á beira de entrar no
desespero...porque a gente estava ali fazendo...mas não sabia o que estava acontecendo lá
fora. E com medo de uma ação da polícia, porque se tivesse uma ação da polícia, a gente ia
ser o escudo, eles armados, a família de alvo e a gente com medo de ser refém, de ter um
tiroteio e a gente ser o escudo, né, porque a gente sofre...o pessoal pergunta: mas você ficou
quanto tempo com eles, quanto tempo ficou. Eu só lembro da teoria da relatividade porque
você passa oito horas dormindo, às vezes é pouco, se você botar a mão na água quente e
tirar já é muito, tempo, a gente não está vendo o tempo, a gente está só vendo aquela tensão
ali do momento sem saber como vai terminar.A expectativa da gente se torna grande. E a
gente não sabe como vai terminar, se vai terminar, se vai embora, se vai morrer alguém, se
vai ter tiroteio porque a gente é o alvo, é a peça principal disso tudo.
Na hora que me pegaram até a hora que eles foram embora eu estou valendo demais
para eles porque para eles eu sou dinheiro. Eles estão mais preocupados comigo do que até
o que tem dentro do cofre, então fica nessa tensão...então a gente conseguiu passar um, a
confiança para ele que ele não levou a gente.
Depois que eles foram embora é que a gente acionou o alarme telefonamos para a
policia, telefonamos para os parentes da gente para saber se estava bem, porque aí...eu
confesso para você, eu tive medo de que eles tivessem pegado alguém, enquanto a gente
não tivesse a certeza...
A tensão da gente é grande, porque eu deixei minha filha sozinha em casa com a
babá então se eles tivessem entrado, pegado, ninguém ia ter como me avisar, ninguém ia
saber, se tinha alguém lá dentro lá de casa, eu não tinha como saber. Eles sabiam que minha
filha estava sozinha dentro de casa que eu tinha deixado minha esposa na escola, eles
estavam me acompanhando ou estavam lá na porta, não era um blefe, eles sabiam. A
situação...como eles sabiam dom colega, que a esposa do colega tinha saído para ir no
médico, eles acompanharam a esposa até o consultório, eles estavam com a vida de gente
nas mãos deles.quando a gente fala assim lá fora...parece um filme, um coisa de cinema.
Imagine a nossa situação naquele momento, um cara retratando sua vida e você sabe que
está na mão dele, que você não pode fazer nada. Por mais que você pudesse reagir, chamar
a polícia, correr, fugir, alguma coisa, mas você está com a coleira no pescoço porque o cara
falou que sabe onde está sua filha, como está, onde não está, então não tem o que você
fazer. A situação sua de impotência...realmente ela é grande, porque você não tem...você
não tem como fazer nada.
Você sabe...meu filho tem 11 anos, ele tem maturidade para suportar, para entender
melhor...aquela coisa toda, mas uma menina de dois anos, eles iam acabar machucando...e
aquela preocupação, não adianta, aquilo que você fizesse não ia ter resultado...é uma coisa
que...todo mundo sabe, todo mundo vê. E o maior impacto que a gente tem é o
acontecimento do assassinato da criança, que, por mais que o tempo passa a gente nunca se
conforma, então a gente tem medo porque a gente não ouviu falar, a gente viu acontecer
então potencializa demais e aí vem a preocupação com a minha esposa porque sendo um
parente mais próximo a gente sabe que areação é diferente...e eu tenho medo...mais medo
ainda porque sabia que ela não iria agüentar se acontecesse alguma coisa.
Mas dei graças a Deus, quando eles foram embora, acionamos a policia, quando a
policia chegou, não tinham visto nada, chegaram até reclamando, brigando com a gente
porque era para ter acionado e não sei o que, e tererê e fizeram aquela coisa...e eu disse
calma: tinha um carro lá na porta de vocês, ficou lá o tempo todo e vocês não viram. Depois
eles até agradeceram porque se tivesse alguma coisa eles teriam sido todos fuzilados,
porque eles iam sair e iam ficar todos de costas para eles, né? Eles não tinham atentado para
esse detalhe, isso é a realidade da gente nossa hoje, a falta de segurança e a impotência...só
pegou porque foi uma coisa grande dessas tudo virado pára cima de mim
P: Em algum momento você se sentiu culpado por algo relacionado ao assalto?
R: È uma culpa que a gente sente que não é aquela culpa de...a gente fica sempre
procurando aquele se...As aulas já tinham retornado, e eu gosto de deixar o carro com a
mulher para a mulher ir para o trabalho aí eu não deixei o carro para ser mais comodista,
né, se eu tivesse ido de ônibus...mas se eu tivesse ido de ônibus podiam ter pegado minha
esposa, né? A gente fica com aquele se... aquele se... Algum jeito eles iam dar, porque eles
ficam...eles esperam o tempo que for necessário. A gente procura...normalmente a gente
fica procurando o que a gente podia ter feito para não acontecer, mas na realidade é o se
outro se...se eu não trabalhasse, se eu não estivesse lá, essa coisa, né?
Como eu falei antes, a questão de ser envolvido outro colega foi uma felicidade, né?
pra mim chegou até a ser uma felicidade, até em relação ao banco, de segurança, de
dizerem: “Não, você está mancomunado com alguém”, tudo. A gente sabe que tem essa
sindicância que tem que apurar e realmente tem que apurar...eu já tive empresas que teve
processo de sinistro, tem que acionar a policia, e a gente vê...eu sabia que nenhum
funcionário meu tinha participado do arrombamento da loja, mas a policia foi em cima dos
funcionários, e no caso meu, realmente não estavam. Eu também fui funcionário, a gente vê
quando tem um assalto, vai ver e foi o funcionário que demitiu, que era o funcionário que
estava trabalhando, a gente sabe que a policia tem que procurar a segurança, tem que
analisar todos os fatos...então o fato de ter envolvido outro colega já me deixou numa
situação não boa, não posso dizer que era uma situação boa aquela, mas uma zona de
conforto de eu não ter sido a única peça utilizada naquele ato. E como eu falei os outros
colegas da agência por serem pessoas maduras, já todos pais de família, funcionários de
banco antigos, acho que o comportamento...ajudou bastante no processo porque eles têm a
experiência de saber....porque eu não sei não tenho uma visão se no país está acontecendo
muito, mas na Bahia está...escandaloso. No dia em que eles me pegaram estava ocorrendo
um assalto em S., com troca de tiros, tinham pegado a gerente da agência do Baneb pela
segunda ou terceira vez e no domingo seqüestraram um colega de outra cidade para assaltar
a agência na segunda e isto está acontecendo na Bahia torrencialmente agora recentemente
pegaram um colega meu...amigo de antes do banco já pela segunda vez
Então são coisas que a gente que esta no banco...a gente vai vendo.Eu não sei em
São Paulo como é, mas eu tenho um colega que já passou pelo processo do assalto e
seqüestro três vezes então a gente vai vendo, vai pensando, vai amadurecendo....eu sei que
a experiência que o pessoal da agência tinha me ajudou bastante. Se fossem colegas
novatos, colegas que...não que a mulher seja, mas a situação da mulher é mais pesada...a
mulher não ia agüentar uma situação com ameaça de filho, não que a mulher seja o sexo
frágil, mas é uma situação delicada até para a gente que é homem, pode agüentar um certo
peso, pode entrar num combate corpo a corpo, para uma mulher fica difícil a situação. Acho
que ajudou bastante a experiência deles
P: Qual foi o momento em que você sentiu mais medo?
R: O momento em que eu senti mais medo foi todos os que eu estava convencido que
minha família estava envolvida. Na hora da abordagem, eu não tive medo da abordagem,
eles me pegando, empurrando com a arma ali na mão eu só conseguia procurar nos outros
carros para ver se tinha alguém da família, procurei também para ver se tinha algum outro
colega. fiquei preocupado com o colega, mas minha preocupação era saber se estava ali
minha esposa ou minha filha. Uma coisa que eu esqueci de comentar é que nesse tempo
meu filho não estava na cidade, ele tinha viajado com o tio, ele tinha viajado. Uma coisa
que ficou pesada para a gente é que meu menino ficou sabendo tudo pela televisão, ele
estava em uma cidade próxima, e me filmaram, filmaram saindo da agência, tudo, a
televisão, e ele viu tudo pela televisão. Ele não acreditava que eu estava bem porque eu não
tinha falado com ele ainda, ele ficou achando que tinha acontecido alguma coisa comigo,
porque ele ficou sabendo do assalto no dia, viu eu caminhando e tudo, mas “porque meu pai
não falou comigo, porque ele não me ligou?”, então foi difícil conversar com ele, quando
eu liguei para ele, ele disse: “não meu pai, você esta falando eu não sei onde é que o senhor
está. Eu não sei se você está bem, se está no hospital, se você esta em casa.” É um menino
de dez anos, vê as coisas, já entende um pouco das coisas mas no momento, foi como eu te
falei, ele estava longe, estava na fazenda do meu tio. Então o momento que mais tive medo
foi o momento da abordagem, que eu pensei que tinha alguém da minha família. Quando a
gente foi para a estrada, que o cara falou que eu tinha deixado minha filha em casa...uma
menina de dois anos, ameaçar uma menina de dois anos de morte....foi um momento para
mim apavorizante.
Se...fosse eu e ele ali, se dependesse da minha vida, eu não teria nada, eu mataria ele
ali. Porque eu só pedia que fosse retirado o risco de vida de minha filha Eu só pensava em
alguma coisa que eu pudesse fazer para deixar minha família tranqüila. Aí quando pararam,
que eles falaram que sabiam que minha filha...e realmente minha filha estava sozinha, eu
sabia que eles não estavam blefando, que eu tinha deixado minha esposa no banco...foi o
mesmo que me cortar, né? Passar uma faca em mim. Senti ali que eu não podia fazer nada.
Na hora em que eles falaram do meu colega, eu também fiquei com medo, os caras
realmente estão dispostos, porque eles sabiam também da vida do colega, eu fiquei
agoniado, porque até então eu estava preocupado com tudo mas sempre com aquela
esperança, a gente se agarra em alguma coisa, de que eles estavam ali comigo, para eles
estava suficiente então a gente sempre ficava com o pensamento de que vai dar tudo certo,
que eles estão comigo, não vão querer fazer muita coisa, mas quando a gente chega no
banco e diz que a família do colega está sendo vigiada, então voltou todo aquele desespero
de novo porque eles estavam com gente em Feira. Se eles tivessem me seguido de Feira de
Santana, iam me pegar ali, nos estávamos ali, então não tinha ninguém em Feira... a gente
fica procurando alguma coisa para se apoiar..não, não, não tem ninguém em feira, Fé em
deus que não vai ter ninguém lá. vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, se der algum
problema aqui, eles estão comigo só vai acontecer comigo, não vai acontecer nada com a
minha família lá.. Quando a gente no banco, naquela pressão, aquela negociação, aquela
coisa, ele fala do colega, então já me veio aquele negócio: eles estão em feira, porque não
tem como monitorar tudo, duas famílias ao mesmo tempo, e sair e me pegar, então tinha
e...depois falando, na declaração, o delegado falou: Tinha, porque eles não usam todo
mundo na ação, sempre fica alguém para o apoio, para dar um suporte, e depois, eu
conversando com o pessoal da rua, eles falaram que tinha gente na rua, que tinha
comportamento estranho, que tem barzinho na rua, tem oficina na rua que vê o movimento,
porque não é uma rua que seja uma rua de trânsito, uma rua que o pessoal passa para ter
acesso a outros locais. É uma rua que só passa por ali quem tem alguma coisa por ali, então
quando tem alguém estranho na rua a gente conhece, porque a gente conhece todo mundo
que mora na rua, e o pessoal falou que tinha carro que estava parando, que estava falando
com a molecada. Na hora, pensa alguma coisa mas não imagina fica aquela coisa assim no
ar, depois que aquilo passa, aí é que a pessoa vai saber o que aconteceu. Então naquele
momento a pancada que eu tive, na hora que eu fui pego, né, falo do impacto, o impacto
que eu tive quando ele falou da minha filha, eu tive de novo lá na porta do banco. E
também na hora da saída, né, porque...a gente fica...na hora a gente pensa em tudo, né,
porque o pessoal falando que ele vai morrer, na hora a gente pensa em tudo, a cabeça da
gente está a mil, não tem tempo nem de ficar nervoso, aí na hora da sair veio aquele medo
de dar errado, de dar um problema, e eles quererem me culpar e quererem me punir alguma
coisa, a gente fica naquela...atenção, né. porque daqui a pouco eles podem fazer alguma
coisa com a minha família para dizer que eu fiz alguma coisa que não deu certo para eles,
né, a gente fica...no desespero mesmo, é aquela angustia, a gente não sabe o que é que está
acontecendo, o que vai acontecer, se é que vai acontecer... isso é sua área, você pode
explicar, na hora que a gente mentaliza uma coisa, a gente não consegue tirar, só fica
pensando aquilo, até que aconteça alguma coisa mais pesada ou alguma coisa diferente que
muda a mentalização da gente, mas às vezes não consegue nem conversar direito porque a
gente só fica pensando, pô, a gente vai sair daqui agora, e se não der certo, e se eles
quiserem botar a culpa em mim, pegar alguém dizendo que a culpa foi minha e a gente fica
com aquele negocio focalizando, focalizando, focalizando, n~e daí que veio o impacto para
não ir com eles, fiquei com medo de acontecer alguma coisa, e disse, não se acontecer
alguma coisa eu vou correr atrás, então já começa a tocar outra coisa, já vem aquele medo
de você querer tomar uma atitude sem saber o que esta acontecendo e você fazer uma coisa
que comprometa tudo porque você esta com aquele nervoso, voltado para aquilo ali, e daí a
pouco entrar no desespero, ai tenta se controlar, se controlar, por isso eu digo que a. gente
que tem experiência de vida ajuda bastante, porque se eu fosse uma pessoa que não tivesse
essa experiência, teria entrado em desespero, e teria se encaminhado para outra coisa.
P.: Você já tinha passado por assalto antes
R.: Já, agora sempre coisa como eu falei, como eu tinha empresa, tinha um mercadinho, já
aconteceram alguns delitos, algumas coisas no mercadinho, coisa pequena, roubar toca-fitas
do radio, que a gente já esta acostumado. Teve um caso de assalto com a esposa minha que
eu tinha saído e ela ficou, também teve um caso depois do carnaval, de eu estar no ponto de
ônibus e o pessoal vir e (desliga o gravador).
Conta então que e professor de karatê, e na situação do assalto, reagiu e dominou as
pessoas que tentaram assalta-lo. Pede para não divulgar essa informação por temer, em
próximos assaltos, que os bandidos, sabendo disso, usem mais violência ou tentem pegar
diretamente sua família que é mais desprotegida.
P.: Durante o assalto ao banco, passou alguma idéia engraçada, esquisita, na sua cabeça?
R.: Uma bobagem qualquer. No momento de nervoso a gente procura uma válvula de
escape, né, não tive não tive umas coisas assim, diferentes, a gente procura conciliar o que
esta ocorrendo conversar com o pessoal, para o pessoal ficar calmo, mas uma coisa assim
na minha mente, de engraçada, não teve não.
P.: Me conta um pouco do que aconteceu depois, primeiro no banco
R.: Seguindo o curso dos acontecimentos, a gente, como a gente tinha negociado com o
assaltante, a gente combinou de não acionar o alarme naquele momento, inclusive a gente
de agência como tem uma visão da rua, o carro que estava estacionado em frente de uma
delegacia, a gente esperou ele sair para acionar o alarme, porque a gente sabia que não ia
Ter efetivamente como eles fazerem nada e isso a gente estava vendo ali como ocorreu.
Esse tempo foi angustiante mesmo, deu desespero porque a gente não tinha como saber se
estava tudo bem, ficamos esperando aquele momento, uma coisa rápida, mas...volta aquela
coisa da relatividade, depois a gente não conseguia ligar, telefonar, acionar a policia, ligar
para a superintendência, para o departamento de segurança, policia chegando, policia
saindo, querendo conversar, toda a cidade ligando para a gente, e os celulares eles tinham
levado, a gente só com os telefones da agência para ligar, e sem conseguir falar lá em casa,
sem saber se a mulher estava bem, aquela angustia, ai querendo comunicar, falar, na hora
certa porque quando você aciona o alarme que teve assalto a cidade toda sai para a porta da
agência, o pessoal da superintendência quer saber o que aconteceu, o núcleo de segurança
quer saber o que aconteceu, a policia quer saber o que aconteceu e ate a policia das cidades
vizinhas quer saber o que aconteceu, e você fica naquele desespero o cara que esta me
ligando e policial ou e bandido porque na hora que a policia chegou lá, rapaz, e um
absurdo, a gente lá, ligaram para lá dizendo que era aqui do banco e que iam testar o
alarme. Ai você já fica, putz, e se eles estão ligando para aqui pedindo informação. Você
fica...você tem uma linha para você agir, mas você fica desnorteado. Naquela hora você
fica preocupado com você, você começa a respirar, vem aquela carga, aquele alivio de
acabou, você vai sentir, vai digerir aquilo que você passou daí o que você quer e cair fora,
se mandar, ir para sua casa, pegar todo mundo, ir para o seu canto e respirar, mas esse
momento, esse impacto, a gente não consegue se isolar naquele momento, ele deixa a
gente...como se diz, ...sensível mesmo.
P.: Isso já faz um ano?
R.: Fez um ano agora.
P.: E depois, como ficou a agência?
R.: Veio o pessoal da superintendência estadual para dar o apoio, a agência ficou fechada, a
gente teve um momento de confraternização com nossos colegas, não de comemorar
alguma coisa, mas de conversar entre si, eu fui agradecer muito o apoio dos colegas...
Neste momento o gravador utilizado parou de funcionar.
Jorge contou que ficou muito mal após o assalto, e não queria mais trabalhar. Sua
família aconselhou que saísse do banco, e eles ajudariam no sustento da família. Por
indicação da psicóloga que fez o atendimento emergencial, na agência, foi transferido para
Salvador, distante 110 km de sua residência. Trabalha em um setor que atende apenas
empresas, sem presença de dinheiro, sentindo-se mais seguro.
Não relatou novos problemas físicos após o assalto, mas notou que tem ido mais a
médicos devido à gastrite, não mencionada antes, que aumentou.
Mantém relacionamento pessoal com os colegas da antiga agência.
Foi indicada psicoterapia, mas ele não procurou.
Em relação à sexualidade, comentou que teve alteração quantitativa, com
diminuição da freqüência de relações sexuais e na qualidade do ato sexual, com diminuição
do prazer que sente na relação sexual. Atribui isso ao estresse de trabalhar longe, ir direto
para a faculdade e só depois ir para sua casa, o que o deixa muito cansado.
Em relação ao lazer, disse ter alterado algumas rotinas por conta do medo de ser
assaltado novamente. Não deixa mais o filho andar de bicicleta sem a sua companhia ou
sair sozinho na rua. Tem ido com a família apenas ao shopping center, onde se sente mais
seguro. Passa os fins de semana em casa.
Foi autorizada verbalmente a utilização desse material, sob pseudônimo e sem
dados que pudessem identifica-lo.
Quando solicitei que escolhesse um pseudônimo para si, ficou algum tempo
pensando e respondeu: Jorge. Em seguida explicou que ao conversar com um dos bandidos
que o seqüestrou, que parecia ser o chefe da quadrilha, chamou-o de você e ele retrucou:
“Me chame de Jorge”.
Caso 3 - Teresa
Entrevista realizada em uma agencia de uma capital do nordeste em 19.02.2003.
Teresa, 48 anos, nível superior, casada, tem 2 filhas. A mais velha com 22 e mais
nova com 21 anos. Função: gerente de contas. Este mês está substituindo o gerente
principal da agência.Tempo de banco: 26 anos. Está a um ano e meio nesta agência.
P. - Já havia passado por assaltos anteriormente?
R - Nesta agência passei por dois assaltos. O primeiro foi em maio de 2002 e o segundo em
novembro. O primeiro assalto que eu presenciei foi na agência......de Pirajá, em setembro
de 2001.
P. - Você sentiu alguma alteração no clima da agência depois do assalto?
Depois deste ultimo assalto sim. Este último deixou marcas. Talvez foi a forma como a
pessoa entrou na agência.
É o pessoal da marreta. E eles invadem a agência quebrando o vidro lateral, então você
ouvia aquele barulho....
P. - Durante o expediente?
R. - Durante o expediente, as 13:40 mais ou menos. você ouvir, além dos gritos, porque
eles chegam gritando, e aquele barulho, dos vidros caindo, o cara gritando, pisoteando o
vigilante... então aquilo ali me deixou marcas. Até hoje, eu não posso ouvir qualquer
barulho, quando vem alguém instalar algum equipamento, faz um barulho, a gente acha que
já é um assalto. Esse clima de insegurança ficou em todos nós. Eu senti também a minha
reação. No primeiro assalto eu fui bem mais segura. Quando eu percebi que estava sendo
assaltada, eu já percebi o bandido na porta giratória, eu trabalhava ali naquela mesa (aponta
para uma mesa num plano mais elevado, onde ocorre o atendimento a clientes) eu
permaneci sentada. Eu pensei: eu saio? Não, é melhor não, o mais seguro é ficar. E fiquei
aguardando as instruções dele, né. De forma tranqüila. Quando ele me mandou sair da
minha mesa e disse quem é o gerente da agência,.... o pessoal da limpeza e os vigilantes, eu
fiquei do lado deles. O tempo todo de certa forma tranqüila. Ele falou: Você está muito
tranqüila eu posso atirar no gerente e depois vou atirar em você, assim... ele me ameaçou,
né. Mas eu estava tranqüila. O gerente não estava, a outra colega comissionada estava em
treinamento, e no dia a única comissionada efetiva era eu. E como eu substituo o gerente,
assumi toda a responsabilidade para mim. A colega que estava com a chave do cofre, muito
insegura, ela tinha acabado de programar o cofre, ela chegou com a chave e eu disse: É um
assalto. Um deles estava preso na porta giratória com um colega. Aí ela disse: “Eu vou
esconder a chave”. Eu disse: “Não, você não vai esconder a chave, você vai abrir o cofre,
você vai abrir o cofre”. Porque seria um risco muito grande para a gente se não abrisse o
cofre aí eu assumi. Disse: “Não, eu tenho que assumir isso e transmiti segurança para ela”.
Aí ficamos as duas abraçadas esperando o bandido chegar. Quando o bandido chegou, ela
ficou com um bandido e eu fiquei com o outro porque nesse segundo assalto, eles queriam
tudo, foi um com um colega para a sala lá dentro pegar a fita e ela foi levando o bandido
para o cofre. Eles disseram: “Isso aqui parece um labirinto”, você fica meio perdido. E
Graças a Deus, ela se controlou e conseguiu abrir o cofre. O meu medo naquele dia era
grande. O pessoal tudo drogado, trocando murros, dois bandidos armados trocando murros.
Entre eles. Então a insegurança é muito grande. Aí a menina da limpeza ficou muito
nervosa porque um deles colocou o revólver na cabeça dela para ir atrás do vigilante que
tinha se escondido no banheiro, aí quando ela voltou com o vigilante e o bandido, ela
voltou assim numa situação terrível, aí eu me abracei com ela e ficamos assim. Aí o
bandido disse: “A senhora está muito tranqüila, a senhora apertou o alarme”? Eu falei:
“Não, não é vantagem nenhuma para mim apertar o alarme”. Eu estava mais ou menos
segura, assim, eu estava morrendo de medo, mas transmitindo segurança, né. Agora dessa
ultima vez.....eu estava atendendo um cliente quando ouvi o barulho, né. Vi o pessoal
correndo para a parte interna, e eu corri atrás, junto com os clientes, com os vigilantes, eu
corri risco, mas não deu para controlar. Não deu para ficar sentada esperando eles. Só que
eles já estavam instruídos para pegar uma senhora de óculos, que era eu. Aí quando eu
entrei fui socorrer uma colega que estava trabalhando internamente que estava passando
mal. Ai ficou eu, uma cliente e ela, escondidas num canto da sala, aqui da porta não dava
para ver. Nós estávamos com medo, mas o cara entrou na sala e me puxou. Queria só eu. E
eu permaneci com ele dez minutos sendo pressionada nesse corredor. Para que abrisse a
porta antes do tempo porque ele sabia, era horário de expediente, a porta do cofre estava
programada. E com a arma apontada para mim, me deu murro nas costas, o tempo todo me
ameaçando: “Abra, abra”. E eu falei um pouco ríspida com ele não tenho a chave, para
mim aqueles dez minutos foi terrível. Eu falei "eu não tenho a chave, a chave está com o
colega ele está lá em cima na bateria de caixas vamos lá pegar a chave com ele". Mas ele
não ouvia “Abra a porta”, ele queria que eu abrisse de qualquer jeito. Foi uma situação em
que eu falei assim: “vou morrer”. Eu cheguei assim a pensar.é hoje, agora, não vai ter jeito.
E um cliente...quando ele mandou deitar, quando já estavam saindo, tinha um cliente
deitado no chão rezando, rezando alto. Eu falei: “Meu Deus, vai ser hoje, não tem jeito”.
Aí eu até consegui pedir uma ajuda para conseguir pegar a chave e poder abrir o
cofre, mas acho que ele veio comigo aqui só para poder ver como é que estava aqui fora.
Depois ele voltou me dando murro, lá para dentro, e continuou me pressionando depois ele
mandou eu deitar porque já estava indo embora. Eu pensei que ele estava indo na bateria de
caixas buscar o colega para abrir. Eu fiquei um tempinho deitada. Aí quando veio um
colega pegar água para o pessoal que estava nervoso é que eu vi que o assalto tinha
terminado.Aí eu....caí, comecei a ficar nervosa, então dessa vez eu não consegui manter a
calma.
P. - Que momento você ficou com mais medo?
R. - Que momento Foi esse momento em que eu fiquei com ele aqui. Porque na hora em
que a porta quebrou, que fez aquele barulho, pelo menos eu ainda tentei correr né, era assim
eu posso me salvar. Aí não, era eu e ele. E ele com a arma apontada para mim me dando
murro, ele vai pensar que eu não quero abrir a porta, mas eu não tenho chave. Eles não
ouvem a gente, eles não enxergam nada, o pessoal tudo drogado. É terrível. Porque em
maio, quando ficamos na situação em estávamos todos reunidos na tesouraria esperando o
cofre apitar, o meu medo naquele momento era a colega não conseguir abrir o cofre, porque
a pessoa fica nervosa ou o segredo não é colocado direito, porque às vezes acontece de
você colocar o segredo e não conseguir abrir. Eu não sei se é porque nos estávamos todos
reunidos, parece que um está protegendo o outro, eu me senti mais segura e depois que nos
conseguimos abrir o cofre e levou o dinheiro, eu me acalmei. Já nesse, eu sabia que não
tinha condição, então para mim, eu só esperava que fosse atirar em mim, não esperava mais
nada. Eu não tinha como fazer ele perceber por isso que para mim foi muito ruim. E tinha
essa situação que eu fiquei sabendo depois que ele já veio direcionado para mim, e que
normalmente eu chego cedo, mas às vezes eu tenho que chegar um pouco mais tarde, mas o
próprio serviço obriga a gente a vir mais cedo eu não tenho acesso à chave. Porque isso,
porque eu estou sempre substituindo o gerente. O gerente vai a treinamento, às vezes esta
na regional, então o gerente fica muito fora da agência.então pela minha condição aqui de
serviço, eu me sinto muito lesada, nesse sentido. Eu sei que eu era o alvo deles quando eles
chegaram.
P.: O que o assalto mudou no relacionamento com os colegas na agência?
R.: Duas colegas foram afastadas, depois do assalto. A primeira, ele liberou de imediato
porque ela estava realmente transtornada ela ficou mal, se afastou uns dias, depois saiu de
férias e aí o gerente conseguiu coloca-la numa agência que não tem atendimento a clientes.
Agora a outra colega também ela já...em conseqüência do assalto de maio, porque ela foi
solicitada para ir à delegacia identificar bandido, nessa identificação, segundo ela, um dos
bandidos a viu, e ela se sente ameaçada. Ela está saindo do banco por causa disto. Mas de
uma forma geral, os colegas estão sempre pressionando, querendo que tirem a agência
daqui. Todo dia estão cobrando a gente em função do assalto. Então existe uma
preocupação constante. A tendência, até porque eu passei por dois assaltos, a tendência é a
gente esquecer, porque a gente sabe que pode acontecer, mas não fica lembrando disso no
dia a dia. E agora não a gente tem medo de que possa acontecer de novo a qualquer
momento.
P.: Como foi logo após o assalto?
R.: Eu fiquei afastada dois dias. A ocorrência, o evento foi na quinta, na sexta a agência não
funcionou, eu fiquei afastada segunda e terça e retornei ao trabalho na quarta-feira.
P.: Teve algum acompanhamento psicológico?
R.: Tive no dia, fizemos um trabalho, nós tivemos uma sessão aqui, tivemos primeiro um
atendimento em grupo, depois eu tive um atendimento individual. Depois eu fui a Cassi,
mas não dei continuidade. Teve esses três dias que eu fiquei afastada. Agora tem dia que eu
sonho com assalto, ás vezes até em casa, porque aqui tem muita ocorrência também, porque
é fácil eles seguirem a gente, por mais que você mude o roteiro, se eles quiserem eles
seguem você. Então existe essa preocupação não só aqui dentro como fora.
P.: Você reparou se você tem ido mais a médico agora do que antes do assalto?
R.: Não, até pelo meu próprio histórico...Eu sou meio avessa a ir a médicos, eu estou
sempre adiando.
P.: Mas apareceu alguma doença nova, que não existia antes?
R.: Não, só dor de cabeça, eu sempre tenho dor de cabeça, mas doença assim, não.Eu só
sinto mais essa sensação de insegurança. na hora de entrar, na hora de sair, durante, porque
tem gente que só pensa nisso na hora de entrar e sair, mas durante o expediente também é
inseguro. Agora para a gente não existe hora segura.inclusive eu comentei com a segurança,
esse dois policiais aqui não são suficientes para a agência. Quando teve a ocorrência foi na
troca de turno, saíram os da manha para entrar das tarde, foi nessa hora que aconteceu. Na
troca de turno. Nos trabalhamos com a sensação de insegurança.
P.: Na sua casa, no relacionamento com a sua família, você percebeu alguma mudança?
R.: A gente fica mais nervosos, né? Por mais que a gente não queira, fica mais nervoso. A
gente se irrita mais facilmente, né?
P.: Aqui na agência as pessoas também estão mais irritadas?
R.: Estão. Nós temos um colega, o P. que ele anda todo traumatizado. A gente nota que ele
tem aquela preocupação constante com tudo, está o tempo todo observando, ele realmente
ficou traumatizado.
P.: Durante um assalto, muita gente pensa em coisas inusitadas, que não era o lugar ou
momento de pensar. você lembra se passou algo assim pela sua cabeça?
R.: Não, nos outros assaltos, eu fiquei mais de expectadora, olhando, seguindo as ordens
deles, calada, né. Nesse não eu talvez levantei um pouco a voz, eu tenho que ser um pouco
mais calma. Talvez por isso eu levei os murros nas costas (Risos) Também, ele estava
pedindo a mesma coisa a todo o momento, e eu respondendo também a mesma coisa, tem
uma hora, né.
Uma colega que estava ali fora me ouvindo disse depois "mas você hein, você foi demais,
você estava falando muito alto com ele". (Risos)
P.: Você sentiu culpa em relação a algum aspecto ou reação do assalto?
R.: Não, culpa não. A gente tem culpa quando está descumprindo alguma norma de
segurança. Mas graças a deus, não, estava tudo certo, os seguranças estavam aí, estava tudo
como as normas de segurança do banco, até porque depois a gente que prestar contas para
os nossos superiores. Porque o problema é a insegurança, né, muita gente acha que...é muita
insegurança, né, com a nossa vida em família, eu fico muito preocupada com minhas filhas,
eu passei a ter uma preocupação constante com o perigo que é na rua. Hoje se elas
demoram...e não durmo até elas chegarem eu ligo para o celular. Essa noite mesmo minha
filha saiu e demorou para chegar, eu liguei para saber onde ela estava. Então eu não tinha
essa preocupação, hoje eu tenho, estou muito mais preocupada. E tenho preocupação
também de ligar para casa para dizer que eu estou bem. Eu fui numa audiência ontem, ela
atrasou, eu já liguei dizendo onde eu estava. Eu não tinha essa preocupação. Não passava
pela minha cabeça fazer isso.
P.: Pelo fato de você substituir o gerente, alguém te acusou, direta ou indiretamente por
algo relacionado ao assalto?
R.: Teve essa colega que falou que eu fui muito ríspida com eles, acho que por isso eu levei
os murros nas costas (Risos).
Os colegas acham que nós podíamos fazer mais para a mudança da agência. Eles
estão cobrando muito de mim. Eles dizem Ah, vocês não estão fazendo nada. Não é fácil,
você sabe que não é fácil mudar uma agência de lugar, tem todo um processo, e eles ficam
cobrando de mim, eles querem que eu resolva porque a expectativa é muito grande de que
possa acontecer outro. Porque um dos bandidos que esteve aqui, uma semana depois ele
esteve no auto-atendimento, entraram para observar alguma coisa, aí a menina da limpeza
viu, ai a menina percebeu, ela ficou nervosa e saiu correndo gritando que era assalto, aí ele
fugiu.
P.: Alguém mais viu este bandido?
R.: Não. Foi só uma pessoa. Eu não consigo identificar. Eu fiquei com ele, falei com ele,
mas não consigo identificar. Sabe o que é olhar e não guardar a fisionomia? Eu estava tão
nervosa que não guardei a fisionomia. Talvez até tenha visto ele por aí e não consegui
identificar. Não é porque eu não queira, eu não consigo, não lembro. Olhei de frente para
ele, mas não consigo.
É uma turma perigosa, não pediram as fitas de tevê, não usaram capuz, foi no horário de
expediente, a rua movimentada, toda hora passa polícia aí na porta, botaram o pessoal do
auto-atendimento sentados no chão, quer dizer, todo mundo que passava pela rua sabia que
estava tendo assalto.
P. - Em que o assalto mudou sua vida?
R.: A gente não se sente mais seguro. Porque o bandido, para planejar o assalto, ele fica
analisando a vida de gente, eles sabem onde eu moro, né, eles podem me seguir, seguir
outros colegas. Teve um colega que eles sabiam onde ele morava, sabia da vida dos filhos
deles, eles sabem tudo da vida da gente.
(Nesse momento somos interrompidos pela copeira da agência que vem servir café para
mim e chá para ela)
P.: Você reparou se começou a beber mais, bebidas alcoólicas ou café?
R.: Chá. Eu passo o dia inteiro tomando chá.
Download