- Sociedade Brasileira de Sociologia

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DISCURSO E ÉTICA SOCIAL DO CORPO
Marizabel Kowalski*
Maria Beatriz Rocha Ferreira*1
Resumo:
Este ensaio intitulado “Discurso e Ética Social do Corpo” revela um tema atual. Consta dos
referenciais das conversas cotidianas femininas e, também, masculinas: o culto à beleza, boa forma,
corpo magro e alto, malhado, sem gordura e fibro edema gelóide (celulite), ou seja, no julgamento
entre o bom, o mau e o feio – a estética e a cultura corporal - estão em alta na sociedade. O discurso
estende-se desde as pequenas cidades as metrópolis – ser “Top”, estar “Top”. Mas como chegar até aí?
Este trabalho bibliográfico nos conduz a algumas relevâncias como, por exemplo: o que é ser gordo ou
ser magro no imaginário social!. Ser esteticamente perfeito parece impossível – a mulher e o homem
são extremamente insaciáveis - a forma física é uma falsa medida de saúde? Busca um corpo
socialmente aceito e, classes de profissionais entram na batalha da compensação estética através de
um setor poderosíssimo – a indústria da beleza. Na fabricação de corpos, velhas e novas receitas são
trocadas. Academias de ginásticas, atualmente são utilizadas como auxiliares nos tratamentos e
clínicas modernas de modelagem corporal e rejuvenescimento, tecnologicamente melhores equipadas e
com resultados eficientes. Os profissionais da estética são cada vez mais solicitados e valorizados. Suas
responsabilidades crescem e o comprometimento de transformar bruxas em fadas transforma-se em
realidade. Será? Talvez não possam responder as questões principais tomadas como guias referenciais,
entretanto, não custa afirmar que continuam os discursos sobre “estética corporal”, enfim, como não
podemos negar que os profissionais encontram-se entre as fantasias e os fantasmas do cotidiano de
uma sociedade que busca uma perfeita feição ou, como queiram, a “perfeição”.
Palavras Chaves – estética, corpo e cultura.
Abstract
This essay “ Discourse and Social Ethical of the Body” revels an actual theme. Approach of the
referential of converses quotidian of the women and, also, men. The culture at beauty, good form, body
lean, stronger, without fatness and cellulite, or by, in the judgment enter the good, the bad and the ugly
– the esthetic and the corporal culture – are in highs in the society. The discourses extend since as little
cities as metropolis – to be “Top”, to stay “Top”. But how to arrive likewise here This research is
bibliographic works, that us conduct to some relevancies as, by example: what is “ to be fat” in the
social imaginary To have the esthetic perfect, appear impossible – the woman and the man are
extremes insatiable – the physical form is a false measure of the health Search a body social and, class
of professionals enter in the battle of the compensation esthetic by of the a sector powerless – the
beauty industries. In the fabrication of the bodies, olds and news income (budget) are changes.
Gymnastic Academies, actual are utilized as well as auxiliaries in the treatment and modern clinics of
the modulation corporal and rejuvenate, best equipment technologic and with results effectives. The
esthetics professional are those once more solicited and valorized. Them responsibilities crescents and
the compromises of the transformer Witches in Fades, today is reality. To will be Perhaps, not can
answers the principal questions take witch referential guide, however, not costs affirm that continuum
the discourses about “corporal esthetics”, in fine, how not can to gainsay that the professionals
encounter inter fantasies and the ghosts of the quotidian at society that search a perfect face or, how
wanted, the “ perfection”.
Key Words – esthetic, body and culture.
1
*Pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp.
2
Discurso Estético do Corpo
1.1. Introdução: apontamentos metodológicos
Este ensaio construído a partir da pré-pesquisa elaborado para projeto de pós-graduação
“Discurso Estético do Corpo”2. Para esta primeira parte optamos metodologicamente pelo
levantamento e análise literal de Lovisolo, e abrange assuntos de interesse subjetivo da autora,
de maneira que possamos revelar parte dos discursos sobre o corpo, entretanto não chegando
a um fechamento ainda convincente, mas abrimos discussão sobre o enfoque. Observamos que
o contexto em que se desenvolve o discurso é aonde a “estética” é utilizada como estratégica
no julgamento entre o bom, o mau e o feio, temos o discurso da magreza, ou seja, “a favor dos
magros e contra os gordos. Tratamos da discussão no cotidiano popular: Se és gordo... és
culpado! Qual a sentença na troca simbólica e afetação social que pode causar um gordo? A
busca pela beleza e satisfação pessoal e a “forma física como a falsa medida da saúde”, os
movimentos pela saúde em conformidade ou não com o desenvolvimento e o culto da
atividade física regular e permanente. Destacamos a “indústria da beleza”, seus preceitos,
preconceitos, recomendações e receitas. O profissional da estética, seu comprometimento com
os clientes, uma profissão técnica, prazerosa e extremamente comprometedora na busca dos
objetivos mais “caros” ao ser humano: “a beleza”. O que se oferece para o cliente, sua
satisfação e os meios que as Clínicas possuem hoje em forma de tecnologias e recursos
estéticos. O que e quanto custa ser “Bela”? Estética é uma fantasia ou fantasma?
Na análise dos dados, temos como objetivo perceber as transfigurações em alguns domínios
do corpo: político, empresarial, no cotidiano, consumo, turismo e serviços. Não há nenhum
aspecto da vida que não esteja dominado pela imagem corporificada do corpo e, portanto não
instaure ou não restaure a globalidade de que está inserido aqui: um padrão a ser seguido.
Seria o espírito da casa ou a cultura da empresa, poderia ser busca do qualitativo na vida
corrente, ou ainda, a preocupação com o próximo, pelo político, sem evidentemente falar da
publicidade, no que concerne ao consumo. Em cada um desses casos, ultrapassando a
materialidade bruta que o constitui, o corpo sofre uma importante modificação, da qual alguns;
penso em particular no político; corre o risco de não refazer a unidade do corpo (corpo stricto
sensu, produto industrializado, produto comercializado, comunidade local) e do espírito
(qualitativo, sentido da beleza, desinteresse caritativo, prazer pelo sensível, acentuação do
próximo e da vizinhança). A imagem realiza o jogo da tradição figurativa, que é enfatizar a
dimensão hedonista, irônica e estética da existência. Parece-me que inclusive na cultura
empresarial, está em voga a busca de um “qualitativo presentista”. Portanto, compreende-se
melhor que o político, que repousa sobre a postergação do gozo, que está voltado
essencialmente para o futuro não consiga integrar a perspectiva “imaginal”, ou antes, se o
vírus da imagem corporal pode ser integrada (publicidade, cultura de empresa, design) na
produção ou no consumo, pelo contrário corre o risco de destruir em sua totalidade, o corpo
político pela divisão, pela indiferença ou pela ironia distanciadora, o que parece ser o caso nos
dias de hoje.
Para esta temática; tomamos de Lovisolo o seu discurso “Da ciência da gastronomia à
estética”3, não no sentido de virar o feitiço contra o feiticeiro, mas de contribuir na construção
de observações que possam esquentar a discussão de que nem sempre a obesidade é patologia
2
Projeto Final de Pesquisa Pós Doutorado no Departamento de Atividade Física Adaptada da Unicamp, sob a
Tutoria da Prof. Dra. Maria Beatriz Rocha Ferreira, 2005.
3
Lovisolo, H. Estética, Esporte e Educação Física. Rio de Janeiro: Sprint, 1997.
3
e a magreza é sinônimo de saúde. As ciências biomédicas em defesa da “saúde” ocuparam o
lugar deixado vazio pelos discursos religiosos, filosóficos e morais do mundo contemporâneo.
Orientadora de uma variadíssima indústria do corpo, ainda em expansão no Brasil, cujos
imperativos em nome da vida, da felicidade e da saúde conquistam o mercado atual. O
cuidado de si volta-se para a produção da aparência, segundo a crença já muito difundida de
que a qualidade do invólucro muscular, a textura da pele e a cor dos cabelos revelam o grau de
sucesso de seus “proprietários”. Stéphane Malysse escreve em seu estudo sobre uma praia
carioca que as pessoas parecem “cobertas por um sobre-corpo, como uma vestimenta muscular
usada sob a pele fina e esticada...”. São corpos em permanente produtividade, que trabalham a
forma física ao mesmo tempo em que exibem o resultado entre os passantes. São corposmensagem, que falam pelos sujeitos. O rapaz “sarado”, a loira “siliconada”, a “perua
musculosa” ostentam seus corpos como se fossem aqueles cartazes que os “homenssanduíche” carregam nas ruas do centro da cidade: “Compra-se Ouro”. “Vendem-se Cartões
Telefônicos”. “Belo espécime humanos em exposição” (Goldemberg, 2002.P.11-12)4
Para Lovisolo os desvios corporais de peso, em relação aos padrões considerados normais,
e em especial a obesidade ou gordura, tornaram-se um inimigo combatido por uma forte
aliança de interesses, abrangendo desde o Estado, as companhias seguradoras, a indústria, os
profissionais da área da saúde e, de modo geral, as diversas organizações e profissionais
participantes do que poderíamos denominar movimento pela saúde.(..). O valor da saúde, eixo
central do movimento (entendido como elevação da esperança de vida ou longevidade, manter
a forma, fitness e o aumento da qualidade de vida), expande-se pelo mundo, associado numa
esportivização da cultura, particularmente, através dos estilos de vida apresentados como
novos e mediados por novos hábitos, formas de pensar e sentir as relações com o corpo.
(Lovisolo, 1997. p. 11).
O fato é que a sociedade burguesa, desde o século XIX, considera o corpo como
propriedade privada e responsabilidade de cada um. O corpo vestido e domado pela
compostura daquela época, embalado pelo código das roupas foi o primeiro signo que o “selfmade man” em ascensão, sem antecedentes nobres, emitia a respeito de quem ele “era”. A
aparência substitui com vantagens democráticas o “sangue”. O corpo bem-comportado de até
poucas décadas atrás dizia: sou uma pessoa decente, confiável, honrada e meus negócios vão
bem. O corpo malhado; sarado e siliconado do novo milênio diz: sou um corpo malhado,
sarado, siliconado. O circuito se fecha sobre si mesmo. Parece a ética dos “cuidados de si”
pesquisada por Michel Foucault, mas não é. O sentido da prática dos cuidados de si a que se
dedicavam alguns cidadãos romanos na Antigüidade estava diretamente articulado ao papel
desses homens na vida pública. Ser capaz de cuidar bem do corpo e da mente era condição
primordial para cuidar bem dos assuntos da “polis”. No Brasil de hoje, em que o espaço
público foi a um só tempo desmantelado e ocupado pela televisão, a produção dos corpos é a
produção da visibilidade vazia, da imagem que tenta apagar a um só tempo o sujeito do desejo
e o sujeito da ação política. A cultura do corpo não é a cultura da saúde nem mesmo cultura
corporal, como quer parecer. É a produção de um sistema fechado, tóxico, claustrofóbico.
Nesse caldo de cultura insalubre, desenvolvem-se os sintomas sociais da drogadição, incluindo
o abuso de hormônios e anabolizantes, da violência e da depressão. Sinais claros de que a
vida, fechada diante do espelho, está perigosamente oca.
Lovisolo cita que;
4
Goldenberg, M.(org). Nu & Vestido. Rio de Janeiro: Record, 2002.
4
De praxe, a emergência de novos hábitos alimentares e de atividade corporal, que acompanham
as argumentações desenvolvidas no movimento pela saúde, possuem fundamentos de tipo
técnico englobados por valores estéticos e morais5. Os objetivos da longevidade ou de fitness,
por exemplo, apenas fazem sentido em relação a valores, embora possam ser apresentados como
naturais, os objetivos em pauta ancoram seus significados em valores e movimentos da cultura.
No plano dos valores morais, além do imperativo de manter a saúde, conservar e prolongar a
vida, os esforços de construção e de manutenção de novos hábitos pareceriam vincular-se ao
autocontrole, quer dizer, ao valor da “mente” ou “consciência” ou “superego” em controlar os
impulsos (pelos alimentos, estimulantes e inatividade) dos “corpos”6. Por conseguinte, o
movimento pela saúde surge como moralizador das relações que os indivíduos mantêm com seus
corpos. Uma certa falha moral tenderia a ser associada aos indivíduos que não cuidam de seus
corpos, que perdem o controle de demandas fisiológicas ou psicológicas. Dizer autocontrole
significa dizer autonomia em relação a demandas socialmente caracterizadas como vícios. A
gordura, por exemplo, poderia estar associada à falta de temperança. Valor significativo que
embora em termos de autocontrole e equilíbrio e autonomia do indivíduo, descrevem melhor os
objetivos em ação no presente. Traduzida para a nossa linguagem, a gordura parece associar-se à
falta de domínio sobre si mesmo, de autocontrole e de equilíbrio entre as entradas e saídas,
consumo e gasto. Em outros termos, possuir hábitos considerados agressivos e violentos para si,
no caso de reconhecer serem gerados pela inércia do corpo em interação com o social, figura
como sendo uma conduta moralmente questionável
Podemos pensar a cultura do corpo como uma cultura do narcisismo? Este conceito cabe
muito bem nos segmentos das camadas médias obcecados por ilusões da perfeição física
esmagados pela proliferação de imagens, por ideologias terapêuticas e pelo consumismo.
Nesse segmento social, o corpo e a moda são elementos fundamentais no estilo de vida, onde a
preocupação com a aparência é carregada de investimento pessoal. Mulheres e homens
midiáticos anunciam na grande imprensa e nos programas de televisão as transformações que
seus corpos sofreram nas mãos de cirurgiões plásticos, dermatologistas, personal trainers,
nutricionistas e outros profissionais do rejuvenescimento e do embelezamento. Com os
cosméticos, os exercícios de manutenção, os artifícios da elegância, não há mais desculpa para
estar “fora de forma”, qualquer mulher e homem também, pode oferecer de si mesmo uma
imagem atraente. Cada indivíduo é considerado responsável e culpado por sua juventude,
beleza e saúde: só é feio quem quer e só envelhece quem não se cuida. Cada um precisa buscar
em si as imperfeições e exigir que sejam corrigidas. O corpo torna-se, também, capital cercado
de enormes investimentos de tempo e dinheiro. O corpo “em forma” se apresenta como um
sucesso pessoal, ao qual mulheres e homens podem aspirar se realmente dedicarem a isso.
5
O argumento técnico especifica os meios racionais para atingirmos objetivos. Os argumentos técnicos podem ter
uma base empírica ou científica. A correlação positiva, de um lado, gordura, fumo e inatividade corporal, com
doenças cardiovasculares, do outro, possui uma base empírica. Não está provado que a presença de um dos dois
elementos mencionados estejam associados significativamente com as doenças cardiovasculares. O argumento
teria uma base científica se os mecanismos que subjazem à correlação estivessem claramente explicados. Os
objetivos são, de praxe, traduções de valores morais ou estéticos. Há escolha valorativa entre desenvolver hábitos
alimentares e de atividades corporais, vivenciadas como custosas, ou entregar-se aos prazeres da mês e da
inatividade. A escolha apenas pode ancorar-se valorativamente (valor da saúde, do auto-controle, das formas
corporais entre outros). De fato, quando realizamos uma escolha, habitualmente em contexto de incerteza,
tendemos a aceitar e formular argumentos que a reforcem. (Lovisolo,1995) .
6
O termo “corpos” está aqui sendo usado de modo metafórico. De fato, o problema é que os “corpos” não
pareceriam contar com mecanismos de auto-regulação para a ingestão de alimentos, o consumo de estimulantes e
a entrega à inatividade. Assim, os “corpos” pareceriam poder entregar-se com facilidade a “consumos” que os
destruiriam. Devemos levar em consideração que a formação de novos hábitos demanda altos custos no imediato,
que apenas podem ser compensados pelas expectativas de futuros benefícios compensadores. (Lovisolo,1997).
5
“Não existem indivíduos gordos e feios, apenas indivíduos preguiçosos”, poderia ser o slogam
do mercado do corpo.
Há por certo, muitos críticos dos “valores” estéticos do corpo. Basicamente, acham imoral
que poderosos esforços de alimentação, atividade corporal, ingestão de produtos químicos, uso
de cosméticos, realização de cirurgias entre outros, sejam realizados pelos indivíduos, e
especialmente pelas mulheres, para atingirem padrões corporais esteticamente valorizados.
Tais esforços seriam imorais, pois os indivíduos abandonariam sua autonomia para aceitarem
padrões externos, entregando-se à dominação de uma sociedade consumista e anti-ética.
Entretanto não raro, esses mesmos críticos apóiam os apelos em favor da saúde, pois
consideram que os esforços estetizantes, também significam uma violência, uma agressão
contra a saúde do corpo dos indivíduos e seu efeito negativo extremo poderia ser o contrário uma magreza excessiva - a anorexia!!!(Lovisolo, p. 14 -15)
Para este autor, no cotidiano, os argumentos morais, estéticos e técnicos aparecem
entremeados de divergências e os indivíduos geram misturas, embora com ênfases
circunstanciais, desses argumentos nos processos de construção de seus “eus” e de suas
“imagens sociais”. Em seu ensaio, sugere as hipóteses de que:
a) os argumentos técnicos não avançaram significativamente nos últimos anos;
b) tampouco avançaram significativamente as recomendações básicas de controle da
obesidade e
c) o argumento estético, talvez, tenha preeminência história sobre o moral na estratégia de
desenvolvimento do autocontrole. Em relação a este ponto Lovisolo afirma que a
estética do corpo foi um poderoso ardil, particularmente sobre os jovens, sobretudo para
abrir caminho dos argumentos morais do movimento pela saúde.
O que se pode afirmar é que o corpo ocidental está em plena metamorfose. Não se trata
mais de aceitá-lo tal como ele é, mas sim de corrigi-lo, transformá-lo e reconstruí-lo. O
indivíduo busca em seu corpo uma verdade sobre si mesmo que a sociedade não consegue
mais lhe proporcionar. Na falta de realizar-se em sua própria existência, este indivíduo,
homem, mulher, ou quem tiver outra opção, procura realizar-se através de seu corpo. Ao
mudá-lo, ele/ela buscam transformar a sua relação com o mundo, multiplicando os seus
personagens sociais baseados em modelos que forjam a representação. A body art já pode ser
vista nas ruas. A sociedade do espetáculo, cada vez mais poderosa, erige a aparência física em
dever e responsabilidade de cada indivíduo. A profundeza do “eu” encarna-se à flor da pele, o
corpo torna-se lugar da salvação, sendo uma forma de não passar despercebido, uma maneira
de destacar-se na cena social. Quando o laço social se desfaz, quando o individualismo se
expande, somente o olhar do outro pode nos proporcionar uma verdadeira existência social. A
mise-en-scène da aparência se transforma assim num imperativo. Mas não podemos esquecer
que o corpo tem alguém como recheio. Quem é você neste corpo? Que corpo você está usando
ultimamente? Que corpo está representando você no mercado das trocas imaginárias? Que
imagem você tem oferecido ao olhar alheio para garantir seu lugar no palco das visibilidades
em que se transformou o espaço público no Brasil, na televisão, na sua cidade e na sua
academia? Que recursos você utilizou e utiliza? O que as clínicas cirúrgicas e estéticas podem
oferecer? O que a sociedade cobra? Qual o preço de seu corpo-imagem? “Fique atento, pois o
corpo que você usa e ostenta vai dizer quem você é! Pode determinar oportunidades de
trabalho. Pode significar a chance de uma rápida ascensão social”. (Anuncio Televisivo de uma
Academia de Ginástica no Paraná,2004)
Acima de tudo, o corpo que você veste, preparado cuidadosamente à custa de muita
ginástica, aperfeiçoado por meio de modernas intervenções cirúrgicas e bioquímicas, o corpo
6
que resume praticamente tudo o que restou do seu ser é a primeira condição para que você seja
feliz? Não porque ele seja, o corpo, a sede pulsante da vida biológica. Não porque possua uma
vasta superfície sensível ao prazer do toque – a pele, esse invólucro tenso que protege o
trabalho silencioso dos órgãos. Não pela alegria com que experimentamos os apetites, os
impulsos, as excitações, a intensa e contínua troca que o corpo efetua com o mundo. O corpoimagem que você apresenta ao espelho da sociedade vai determinar sua felicidade não só por
despertar o desejo ou o amor de alguém, mas por constituir o objeto privilegiado do seu amor
próprio: a tão propalada auto-estima, a que se reduziram todas as questões subjetivas na
cultura do narcisismo. Nesses termos, o corpo é ao mesmo tempo o principal objeto de
investimento do amor narcísico e a imagem oferecida aos outros – promovida, nas últimas
décadas, ao mais fiel indicador da verdade do sujeito, da qual depende a aceitação e a inclusão
social. O corpo é um escravo que devemos submeter à rigorosa disciplina da indústria da
forma (enganosamente chamada de indústria da saúde) e um senhor ao qual sacrificamos
nosso tempo, nossos prazeres, nossos investimentos e o que sobra de nossas suadas
economias.
É interessante destacar o paradoxo que o culto a forma física gera na cultura do corpo.
Quanto mais se impõe o ideal de autonomia individual, mais aumenta a exigência de
conformidade aos modelos sociais. O corpo se emancipou de muitas de suas antigas prisões
sexuais, procriadoras ou indumentárias, atualmente encontra-se submetido a coerções estéticas
mais imperativas e geradoras de ansiedades do que antes. A obsessão com a magreza, a
multiplicação dos regimes e das atividades de modelagem do corpo, a disseminação da
lipoaspiração, dos implantes de próteses de silicone nos seios, de bootox para atenuar as
marcas de expressão na face e da modelagem de nariz testemunham o poder normalizador dos
modelos, um desejo maior de conformidade estética que se choca com o ideal individualista e
sua exigência de singularização dos sujeitos. Desta maneira, entre o obeso e o magro coloca
em cheque os meios para alcançar a forma física, ou seja, o que é saúde e o que é doença na
estética corporal?
1. 2 – Obesidade e Magreza: Savarin e Lovisolo
Lovisolo, em sua leitura crítica do curso de gastronomia elaborado por Brillard Savarin 7,
ressalta que o autor pode deixar o leitor com dois tipos básicos de resistência, sobretudo se é
um profissional formado em algum curso que objetiva a intervenção e percebe a existência de
proximidades sociológicas entre sua formação mosaica e sua função social e as propostas da
ciência da gastronomia8. A primeira resistência pode se manifestar de forma violenta, taxando
a obra de Savarin de delírio, de construção imaginária que nada tem haver com o modo de
construção de sua própria profissão. A segunda, mais civilizada, é deliciar-se com Savarin,
porém qualificando sua proposta como um delírio. É difícil dialogar com a primeira
7
Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755 – 1826) publicou a primeira edição de seu livro no ano anterior ao de sua
morte. Encontramos nesta edição ementas como: o apetite, os alimentos, as especialidades, a teoria da fritura, a
sede, as bebidas, a gourmandise, os gourmands, os testes gastronômicos, o prazer da mesa, os repousos da caça, a
digestão, o descanso, o sono, os sonhos, a dieta e o repouso, a obesidade e seus tratamentos preservativos os
curativos, a magreza, o jejum, o esgotamento, a morte, a história filosófica da cozinha, os donos dos restaurantes,
a gourmandise clássica posta em ação e a mitologia gastronômica, receitas e reflexões espirituosas e acompanha
por fim, um glossário gastronômico como fechamento. Uma análise mais detalhada sobre este tema foi realizada
por Lovisolo op.cit.
8
Sobre a formação mosaico dos cursos universitários profissionalizantes e especialmente os cursos de Educação
Física, Fisioterapia, Nutrição, Engenharia de Alimentos, Estética, Cosmetologia, etc, conferir Lovisolo (1995).
7
resistência, pois ela não quer enxergar, cheirar, ouvir nem possui uma fisiologia do gosto
desenvolvida9. Savarin inicia falando da obesidade realista e humoristicamente. Afirma que se
tivesse sido médico teria feito uma monografia sobre a obesidade e a partir dela teria
construído seu império nesse canto da ciência, desfrutando dupla vantagem de ter como
pacientes as pessoas que estão nas melhores condições de ser perseguido, diariamente, pela
metade mais bonita do gênero humano, pois ser gorda, na justa medida, sem barriga nem mais
nem menos, é para as mulheres o estudo de toda a vida. Temos de chofre a importância
concedida à obesidade, no reverso, à estética feminina. As mulheres são o alvo privilegiado do
discurso contra a obesidade. Savarin, em poucas linhas, estabelece o padrão estético para as
mulheres de sua época e privilegia o gênero feminino na intervenção sobre a obesidade.
Também antecipa uma área de negócios médicos (dietas, acompanhamento, cirurgias,
produtos químicos, cosméticos, etc...) e paramédicos (academias e clínicas de emagrecimento,
produtos industrializados e naturais, publicações e programas televisivos entre outros) em
pleno desenvolvimento no nosso presente. Se Savarin delira, o faz com alta capacidade
preditiva, pois ainda a mulher continua sendo privilegiada nos discursos sobre a obesidade e
os negócios que dela se ocupam andam muito bem graças à estética e ao desejo de vida.
O que podemos dizer é que tanto Savarin e Lovisolo estabelecem que - o corpo é a moda –
mas colaboro com isto e afirmo – o que um dia foi o auge da inveja; Leonardo Da Vinci
expressou em arte, hoje é doença da atualidade! As mudanças artificiais na forma, no tamanho
e na superfície do corpo praticadas em todo mundo possuem função sócio-cultural. Isso se
aplica igualmente às formas extremas de mutilação corporal cujas práticas apresentam noções
culturalmente definidas como “beleza”, “religião” e “status”. Em resumo, os humanos, através
dos tempos, sempre almejaram tamanhos e formas “ótimos” para o corpo. Diversas formas de
automutilação ou alteração são utilizadas para enquadrarem-se em padrões culturalmente
definidos. Entre estas formas, pode-se apontar o uso disseminado da ortodontia, cirurgia
plástica, lipoaspiração, implantes (mamários, lipídeos, capilares e implante ósseo tibial na
China), perfurações nas orelhas e outras regiões, dietas e regimes de musculação, uso de
dentes, unhas e cílios postiços, tratamentos de pele - facial e corporal auxiliados por saunas,
vaporizações, limpezas eletrolíticas, hidratação, bronzeamento, clareamento, tinturas, cortes e
alongamentos de cabelos, fórmulas químicas mirabolantes em creme, gel, comprimidos,
líquidos, pastas e lamas, etc. e etc... .
Temos também, como exemplo, a difundida ideologia do body building – própria da
chamada “cultura da malhação” – que se fundamenta na concepção de beleza da forma física
como produto de um trabalho do indivíduo sobre seu corpo, assim como outros movimentos
importados dos EUA, que vêm ganhando cada vez mais adeptos em alguns segmentos da
sociedade, parecem se basear nesse tipo de apropriação – a body art e a body modification, que
utilizam técnicas que vão da tatuagem, passando pelos piercing e podendo chegar a outras
mais extremas como marcas a ferro quente (brandings), talhos com navalha e gravações com
bisturi incandescente. (Helmann. P.25, 2003)10. Seus praticantes “trabalham” o corpo como
suporte para a arte e transformação, muitos deles com um projeto bem definido pretendendo
demonstrar o quanto podem ser humanos, enfrentando a sociedade atual, mais que um ato de
loucura ou masoquismo, mais que demasiadamente exóticas, que para Bernuzzi Sant‟Anna o
corpo é:
9
Ver também a Onfray, Michel. A Razão Gulosa. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Helmann. Cultura, Saúde & Doença. Porto Alegre.RS. Atmed, 2003.
10
8
Território tanto
forças que não
desassossego e
subjetividade e
1995)11.
biológico quanto simbólico, processador de vitalidades infindáveis, campo de
cessa de inquietar e confrontar, o corpo talvez seja o mais belo traço de
de prazeres, o corpo de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua
de sua fisiologia, ao mesmo tempo escondê-los. (Bernuzzi Sant´Anna, P.03,
O corpo como revelador de sentidos, emoção, paixão, raiva, dor, ódio, prazer – de segredos,
traços de loucura, violência – é finito transtornado pelas transformações. Reveladores são os
gestos e sua voz encerra-se em três dimensões trágicas: o medo da doença, o medo das
degenerações e por fim, o medo da desumanização das aparências. No primeiro plano citamos
o medo da doença e o cuidado com o corpo exalta a saúde como fim e, o meio era a medicina.
Relativa hipótese que temos é a curativa com tendências científicas, naturalistas, de cunho
religioso (moralista) e por fim as cosmológicas que englobam regiões, climas e estações do
ano. Entretanto, as fronteiras da imagem corporal de um indivíduo não são estáticas – elas
podem ser alteradas pelo estado emocional, pela doença ou a incapacidade, a cirurgia
(amputações, mastectomias, plásticas para tirar, reduzir e/ou salientar regiões corpóreas e
transplantes, etc) e os tratamentos terapêuticos de prevenção e de cura (radioterapias,
fertilizações in vitro) e em estados fisiológicos como gravidez, obesidade e perda de peso.
Secundariamente as degenerações podem ser pela idade, desequilíbrios psíquicos,
emocionais e sexuais, econômicos, sociais e condições de trabalho versus qualidade de vida,
conseqüências diretas para o prolongamento da vida. As fronteiras também variam com a
idade onde a consciência crescente sobre o corpo está ligada a necessidade de o indivíduo
desenvolver uma série de peles/ corpos simbólicos característicos de passagens culturais ou
grupos sociais e suas configurações. No terceiro plano as transformações corporais no
segmento social, suas diferenças, cores, formas e a desumanização das aparências justamente
por sua capacidade de alterar as relações das diferenças estéticas na imagem, com objetivo de
fazer convergir à reprodução em massa e a reprodução das massas em um único padrão de
corpos. Como citado por Fernandez Vaz “(...) a estetização política do corpo”. (2001) 12. Nas
sociedades tradicionais, o status do indivíduo está fisicamente inscrito sobre a superfície de
seu corpo: tatuagens, escarificações, circuncisão, adornos como piercing de orelhas, lábios e
outras partes do corpo são formas permanentes e visíveis da pele cultural.
Devido a mais nova moral, a da “boa forma”, a exposição do corpo em nossos dias, não
exige dos indivíduos apenas o controle de suas pulsões, mas também o autocontrole de sua
aparência física. Não há como escapar da teoria Elisiana13 - o decoro, que antes parecia se
limitar à não exposição do corpo nu, se concentra agora na observância das regras de sua
exposição. Pode-se dizer que as regras subjacentes à atual exposição dos corpos são de ordem
fundamentalmente estética. Para atingir a forma ideal e expor o corpo sem constrangimentos, é
necessário investir na força de vontade e na autodisciplina, alertam as revistas femininas e
masculinas14, além de todas aquelas dedicadas à boa forma existentes no mercado. O
autocontrole da aparência física é cada vez mais estimulado. Promete-se, entre outras
benesses, um abdômen cheio de gomos salientes ou nádegas duras e livres de celulites caso o
indivíduo se dedique a tal propósito e receba todas as informações fornecidas como um
conjunto de obrigações – “disciplina no comer e no dormir, o que ajuda a constituir boas
11
Sant´Anna, D.B. Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.
Fernandez Vaz, A. Memória e Progresso. In: Corpo e História. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
13
Norbert Elias é eixo articulador e pano de fundo central para as reflexões de Lovisolo e da autora neste ensaio.
14
Playboy (2001)/ Jornal o Globo – Toda Nudez será Complicada (02/07/2000)/ Cláudia – Ficar sem roupa que
delícia (Maio de 2001)?
12
9
relações emocionais e físicas, só assim você poderá fazer seus contatos imediatos com o
mundo em grande forma”. (2003)15
Significativas são as causas que Savarin estabelece para a obesidade. Quase todos os
homens nascem com certas predisposições, cujas características são refletidas pela fisionomia.
Assim, Savarin pode antecipar que a jovem charmosa e cheinha deverá no futuro lutar contra a
gordura. É verdade, então, diz o autor, que há pessoas de certa forma predestinadas à
obesidade e nas quais o resto sendo igual; as potências digestivas elaboram uma quantidade
maior de gordura. Antes do desenvolvimento da genética, e em função apenas da observação,
Savarin estabelece um axioma, hoje, bastante aceito: a predisposição genética à obesidade
mediada por uma fisiologia de grande capacidade de acumulação. Nos indivíduos que têm o
estômago ativo, o excesso de nutrição, Savarin parece ter observado que pessoas que comem o
mesmo podem ter respostas diferentes, sendo um obeso e outro não. Comer e beber demais é a
última causa que enuncia. Tudo é digerido, afirma, e o desnecessário à recuperação do corpo
se fixa e se torna gordura. Ou seja, a teoria da obesidade como produto da superioridade da
ingestão sobre o gasto, também já estava em Savarin. Num mundo civilizado, com grande
afluência de bens, o que poderia ser uma vantagem adaptativa para um contexto de escassez, a
capacidade de assimilação, torna-se um castigo, uma tortura, um mal, uma doença que legiões
de médicos e não médicos prontificam-se a tratar.
Em segundo lugar, Savarin, aponta substâncias específicas como causa da obesidade. As
farinhas e féculas, que o homem fez base de sua alimentação, constituem a principal causa
alimentar da obesidade. Um terceiro fator de obesidade reside no excesso de sono e na falta de
exercício. Durante o sono se perdem poucas calorias, diríamos hoje, e o mesmo efeito provoca
a falta de exercício. Em quarto lugar, Savarin aponta o comer e beber demais como causa da
obesidade. Considera um privilégio da espécie humana o poder comer sem ter fome e beber
sem ter sede, fruto da reflexão sobre o prazer da mesa e desejo de prolongá-lo. Os humanos,
em todas as partes, quando a ocasião permite, comem e bebem demais e isto iguala selvagens
e civilizados. Os últimos multiplicaram a afluência de bens possibilitando que o ocasional se
tornasse constante. Assim, a obesidade é também um mal da civilização, pois jamais ocorre
trabalhar para comer e que comem para viver. Tudo indica o observador profundo, o
sistematizador conseqüente das experiências. Sem possuir uma explicação científica sobre os
mecanismos, a partir somente da observação, estabelecem-se, portanto, princípios básicos,
ainda hoje vigentes, no diagnóstico e no campo das dietas de emagrecimento. Savarin observa
que a intemperança atraiu olhares dos observadores. Apesar de que os filósofos elogiaram a
temperança, os príncipes fizeram leis suntuárias, a religião pregou a moral aos gourmands,
nem um bocado foi comido a menos e a arte de comer em excesso floresce cada dia mais. Se a
obesidade é um mal, como combatê-lo, como estabelecer a temperança? Savarin estabeleceu
lineamentos de uma estratégia que chega a nossos dias: a estética.
Em “A Estética como Estratégia” pergunta a Lovisolo e Savarin - a obesidade é um
inconveniente físico O cuidado de si mesmo será, quiçá, mais influente que a moral, mais
persuasiva que os sermões, mais possantes que as leis, e acreditamos que as mulheres estão
dispostas a qualquer coisa Lovisolo entende por obesidade “um estado de congestão
gordurosa no qual, mesmo que o indivíduo não esteja doente, os membros aumentam pouco a
pouco de volume e perdem sua forma e sua harmonia natural. Há obesidades e obesidades,
daquela que se limita à barriga nos homens, mas nas mulheres, como elas geralmente têm a
fibra mais mole, quando a obesidade as ataca, não perdoa nada”. Este autor ainda cita que,
15
“Boa Forma” Janeiro de 2003.
10
Savarin, confessa que durante trinta anos lutou contra esse tipo de obesidade e que a luta é
longa e demanda muita coragem. Não considera a obesidade inconveniente, na qual nos
colocamos quase sempre por descuido nosso. Observemos que, apesar de detectar causas
orgânicas, Savarin atribui ao indivíduo o controle da gordura (Lovisolo, 28)16
Acreditamos que há uma relação de duas vias entre o imaginário físico e social, um
influenciando o outro. A sociedade não apenas molda e controla os corpos no seu âmbito, mas
também o corpo fornece uma coleção de símbolos que utilizamos para entender a sua
organização em si. Ressaltamos que essa relação estreita entre o imaginário corporal e social
significa tipos variáveis de valores os quais produzem imagens diferentes de corpos. Na
prática, a imagem corporal derivada da sociedade não é externa ao corpo individual ou
separada dele, nem de sua realidade física do corpo e da cultura. Em grande parte das
pesquisas dos autores consultados, os indivíduos incorporam a cultura em que vivem: as
sensações, percepções, paixões, sentimentos e outras experiências corporais são culturalmente
padronizadas. Da mesma forma, são padronizadas as consciências de outros corpos dentro
desta sociedade e os modos como essa consciência relaciona-se com eles. Assim, os modos
culturalmente elaborados de dar atenção ao próprio corpo e de lidar com ele em ambientes que
incluem a presença corporal de outros, de modo geral, o corpo é visto como cultura – uma
expressão de seus temas básicos – ou melhor – uma compreensão de qualquer corpo humano
nos dá uma compreensão da cultura nele materializada. Citamos como exemplo, Levi-Strauss
“o objetivo das tatuagens nas sociedades tradicionais não são apenas imprimir um desenho
sobre a carne, mas estampar na mente todas as tradições e a filosofia do grupo” (2001, p.
29)17. O que observamos é que na sociedade ocidental, em contraste, as tatuagens são
voluntárias e, em anos recentes, têm-se tornado cada vez mais comuns, expressando o desejo
de uma identidade fixa em meio a uma era imprevisível de constantes fluxos, não se
esquecendo dos conceitos estéticos. Neste contexto, pergunta-se – a estética por que seria
importante? E a beleza na verdade é ilusão? Seria ela refúgio ou fuga para o homem
racionalizado e maquínico atual? Portanto, a redescoberta da estética pode ser motivada pela
perda do humano no homem, ou seja, nesta demolição, o homem perdeu a razão e tornou-se
conceito abstrato universal da imagem “corpo”: fantasia ou fantasma?
O indivíduo, afirma Savarin, não pode descuidar-se e deve cotidianamente lutar contra os
fatores que pode controlar: a alimentação, a atividade corporal e o sono ou tempo de descanso.
Assim, é da responsabilidade do indivíduo a luta diária contra a obesidade. Em outras
palavras, o obeso é o principal culpado de sua obesidade, pois come muito mal em relação a
sua fisiologia e realiza pouca atividade corporal em relação à que deveria cumprir para não ser
obeso. Devemos reconhecer que a estratégia de combate à obesidade pouco alterou, apenas
modificaram-se as substâncias, os alimentos, os pratos que devem ou não ser comidos e o tipo
de atividade corporal. Embora, hoje, nenhum médico recomende praticar equitação, a maioria,
como Savarin, continua indicando o caminhar como atividade corporal central no controle da
obesidade. A obesidade foi e ainda é percebida como resultado da falta de autocontrole18.
Mesmo considerando que a obesidade predispõe a algumas doenças, por exemplo,
apoplexia, hidropisia, úlceras das pernas, etc., e torna outras mais difíceis de sarar, Savarin não
argumenta contra a obesidade a partir delas. O principal inconveniente, nos diz, é o de
16
Lovisolo, H. Op.cit.
In: Soares, Op.Cit.
18
A conceituação do controle e do autocontrole constitui um dos eixos articuladores da elaboração de Norbert
Elias sobre o processo civilizador. Sua obra é um pano de fundo central para nossas reflexões.
17
11
prejudicar a força e a beleza. Prejudica a força porque aumenta o peso da massa que deve ser
movida sem aumentar a potência motriz, além de dificultar a respiração. Prejudica a beleza
porque destrói a harmonia das proporções estabelecidas inicialmente, pois cada parte engorda
de forma diferente. A obesidade acarreta o desgosto pelas atividades como a dança, o passeio,
a equitação, enfim, pelas ocupações e divertimentos que exigem um pouco mais de agilidade
ou de habilidade. (Lovisolo, 1997).
A relação entre obesidade e saúde não ocupa um lugar privilegiado em Savarin. De fato,
trata de convencer a partir do efeito negativo sobre a força e, portanto, sobre as atividades que
demandam agilidade ou habilidade. As atividades que enumera (dança, passeio e equitação)
são sociais e estéticas e formam parte, na sua época, tanto da sociabilidade quanto do
espetáculo culto baseado em atividades corporais. Na dança e na equitação torna-se fácil
entender ser beleza e força quase indistinguíveis. O efeito estético resulta de sua combinação.
Para Lovisolo, o diagnóstico da obesidade não se alterou significativamente desde os
tempos de Savarin, tampouco modificou significativamente o conjunto de recomendações
centrais para combatê-la. Ainda hoje, considera-se ser a obesidade, sobretudo,
responsabilidade moral do obeso e exige uma luta diária para seu controle, baseada numa
tremenda capacidade de autocontrole dos hábitos alimentares e da atividade corporal. A
estratégia, elaborada por Savarin, para nos convencer dos efeitos negativos da obesidade, é
basicamente estética e vincula-se também ao prazer dos sentidos nos jogos de beleza e força.
Talvez seja, sobretudo entre os mais jovens, a estratégia estética o vetor principal dos esforços
no controle da obesidade, da flacidez, enfim, de corpos que perdem as formas e as forças, a
agilidade e as habilidades que demandam o manter a forma e, aqui, também entram os mais
velhos. Por outro lado, a estratégia continua tendo como alvo central as mulheres. A perda da
beleza de suas formas parece continuar sendo mais significativa que a perda correlata nas
formas dos homens. Duas questões se abrem para este autor - a primeira interrogaria sobre os
fundamentos sócio-culturais que, em relação ao campo dos desejos, das mentalidades, dos
imaginários, permitiram que uma estratégia, formulada com tão poucos elementos, conservese viva, até hoje, quase construindo a tradição do combate à obesidade. A Segunda deveria
interrogar-se a respeito da durabilidade da obesidade como problema social, apesar de seu
combate. Ambas questões, por certo, estão estreitamente relacionadas.
1.3. Questão de Peso: o discurso social da magreza
Em seu livro sobre o martírio de um obeso, o escritor Henri Béraud apresenta os dilemas de
um homem “vasto” e apaixonado, porém desconfiado de que o suspiro amoroso estava
“proibido ao hipotálamo”19. Numa sociedade que, desde pelo menos a década de 1920,
começou a nutrir uma franca aversão pelos gordos, a paixão tende a se transformar num bem
exclusivo daqueles considerados esbeltos. Apaixonado e gordo, o personagem criado por
Béraud é abundante em suas lembranças de tempos menos duros para com os corpos pesados.
Durante o Reinado de Luís XIV, a palavra esbelto nem existia. Mesmo em tempos mais
recentes, como em 1900, os corpos redondos ainda exibiam o charme de seu peso com
orgulho: “O apetitoso Eduardo VII dava o tom”. Gordura era formosura. Ainda não havia se
tornado sinônimo de doença ou patologia e nem ofuscava o charme de milhares de homens e
mulheres dotados de ventres proeminentes, testemunhos de um certo prestígio social.
Perspectiva que, sem negligenciar os condicionamentos sociais, ajuda a refletir sobre o
atual culto ao corpo na cultura brasileira, uma vez que os significados atribuídos pelos
19
Henry Béraud. Le martyre de lóbése. Imprimerie Nationale de Monaco. Paris: Albin Michel, 1922.
12
indivíduos à aparência e à forma física, no processo de revelação de suas identidades parecem
inflacionados, especialmente entre as camadas mais sofisticadas dos grandes centros urbanos,
tomam contam numa máxima contundente. No início do século XXI, Del Priori seguramente
dita a ordem “somos todas obrigadas a nos colocar a serviço de nossos próprios corpos. Isto é,
sem dúvida, uma outra forma de subordinação. Subordinação, diga-se, pior do que a que sofria
antes, pois diferentemente do passado, quando quem mandava era o marido, hoje o algoz não
tem rosto. É a mídia. O bombardeio de imagens na televisão”. (2000. P. 15). O que queremos
dizer é que em um contexto sociológico e histórico particularmente instáveis, nos quais os
meios tradicionais de produção de identidade – a família, a religião, a política, o trabalho,
entre outros – se encontram enfraquecidos, é possível imaginar que muitos indivíduos ou
grupos estejam se apropriando do corpo como um meio de expressão ou representação
subjetiva – do eu!
Norbert Elias fornece uma pista para pensar a paradoxal instauração da “moral estética”
num momento em que tudo leva a crer que a liberdade corporal conquistada, especialmente,
pelas mulheres não tem precedente. Para defender a tese de que, no curso do processo de
civilização dos costumes, os momentos de aparente relaxamento moral ocorrem dentro de
contextos em que um alto grau de controle é esperado, dentro de um padrão „civilizado”
particular de comportamento – Elias utiliza como exemplo o uso dos trajes de banho. De
acordo com este autor, os corpos mais expostos exigiram por parte de homens e mulheres um
maior autocontrole, no que diz respeito às pulsões, do que quando o decoro os mantinha
escondidos (1990 Ver p.). Esta linha de reflexão, enfocado na aparente liberação dos corpos,
sugerida por sua atual onipresença na publicidade, na mídia e nas interações cotidianas, tem
por trás um “processo civilizador” que se empreende e se legitima por meio da estetização dos
corpos.
Foram inúmeras as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gordos e
desconfiaram da magreza como se esta expressasse um déficit intolerável para com o mundo.
Magreza lembrava doença e o peso do corpo não aprecia um pesar. Entretanto, no decorrer
deste século, os gordos precisaram fazer um esforço para emagrecer que lhes pareceu bem
mais pesado do que seu próprio peso. Ou então foram chamados a dotar sua gordura de
alguma utilidade pública, transformando-a, por exemplo, em capacidade para o trabalho duro,
ou em travesseiro acolhedor das lágrimas alheias (encontramos no livro de Béraud a imagem
dos “bons gordos”, que servem de conselheiros, confidentes, cupidos ou como grandes
humoristas). Como se os gordos precisassem compensar o peso do próprio corpo, sendo fiéis
produtores de alegria e de consolo. Outros, ainda, foram encarregados de aquecer com ironia a
memória hoje esquecida das virtudes que muitos corpos pesados possuem. O personagem do
livro mencionado não deixa de ser irônico ao indagar: “Você já ouviu falar que a prudência é a
virtude cardinal do elefante?”
Mas, em sociedades que trocaram o valor da prudência por aquele do risco, os elefantes
parecem figuras de outro tempo. Aliás, entende-se por elefante branco uma obra destoante,
não apenas porque o branco não é a cor do animal pesado e grande. Em sociedades que
valorizam o risco e a leveza, desprestigiando a prudência e o peso, a presença de elefantes de
qualquer tonalidade (assim como os pesados e abundantes seres de qualquer raça) não é
prevista nem desejada. Muitas vezes, os espaços citadinos e seus equipamentos são os
primeiros a excluir a presença dos seres pesados e grandes: em escolas, cinemas, teatros,
aviões e roletas de transportes coletivos as cadeiras e poltronas costumam ser mais
confortáveis aos magros e pequenos. Há maçanetas que não acolhem mãos cheias, assim como
há portas que muito gordos não conseguem ultrapassar. Quando além de gordo se é pobre, a
13
dificuldade ganha peso. Uma empregada doméstica gorda precisa de muita inventividade e,
sobretudo, paciência, para utilizar os minúsculos compartimentos destinados aos serviçais
naqueles “puxados”, habitualmente chamados de área de serviço, dentro dos modernos
apartamentos brasileiros. Além do elemento humano, a aversão ao pesado se transforma
facilmente em intolerância a vários seres, inclusive às árvores frondosas, por vezes
consideradas obstáculos às ruas tomadas por carros lépidos e cada vez mais aerodinâmicos.
Em sociedades nas quais o espaço ainda não foi totalmente transformado em mercadoria,
ocupá-lo com um pouco mais de corpo não é interpretado como uma invasão. Além disso, em
sociedades para quem o tempo não é somente dinheiro, o gordo não representa perda de
velocidade e, portanto, de riqueza e poder. E, ainda, em sociedades que desconhecem a paixão
pela democracia, o gordo não é visto como um indivíduo que coma da parte dos alimentos que
lhe é de direito. Por vezes, a intolerância aos gordos é permeada pela desconfiança de que eles
são proprietários exclusivos de majestosas digestões, como se estas fossem um luxo perverso,
sintoma de uma desigualdade social por eles planejada. Ou ainda: os gordos evocam uma
imobilidade angustiante para os herdeiros da raça homo lipidicus, homo proteicus ou homo
americanus, intolerantes em relação aos vínculos estáveis. Vivemos em uma cultura do corpo.
As academias de musculação; as clínicas estéticas, o culto à praia, as cirurgias plásticas e
enxertos de silicone, o tira e põe de lipoaspirações, o consumo de hormônios e anabolizantes,
o cultivo ao bronzeado, a própria moda é o corpo. O conjunto nos parece monstruoso. Para
milhares indivíduos incentivados pela publicidade e pela indústria cultural, o sentido da vida
reduziu-se à produção de um corpo. A possibilidade de “inventar” um corpo ideal, com a
ajuda de técnicos e químicos do ramo, confunde-se com a construção de um destino, de um
nome, de uma obra. “hoje eu sei que posso traçar meu próprio destino”, declara um jovem
freqüentador de academias de musculação, associando o aumento de seu volume muscular à
conquista de respeito por si mesmo.
Mas não sejamos tão generosos com aqueles considerados magros! Suas agruras também
causam indignação. Gordos e magros não são vistos de maneira unívoca. Antigas aversões à
magreza convivem sem transtorno com a intolerância à gordura. Especialmente quando o
magro é interpretado como um “saco sem fundo”, que come de tudo vorazmente. Como se o
magro fosse mesquinho porque não mostra em seu corpo os resultados de seu grande apetite.
come e não engorda: o cúmulo da avidez. Onde vai parar tudo o que ingere? Eis a indagação
que lhe é feita com freqüência, não sem ponta de inveja, outra de admiração e outra de
desconfiança, afinal, visto desse modo, o magro também contraria o gosto da repartição
democrática dos alimentos. De onde emergem as associações entre magreza e avareza,
magreza e maldade. E há quem diga: um colo magro não é um colo, o abraço de um magro
não aquece nem conforta. Compensar a magreza, tal como no caso da gordura, exige trabalho.
Este trabalho pode ser braçal ou intelectual, mas evocará sempre um certo transtorno
emocional, um excesso de combate. O jovem Philippe Soupault, magro e pálido, seco como
um prego, não queria aparecer de corpo e alma. Coincidentemente, os fantasmas apareceriam
em seus poemas e romances. Fantasmas não têm peso.
Apesar das agruras dos magros, ele não contradiz o fascínio atual pela velocidade e pela
transparência. Em algumas culturas pouco dadas à apreciação da gordura, a magreza torna-se
solidária ao antigo imaginário da limpeza, constituído pelo fascínio diante da transparência e o
repúdio diante da acumulação. Nelas, o corpo magro evoca uma economia de tempo para
quem o aprecia: olha-se mais rápido um magro do que um gordo, diria um desses padres ou
cientistas fascinados por higiene. E, continuariam a dizer, contemplar um gordo exige tempo
maior de quem contempla, sem contar o risco de se perder na gordura, de patinar entre uma
14
curva e outra. Para eles, a gordura liga-se ao turvo, ao esforço em percorrer grandes distâncias
e, ainda, a um constrangedor silêncio. Os corpos grandes lhes sugerem o abafamento de sons,
a paralisia do olhar, o estancamento da agitação infantil. A ausência da gordura, ao contrário,
lhes é eloqüente e promete movimento. Mesmo quietos, os corpos magros lembram o estalar
de membros pontudos. Como se fossem ásperos, sugerindo gritos mais do que lamentos,
agitação de nervos no lugar de sua descrição. Como se a magreza fosse solidária aos extremos
do gelo e do fogo.
Certas partes dos corpos magros lembram quinas de móveis, bicos de aves, galhos de
plantas. Diferentemente dos gordos, os magros parecem talhados com grande rigor, sem
hesitação, destituindo qualquer possibilidade de ser indeciso e opaco. Para aqueles que assim
pensam, a única maneira de despertar um verdadeiro interesse pelos gordos é lhes repetir
aquilo que o personagem gordo de Béraud ironicamente disse: “Os obesos escapam dos
mistérios da morte, eles são como os edredons dos navios que, depois dos naufrágios, não são
atingidos pela ação das ondas e se salvam, pois flutuam sobre o mar”. Nossa época olha
atravessado para o gordo. E, no entanto, certos gordos continuam a passar por “bons gordos”.
Como funciona o imaginário social da gordura e da obesidade?
Jacques Chirac declarou um dia que, dentro de sua carreira política, seu físico “seco” havia
sido uma desvantagem. Os eleitores, segundo ele, preferem políticos “mais cheios de corpo”.
Essa afirmação é em parte corroborada pelos dados de várias pesquisas, em vários países
elaboradas por Claude Fischler20, que indicam que as pessoas, com o físico um pouco mais
arredondado, são percebidas como de convivência mais amável e mais abertas à comunicação
e à empatia do que as magras. E ela parece também confirmada pela popularidade de um certo
papa gordo, bem superior àquela do papa magro que o precedera. Os gordos parecem, pois
gozar de um preconceito favorável junto a uma significativa parcela da população. Entretanto,
geralmente se está de acordo quando se diz que uma das características de nossa época é sua
lipofobia, sua obsessão pela magreza, sua rejeição quase maníaca à obesidade: “a sociedade,
dizia o nutricionista Jean Trèmoliéres, cria os obesos e não os tolera”. Nos Estados Unidos,
um grupo de defesa dos gordos constitui-se há alguns anos. Sua presidente declarou à
imprensa que, em seu país: “é mais duro ser gordo do que negro”. As discriminações são reais,
segundo todas as aparências, e não somente nos Estados Unidos: em 1984, um eletricista de
Rennes, na França, foi despedido porque seu peso (123 Kg) tornava-o, de acordo com o seu
empregador, “inapto para o trabalho”. O caso, ao que parece, não é excepcional21.
Como explicar tal contradição entre a simpatia aparentemente evocada pelos mais cheios de
corpo e a recusa quase fóbica que parece se manifestar, hoje particularmente, contra a
gordura? O que é verdadeiro? Amamos os gordos, os odiamos ou suportamo-los? Somos
lipófilos ou lipófobos? ... Nem um nem outro e os três ao mesmo tempo: de fato nós
20
Sant´Anna, Denise B. de. Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.
Muitas pesquisas americanas, realizadas desde os anos 60, trataram da maneira como as crianças obesas eram
espontaneamente percebidas por seus pares ou pelos adultos. Numa delas, por exemplo, mostrou-se a meninos de
seis a dez anos silhuetas de crianças magras ou obesas. As silhuetas obesas atraíram uniformemente apreciações
pejorativas (“trapaceiro”, “preguiçoso”, “sujo”, “mau”, “feio”, “besta” , etc). Já as silhuetas esguias eram
uniformemente julgadas de forma positiva Le Monde. 04 de Outubro de 1984. Na maior parte dos países
desenvolvidos, uma grande proporção da população sonha em ser magra, mas vive gorda e aparentemente sofre
essa contradição. Na França, em 1979, uma pesquisa indicava que 24% dos homens e 40% das mulheres
consideravam-se muito gordos. De acordo com diversas enquetes, realizadas a todo momento, entre um quarto e
um quinto da população está em regime. Na Itália, em 1986, 33% dos homens queriam emagrecer, contra 47%
das mulheres; hoje eles são respectivamente 42% e 47%. BERNARD BRUSSET. L‟Assiette et miroir. Toulouse,
Privat, 1997.
21
15
suspeitamos deles. A fonte principal do paradoxo é que a imagem do gordo é profundamente
ambivalente. Os homens gordos não são percebidos de maneira unívoca. O propósito aqui é
mostrar que essa ambivalência é provavelmente um fato de todos os tempos, talvez universal,
e isso por pelo menos uma razão fundamental: através do corpo, em especial da corpulência,
passam significados sociais muito profundos. Um dos mais importantes é o seguinte: a
corpulência traduz aos olhos de todos, parte da comida que o gordo se atribuí, isto é,
simbolicamente, a parte que toma para ele, legitima ou não, na distribuição da riqueza social.
O corpo é um signo imediatamente interpretável por todos de nossa adesão ao vínculo social,
da lealdade às regras da distribuição e da reciprocidade. Uma suspeita pesa, portanto, sobre os
gordos. Mas se não podem emagrecer, eles têm uma possibilidade de se redimir dessa
suspeita: precisam proceder a uma espécie de restituição simbólica, aceitando desempenhar
papéis sociais que esperam deles.
A grande questão que é discutida sem cessar em todos os debates sobre obesidade,
científicos ou não, resume-se, no fim das contas, a uma interrogação: os gordos são culpados
ou vítimas? São vítimas de suas “glândulas”, de sua hereditariedade, ou culpados de
glutoneria? A enquête mostra que, na maioria dos casos, eles são percebidos como os únicos
responsáveis por sua condição. Em outros termos, eles são gordos, pensa-se porque comem
muito e são incapazes de se controlar. De maneira implícita, é, portanto, um julgamento moral
que freqüentemente se carrega contra eles. Como o psiquiatra-psicanalista Bernard Brusset
justamente notou22, os gordos são considerados trangressores, eles parecem violar
constantemente as regras que governam o comer, o prazer, o trabalho e o esforço, à vontade e
o controle de si. Dito de outro modo, o obeso (seu corpo trai) passa por alguém que come mais
do que os outros, mais do que o normal, numa palavra: mais do que a sua parte. Assim, a
obesidade remete a glutoneria e esta é percebida, muito profundamente, como uma violação às
regras da divisão dos alimentos. Ora, a divisão da comida, na maior parte da sociedade,
simboliza a essência mesma do vínculo social. De sorte que o glutão (o obeso, em
conseqüência) está implicitamente sob a acusação de ameaçar os próprios fundamentos da
organização social, o que o remete à animalidade. Nada espantoso, pois, em se esperar dele
uma contrapartida disto que nele vemos em excesso. A chave está numa forma de
reciprocidade: é preciso jogar o jogo do potlatch23 social: é preciso restituir à coletividade, sob
uma forma qualquer, compensar a ausência de participação. É em função dessa troca
simbólica que o obeso será classificado como benigno, maligno ou ambíguo. Quais podem ser
os termos da troca? O que o obeso pode restituir à coletividade? Primeiro, como tínhamos
visto, a força. O trabalhador que usa a força, mesmo com um peso considerável, não é obeso
ou não é considerado como tal. Que ele carregue pesadas cargas, que desloque móveis, pianos
ou containers, assim o gordo vê sua gordura se metamorfosear mitologicamente em músculo,
sua voracidade transformar em bom apetite e seu apetite se justificar pela necessidade de
reproduzir a força de trabalho.
Existem sociedades em que certos indivíduos são de alguma forma institucionalmente
engordados para preencher uma função altamente valorizada. Não penso aqui na engorda
quase experimental de mulheres em certos grupos tradicionais, como os Tuaregues (trata-se
aqui somente da gordura masculina), mas nos lutadores japoneses de sumô, cuja formidável
22
Bernard Brusset. L‟Assiette et miroir. Toulouse, Privat, 1997.
Potlach é um ritual de troca dos índios Kwakiult da costa Noroeste da América do Norte no qual o presente
cria uma obrigação recíproca para aquele que o recebe. O ritual comporta uma certa dose de agressividade, na
medida que cada um pode se esforçar para exagerar na “generosidade”, aumentando sim a obrigação do parceiroadversário.
23
16
corpulência resulta de uma engorda metódica e iniciática no seio de uma comunidade onde
reina uma regra de vida quase ascética. Existem algumas versões ocidentais secularizadas com
os esportistas “pesados”(levantadores de peso, arremessadores, lutadores de catch, boxeadores
peso pesado, etc, perdoados por algum acumulo a mais de camada adiposa). Eles também, por
força de sua função mediática (e, parece, com a ajuda de esteróides anabolizantes), escapam
ao estatus de obesos para aceder ao de “gigantes profissionais”. Na falta de força, o gordo
pode restituir seu débito à sociedade sob a forma de espetáculo e de zombaria (exercida, na
maior parte das vezes, em seu próprio detrimento). Os lutadores teatrais do catch francês ou
do wrestling americano ocupam um status intermediário entre os “gigantes profissionais” e a
comicidade dos histrões. Porque a segunda solução que se abre para o obeso é a de apresentar
sua corpulência no registro cômico e/ou espetacular. Um grande número de atores cômicos
capitalizam sua corpulência para construir um personagem invariável e quase mítico (para
citar apenas americanos, imaginaremos W.C. Fields, Oliver Hardy, Zero Mostel, Red Skelton,
etc.). outros utilizaram sua obesidade em papéis compostos, fazendo-se oscilar entre os dois
polos, maligno e benigno, ao sabor das criações: Walace Beery, Orson Wells, Raimu, Marlon
Bradon do período recente, etc. Observemos que mesmo os cômicos puros permanecem
ambivalentes: eles apóiam-se frequentemente sobre uma suspeita de sadismo, como o gordo
Hardy que tiraniza o pequeno Laurel e o irascível W.C. Fields. Mas a parte maligna neles é
anulada pelas desventuras que ela lhes atrai: Hardy é sempre punido. É ele quem recebe os
baldes de água ou os tijolos na cabeça, as tortas de creme no rosto e os pontapés no traseiro.
Na vida cotidiana, o gordo deve transigir com o grupo no qual se insere, sob a pena de ser
rejeitado. O sociólogo americano Erving Goffmann ilustrou esse aspecto com uma acuidade
notável, descrevendo o “gordo bom” sob traços do in-group deviant (aproximadamente, o
“desviante integrado”):
É muito freqüente que um grupo ou uma comunidade estreitamente unida ofereça o exemplo de
um de seus membros que desvia, seja por seus atos, seja por seus atributos, ou pelos dois ao
mesmo tempo. Por conseguinte, esse exemplo passa a desempenhar um papel particular, ao
mesmo tempo símbolo do grupo e representando certas funções bufas, enquanto que lhe é
negado o respeito devido aos membros de pleno direito. De modo característico, um tal
indivíduo cessa de jogar o jogo das distâncias sociais: ele invade e se deixa invadir à vontade.
Ele representa freqüentemente um foco de atenção que liga os outros num círculo de
participantes, do qual ele é o centro, mas do qual ele não partilha todo o estatuto. (GOFFMANN,
1998. P.134)24.
Do mesmo modo que o engraçadinho do batalhão, o idiota da pequena cidade, ou o bêbado
do “pedaço”, o pequeno gordo do pensionato (fat fraternity boy), ele está no centro do grupo,
simultaneamente como bufão, mascote, confidente e saco de pancadas, mas não poderá jamais
tornar-se verdadeiramente um membro como os outros. É o preço que deve pagar para não ser
totalmente rejeitado. Entre o bom e o mau, o bonito e o feio, o rico e o pobre temos os
insaciáveis que nem sempre são os gordos ou obesos.
De Durkheim sabemos que “nos indivíduos, como na sociedade, um desenvolvimento
descomedido das faculdades estéticas é um grave sintoma do ponto de vista da
moralidade”(Divisão do Trabalho Social p.14). Trata-se de uma nota típica da sensibilidade
teórica, procedendo a partir de uma lógica do “dever-ser”. Parece-me que a noção de
narcisismo coletivo pode nos dizer que se reconhecermos que, embora centrado nos mais
próximos, isto é, o corpo, o movimento tribal oriental, não deixa de centrar uma ética, talvez
inquietante para nós aqui e agora, mas igualmente sólida. Em todo caso, esse reconhecimento,
24
Goffmann, E. Stigma: notes on the management of spoiled identity, Harmondsworth, Peguin Books, 1998.
17
para aqueles que estão, antes de tudo, ligados à lucidez, pode, de um lado, conduzir a ter mais
prudência nas apreciações. Por outro lado, incitar a esta audácia de pensamento que, fora das
certezas tranqüilizantes, estar em condições de captar o aspecto promissor do que está
nascendo ou renascendo, ou seja, depois do homo politicus e do homo economicus, nos
deparamos com o homo esportivus, agora nos confrontamos com o homo estéticus ou homo
protéicus, quem sabe logo o homo lipidicus ou obesus e/ ou homo fastidium serão o novo
modismo ou um estilo de vida?
Estes são apenas pretextos que legitimam a relação com o outrem. Isto parece ser um pouco
idealista ou espiritualista, irritante também, pois estamos habituados a medir tudo pelo padrão
da eficiência racionalista, mas a efervescência contemporânea, até nos seus aspectos mais
chocantes é uma realidade que é inútil querer negar. Em cada um dos casos, em cada caso, e
muitos outros casos, parece que está em confronto um verdadeiro impulso instintivo que incita
a se reunir por tudo e por qualquer coisa, importando apenas, afinal, o ambiente afetivo, no
qual cada um está imerso. E é esta ligação, mesmo que específica, a vitalidade de uma dada
época, que serve de fundamento a toda forma de sociabilidade, desde as associações anônimas
(AA, Vigilantes do Peso, DQC), body building, futebolistas, tribos orientais, etc... por uma
curiosa defasagem é no contra – tempo que compreendemos a imagem social do corpo.
1.4. Que corpo eu tenho! Qual corpo eu quero!
Os corpos “pavoneiam”. Assistimos, no Brasil, especialmente nos grandes centros urbanos,
a uma crescente glorificação do corpo, com ênfase cada vez maior na exibição pública do que
antes era escondido e, aparentemente, mais controlado. Há menos de um século, apesar do
calor tropical, os homens vestiam fraque, colete, colarinho duro, polainas e as “santas”
mulheres cobriam-se até o pescoço25. Hoje, as anatomias mostradas parecem confirmar a
idéias de que vivemos um período de afrouxamento moral nunca visto antes. No entanto, um
olhar mais cuidadoso sobre essa “redescoberta” do corpo permite que se enxerguem não
apenas os indícios de um arrefecimento dos códigos da obscenidade e da decência, mas, antes,
os signos de uma nova moralidade, que, sob a aparente física e sexual, prega a conformidade a
determinado padrão estético, convencionalmente chamado de “boa forma”. Pode-se dizer que
as regras subjacentes à atual exposição dos corpos são de ordem fundamentalmente estética.
Para atingir a forma ideal e expor o corpo sem constrangimentos, é necessário investir na força
de vontade e na autodisciplina além de todas aquelas dedicadas à boa forma existentes no
mercado. Tomando como base as inúmeras matérias, revistas, jornais e clínicas especializadas,
roteiros e planos de cuidados com a aparência e a forma física, veiculadas na mídia ao longo
do ano, pode-se afirmar que ocorre grande variedade de sugestões no que diz respeito às
atitudes quanto ao corpo. A gordura, então, aparece como inimiga número um da “boa forma”,
quase uma doença, especialmente para aqueles que buscam ostentar um corpo “sarado”26,
ícone da “cultura da malhação”. Nessa cultura, que classifica, hierarquiza e julga a partir da
forma física, não basta não ser gordo (a) – é preciso construir um corpo firme, musculoso e
tônico, livre de qualquer marca de relaxamento. A gordura; flacidez e a moleza são tomadas
como símbolo tangível da indisciplina, do desleixo, da preguiça, da falta de certa virtude, isto
é, da falta de investimento do indivíduo em si mesmo. A questão principal é o que a indústria
25
Ver Nelson Rodrigues “Pátria de Chuteiras”. Crítica feita as vestimentas ou indumentárias das mulheres do
século XIX.
26
Sarado – registrado no dicionário “Aurélio” com o sentido de “forte, rijo, resistente”, é utilizado atualmente,
para designar um corpo com musculatura definida e ausência de gordura.
18
da estética oferece para este (a) pessoa em resposta da busca da “boa forma” e estética
corporal?
Qual corpo eu Quero? Através desta pergunta tentamos buscar uma possível resposta do
que homens e mulheres, considerados “normais”, buscam numa clínica estética. Levamos em
consideração o momento atual do discurso estético, relevamos o reclame de seus defeitos em
pleno aforisma da forma estética, comparamos com os tratamentos oferecidos e a satisfação
pessoal da clientela. Entretanto, fica o paradoxo, será que chegamos a alguma resposta que nos
possa orientar das tendências a serem seguidas e dos benefícios oferecidos pelos profissionais
da medicina e técnicos da estética? Nos ativemos às respostas da inquisição de que; o que se
procura; é um corpo para ser visto e apreciado pelos outros!
Metodologicamente elaboramos um questionário fechado com cinco perguntas, sendo
entrevistadas 50 (cinqüenta) pessoas voluntárias e freqüentadoras de uma clínica de renome na
cidade de Ponta Grossa, localizada a 100 quilômetros de Curitiba (capital do Paraná), que
poderiam identificar-se ou não. Destas, 07 (sete) são do sexo masculino e 43 (quarenta e três)
feminino em diferentes idades e grau de instrução, onde os sete homens possuem o Terceiro
Grau completo ou seja 100%, 17 mulheres com Segundo Grau (39.5%) e 25 com o Terceiro
Grau Completo (58.1%), e uma delas não informou, confirmaremos outros dados como segue
as tabelas ilustrativas abaixo:
Tabela 01: Dados Pessoais dos Participantes
FAIXA ETÁRIA HOMENS
Moda
Média
MULHERES
Moda
Média
16 a 20 anos
------02
4.7%
4.0%
21 a 25 anos
------04
9.3%
8.0%
26 a 30 anos
01
14.3%
2.0%
15
34.9%
30.0%
31 a 35 anos
02
28.6%
4.0%
02
4.7%
4.0%
36 a 40 anos
02
28.6%
4.0%
09
20.9%
18.0%
41 a 45 anos
02
28.6%
4.0%
06
14.0%
12.0%
46 a 50 anos
------04
9.3%
8.0%
51 a 55 anos
------01
2.2%
2.0%
TOTAL
07
100%
14%
43
100%
86.0%
LEGENDA: *Faixa Etária- Os 50 clientes dividem-se dentro desta faixa de idades – 19 a 55 anos.
 Média – Porcentagem representativa no total de clientes entrevistados (50).
TOTAL
4.0%
8.0%
32.0%
8.0%
22.0%
16.0%
8.0%
2.0%
100%
A Tabela 01, demonstra que o predomínio das mulheres é muito superior com relação aos
homens, mas um dado que nos chama a atenção são as idades, principalmente as que se
concentram entre os 26 a 30 anos, havendo uma procura também relativamente alta entre 36 a
40 anos entre as mulheres. Impressiona pela estimativa que as mulheres entre os 31 e 35 anos
é uma faixa pouco representativa, ou seja, somente 4.8% delas freqüentam esta clínica,
prevalecendo as mais jovens e mais velhas, conforme Ilustração do Gráfico 01. Mas
permanece uma pergunta: O que leva estas mulheres entre os 31 a 35 anos ser tão pouco
representadas neste tipo de procura?
Tabela 02 – Oferta da Clínica e os objetivos buscados
SATISFAÇÃO
SATISFEITO
NÃO SATISFEITO
NÃO RESPONDEU
TOTAL
HOMENS
05
--02
07
MODA
71.5%
--28.5%
100%
MÉDIA
10.0%
--4.0%
14.0%
MULHERES
41
--02
43
MODA
95.3%
--4.6%
100%
MEDIA
82.0%
--4.0%
86.0%
TOTAL
92%
--8.0%
100%
19
O grau de satisfação é revelado nas entrevistas, a honestidade, atendimento e o
profissionalismo, essencial para o funcionamento de um estabelecimento deste nível de
trabalho. Também notamos a preocupação não somente de satisfazer-se, mas fazer com que o
outro aprecie o bom trabalho e desempenho de esforço em conseguir os resultados. Já na
Tabela 03, demonstramos a Oferta e a Procura por tratamentos especializados. A Clínica
consultada oferece muitos tratamentos que são feitos paralelamente, tanto para homens como
para mulheres. O que se observa é que o aproveitamento pela parte feminina é bem maior.
Escolhemos os mais procurados e notamos que das ofertas (10 tratamentos relacionados) os
homens utilizam-se de 04, mesmo assim, por ser a amostra pequena, estes tem uma média de
1.9 tratamentos por pessoa, contra 2.4 por mulheres, ou seja, dos 10 tratamentos ofertados aos
07 homens, eles utilizam-se os mais simples e as mulheres, as 43 consultadas abusam mais do
leque de ofertas e das terapias paralelas. Enquanto os homens da amostra passaram uma média
de 13 sessões semanais as 43 mulheres perfizeram um total de 102, sendo os mais procurados
o bronzeamento, tratamentos faciais, ginástica escultural, hidratação corporal, bootox e
depilação, como mostra a tabela abaixo:
Tabela 03 – Tratamentos: Oferta e Procura
TRATAMENTOS
Perda de Peso (controle
obesidade)
Tratamento de Celulite
Tratamentos Faciais
Hidratação Corporal
Depilação Básica ou
Especial
Tintura Permanente
para Cílios
Bootox
Implantes Faciais
Ginástica Escultural
Outros (bronzeamento
etc.)
TOTAL
HOMENS
----
MODA
---
MEDIA
---
MULHERES
05
MODA
11.6%
MEDIA
4.9%
TOTAL
4.3%
01
06
-------
10.0%
60.0%
-------
7.7%
46.2%
-------
18
14
08
06
41.9%
32.6%
18.6%
14.0%
17.6%
13.7%
7.8%
5.9%
16.5%
17.4%
7.0%
5.2%
----
----
----
04
9.3%
3.9%
3.5%
02
----05
20.0%
------50.0%
15.4%
------38.5%
07
03
09
28
16.3%
7.0%
20.0%
65.1%
6.9%
2.9%
8.8%
27.5%
7.8%
2.6%
7.8%
32.3%
10 TRAT
POR 4UTIL=
40.0%
13 X 7 H =
1.86
TRAT
10 TRAT. POR
43MULH
10TRAT.
43MULH
102 X
2.4 TRAT
POR
MULHER
100%
LEGENDA EXPLICATIVA:
 Dos 10 tratamentos oferecidos somente 04 são os mais utilizados pelos entrevistados masculinos;
tendo uma média de 1.9 tratamento por pessoa,
 Já as mulheres destes tratamentos todos são utilizados de maneira paralela, perfazendo uma média
de 2.4 tratamento por cliente.
Percebemos que a grande maioria dos entrevistados segue corretamente o tratamento
para melhora de diagnóstico - 1/3 (um terço) deles chegou até a clínica pela mídia, outro terço
por recomendações particulares e por último os amigos. Ao analisarmos basicamente os
entrevistados, nota-se que o grau de instrução e a procura destas clínicas se dá por pessoas
esclarecidas onde a informação e auto-estima fazem parte de suas vidas estão diretamente
ligadas à profissional, ou ainda, têm condições financeiras para realizar tratamentos estéticos,
e muitos talvez, tentam solucionar a dedicação de tempo a outras atividades e deixam por
conta dos esteticistas, a solução de pequenos problemas que nunca antes tinham tomado parte
de seu cotidiano. Assim mesmo, releva a preocupação com a forma física, a aparência facial e
o bem estar emocional proporcionado por estes tratamentos para que todos estejam de bem
com ele e que sejam vistos e apreciados pelos outros. A importância destes investimentos é
20
bem maior quando o cliente se satisfaz com o que conseguiu com seu esforço e dedicação,
pois muitos deles não escapam a sacrifícios para tentar mante-los belos e formosos, seduzindo
e seduzidos por uma boa aparência, no caso, os corpos individuais, que são adornados,
imperiquitados, que são construídos, que são cosmetizados em excesso, a sala de musculação,
o salão de cabeleireiro e as modas de vestir estão aí para prová-lo, basta ver a voga da
dietética, a busca da juventude que faz furor, o desenvolvimento da meditação ou das diversas
técnicas da “new age”, para se convencer disso.
Expressões triviais, como “estar bem com seu corpo”, “estar bem com sua cabeça”, ou, de
uma maneira um tanto vulgar, “estar na sua”, são esclarecedoras a este respeito. As visões de
mundo subjetivas parecem explicar a solidez, e , ao mesmo tempo, a desenvoltura de uma
postura corporal que não pode ser separada de uma atitude intelectual, até poética. Por uma
forma de transubstanciação, pode-se dizer que o mental jorra do material. É assim que, nas
nossas reflexões sobre o problema do hedonismo (busca pelo prazer), parece ser o nascimento
pelo qual a vasta matriz universal da fisiologia quando esta tenta parar a vida psíquica, ou seja,
trata-se de uma idéia geral que se aplica bem à embriaguez erótica, mas que se pode, sem
medo extrapolar para o ambiente hedonista dionisíaco, que abrange, em certas épocas, a vida
de todos os dias. A nossa, certamente, é deste tipo, e é assim que essa transubstanciação se
torna completamente banal. O que também torna, de muitas maneiras, porosas as barreiras e
mais frágeis; as separações entre o sonho e a realidade, a natureza e a cultura, o corpo e o
espírito. De fato, o próprio dessa “vida psíquica” ou desse “mental” que jorra da matéria, do
corpo, e que nos modifica em uma coisa completamente diferente, é certamente o ser
abrangente, restaurando, de maneira orgânica, a globalidade que o racionalismo tinha cortado
em rodelas.
Em suma, a imagem do imaginário popular, as imagens imateriais, passando pelos
desenhos, sempre foi um lugar de refúgio, uma maneira de viver a dissidência, a expressão
dessa utopia renovada, que é a busca de uma socialidade perfeita ou, pelo menos, de uma
socialidade onde o peso do constrangimento e da necessidade seja menor. Donde os sonhos, os
desejos e as fantasias que ela não deixou suscitar, dos quais sempre desconfiaram todos os
poderes eclesiásticos, políticos e intelectuais. A mais bela escapada está inscrita no âmago da
imagem que se tem do corpo. Ela sempre remete a um alhures supostamente melhor (nos
momentos de revolta, de revolução ou de uma mudança importante de conceitos morais),
alhures que se pode imaginar, no cinema, na mídia, na publicidade, nos quadrinhos, na poética
e na erótica, despertando o sentimento de pertença a uma cultura da casa. A imagem do corpo,
nesse sentido, não é de maneira alguma uma duplicação da realidade, ela tampouco é o reflexo
de uma infra-estrutura a qual pertenceria toda a realidade.
Considerações Finais
A estética corporal é uma fantasia e um fantasma. Pouco importa, para o observador social,
basta que exista alguma coisa para que essa idéia adquira legitimidade. O mito da eternidade,
“forever young”, é desse tipo: ingênuo e impudente (arrogante), puro e perverso, possui todas
as características da criança que, porque está próxima da natureza animal, brinca com seu
corpo, pode colocá-lo em espetáculo, mas por estar inserido na civilização, vai fazer esse
corpo falar, concretizando-o socialmente e, talvez com o tempo dar-lhe um espírito. A
publicidade, a mídia, a moda as/os “pop stars” (nossas mitologias pós-modernas) são
interessantes a esse respeito. Com freqüência são postos em cena andrógenos, etéreos e
ambíguos, dotados de um corpo de juventude eterna, e por isso mesmo, servem de emblemas
dos desejos mais loucos e dos sonhos que não podem dizer-se mais escondidos. Estão aí
21
desejados, tanto são anunciados no mimetismo da moda, nos tratamentos de saúde e outras
manifestações de “juvenismo” socialmente aceitos. Deve-se lembrar aqui, o conselho do
Envangelho: “Se vós não vos tornardes crianças, não entrareis no reino dos céus” .
Entretanto, não é uma apatia, no sentido trivial do termo, mas uma paixão impassível,
espécie de contemplação estética na qual se abole o princípio do individualismo. É uma
atitude de monge que, em sua solidão mórbida por esta contemplação, está ligado a uma
religiosidade culta do corpo. Assim a transfiguração do corpo interior em exterior, longe de
significar decadência, perda de todos os valores, pode valorizar a comunhão para os que
sabem, ou seja, o “corpo glorioso” dos mistérios cristãos é um corpo de conhecimento, diria,
“razão sensível”. Essas pequenas ideologias, talvez se pudesse dizer esses “pequenos ídolos
sociais”, “símbolos” ou “modelos corpóreos” são plurais sendo evidentes para muitos. A fim
de não se tomar isso por elitismo, lembremos que são muitas as tribos que partilham de uma
multiplicidade de ídolos, agregando-se ao redor deles. É bem o destino da pós-modernidade
ser tribal, particular e particularizada. Coisas que são causa e efeito do erotismo, do dionisíaco
de que é forjada a sociabilidade. Ora, antes de se tornar “coisa privada” o erotismo é antes de
tudo “coletivo”. É o que nos lembram as várias estruturas antropológicas, como os bacanais,
as dionisíacas e orgias diversas que pontuam o curso das histórias humanas como um fio
condutor do corpório, um elemento estruturante e central de toda a vida em sociedade. E
quando esse erotismo se torna evidente, ele se dá a ver, ele é vivido entre muitos, entre alguns,
com nuanças essenciais de fantasias e fantasmas, é o que obras como as de SADE, de
BATAILLE ou de KLOSOWSKI, permitem compreender. Assim segundo esse último autor,
“o erotismo é pretexto para colocações em cena”, o que faz com que o “pensamento se faça
corpo, o espírito se faça carne”27. Assim, é que se encontra a transfiguração já indicada: o
erotismo da imagem faz comunidade, faz corpo tribal, desta feita como este último, conforta o
aspecto sensível e espetacular de toda imagem gerada.
Trata-se de um destino, pois nada, nem ninguém escapa a este processo. Pode-se lamentar,
estigmatizar ou até, de uma maneira, às vezes, justificada, destacar que a proliferação das
imagens tem algo de obsceno, mas nada é feio. Por tempo demais contido, a imagem explode,
fazendo explodir tudo o que se acreditava triunfar sobre a “nudez”, pois desnuda-se, quer
sejam modos de organização dos estados, das nações, das instituições centralizadas, sobretudo,
perenes, quer sejam modos de pensar, para dize-lo rapidamente, das grandes narrativas de
referências homogêneas, elaboradas no último século.
Ao explodir, e ao fazer tudo explodir, a imagem muda completamente a paisagem
intelectual à qual estávamos habituados, donde seu aspecto devastador, nuclear, virótico, sua
deflagração, sua contaminação, não deixa nada indine. Ao contrário das estruturas (pensadoras
e organizacionais), onde o centro e as periferias eram bem identificadas, com essa nova
imagem tudo se situa alhures, ao lado, tudo é singular. A tribo do corpo adora seu ídolo e é por
ele constituída, mas não seria universal. Da mesma forma, a ilustração da imagem, o desenho
e o exemplo, deferentemente do conceito, são coisas eminentemente subjetivas e sempre estão
ao lado de um poder central, ao lado do lugar onde é esperado. Aliás, nada existe de mais
neutro do que, em grego, o termo que exprime o exemplo, “paradigma” “para deigma”, “é o
que mostra ao lado” , assim como em alemão “Beispiel”, “o que representa ao lado”. Poder-seia insistir longamente sobre esse “ao lado”, mas basta que ele nos lembre da importância e da
pregnância do “pequeno ídolo”, na constituição das sociedades: são as coisas irreais (as
27
Bodei, R. A Filosofia do Século XXI. São Paulo: Edusc, 2000.
22
fantasias , os fantasmas), singulares, que vão estruturar o real pensado, assim como são as
tribos irreais que vão constituir o real vivenciado.
É conveniente, pois pôr em ação um modo de análise que permita escapar da antinomia
clássica entre o universal e o particular – entre o corpo e a mente. Ou ainda, um modo de
análise que permita pensar o real a partir do irreal. O meio figurativo pode fornecer, para isso,
uma ajuda fecunda. A figura permite fazer sentido, e dar sentido, não enquanto finalidade
distante ou o alvo a ser atingido, mas enquanto o que eu comunico, ou o que eu partilho com
os outros. A figura e o que vos olha, o que me olha. Esta fórmula de DURAND, resume bem
nosso ponto de vista, a figura é particular, e ela induz, por isso mesmo, um entusiasmo
específico, entusiasmo estático, ou uma profundidade na vida social. É um tal entusiasmo que
foi a origem das revoluções dos tempos passados, sendo bem possível, que também, seja a
origem da dolorosa gestação que vivemos, da socialidade corpórea que está por vir através da
indústria da beleza.
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