Resistência Bacteriana a Antibióticos João Francisco Sousa, José Maria Patto, Paulo Fonseca Departamento de Biologia, Colégio Valsassina Abstract This project has the purpose to test the resistance of a kind of bacteria, E.coli, to different kinds of antibiotics, Ampicillin and Azithromycin, to show evolutionary processes in a short period of time, such as the effect of these antibiotics as selective agents and the survival of the resistant bacteria. To achieve these goals we grew a culture of E.coli in a growth media with and without antibiotics, in order to realise the selective pressure of this substances over the bacteria. We found out that this kind of bacteria is more resistant to Ampicillin as it evolves better in a growth media with Azithromycin, and that evolutionary processes in bacteria are fast enough to provide resistance against antibiotics in a very short period of time. Keywords: Bacteria, Antibiotics, Natural Selection Introdução Durante muito tempo foram denominados antibióticos os compostos antimicrobianos produzidos por fungos ou bactérias que inibiam o crescimento ou destruíam outros microrganismos. Esta definição é hoje muito restritiva e deve ser abandonada porque as moléculas obtidas por síntese, ou por modificação química de uma molécula natural, podem originar as mesmas propriedades. Um antibiótico é actualmente definido como uma substância de origem biológica ou sintética que actua especificamente sobre uma etapa essencial do metabolismo das bactérias, tal como a síntese proteica ou de ácidos nucleicos, ou destruindo a sua membrana citoplasmática. Esta definição abrange todos os compostos antimicrobianos com excepção dos anti-sépticos e desinfectantes, qualquer que seja a sua origem. O espectro de acção dos antibióticos está relacionado com a sua especificidade, visto que quanto mais largo o espectro, maior a quantidade de tipos de bactérias afectados pela sua acção e menor a sua especificidade. Utiliza-se a classificação de bactérias em Gram (+) e Gram (-) para definir o espectro de um antibiótico, sendo que no caso dos antibióticos de largo espectro estes são activos contra um grande número de bactérias dos dois tipos enquanto os de baixo espectro são activos unicamente contra certas bactérias de apenas um dos tipos. A azitromicina tem o seu espectro de acção principalmente contra bactérias Gram (+), embora também possa actuar com algumas bactérias Gram (-), ainda que em menor escala. Actua a nível da inibição da síntese proteica, ligando-se à subunidade do ribossoma, impedindo a transcrição do ARNm. A ampicilina foi sintetizada em 1951 e começou a ser comercializada em 1961, sendo considerada uma penicilina de largo espectro, visto que além de ser eficaz contra bactérias Gram (+) também demonstra capacidade de lidar com bactérias Gram (-). A sua acção dá-se ao nível da inibição da produção de uma substância necessária para a construção da parede celular das bactérias, levando à lise celular. É regularmente utilizada em estudos de biologia molecular como agente selectivo do meio, tal como neste estudo. Os mecanismos de resistência das bactérias a este fármaco compreendem a redução da permeabilidade da membrana externa ou a inactivação do antibiótico por compostos produzidos pela bactéria. Assim como diferentes tipos de antibióticos têm formas distintas de acção, também os micróbios resistem de maneiras diferentes à sua actuação, nomeadamente através de uma das seguintes maneiras: mudando a permeabilidade da sua membrana celular, podendo evitar a entrada do antibiótico ou levar à sua saída do meio intracelular ou adquirindo a habilidade de degradar e/ou inactivar o antibiótico. Esta resistência pode ser conseguida por uma de duas formas: uma mutação espontânea num grupo de células que leva à formação de genes presentes nas bactérias mutantes que lhes conferem uma característica que permita os métodos de resistência referidos ou a transferência de genes entre microrganismos, que até podem ser de espécies de micróbios não relacionadas. Neste trabalho é utilizada uma colónia-mãe para criar uma população de bactérias. Como a multiplicação de bactérias ocorre por reprodução assexuada, estas serão, em princípio, geneticamente iguais, sendo que apenas pode haver diferenças genéticas através da acumulação de mutações espontâneas, dependendo a frequência dessas bactérias mutantes da pressão selectiva do meio, como por exemplo, neste caso concreto, a presença de antibiótico ou não no meio de cultura. Escherichia coli (ou vulgarmente E.coli) é uma bactéria Gram (-), com forma bacilar, que pode realizar tanto a respiração aeróbia como anaeróbia e cujo habitat habitual é o lúmen intestinal de animais de sangue quente, podendo mesmo estabelecer relações de simbiose com estes, embora também possa sobreviver noutro meio que não no interior de um hospedeiro. 1 Novas estirpes de E.coli podem desenvolver-se através de mutações espontâneas ou por Transferência Horizontal de Genes. A bactéria pode ser resistente a um número crescente de antibióticos, mas uma estirpe raramente resiste a mais de dois ou três fármacos. A ampicilina é um dos fármacos recomendados para tratar infecções relacionadas com esta bactéria. Esta bactéria é bastante utilizada como modelo biológico em estudos de microbiologia, originando-se culturas bem adaptadas às condições laboratoriais, nomeadamente em estudos evolucionários como é o caso. Esta investigação tem como objectivo o estudo do efeito dos antibióticos como agente selectivo do meio e a capacidade de resistência de E.coli a cada um dos antibióticos utilizados (ampicilina e azitromicina). Material e Metodologia O protocolo utilizado teve por base o trabalho realizado por Haddix et al (2000); Measurement of Mutation to Antibiotic Resistance; publicado em Bioscene (v26; p.1-21; Fevereiro 2000). Para a realização deste trabalho foram introduzidas algumas adaptações ao protocolo original, designadamente a utilização da bactéria E.coli em alternativa à espécie estudada pelos referidos autores, o uso de dois antibióticos (ampicilina e azitromicina), replicando o procedimento descrito por Haddix et al. (2000), e foi utilizado um método diferente de esterilização, que consistiu em colocar os materiais em água a ferver durante algum tempo, devido à inexistência de um autoclave, como é sugerido no protocolo original. Também na preparação da solução PBS o hidrogenofosfato de sódio foi substituído pelo hidrogenofosfato de magnésio de modo a manter o par ácido-base H2PO4-/HPO42- em solução responsável pelo efeito tampão. Resultados e Discussão Nas 14 placas mãe +Ap correspondentes ao dia 1 não se registou nenhuma colónia em qualquer das concentrações. Relativamente às 6 placas +Az, os resultados obtidos estão apresentados na tabela I e figura 1, onde consta o respectivo tratamento estatístico. 250 200 196 150 137 100 89 70 50 50 35 25,25 1 0 -2 -3 17 2 -4 50,25 16 5,5 1 1 -5 -6 Fig. 1. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas mãe +AZ relativas ao Dia 1. -2 35 115 69 137 16 19 Dia 1 AZ + (6 placas) -3 -4 -5 70 50 16 1 13 3 28 3 1 2 2 2 17 21 1 12 11 7 -6 196 1 3 1 1 3 Tabela I. Contagem de Colónias nas placas +Az no Dia 1. Relativamente ao dia 1, não se verificam bactérias resistentes à ampicilina, mas o mesmo não acontece relativamente à azitromicina, o que pode sugerir que a ampicilina é mais eficaz contra este tipo de bactérias do que a azitromicina. Quanto à sobrevivência relativamente às concentrações, o padrão comum é que quanto maior a concentração de cultura-mãe, maior o número de colónias que se desenvolvem nessa cunha. Apenas a concentração -6 foge a esse padrão, porém apresenta um grande desvio-padrão (fig. 1), devido a uma contagem de 196 colónias (tabela I), o que provoca uma grande variação na média e que não apresenta qualquer relação com os valores das restantes placas para a mesma concentração, que não excedem as 3 colónias. Por isso, pode assumir-se que se tratou ou de um erro de contagem ou de contaminação, ou seja, à presença de outro tipo de bactérias que levou ao grande número de colónias, visto que em 3 concentrações desta placa (-3, -4 e -5) o número de colónias é superior à média das restantes cunhas. 140 120 100 80 60 40 20 0 127 Fig. 2. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo A -Ap relativas ao Dia 2. 79 44,00 13 -2 -3 -4 2 47 35 18,67 7 28,83 9 31 15,83 4 15,33 0 -5 -6 250 206 200 -2 32 14 19 13 127 59 150 127 100 100 79 50 32 0 21,375 0 0 -2 -3 29,625 29,875 0 0 -4 -5 21 39,125 Dia 2 - Grupo A AP - (6 placas) -3 -4 -5 41 26 47 21 27 21 10 35 12 13 7 4 79 10 0 9 7 8 -6 31 20 13 13 14 4 Tabela II. Contagem de Colónias nas placas Grupo A -Ap no Dia 2. -6 Fig. 3. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo B -Ap relativas ao Dia 2. Dia 2 - Grupo B AP - (8 placas) -3 -4 -5 18 4 71 51 206 100 79 10 0 9 7 8 7 5 7 0 0 23 7 5 7 0 0 23 -2 49 1 127 59 10 0 10 0 Tabela III. Contagem de Colónias nas placas Grupo B -Ap no Dia 2. -6 21 12 14 4 3 8 3 8 Pela análise das placas cujo meio de cultura não possui qualquer antibiótico (-Ap), houve duas contagens: a do Grupo A, em que a cultura de bactérias foi colocada em placas sem qualquer antibiótico, e a do Grupo B, em que as bactérias estão colocadas numa solução que contem ampicilina, após terem sido sujeitas a pressão selectiva e que portanto seriam já resistentes ao antibiótico. Assim sendo, o expectável seria que existisse um maior número de bactérias nas placas do Grupo A, visto que a frequência de bactérias resistentes (Grupo B) seria supostamente menor para além das bactérias do grupo A terem aparentemente condições ideais para se desenvolverem. Se considerarmos os valores médios (comparar fig. 2 e 3), é isso que acontece nas concentrações -2, -3 e -6, sendo que a média da concentração -4 no Grupo B está bastante inflacionada relativamente ao valor médio da mesma concentração nas restantes placas devido a apenas um valor, o que acontece também nas outras concentrações da mesma placa (tabela III), levando à suposição de que possa ter existido contaminação ou erro de contagem nessa placa. 350 Dia 2 - Grupo A 300 301 250 221 200 150 100 100 50 45,5 17 0 -2 62,2 0 -3 -4 150 148 151,0 41,7 0 46,5 6 7 -5 -6 Fig. 4. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo A +Ap relativas ao Dia 2 AP + (6 placas) -2 -3 -4 -5 -6 20 100 17 19 67 50 20 0 5 27 221 100 15 0 5 13 67 150 6 50 14 148 31 30 7 250 16 132 301 200 Tab. IV. Contagem de Colónias nas placas Grupo A +Ap no Dia 2 3 60 50 Dia 2 - Grupo B AP + (8 placas) -3 -4 -5 15 50 5 5 5 4 15 10 4 3 5 9 12 17 20 7 13 9 12 7 20 10 9 5 50 40 -2 10 7 7 3 15 1 10 10 30 20 15 7,875 1 10 0 -2 15 9,875 3 -3 20 14,5 5 -4 16 8,75 1 9,5 4 -5 -6 Fig. 5. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo B +Ap relativas ao Dia 2 -6 10 1 4 4 16 7 15 13 Tab. V. Contagem de Colónias nas placas Grupo B +Ap no Dia 2 Relativamente às placas +Ap, estas contêm ampicilina no meio de cultura, sendo que nas placas do Grupo B essa concentração de antibiótico é ainda maior porque a solução que contém as bactérias tem também algum antibiótico. Nestas placas não se regista a tendência anteriormente apresentada de quanto maior a concentração de bactérias inseridas (fig. 5), maior o número de colónias, o que se pode explicar no grupo B pelo facto de uma maior concentração de bactérias implicar também uma maior concentração de antibiótico, que pode ser demasiada para a sobrevivência das bactérias. Esta suposição poderia explicar também porque é que há maior número médio de bactérias em todas as concentrações no Grupo A do que no Grupo B (comparar fig. 4 e 5), apesar da frequência de bactérias resistentes ser supostamente maior no Grupo B, podendo-se assim extrapolar que a concentração de antibiótico é factor determinante na sobrevivência das bactérias. Esta hipótese não explica contudo o padrão recorrente no Grupo A em que à medida que a concentração de bactérias inseridas diminui (fig.4), o número de colónias aumenta. Os dados da tabela IV indicam-nos que há vários valores bastante acima do comum, podendo de novo ter ocorrido contaminação. 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 43 17 14 12 7,75 3 7,25 0 -2 0 -3 -2 1 0 4 43 -4 6 34,5 -5 6 3,25 0 300 273 200 150 138 100 83 50 -2 71 31 010,6 26,2 0 25 0 -3 -4 14,2 0 041,8 -5 -5 5 4 3 6 -6 1 0 6 6 Tab. VI. Contagem de Colónias nas placas Grupo A +Az no Dia 2 -6 Fig. 6. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo A +Az relativas ao Dia 2 250 Dia 2 - Grupo A AZ + (4 placas) -3 -4 14 17 0 6 3 3 12 5 -6 Dia 2 - Grupo B AZ + (5 placas) -2 -3 -4 -5 -6 273 0 0 0 0 27 83 9 4 71 118 11 13 1 0 25 33 0 2 0 247 4 31 2 0 Tab. VII. Contagem de Colónias nas placas Grupo B +Az no Dia 2 4 Fig. 7. Máximo, Média e Mínimos de colónias nas placas Grupo B +Az relativas ao Dia 2 No caso das placas + Az, regista-se o que era teoricamente esperado, ou seja, existem mais colónias nas placas do Grupo B (comparar fig. 6 e 7), visto que a frequência de bactérias resistentes à azitromicina é maior neste grupo, já que as bactérias inseridas nas cunhas já tinham sido sujeitas à pressão selectiva realizada por parte do antibiótico. Volta a registar-se também o padrão habitual de quanto maior a concentração de cultura-mãe inserida, maior o número de colónias formadas, exceptuando na concentração -6, em que há um valor claramente divergente em relação aos restantes (tab. VII), sendo muito possivelmente resultado de contaminação referida. Conclusão Os dados obtidos neste estudo levam-nos a considerar que, para combater infecções relacionadas com as bactérias E.coli, dos dois fármacos em estudo, a ampicilina é o mais indicado. A apoiar esta tendência verificámos que a quantidade de bactérias resistentes à azitromicina foi aparentemente maior, e que portanto há desenvolvimento de um maior número de colónias num meio com este antibiótico do que com ampicilina, sendo portanto a ampicilina um agente selectivo do meio mais rigoroso para as E.coli. Contudo, é importante referir que a investigação foi realizada num laboratório escolar, que não está efectivamente preparado para a realização deste tipo de actividades, nomeadamente em questões de esterilização, que podem ter tornado os resultados menos fiáveis, assim como a inexperiência a nível da contagem de colónias e o facto de essa contagem ter sido realizada por pessoas diferentes, levando à utilização de critérios de contagem diferentes e portanto a resultados por vezes muito divergentes. Pode-se retirar deste estudo que, se colocadas em meio com antibióticos, por mais eficazes que estes sejam, haverá sempre o risco das bactérias se conseguirem tornar resistentes a eles, em curtos períodos de tempo, como se viu neste estudo, sendo portanto necessário dosear correctamente o uso de antibióticos. Carmo (2009) afirma que “o erro na terapia antibiótica afecta não apenas um só doente, mas toda a comunidade”. De facto, a resistência aos antibióticos é uma realidade mundial e um problema sério no tratamento de doenças infecciosas, que leva a elevadas despesas que podem bem ser evitadas através da investigação científica e da utilização cuidadosa dos antibióticos. Este projecto de investigação no campo da Biotecnologia teve grande importância no que diz respeito ao ensino visto que, para além da contribuição para a aquisição, por parte dos alunos envolvidos, de prática na manipulação de microrganismos tal como as bactérias usadas, ajudou-nos também, como referem Hudson (1992) e Hodson (1994), a desenvolver atitudes e competências científicas, designadamente a aplicação do método científico, o desenvolvimento da capacidade de análise e interpretação dos dados e sentido crítico. Assim, pelo desenvolvimento deste trabalho, os alunos tiveram um aumento da capacidade de levar a cabo investigação científica, facto que, por si só foi muito motivante, para além de estar associado a uma diversidade de conteúdos de biologia envolvidos nesta temática, tais como a genética ou a imunidade e controlo de doenças, tendo desta forma bastantes vantagens pedagógicas. Bibliografia Pryce L. Haddix, Eric T. Paulsen e Terry F. Werner; Measurement of Mutation to Antibiotic Resistance; Bioscene; v26; p.1-21; Fevereiro 2000 Taveira, N.; Oliveira, A.; Gomes, P.; Nascimento, T. (2008); MANUAL PRÁTICO MICROBIOLOGIA; Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz. Disponível online, e acedido a 25 de Janeiro de 2010, em: http://www.egasmoniz.edu.pt/ficheiros/alunos/2008_09/Instituto/Ciencias_da_Nutricao/Microbiologia_Geral_e_dos_Ali mentos/Manual_TP_Microbiologia_2008.pdf Hodson, D. (1992) Assessment of Practical Work. Some considerations in philosophy of science; Science and Education Review, 1, 115-144 Hodson, D. (1994) Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratorio. 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