O ensino de iídiche e a leitura laica da tradição judaica na

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O ENSINO DE IÍDICHE E A LEITURA LAICA DA TRADIÇÃO JUDAICA NA ESCOLA
ISRAELITA BRASILEIRA SCHOLEM ALEICHEM (EIBSA)
1. Introdução
Esse texto apresenta uma parte da pesquisa de Mestrado na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, na linha de História e Historiografia da
Educação. A pesquisa versa sobre a Escola e Ginásio Israelita Brasileiro Scholem
Aleichem1 (GIBSA), fundada em 1949 na cidade de São Paulo, no bairro do Bom
Retiro e manteve suas atividades até 1981. Destacou-se como uma das escolas da
cidade nas quais se empreendia experimentação educacional, assim como colégios
renovados, buscando inovar em termos metodológicos e nas suas opções curriculares.
Seguindo os preceitos do Iídiche Kultur Farband2 (ICUF) (1937), que tinha
como preceito a disseminação da cultura iídiche pelo mundo, a escola nasceu do
esforço coletivo de judeus progressistas oriundos da Europa Oriental, que visavam
disseminar ideais antifascistas e progressistas no cenário social brasileiro. Essa
instituição escolar fazia parte de um projeto cultural mais amplo da comunidade: o
Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), conhecido como a “Casa do Povo”.
Assim, pretendemos mostrar um dos elementos que explicitam a peculiaridade
dessa escola, em relação a outras escolas judaicas, sendo justamente a leitura laica
que eles apresentam da cultura judaica e, em especial, como eles propuseram o
ensino de iídiche. Sendo que, boa parte das escolas judaicas desse período, e até
hoje, tem por opção ensinar o hebraico, por conta de ser a língua oficial do Estado de
Israel. Nesse sentido, acreditamos que isso explicite mais que uma mera escolha
curricular, mas uma forma de defender a sua leitura da tradição e da cultura judaica.
Como fonte temos o livro Vanguarda Pedagógica: o legado do Ginásio
Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, fruto de um seminário que ocorreu em
outubro de 2006, no Centro de Cultura Judaica em São Paulo. O livro é composto
dezesseis depoimentos, entre eles professores, alunos e gestores. Nesse livro,
organizado pelo Grupo Memória Scholem, intitulam o colégio como uma “Vanguarda
Pedagógica3”, pois enunciavam a possibilidade de um projeto educativo envolvendo
expressões artísticas como música, pintura, teatro, além dos estudos de meio e
1
Sholem Aleichem (1859-1916) foi um escritor iídiche nascido no território hoje pertencente à Ucrânia.
Reconhecido como um dos grandes escritores e promotores da literatura iídiche, sendo suas obras uma
das mais importantes da literatura europeia.
2
O Iídisch Kultur Farband (ICUF), fundado em 1937, no I Congresso Internacional de Cultura Judaica em
Paris, e pretendia responder com medidas práticas ao clima fascista de intimidação cultural. Constituiu-se
um movimento internacional em prol da cultura iídiche, o qual tinha como objetivo criar um conjunto de
instituições nas quais a sua cultura encontrasse condições de desenvolvimento e propagação.
3
Nesse artigo, não problematizaremos a questão enquanto “Vanguarda”, mas isso tem sido objeto central
da pesquisa. Acreditamos que essa escola esteja inserida em um contexto educacional, na qual ela foi
uma das escolas que obteve grande destaque. Assim como, esse livro passou a ser objeto de estudo
para a pesquisa de Mestrado e a construção da memória coletiva sobre a escola.
interdisciplinaridade4. Além dessa fonte, utilizaremos algumas entrevistas que foram
realizadas no começo do ano 2000 com ex-professores e ex-alunos da escola num
projeto realizado pelo ICIB como uma primeira tentativa de recuperar as
rememorações desse espaço político-cultural, assim como entrevistas realizadas pela
própria pesquisadora.
A
escola
é
praticamente
desconhecida
da
bibliografia
dos
estudos
educacionais. As obras que focam essas entidades progressistas não são muitas, mas
partem da análise processos migratórios como uma forma para entender as práticas
culturais implementadas pelas suas entidades, nas quais analisa-se a vida e a
importância das militância de esquerda europeia e nacional na reelaboração de uma
identidade judaica progressista. Nesses trabalhos, busca-se ressaltar a formação das
propostas educacionais, construídas de forma integrada à cultura e a política. Sendo
assim, há um consenso na bibliografia que as bases constitutivas dessa comunidade
se alicerçam nesses três polos (cultura, educação e política).
Assim, primeiramente, apresentaremos esse projeto cultural, do qual o Escola
Israelita Brasileira Scholem Aleichem EIBSA fazia parte, explicando algumas
premissas e pressupostos fundamentais para a implementação do projeto. A partir de
seus posicionamentos políticos, teceremos os motivos pelos quais eles estabeleceram
o iídiche como a língua a ser ensinada na escola. Buscaremos entender as escolhas
curriculares inseridas nesse contexto histórico, além de compreender os meios de
implantar o ensino da língua e os impasses para a sua continuidade.
2. A Escola Israelita Brasileira Scholem Aleichem e o Instituto Cultural Israelita
Brasileiro
A especificidade do EIBSA, em comparação ao cenário educacional, é que o
Scholem fazia parte de um projeto que marcou a vida cultural paulistano no período, o
Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), inaugurado em 1953, no bairro do Bom
Retiro, em São Paulo, como fruto de uma homenagem aos seis milhões de judeus que
foram vítimas do Holocausto. Seus idealizadores não pretendiam que o ICIB
representasse um memorial estático para contemplação, mas que se estruturasse
como um centro de produção, reflexão e fruição de ideias. A partir dos preceitos do
ICUF, deveriam ser construídos centros de cultura, escolas e clubes para articular os
judeus que se identificavam com as causas progressistas e semear nas novas
4
Cabe ressaltar que, a nosso ver, o Scholem, parece ter seguido as premissas de renovação educacional
do período em suas propostas educacionais e encontra-se no conjunto de escolas renovadas e com
metodologias inovadoras. Vemos claramente uma aproximação com outros projetos, como é o caso da
Escola Experimental da Lapa, dos Ginásios Vocacionais e do Colégio de Aplicação da USP. Alguns
aspectos primeiramente nos chamaram a atenção pelos pontos de convergência com as propostas
educacionais renovadoras, que aproximam os Vocacionais ao Scholem. Como exemplo, podemos citar a
relação com a arte, a preocupação com a formação de um aluno crítico e com a comunidade, o peso
dado aos estudos de meio.
gerações uma mentalidade universalista, visando à sensibilidade em questões locais e
internacionais, à mobilização e à luta pela paz e pela igualdade entre os povos.
O término da Segunda Guerra Mundial (1938-1945) proporcionou um momento
de grande vitalidade para o judaísmo progressista no Brasil, dado o prestígio das
forças principais de resistência e combate ao nazismo no mundo. Com isso, foi
idealizado um projeto pela comunidade de reunir um centro de cultura e, a partir de
doações, conseguiram realizá-lo5.
Passaram a funcionar nas instalações do ICIB, em 1953: a Escola Israelita
Brasileira Scholem Aleichem (EIBSA), a Associação Feminina Israelita Brasileira
(AFIB), que organizava o clubinho I Peretz e a colônia de férias Kinderland. Em 1960,
foi inaugurado o Teatro de Arte Israelita Brasileiro (TAIB). Dessa maneira, buscava-se
estabelecer o convívio diário de todos os ramos artísticos que ali seriam
desenvolvidos. Além disso, essas atividades ajudaram na integração e na
sociabilidade entre os moradores do bairro.
Por exemplo, a colônia de férias Kinderland (Terra das Crianças) tinha como
objetivo orientar educacionalmente e socialmente para uma coletividade judaica
brasileira. A colônia era tida como um espaço no qual todo o trabalho educacional
dentro de cada um dos ramos educativos. Nesse sentido, o clubinho I Peretz6, seria a
continuidade ao longo do ano, dos trabalhos realizados na colônia de férias com
diversas crianças moradoras do bairro e, também, alunos do Scholem. Eram
realizadas atividades artísticas e culturais de sociabilização, normalmente aos
sábados.
Com isso, a “Casa do Povo” se firmou como um dos epicentros de uma cultura
judaica iídichista, socialista nos anos 1950 e 1960. Foi um espaço de grande
experimentação artística e de ativismo social, visando à libertação, à conscientização
do indivíduo para as causas sociais da injustiça. Nesse sentido, procuravam um
caminho aparentemente paradoxal, buscando a assimilação à sociedade brasileira
sem abrir mão da preservação de uma cultura progressista originária da Europa
Oriental. Além disso, segundo Iokói (2004), o ICIB acabou sendo também base legal
do Partido Comunista do Brasileiro (PCB), nesse período.
3. O ensino de iídiche nos anos 1950 e 1960
Aqui, pretendemos apresentar o significado do ensino de iídiche, a partir de
premissas e palestras proferidas pelo ex-diretor do ICIB, José Sendacz, que fazem
5
Buscando seguir essas premissas, já no lançamento da pedra fundamental com mais de seis mil
pessoas presentes em 1946, no seu projeto arquitetônico, já se previa um espaço que deveria ser
destinado à escola.
6
Itzhok Leibush Peretz (1852 – 1915) escritor polonês. Escrevendo em iídiche e sempre tendo como base
a tradição de seu povo, trabalhou pela reforma dos costumes e da sociedade e lutou pelos direitos dos
trabalhadores e das mulheres.
parte da coletânea de textos, intitulada Um homem no mundo. Depois, abordaremos
como foi elaborado o ensino de iídiche no Scholem, como se formavam os professores
na medida em que boa parte da comunidade não falava mais o iídiche e os impasses
com a comunidade para o ensino da língua.
Havia uma importância política, nesse contexto, do ensino de iídiche7. O termo
iídiche vem de iídiche, origina-se de Jüdisch, que quer dizer judaico em alemão. O
iídiche, “dialeto judeu-alemão”, predomina entre os aschkenazi da região europeiaocidental e europeia-oriental, incluindo o “pale” (zona de residência obrigatória para os
judeus russos). Os homens eram educados no hebraico, a língua dos livros sagrados,
ao qual as mulheres, assim como os menos letrados, não tinham acesso. O iídiche era
falado pelas mulheres e se tornou a língua popular, usado em família, ou seja, a língua
do cotidiano e não usam o hebraico por considerarem estritamente sagrado.
Nesse sentido, cabe entendermos a importância do ensino do iídiche no
contexto político-social desse período. A questão não se resume ao uso da língua, isto
é, o iídiche em detrimento do hebraico, mas é, sobretudo, um posicionamento político
dentro da comunidade judaica. O hebraico, nesse período, havia sido decretado como
a língua oficial do Estado de Israel. As justificativas gravitam em torno da leitura que
esses judeus tinham da tradição judaica. Primeiro por eles acreditarem que os judeus
não deveriam regressar a Eretz Israel, que representa, na tradição, um país santo e
longínquo e deveriam retornar somente após a vinda do Messias. Segundo, por se
posicionarem contra a forma com que estava ocorrendo essa ocupação do Estado de
Israel, a qual era mais relacionada aos interesses políticos e econômicos da região do
que somente aos interesses religiosos da comunidade judaica, ao se alinharem, por
exemplo, aos capitalistas norte-americanos e aos seus interesses geopolíticos no
Oriente.
No contexto da Guerra Fria, especialmente em fins dos anos 1940 e início de
1950, esses judeus comunistas se alinhavam e defendiam o posicionamento do bloco
socialista, capitaneado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em
vez dos interesses do bloco capitalista. Críticos ao sionismo político8, portanto, eles
acreditavam que a comunidade judaica deveria se engajar na luta pela defesa dos
direitos dos países onde nasceram e foram educados. Sendo assim, o esforço de
restaurar a vitalidade do iídiche por meio das expressões artísticas estava ligado à
7
Para Guinsburg (1996), além do hebraico, o iídiche é a língua que define a identidade dos judeus,
considerada “uma língua errante” ou uma “língua passaporte”. Sua característica principal é sua grafia,
pois era escrito com caracteres hebraicos, da direita para a esquerda.
8
Em alguns escritos, Sendacz distingue o sionismo religioso (que está contido na bíblia, mítico do povo
judeu) do sionismo político (ida de todos os judeus para o Estado de Israel, após sua formação em 1948).
compreensão de que a Guerra não havia somente aniquilado milhões de vidas, mas
também colocado em risco uma forma de representar e vivenciar o mundo.
Na leitura da tradição histórica judaica, por exemplo, existem diversas
comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia (1943) realizadas pelo ICIB9. A
rememoração desses heróis que batalharam, mesmo sabendo que era uma guerra
perdida, não seria lembrada com lamentação, mas, sim, com reafirmação dessa força
para a continuação dos trabalhos sociais que essa coletividade realizava no presente.
Ressaltavam a importância de uma lembrança ativa e combativa, ou seja, enquanto
força para continuar seus trabalhos de divulgação cultural e o desenvolvimento cada
vez maior dos seus institutos culturais e de ensino. Para Sendacz, era dever da
comunidade judaica no Brasil era transmitir à juventude sua cultura e seu modo de
vivenciar o mundo.
4. A tradição judaica na Escola Israelita Brasileira Scholem Aleichem
Era nosso escopo pedagógico no ensino do iídiche o
de integrar o educando através da língua no
passado histórico, no conhecimento cultural do povo
judeu, assim como fazê-lo conhecer por
comparação, a realidade brasileira.
(Entrevista com a ex-professora de iídiche EIBSA)
O processo educativo do Scholem partilhava de modo complementar os
esforços no sentido de formar um projeto pedagógico que fosse articulado com a
identidade nacional, solidariedade internacional e pensamento crítico. Sendacz (2005,
p. 10) apresentava como desafio “encontrar a síntese, entrelaçar judaísmo e
brasilidade na formação juvenil”. Portanto, a Escola surgiu da necessidade de criar
espaços que refletissem seus valores e dialogassem com a sociedade ao seu redor.
Em 1960, na fundação do TAIB, podemos perceber isso no discurso do ex-diretor:
Nós, do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, temos como principal
objetivo a divulgação da milenar cultura judaica, não somente entre a
nossa coletividade, mas também entre a intelectualidade e o povo
brasileiro, contribuindo assim para o desenvolvimento da própria
cultura brasileira, com melhores criações, com os mais preciosos
tesouros espirituais que possuímos. Ao mesmo tempo, procuramos
entre a coletividade israelita radicada em São Paulo, os grandes
valores da cultura brasileira, tornar conhecidos seus poetas, seus
romancistas, seus músicos, seus pensadores do passado e do
presente, despertando cada vez mais o interesse e respeito pelo
patrimônio espiritual do seu povo, tornando-se assim mais brasileiro.
(SENDACZ, 2005, p. 120).
Exemplo disso é que, na grade curricular da EIBSA o iídiche era mais
importante do que o hebraico, mesmo nas aulas de história judaica. Ressalte-se a
postura dessa instituição que valorizava a escrita e cultura iídiche, pois demonstra o
forte caráter político que o ICUF possuía em seu contexto original. Nessa apropriação
9
Até hoje se comemora no ICIB os heróis do Levante. Atualmente o Instituto existe, apesar de estar
praticamente em ruinas. Existem tentativas de ex-partícipes com projetos de restauração do Prédio.
currículo escolar, a ênfase era dada à história do povo judeu, à literatura iídiche e ao
domínio do idioma. Como vemos na fala de Marcos Ajzenberg
Assim, os feriados adquiriam um significado laico: Pessach – a
libertação dos judeus da escravidão do Egito, e ainda, por extensão,
à Inconfidência Mineira; Purim – a libertação dos judeus da tirania de
Haman, o grão vizir persa, pelas artes da rainha Ester – ligava-se ao
Carnaval; Chanuká – a revolta dos macabeus contra o Império
Macedônico, de Alexandre, o Grande – ligava-se às festas de fim de
ano – Natal e Ano Novo. Nota-se que essas três datas assinalam
conflitos bíblicos históricos que celebram a liberdade e a
autodeterminação do povo judeu. (apud CHARNIS et al., p. 38, 2008)
Como vimos, a celebração das festas judaicas ressaltava o caráter combativo e
os valores de liberdade associados a uma leitura histórica da tradição que em nenhum
momento se descolava da realidade brasileira. Acreditamos que isso acabou
representando uma voz destoante, pois era um colégio que tinha, por trás de uma
cultura religiosa, um ensino laico que convivia com a alteridade.
Ao longo das
décadas de 1960 e 1970, a escola desempenhou um papel relevante no processo
educacional da cidade, não apenas por recuperar de modo crítico os fundamentos do
pensamento pedagógico moderno, mas também por introduzir na dinâmica da vida
escolar uma preocupação com as artes, especialmente o teatro, o coral e a literatura.
Existia uma forma integrada de se entender o processo educativo, que não se
resumia ao ambiente escolar e que estava inserido num projeto político-cultural. Eles
acreditavam que todos os trabalhos por eles desenvolvidos (o conteúdo, as formas, os
métodos) deveriam se integrar com a sua atividade educacional, social e cultural.
Sendo assim, o ensino do iídiche e a cultura judaica, tinham esses elementos
peculiares que se tornaram destoantes da comunidade judaica tradicional. A cultura e
a educação eram os alicerces de sua sobrevivência e são constantemente usadas
como marcos estratégicos da manutenção e reinvenção de uma identidade marcada
pela diáspora. Para esse grupo, segundo Iokói (2004), o caráter da diáspora permitiu a
vivência da experiência da cultura de modo libertário. Sendo atemporal, “diaspórica”,
essa cultura consegue ser também temporal e local. Então, recriar o judaísmo na
diáspora é construir um shtetl local, ou seja, reinventar uma ideia de coletividade
judaica brasileira.
Acreditamos que o fato de ter essa visão laica do ensino de sua cultura
explique as razões de que a escola aceitasse alunos de diversas origens culturais e
religiosas. Por difundirem uma cultura judaica universalista, eles deveriam se integrar
com a cultura brasileira e não se isolar.
5. O histórico do ensino de iídiche na EIBSA
Nos primeiros anos da Escola (1949 - 1957) temos poucas informações sobre o
ensino de iídiche na escola. Sabemos que a escola começou funcionando somente no
período da manhã e na metade da década de 1950, que começa a funcionar em dois
períodos, nos quais os pais podiam escolher em qual matricular seus filhos. A escola,
paulatinamente foi recebendo cada vez mais alunos. O ensino de iídiche fazia parte do
currículo escolar, desde o primário. Havia três professoras na escola que falavam e
escreviam em iídiche e ensinavam aos alunos, a partir da literatura a língua. Em boa
parte dos depoimentos diz-se que se ensinava as histórias traduzidas do iídiche,
compondo o imaginário das crianças. Essa geração, ainda convivia com a família e
boa parte da comunidade que se comunicava em iídiche.
A Escola passa a ter rumos mais definidos com a gestão que comporta os anos
de 1958 – 1962, na gestão de Elisa Kauffman Abramovich. Autodidata com grande
experiência na militância comunista, a gestora empreendeu mudanças, apostando na
formação de professores e na liberdade de métodos de ensino. Destacaram-se, nesse
período, os cursos de formação de professores, sobre os quais há vários textos sobre
a relação entre escola e comunidade. Estes cursos tinham como principio a
interdisciplinaridade, e a valorização da criatividade na vida escolar, pois se
preocupavam menos com o resultado, e mais com o processo formativo, por isto
buscavam enfatizar, por exemplo, a experimentação de técnicas artísticas variadas.
No que tange o ensino de iídiche, Elisa contratou uma professora de música
que conhecia bem o iídiche. E algumas ex-alunas das primeiras turmas (filhas dos
fundadores do Scholem) que sabiam falar o iídiche. Apesar da pouca idade (a maioria
entre seus quinze e dezesseis anos) elas começaram como professoras assistentes e
foram se formando professoras na prática.
Fui auxiliar na pré-escola. Na verdade, me lembro que eu auxiliava a
levar meninos até o banheiro. Depois comecei a dar aulas de iídiche.
(...) E aí, não sei como, acabei virando professora de iídiche. Acho
que foi uma necessidade que a escola tinha e acabei até fazendo
uma cartilha, por não ter material para alfabetização em iídiche, Arele
e Etele. Era toda manuscrita por mim e depois xerografada. Colei em
alguns lugares os desenhos que eu mesma fiz: era a ilustração.
Fiquei como professora de iídiche, nem mesmo sei quanto tempo.
Além disso, a ex- professora do Scholem de iídiche, por mais de 20 anos relata
as dificuldades do ensino da língua
Foi difícil porque os pais das crianças que frequentaram a escola
deixaram de falar o iídiche em casa, e elas não tinham suficiente
familiarização com a língua. Tivemos que criar uma técnica
pedagógica especial para nessas condições ensinar o iídiche. Era já
do meu conhecimento que não se devia alfabetizar na idade préescolar em duas línguas. Assim, o iídiche era ensinado no curso
primário.
Cabe destacar do depoimento, que assim como o ensino de qualquer língua
estrangeira, há uma grande dificuldade em criar sentido cotidiano para o ensino de
uma língua, ainda como o iídiche que a cada geração perdia cada vez mais as
referências do convívio familiar. Sendo assim, como não havia material para ensinar o
iídiche, essas professoras criaram coletivamente uma cartilha para o ensino de iídiche,
a partir de suas experiências. Tendo em vista a formação de professoras que
conseguiriam ensinar a língua, a ex-professora de iídiche diz:
Para atingir este objetivo tivemos materiais didáticos. Foi neste
momento que Elisa Kaufman surgiu com as ideias adequadas para
resolver este problema:
Primeiro contratar professores que realmente falassem o iídiche.
Segundo promover um curso de férias com a finalidade pedagógica
do ensino do iídiche. Nesse curso de férias, eu dava a parte
metodológica. Em 1962, um curso de férias eram dadas também
aulas de literatura iídiche como também a história do povo judeu. O
curso durou cerca de um mês. Havia também uma aula seminário por
semana.
Havia uma exigência: os professores que frequentavam esse curso
de férias tinham que ser normalistas com conhecimento de
metodologia e alfabetização. Então, coordenava para que estes
conhecimentos fossem aplicados à língua iídiche. [...] Houve outro
tipo de colaboração para o ensino do iídiche na Escola: foi a criação
do grupo teatral, que representava e cantava em iídiche adquirindo,
assim, o conhecimento da literatura, do folclore, assim como das
tradições judaicas. [...] Houve encenação de textos [...] a integração
Escola-Arte com aulas de música. [...] Fazia-se então a integração
dessas aulas teatro-música-arte. Por exemplo, quando se
comemorava as Festas Judaicas, utilizava-se esta integração.
Nesse trecho, destacamos a importância que era dada à formação de
professores e a busca de um ensino integrado às artes, como o teatro e a música para
o ensino de iídiche. A leitura laica das suas tradições, já discutida anteriormente,
conseguia fazer com que apreendessem a cultura independentemente da religião.
Com isso, as artes eram fundamentais para a formação dos alunos, pois o ensino do
iídiche e da cultura não era visto como algo estanque dentro do projeto cultural, mas
como a integração de diversos ramos de conhecimento. Isso se vincula ao que eles
mesmos entendiam como a sua própria tradição e a busca de integração à cultura
brasileira.
Então tanto o ensino de iídiche teve essas marcas no ensino primário e
também na formação do Ginásio, em 1966. Continuaram ensinando as duas línguas
pelo convívio com as artes. No entanto, cada vez mais houve pressão da comunidade
para o ensino do hebraico. A escola passou por várias dificuldades, especialmente o
recrudescimento dos movimentos sociais e políticos em 1964, com o Regime Militar
(1964 – 1985). A escola passou a ter cada vez mais um número reduzido de alunos,
em boa parte por conta da migração do bairro10. Outro motivo seria a disputa pelo
ensino do iídiche. Muitos dos militantes progressistas passaram a criticar muito a
URSS. Assim como, o posicionamento em relação ao Estado de Israel e o sionismo
10
O Bairro do Bom Retiro foi um bairro nas décadas entre 1930 – 1950 de imigrantes, sobretudo
judeus. No entanto, com a ascensão social desses grupos foram mudando para bairros mais nobres
da cidade e, por conseguinte, deixando de frequentar a “Casa do Povo” e a escola.
sempre foi uma questão muito delicada dentro da comunidade judaica e, por
conseguinte, o ensino do hebraico.
Em 1973, a escola temendo perder mais alunos, houve uma exigência dos pais
que não se ensinasse mais iídiche. Foi feita uma pesquisa e confirmou-se que a
maioria dos pais queriam que se ensinasse o hebraico e uma minoria preferia o
iídiche. Nesse sentido, elaboraram um programa de “Cultura Judaica” integrado aos
estudos sociais. Era feito o estudo das festas judaicas, estudo do bairro, da cidade, do
Brasil e judeus do mundo. Assim, com textos transliterados, fazíamos os alunos
declamar, cantar, representar textos de Scholem Aleichem, Peretz, Bialik e outros
literatos que escreviam em iídiche.
Com isso, o hebraico passou a fazer parte do currículo, de 1973 até o fim do
ginásio, em 1981. Uma aluna do ensino primário relata sua experiência na mudança
do fim do ensino da língua iídiche.
A minha geração já foi uma geração que pegou o finalzinho dessa
militância do iídiche. Tanto que quando eu entrei no primário em
1970, foi uma época que houve um plebiscito de opção para saber
qual o idioma a ser ensinado, e o hebraico ganhou. Então a
experiência que eu tive com o iídiche, no Scholem, foi com música, e
a literatura (sendo que já era uma tradução para o português). (...) A
minha vivência de escuta do iídiche era dos meus pais falando com
meus avós. Mas meu pai gostava muito de música, então a musica
iídiche e um pouco a coisa da piada, do humor, das expressões, da
culinária, da vivência do Bom Retiro, o clube. (...) o iídiche continuou
presente na parte literária, na música e na cultura, mas ele saiu do
currículo escolar.
Sendo assim, vemos que apesar o iídiche ter saído do currículo, ainda fazia
parte do cotidiano escolar de uma outra forma, ainda tentando garantir a vivacidade
das práticas culturais. Segundo essa mesma aluna
Na década de 1970 havia um debate sobre o ensino dessas línguas e
passava no sentido de utilitarismo. Uma língua que não servia mais
pra muita coisa, e o hebraico que podia servir para alguma coisa,
estava mais presente. Essa oposição, em termos institucionais, o
ICIB tinha na sua genética na sua gênese, a disseminação da cultura
iídiche, com as determinações do ICUF. Colocar como plebiscito é um
pouco maluco.
Sobre o utilitarismo da língua, sabe-se que atualmente o iídiche é uma língua
utilizada em Israel pelos judeus ortodoxos, apesar de que nesse contexto apresentado
no texto se aliava aos judeus progressistas. O principal objetivo de se ensinar o iídiche
era para ler os autores da diáspora. No entanto, existiram muitas críticas em relação
ao ensino desses autores, pois na prática acabaram sendo difundidos em versões
traduzidas, sendo que em toda a tradução e se perde as peculiaridades da língua e,
paulatinamente, as suas origens.
6. Considerações Finais
Quando discutimos currículo escolar na área de educação, sabemos que ele
não é neutro, escolhido de forma aleatória e é sempre objeto de disputa das
comunidades que estão inseridas. Assim vemos nesse exemplo histórico, que o
ensino de iídiche não era neutro, havia uma escolha consciente, a partir dos seus
posicionamentos políticos dentro da comunidade judaica.
Nesse sentido, o ensino de iídiche não era um elemento imposto pela escola,
mas que sempre fora discutido com a comunidade. Com a mudança do contexto
político, as mudanças dentro da própria cidade, fizeram com que o ensino do iídiche
fosse aos poucos extinto. Hoje é uma língua pouco utilizada, mas no contexto político
de criação da escola tinha um sentido extremamente determinado e que fazia sentido
à sua comunidade.
A especificidade do ensino de iídiche na EIBSA de deu por suas práticas
pedagógicas que estavam permeadas pelo ensino da cultura, ou seja, da música, do
teatro, da literatura os quais nos depoimentos dos alunos pareceu ser bastante
marcante na sua formação.
Consideramos isso fundamental para uma prática pedagógica, o ensino pelas
artes, a integração entre as disciplinas eram práticas muito significantes. Até para o
ensino de uma língua, que mesmo perdendo sua força, seu uso é fundamental para
entendermos as práticas pedagógicas realizadas nessa escola. Portanto, cabe por fim
dizer que a escola, foi uma voz isolada dentro da comunidade judaica, sendo que
muitas vezes eram considerados “não judeus” por conta de seus posicionamentos
políticos e, o ensino de iídiche uma forma de resistência. Ao mesmo tempo, significava
a manutenção de uma tradição dos seus antepassados, como uma forma de ler o
mundo que precisava ser mantida. Acreditamos que a pedagogia, e, por conseguinte o
espaço educativo foram instrumentos que legitimaram essa experiência cuja origem foi
a invenção de um lugar de transmissão cultural para as novas gerações.
7. Referências Bibliográficas
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ativistas políticos da Casa do Povo (1940-1960). In: REUNIÃO BRASILEIRA DE
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2008.
CHARNIS, Cristina Catalina et al. Vanguarda Pedagógica: o legado do Ginásio
Israelita Brasileiro Scholem Aleichem. São Paulo: Lettera, 2008.
GUINSBURG, Jacob. Aventuras de uma língua errante. São Paulo: Perspectiva, 1996.
IOKÓI, Zilda Márcia Grícoli. Intolerância e resistência a saga dos judeus comunistas
entre a Polônia, a Palestina e o Brasil 1930-1975. São Paulo: Humanitas, 2004.
SENDACZ, José Aron. Um homem no mundo. São Paulo: Autor, 2005.
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