i UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE ENGENHARIAS E CIÊNCIAS EXATAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RECURSOS PESQUEIROS E ENGENHARIA DE PESCA EDNA APARECIDA DE OLIVEIRA Efeito de diferentes temperaturas da água e desenvolvimento inicial do jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Toledo 2012 ii EDNA APARECIDA DE OLIVEIRA Efeito de diferentes temperaturas da água e desenvolvimento inicial do jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca – Nível de Mestrado, do Centro de Engenharias e Ciências Exatas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca. Área de concentração: Manejo e Conservação de Recursos Pesqueiros de Águas Interiores. Orientador: Prof. Dr. Gilmar Baumgartner Co-orientador: Prof. Dr. Robie Allan Bombardelli Toledo 2012 iii FOLHA DE APROVAÇÃO EDNA APARECIDA DE OLIVEIRA Efeito de diferentes temperaturas da água e desenvolvimento inicial do jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca – Nível de Mestrado, do Centro de Engenharias e Ciências Exatas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca, pela Comissão Julgadora composta pelos membros: COMISSÃO JULGADORA ____________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Baumgartner Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Presidente) ____________________________________________ Prof. Dr. Paulo Vanderlei Sanches Universidade Estadual do Oeste do Paraná ____________________________________________ Prof. Dr. Andréia Bialetski Universidade Estadual de Maringá Aprovada em: 31 de agosto de 2012. Local de defesa: Auditório do Gerpel na Unioeste/Campus de Toledo. iv DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha Mãe Laudisa Mendes Gobbi e meu Filho Edson Alexandre de Oliveira Mandotti, que, pela imensidão de vosso amor tens um pouco de Deus e pela constância de vossa dedicação, tens muito de anjo, amigos, que conseguiram sorrir na dor, e ver esperança na falta. Carlos Drummond de Andrade cita, Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho. Amo vocês! v AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, que me concedeu o sopro de vida e me proporcionou muitos momentos felizes, e que nunca me desamparou nos momentos difíceis da minha vida, dando-me força e coragem para enfrentar os muitos desafios ao longo desta caminhada. A minha Mãe Laudiza, meu filho Edson Alexandre, meu namorado Dilceu Pedro, meus irmãos Edson e Evandro e familiares, pelo amor, carinho e dedicação, e por estarem comigo nos momentos difíceis, me apoiando e me aconselhando. Ao meu Orientador, Prof. Dr. Gilmar Baumgartner, por todos os ensinamentos, orientação, atenção, compreensão, paciência, carinho, confiança e suporte ao longo desse caminho. A todos os meus professores que demonstraram apoio, compreensão e amizade durante o período dedicado a esta pesquisa. Principalmente o Prof. Dr. Paulo Vanderlei Sanches pelos ensinamentos e parceria e o Prof. Dr. Nyamien Yahaut Sebastien pela amizade e o ingresso à vida acadêmica. Ao meu inesquecível amigo e “Mestre” Eléxio Vidal, pelos ensinamentos, paciência, confiança, honestidade, humildade, perseverança, exemplo de dedicação e de responsabilidade perante os parceiros de trabalho e a sociedade. A todos os meus amigos, que demonstraram apoio e compreensão durante o período que estive ausente do convívio social para me dedicar a esta pesquisa. Principalmente, Denise Nascimento de Bastos e Marcio Douglas Goes pela parceria. Ao Programa de Pós Graduação Sticto Sensu em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca – Nivel de Mestrado. Ao GERPEL – Grupo de Pesquisas em Recursos Pesqueiros e Limnologia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. A CAPES – Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo auxilio da Bolsa. Ao LATRAAC – Laboratório de Tecnologia da Reprodução de Animais Aquáticos Cultiváveis. Ao InPAA – Instituto de Pesquisa em Aqüicultura Ambiental. vi MINHA HOMENAGEM “Mestre é aquele que caminha com o tempo, propondo paz, fazendo comunhão, despertando sabedoria. Mestre é aquele que estende a mão, inicia o diálogo e encaminha para a aventura da vida. Não é só aquele que ensina fórmulas, regras, raciocínios, mas aquele que também questiona e desperta para a realidade. Não é aquele que dá de seu saber, mas aquele que faz germinar o saber do discípulo. Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina!” (Cora Coralina) vii Efeito de diferentes temperaturas da água e desenvolvimento inicial do jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) RESUMO Este estudo é composto de dois artigos, com os seguintes objetivos: 1) avaliar os efeitos de diferentes níveis de temperatura da água sobre as fases iniciais, e 2) caracterizar as diferentes fases de desenvolvimento do jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae). Especificamente pretende-se avaliar os efeitos de diferentes níveis de temperatura da água sobre a porcentagem de fertilização, sobrevivência, tempo necessário para início e término da eclosão e ocorrência de deformidades. Além disso, serão caracterizadas as fases de desenvolvimento embrionário e larval. O experimento foi inteiramente casualizado com cinco tratamentos (A=18, B=22, C=26, D=30 e E=34ºC) e quatro repetições. Em cada um dos tratamentos foram efetuadas amostragens de ovos e larvas a diferentes intervalos de tempo a partir da fecundação, sendo que a descrição das fases embrionárias e larvais foram efetuadas considerando a temperatura ambiente (22oC). O início e o término da eclosão, em função das diferentes temperaturas, foram testados através de análise de correlação de Pearson, enquanto que as diferenças entre os tratamentos para os outros parâmetros foram testadas através de ANOVA e teste de Tukey a posteriori. O tratamento E (34 oC) foi letal para os ovos. A porcentagem de fertilização foi mais elevada para os tratamentos A (91,90%) e B (90,42%), diferindo significativamente do tratamento D. A porcentagem de sobrevivência foi mais elevada nos tratamentos C (58,61%) e B (57,25%), que diferiram significativamente dos demais. O início da eclosão mostrou uma relação exponencial inversa com a temperatura (r2 = 0,921), sendo o mesmo verificado para o final da eclosão (r2 = 0,515). A maior porcentagem de deformidades foi registrada no tratamento D. Os ovos são esféricos, demersais e não aderente, possuem espaço perivitelino definido e córion resistente, o diâmetro médio do ovo varia entre 1,9 (±0,09) mm e 3,6 (±0,36) mm, o diâmetro médio do vitelo vai de 0,9 (±0,10) mm a 1,7 (±0,07) mm e o espaço perivitelino de 0,3 (±0,00)mm a 0,0 (inexistente). As larvas eclodem aproximadamente 22 horas após a fertilização (22ºC), apresentam cromatóforos na região frontal e ventral do corpo. Diante dos resultados pode-se concluir que temperaturas acima de 30 graus, causam redução na porcentagem fertilização e de sobrevivência das larvas, e elevadas deformidades, podendo ocorrer a morte das larvas, entretanto, induzem ao processo de eclosão mais rapidamente. Palavras-chave: Temperatura. Fertilização. Sobrevivência. Aquicultura. Desenvolvimento inicial de peixes. viii Effect of different water temperature levels and initial development of jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) ABSTRACT This study is composed by two papers with the following objective: 1) to evaluate the effects of different water temperature levels on the initial development, and 2) to characterize the different stage of the initial development of the jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae). Specifically we intend to evaluate the effects of different water temperature level on the fertilization and survival percentages, time required for beginning and end the eclosion and the occurrence of deformities. Also the embrionary and larval development stages are described. The experiment were entirely randomized with five treatments (A=18, B=22, C=26, D=30 e E=34ºC) and four repetitions. At each treatment eggs and larvae were collected at different time interval from fecundation, being the description of the different fases was done considering the ambiental temperature (22oC). The beginning and the end of eclosion, under influence of different temperatures, were tested by Pearson’s correlation, and the differences between the treatments for the others parameters were tested through ANOVA and a posterior Turkey’s test. The treatment E (34 oC) was lethal to the eggs. The fertilization percentage was higher at treatments A (91,90%) e B (90,42%), differing significantly from treatment D. The survival percentage was higher in treatments C (58,61%) and B (57,25%), which ones differed greatly from the others. The beginning of the eclosion showed a reversal exponential relationship with the temperature (r2 = 0,921), being the same observed for the end of eclosion (r2 = 0,515). The greatest number of deformities was registered in the treatment D. Eggs are spherical, demersal, and non-adhesive, have a defined perivitelline space and resistant chorion, eggs mean diameter ranging from 1.9 (± 0.09) mm and 3.6 (± 0.36) mm, mean yolk diameter from 0,9 (±0,10) mm and 1,7 (±0,07) mm and the perivitelline space varies from 0,1 (±0,00)mm to 0,0 (inexistent). Incubation time was approximately 22 hours at 22ºC, The larvae showed pigments in frontal and ventral regions of the body. Considering the results we can conclude that temperatures over 30°C cause reduction in the percentage of fertilization and survival of larvae and high deformities, which can make the larvae die, however, induce the eclosion process quickly. Keywords: Temperature. Fertilization. Survival. Aquiculture. Initial development of fishes. ix SUMÁRIO Resumo ...................................................................................................................................... 5 Abstract ..................................................................................................................................... 6 Introdução ................................................................................................................................. 7 Metodologia ............................................................................................................................... 9 Resultados e Discussão ........................................................................................................... 14 Conclusão ................................................................................................................................ 18 Referências .............................................................................................................................. 19 Resumo .................................................................................................................................... 22 Abstract ................................................................................................................................... 23 Introdução ............................................................................................................................... 24 Metodologia ............................................................................................................................. 24 Resultados ............................................................................................................................... 26 Período embrionário ....................................................................................................... 26 Período larval ................................................................................................................... 28 Proporções corporais....................................................................................................... 29 Discussão ................................................................................................................................. 31 Referências .............................................................................................................................. 32 5 Efeito de diferentes níveis de temperatura da água sobre o desenvolvimento inicial do jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Resumo O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos de diferentes níveis de temperatura da água sobre o desenvolvimento inicial do jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae). Especificamente pretendeu-se avaliar os efeitos de diferentes níveis de temperatura sobre a porcentagem de fertilização, sobrevivência, tempo necessário para início e término de eclosão e ocorrência de deformidades. O experimento foi inteiramente casualizado com cinco tratamentos (A=18, B=22, C=26, D=30 e E=34ºC) e quatro repetições, realizado entre 12 e 15 de novembro de 2010. Em cada um dos tratamentos foram efetuadas amostragens de ovos e larvas a diferentes intervalos de tempo a partir da fecundação, para avaliação dos parâmetros mencionados acima. O início e o término da eclosão, em função das diferentes temperaturas, foram testados através de análise de correlação de Pearson, enquanto que as diferenças entre os tratamentos para os outros parâmetros foram testadas através de ANOVA e teste de Tukey a posteriori. O tratamento E (34 oC) foi letal para os ovos. A porcentagem de fertilização foi mais elevada para os tratamentos A (91,90%) e B (90,42%), diferindo significativamente do tratamento D. A porcentagem de sobrevivência foi mais elevada nos tratamentos C (58,61%) e B (57,25%), que diferiram significativamente dos demais. O início da eclosão mostrou uma relação exponencial inversa com a temperatura (r2 = 0,921), sendo o mesmo verificado para o final da eclosão (r2 = 0,515). A maior porcentagem de deformidades foi registrada no tratamento D. Diante dos resultados pode-se concluir que temperaturas acima de 30 graus, causam redução na porcentagem de fertilização e na sobrevivência das larvas e elevadas deformidades, podendo ocorrer a morte das larvas, entretanto, induzem ao processo de eclosão mais rapidamente. Palavras-chave: Temperatura. Fertilização. Sobrevivência. Aquicultura. Desenvolvimento inicial de peixes. 6 The effect of different temperature levels on the initial development of jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Abstract This study aimed to evaluate the effects of different and water temperature levels on the initial development of jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae). Specifically we intend to evaluate the effects of different water temperature on the fertilization and survival percentages, time required for beginning and end of the eclosion and occurrence of deformities. The experiment was entirely randomized with five treatments (A=18, B=22, C=26, D=30 e E=34ºC) and four repetitions, carried out between November 12 and 15 2010. At each treatment eggs and larvae were collected at different time interval from fecundation for evaluating the parameters mentioned above. The beginning and the end time of eclosion, under influence of different temperatures, were tested by Pearson’s correlation, and the differences between the treatments for the others parameters were tested through ANOVA and a posterior Turkey’s test. The treatment E (34 oC) was lethal to the eggs. The fertilization percentage was highest at treatments A (91,90%) e B (90,42%), differing significantly from treatment D. The survival percentage was highest at treatments C (58,61%) and B (57,25%), which ones differed greatly from the others. The beginning time of eclosion showed a inversal exponential relationship with the temperature (r2 = 0,921), being the same observed for the end of eclosion (r2 = 0,515). The greatest number of deformities was registered in the treatment D. Considering the results, we can conclude that temperatures over 30°C cause reduction in the percentage of fertilization and survival of larvae and high deformities, which can make the larvae die, however, induce the processes of eclosion quickly. Keywords: Temperature. Fertilization. Survival. Aquiculture. Initial development of fishes. 7 Introdução A produção de organismos aquáticos está crescendo mais rapidamente do que qualquer outra atividade de produção de alimentos de origem animal, e tende a ultrapassar o volume de pescado capturado, que se estagnou devido à diminuição dos estoques naturais (FAO, 2010). Com a queda do setor pesqueiro extrativo nas últimas décadas, o rápido crescimento da aquicultura tem sido a única forma de acompanhar a elevada demanda do consumo de pescado mundial (SEBRAE, 2008). Neste contexto, é crescente a demanda por estudos relacionados às diferentes espécies com potencial zootécnico, que atendam as exigências do mercado consumidor em qualidade de carne e características relacionadas à pesca esportiva (SALARO et al., 2003). Apesar de contar com inúmeras espécies nativas, a aquicultura brasileira apresenta grande foco nas espécies exóticas, representadas pela tilápia (Oreochromis niloticus), pois esta tem maior viabilidade econômica graças aos avançados conhecimentos de manejo e biologia. Alguns fatores reforçam o destaque da tilápia como espécie interessante do ponto de vista produtivo (OLIVEIRA, 2009), tais como: alimenta-se dos itens básicos da cadeia trófica, tem rápido crescimento, é resistente à doenças, superpovoamento e baixas concentrações de oxigênio dissolvido, adapta-se aos mais diversos sistemas de criação e é aceita nos mercados de lazer (pesque-pague) e alimentício (frigoríficos) (MEURER, et al., 2003). Por outro lado, observa-se um avanço no desenvolvimento de técnicas para o cultivo de espécies nativas de peixes (ZANIBONI-FILHO, 2000), sendo que muitas já são cultivadas em cativeiro, em escala industrial, dentre elas, alguns Characiformes como o curimba (Prochilodus lineatus), piau (Leporinus friderici), piapara (Leporinus elongatus) e pacu (Piaractus mesopotamicus) e também grandes bagres pimelodídeos como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o cachara (Pseudoplatystoma fasciatum) (LUDWIG et al., 2005). Existe uma grande tendência de crescimento da piscicultura de espécies nativas de água doce no Brasil, entretanto, diversos problemas de manejo devem ser superados. Segundo Gomes et al. (2000), o entendimento da relação dos parâmetros físicos e químicos da água, com o crescimento de peixes em cultivo, são essenciais para melhorar o desempenho e uso das espécies nativas na piscicultura. Em um sistema de cultivo, os momentos mais críticos são aqueles relacionados às fases iniciais, de modo que conhecer a fase inicial do ciclo de vida dos peixes é de suma 8 importância, uma vez que os resultados se refletem em aplicações no desenvolvimento da piscicultura. As larvas, segundo Nakatani et al., (2001), além de representarem uma fase crítica do sucesso de recrutamento, se apresentam como organismos distintos dos adultos em requerimentos ecológicos, tornando estes estudos imprescindíveis ao entendimento da dinâmica populacional. Deste modo, a produção inicial de peixes pode ser otimizada através do entendimento das melhores condições para incubação (ALVES e MOURA, 1992), tendo em vista que elevadas taxas de crescimento são típicas do desenvolvimento inicial dos peixes. Entretanto, as condições ótimas para o desenvolvimento inicial, variam entre as espécies de peixes, de maneira que a temperatura da água é um fator crítico na determinação da taxa de crescimento, afetando o desenvolvimento inicial, o tempo necessário para a eclosão, e também a eficiência na utilização do vitelo (KAMLER, 1992; SAKA et al., 2004; GABILLARD et al., 2005). Os peixes possuem limites de tolerância às variações de temperatura, que se não forem respeitados, pode comprometer seu metabolismo (PAVANELLI, 1999), inviabilizando o desenvolvimento embrionário, larval e posterior cultivo. De acordo com Chippari-Gomes (2000), a temperatura é um importante fator ecológico que afeta diretamente a sobrevivência dos peixes. Embora limites térmicos tenham sido estabelecidos para várias espécies de peixes teleósteos (TSUCHIDA, 1995), poucas informações estão disponíveis para espécies tropicais e subtropicais. Entre as espécies nativas de peixes, utilizadas na piscicultura, o jundiá (Rhamdia quelen) pertencente à classe Osteichthyes, ordem Siluriformes e família Heptapteridae (NAKATANI et al., 2001), é adaptado à diferentes ambientes e vem apresentando bons resultados em cultivo, principalmente em regiões mais frias. É um peixe de fácil reprodução, com boa resistência ao manejo e hábito alimentar onívoro, o que contribui para a aceitação de alimentos artificiais (GOMES et al., 2000; BARCELLOS et al., 2004; CARNEIRO e MIKOS, 2005), difere de muitas espécies de peixes nativos, em função da boa aceitação pelo mercado consumidor, carne saborosa e ausência de espinhos intramusculares (LOPES et al., 2006). De acordo com Baldisserotto et al. (2005), esta espécie pode sobreviver a temperaturas entre 3 e 32ºC, entretanto, a faixa de temperatura recomendada para seu cultivo é de 16 a 26°C (RADÜNZ-NETO, 1981). O cultivo de Rhamdia quelen (jundiá) está aumentando no sul do Brasil, mas ainda está muito abaixo de suas possibilidades, pois vários parâmetros biológicos sobre a espécie ainda não são conhecidos, principalmente sobre as fases iniciais do ciclo de vida (GOMES et 9 al., 2000). Partindo da hipótese de que temperaturas mais elevadas causam danos ao desenvolvimento inicial desta espécie, o presente trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos de diferentes níveis de temperatura da água (18, 22, 26, 30 e 34ºC), sobre o desenvolvimento do jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae). Especificamente pretende-se avaliar os efeitos da temperatura sobre a fertilização dos ovos, tempo necessário para o início e término de eclosão, sobrevivência larval e ocorrência de deformidades nas larvas. Metodologia O trabalho foi conduzido entre 12 e 15 de novembro de 2010, no Laboratório de Tecnologia da Reprodução de Animais Aquáticos Cultiváveis (LATRAAC), instalado no Instituto de Pesquisa em Aquicultura Ambiental (InPAA), e no Laboratório de Ictiologia do Grupo de Pesquisas em Recursos Pesqueiros e Limnologia (GERPEL), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Para a consecução dos objetivos foram utilizados dois machos e três fêmeas de jundiá cinza (R. quelen) (Figura 1), provenientes da própria estação. Os reprodutores foram induzidos artificialmente, com extrato pituitário de carpa (EHC), segundo a metodologia descrita por Woynarovich e Horváth (1983), sendo que para isso, os mesmos foram previamente sedados com benzocaína (1%). As fêmeas foram induzidas com 5,5 mg de EHC/kg de peso, divididos em duas doses, sendo a primeira de 0,5 mg\kg às 10hs da manhã e a segunda de 5,0 mg de EHC\kg às 22hs, enquanto que os machos receberam uma dose única de 2,5 mg de EHC\kg às 22hs. 10 Figura 1 - Reprodutor de jundiá cinza (Rhamdia quelen). Após um período de 240 horas-grau ou unidade térmica acumulada (UTA), os reprodutores foram retirados do tanque com auxílio de puça e rapidamente colocados sobre uma bancada para coleta dos gametas. Para isso, os indivíduos foram contidos e secos com panos e papel-toalha (BOMBARDELLI et al., 2006). Os gametas (ovócito e espermatozóides) foram coletados a seco, sob leve pressão abdominal no sentido céfalo-caudal, formando um pool de ovócitos (Figura 2A) e outro de sêmen (Figura 2B). Os primeiros ovócitos foram desprezados para evitar possível contaminação por urina ou fezes (BROOKS et al., 1997), sendo o restante e colocado em placa de Petri. A primeira gota de sêmen também foi desprezada para evitar possível contaminação (POUPARD et al., 1998) e o restante foi coletado em um becker. A B Figura 2 - Pool de ovócitos (A) e recipiente com sêmen (B). Os ovócitos (3,0 mL) e o sêmen (0,5 mL) foram acondicionados em copos plásticos de 180 mL (Figura 3A), para a homogeneização dos mesmos, sendo acrescentados 15 mL de 11 água dos próprios tratamentos (diferentes temperaturas) para a fertilização e hidratação. Após a hidratação, os ovos foram incubados sincronizadamente (em média 3.828 ovos por incubadora de 2,5 litros) (Figura 3B), em um delineamento experimental inteiramente casualizado, com cinco tratamentos (temperaturas de: A=18, B=22, C=26, D=30 e E=34ºC) e quatro repetições. A B Figura 3 - ovócitos e sêmen (A) e processo de incubação (B). As incubadoras foram instaladas em um sistema de recirculação, com as diferentes temperaturas controladas automaticamente por aquecedores elétricos munidos de termostato, cabos com sensores e um protótipo (Figura 4). As verificações de temperatura foram realizadas de hora em hora a partir da incubação. 12 Figura 4: Sistema de incubação dos ovos de jundiá, (A) termostato, (B) termômetro analógico, (C) protótipo e (D) Sistemas de recirculação utilizados. Fonte: Marcio D. Goes A determinação da taxa de fertilização foi efetuada nove horas após o início da incubação, segundo Zaniboni-Filho e Barbosa (1992) (Figura 5), através da contagem de 400 ovos hidratados de cada repetição, com o auxílio de estereomicroscópio (10x), sendo que: Taxa de fertilização = número de ovos em divisão x 100 / número total de ovos. Figura 5: Coleta dos ovos de jundiá 13 Foi mensurado ainda o período de tempo em termos de unidades térmicas acumuladas (horas-grau), após a fertilização artificial, necessário para o início (IE) e término (TE) da eclosão. Para estimativa do tempo de eclosão, as amostras de ovos foram observadas em microscópio óptico, sendo o início da eclosão registrada quando 10% das larvas de cada repetição haviam nascido e para término da eclosão quando 90% das larvas haviam nascido. A relação entre os diferentes tratamentos e os tempos de início e término de eclosão foi efetuada através de uma correlação de Pearson (MENDES, 1999). Para análise da sobrevivência, após a completa absorção do saco vitelino todas as larvas das incubadoras foram fixadas em formol 4%, tamponado com carbonato de cálcio e armazenadas em frasco de acrílico imediatamente etiquetado, observando-se a data e horário (NAKATANI et al,. 2001), e posteriormente contadas, sendo que a taxa de sobrevivência foi expressa pela equação: Taxa de Sobrevivência = número de larvas x 100 / número total de ovos. Para verificação das deformidades larvais foram analisadas 400 larvas de cada tratamento, através de microscópio estereoscópico, sendo que as seguintes deformidades foram consideradas: edema cardíaco (EC), atrofia em tamanho (AT) e nos barbilhões (AB), escoliose e lordose (EL), larva siamesa (LS), e larva normal (NO) (Figura 6). Para verificação de diferenças entre os tratamentos, os resultados foram submetidos à análise de variância unifatorial (ANOVA), e teste de Tukey a posteriori, sendo que todos os testes estatísticos foram avaliados ao nível de significância de 5% (Mendes, 1999). Para esta análise utilizou-se o software Statictic 8.0 (STATISOFT, 2009). EC AT 14 AB EL LS NO Figura 6 – Deformidades larvais registradas em larvas de jundiá cinza (R. quelen), incubadas em diferentes temperaturas da água. Resultados e Discussão O tratamento de 34 oC foi letal para os ovos, sendo portanto, excluído das análises. Este resultado mostra que após ultrapassar o limite de tolerância da espécie à temperatura, ocorre a morte dos ovos, pois os tecidos dos peixes podem ser afetados diretamente pela elevação da temperatura. Segundo Baldisserotto (2002), todo o processo biológico ocorre dentro de uma faixa normal de temperatura e valores extremos podem causar distúrbios letais. Segundo este mesmo autor, as mudanças de temperatura provocam modificações em várias atividades fisiológicas nos peixes, sendo que o aumento da temperatura eleva a frequência cardíaca e o aumento da ventilação, em função do aumento do metabolismo. Além disso, conforme a temperatura, os organismos podem utilizar vias metabólicas diferentes, ocorrendo mudanças na síntese de enzimas, e com esta mudança no metabolismo celular as substâncias de reserva podem se alterar, mudando também a composição do vitelo. Deste modo, a falta de mecanismo de adaptação dos ovos às mudanças na temperatura, e possivelmente a mudança do metabolismo celular, possam explicar a letalidade destes na temperatura de 34 oC 15 observada no presente estudo. O tempo necessário para o início da eclosão apresentou relação exponencial inversa com a temperatura (r2 = 0,921) (Figura 7), mostrando que temperaturas mais elevadas aceleram o processo de incubação, induzindo ao nascimento mais rapidamente, sendo o mesmo verificado para o final da eclosão (r2 = 0,515) (Figura 7). A relação inversa entre a temperatura e o início da eclosão parece ser um padrão para a maioria das espécies de peixes neotropicais, segundo Sato et al., (2000), a duração da embriogênese é influenciada pela temperatura, isto é, em temperaturas mais altas a duração é menor. Neste sentido, RodriguesGaldino et al. (2009) registraram uma relação negativa entre o tempo de desenvolvimento dos embriões e temperatura de incubação para esta mesma espécie (R. quelen), e enfatizam que temperaturas mais elevadas geralmente aceleram, enquanto temperaturas mais baixas reduzem a duração do período de desenvolvimento. Neste mesmo sentido, Van Maaren e Daniels (2001) afirmam que as larvas de Paralichthys lethostigma eclodem 58 horas após a fertilização a temperatura de 17oC e 30 horas após a fecundação a 25oC de temperatura. Além disso, a duração da embriogênese pode estar associada à estratégia reprodutiva das espécies, Sato et al., (2003) relatam que a embriogênese dos peixes de piracema é mais curta e a eclosão ocorre com menos de 500 horas-grau, enquanto que a de espécies sedentárias (como é o caso de R. quelen) ocorre acima de 1000 horas-grau, o que foi constatado no presente estudo. 16 Figura 7 – Correlação entre a temperatura dos diferentes tratamentos e o tempo necessário para o início (I.E.) e término de eclosão (T.E.) para R. quelen. A porcentagem de fertilização foi mais elevada para os tratamentos A (91,90%) e B (90,42%), diferindo significativamente (p<0,05) do tratamento D (Figura 8A). De acordo com Baldisserotto (2002), para R. quelen as temperaturas entre 18 e 22ºC foram ideais para a fertilização de ovos, coincidindo com os resultados registrados no presente estudo. Este autor sugere que em baixas temperaturas deve haver um ajuste fisiológico, decorrente do desenvolvimento embrionário mais lento, consistindo na reorganização do metabolismo celular. A porcentagem de sobrevivência foi mais elevada nos tratamentos C (58,61%) e B (57,25%), que diferiram significativamente dos demais (p>0.05) (Figura 8B). Embora a maior fertilização tenha ocorrido nas temperaturas mais baixas, a sobrevivência foi maior entre 22 e 26oC. De acordo com Baldisserotto (2002), dependendo da temperatura pode ocorrer mudanças no metabolismo celular e a sobrevivência das larvas pode variar, o que provavelmente esteja associado à melhor síntese de enzimas nesta faixa de temperatura. Segundo Baldisserotto et al. (2005), o jundiá pode sobreviver a temperaturas entre 3 e 32ºC, entretanto, a faixa de temperatura recomendada para o cultivo desta espécie é de 16 a 26°C (RADÜNZ-NETO, 1981), coincidindo com as melhores temperaturas registradas no presente estudo para fertilização (18 a 22 oC) e sobrevivência (22 a 26 oC). 17 A B 94 65 92 60 90 55 88 50 86 45 84 40 35 82 30 80 20 76 74 Sobrevivência % Fertilização (%) 25 78 15 A B C Tratamentos D Média Média±ep 10 A B C Tratamentos D Média Média±ep Figura 8 - Porcentagem de Fertilização dos ovos (A) e Sobrevivência larval (B) de jundiá cinza (Rhamdia quelen) submetidos a diferentes níveis de temperatura (A=18, B=22, C=26, D=30oC). No tratamento A (18oC), 80% das larvas analisadas não apresentavam deformidades, entretanto, foi registrado 2,0% de larvas com escoliose e lordose (Fig. 9A). No tratamento B (22oC) a porcentagem de deformidades foi maior (5,0%), sendo registradas escoliose e lordose (2,25%), atrofia em tamanho (2%), edema cardíaco (0,5%) e larva siamesa (0,25%) (Fig. 9B). Já no tratamento C (26oC), foram registrados 9% de deformidades, sendo atrofia no tamanho (3,25%), atrofia nos barbilhões (2,75%), edema cardíaco (2,5%) e escoliose e lordose (0,5%) (Fig. 9C). O maior número de deformidades foi registrado no tratamento D (90,7%), que diferiu significativamente dos demais (p>0.05) (Figs. 9D e 10). Neste tratamento foram registrados: edema cardíaco (29.5%), atrofia em tamanho (30,5%), escoliose e lordose (9,5%) e atrofia de barbilhões (21,2%). Fica evidente que temperaturas acima de 30 graus causaram elevada porcentagem de deformidades, ocorrendo a morte dos ovos acima de 34 graus. De acordo com Brown e Nuñez (2003), tais deformações podem estar associadas a fatores físicos, químicos, genéticos, à nutrição e/ou ao ambiente. Entretanto, possivelmente o fator que mais influenciou no aparecimento de deformidades foi a alteração no metabolismo, como discutido acima. Relatos da ocorrência de deformidades larvais em R. quelen são encontrados no trabalho de Rodrigues-Galdino (2009), que registraram a presença de larvas mal formadas (edema cardíaco) em larvas mantidas em temperaturas acima de 30 oC, e Carrillo e Romagosa (2004) relataram a ocorrência de peixes siameses em tilápia-do-Nilo, Oreochromis niloticus, submetida a tratamento com choque térmico. 18 Figura 9 – Deformidades larvais encontradas nos tratamentos: (A) A=18ºC, (B) B=22ºC, (C) C=26ºC, (D) D=30ºC. 140 120 Deficiências 100 80 60 40 20 0 -20 -40 A B C D Tratamento Figura – 10 - Deformidades larvais em relação aos diferentes tratamentos. Conclusão Diante dos resultados podemos concluir que temperaturas acima de 30 graus, causam redução na fertilização, na porcentagem de sobrevivência e consequentemente causam elevadas deformidades nas larvas desta espécie, podendo inclusive ocorrer a morte das 19 mesmas, entretanto, induzem ao processo de eclosão mais rapidamente. Considerando a porcentagem de fertilização e sobrevivência mais elevada em temperatura de 22 oC (temperatura ambiente), esta parece ser a temperatura mais indicada para o cultivo desta espécie. Referências Alves, M.S.D.; Moura, A. 1992. Estádios de desenvolvimento embrionário e curimatã-pioa Prochilodus affinis (Reinhardt, 1874) (Pisces, Prochilodontidae). In: Encontro Anual de Aquicultura de Minas Gerais, 10, Belo Horizonte. Anais. Três Marias: CODEVASF. p. 61-71. Baldisserotto, B.; Gomes, L. C. 2005. Espécies nativas para piscicultura no Brasil. Santa Maria-RS: UFSM, p. 470. 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Os ovos e larvas analisados foram obtidos através de desovas induzidas realizadas junto ao Instituto de Pesquisa em Aqüicultura Ambiental (InPAA), entre os meses de novembro e dezembro de 2010. Foram analisados 80 ovos e 40 larvas, através de variáveis morfométricas. Os ovos são esféricos, demersais e não aderente, apresentam espaço perivitelino definido e córion resistente, o diâmetro médio do ovo varia entre 1,9 (±0,09) mm e 3,6 (±0,36) mm, o diâmetro médio do vitelo de 0,9 (±0,10) mm e 1,7 (±0,07) mm e o espaço perivitelino de 0,3 (±0,00)mm a 0,0 (inexistente). As larvas eclodem aproximadamente 22 horas após a fertilização (22ºC), e apresentam cromatóforos na região frontal e ventral do corpo. Palavras-chave: Rhamdia quelen, desenvolvimento inicial, peixe. 23 Initial Development of jundiá (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae) Abstract The objective of this study was to characterize the initial development of jundiá cinza Rhamdia quelen. Specifically we intend to describe the embrionary and larval development os jundiá cinza (R. quelen) reared at ambient temperature (22oC). Eggs and larvae analyzed were obtained from artificial spawning performed in Research Institute of Environmental Aquaculture (InPAA), from November to December 2010. Eighty eggs and forty larvae were analyzed through morphometric analyses. Eggs are spherical, demersal, and non-adhesive, have defined perivitelline space and resistant chorion, the eggs mean diameter ranged from 1.9 (± 0.09) mm to 3.6 (± 0.36) mm, the mean yolk diameter were from 0,9 (±0,10) mm to 1,7 (±0,07) mm and the perivitelline space varies from 0,1 (±0,00)mm to 0,0 (inexistent). Incubation time was approximately 22 hours at 22ºC, and larvae showed pigments in frontal and ventral region of the body. Keywords: Rhamdia quelen, early development, fish. 24 Introdução A compreensão do ciclo de vida dos peixes não pode ser considerada adequada sem o conhecimento sobre o desenvolvimento inicial das espécies, uma vez que a maioria dos estudos com peixes refere-se principalmente a jovens e adultos (SANCHES et al., 2001; SANTIN, 2007). Um dos maiores obstáculos é a identificação do material coletado em ambiente natural (BIALETZKI et al., 1998), o que torna indispensável o conhecimento prévio do desenvolvimento inicial das espécies a qual realmente pertencem (BIALETZKI et al., 2001). Deste modo, a análise dos dados morfométricos de ovos, larvas e juvenis permitem, diferenciar os estágios de desenvolvimento e auxiliar na correta identificação das espécies (SANCHES et al., 1999). As larvas de peixes são morfologicamente diferentes dos adultos e apresentam exigências ecológicas distintas, quanto ao habitat e à alimentação, e comportamento diferenciado (SANCHES et al., 2001). No entanto, ainda é reduzido o número de espécies cujas larvas foram descritas até o momento, a carência de informações não está limitada apenas aos aspectos bioecológicos, embora inclua, para grande parte dos rios, até uma lista básica de espécies presentes (AGOSTINHO et al., 2007). Para a bacia do rio Paraná, entre os trabalhos efetuados com fases iniciais de peixes nativos, podem ser citar os trabalhos de Galuch (2003) que descreveu o desenvolvimento inicial e distribuição temporal de larvas e juvenis de Bryconamericus stramineus, Bialetzki et al (2008) que descreveu o desenvolvimento inicial de Hoplias aff. Malabaricus, Taguti et al (2009) com a caracterização do desenvolvimento inicial de Pyrrhulina australis. Deste modo, o presente trabalho tem como objetivo, descrever os estágios iniciais de desenvolvimento do jundiá cinza (Rhamdia quelen; Siluriformes, Heptapteridae), através de variáveis morfometrias e merística, visando fornecer subsídios para a identificação dos ovos e larvas desta espécie, coletadas em ambiente natural. Especificamente pretende-se descrever o desenvolvimento embrionário e larval desta espécie, cultivada em temperatura de água ambiente. Metodologia O trabalho foi conduzido entre 06 de novembro a 07 dezembro de 2010, no Laboratório de Tecnologia da Reprodução de Animais Aquáticos Cultiváveis (LATRAAC), 25 no Instituto de Pesquisa em Aqüicultura Ambiental (InPAA), e no Laboratório de Ictiologia do Grupo de Pesquisas em Recursos Pesqueiros e Limnologia (GERPEL), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Para a consecução dos objetivos foram utilizados dois machos e três fêmeas de jundiá cinza (R. quelen) (Figura 1), provenientes da própria estação. Os reprodutores foram induzidos artificialmente, com extrato pituitário de carpa (EHC), segundo Woynarovich e Horváth (1983), sendo que para isso, os mesmos foram previamente sedados com benzocaína (1%). Após a fecundação os ovos foram incubados em temperatura de 22 oC (temperatura ambiente), em incubadora cilíndrico cônica, com capacidade para 2,5 litros. As amostragens das formas iniciais foram realizadas em diferentes intervalos de tempo, de acordo com a fase de desenvolvimento, sendo que as primeiras amostras foram obtidas logo após a hidratação e início da incubação dos ovos e seguiram em intervalos de 10 minutos durante a primeira hora, da segunda até a terceira hora as coletas foram efetuadas a cada 15 minutos, e a partir daí, a cada 30 minutos foram efetuadas amostragens até a completa eclosão dos ovos. Após a eclosão até a completa absorção do saco vitelino as larvas foram coletadas a cada duas horas, e a partir do início da alimentação exógena as coletas ocorreram em intervalos de 12 horas. O material coletado foi fixado em formol 4%, tamponado com carbonato de cálcio e armazenado em frasco de acrílico imediatamente etiquetado, observando-se a data e horário (Nakatani et al,. 2001). Para a descrição das características morfométricas dos estágios de desenvolvimento embrionário e larvais, foram analisados 80 ovos e 40 larvas, sendo adotados os critérios de Nakatani et al. (2001), como segue: Ovo: compreende a fase a partir da fertilização, com todas as etapas de formação do embrião até a eclosão: clivagem inicial, mórula, blástula, gástrula, embrião inicial, formação da cauda, cauda livre e embrião final. Período larval: inicia-se a partir da eclosão até o aparecimento dos primeiros raios das nadadeiras e desaparecimento da nadadeira embrionária. Neste período as larvas foram classificadas em quatro estágios: Larval vitelino: compreende desde a eclosão até o início da alimentação exógena. Pré-flexão: do início da alimentação exógena até a flexão da notocorda, com aparecimento dos primeiros elementos de suporte da nadadeira caudal. Flexão: do início da flexão da notocorda e aparecimento dos elementos de suporte da nadadeira caudal até a completa flexão da mesma, surgindo o botão da nadadeira pélvica e início da segmentação dos raios das nadadeiras dorsal e anal. 26 As análises morfométricas para a descrição dos períodos de desenvolvimento de ovos e larvas foram realizadas com o auxílio de ocular micrométrica acoplada ao estereomicroscópio, sendo que a descrição de cada período baseou-se no grau de desenvolvimento e nos principais eventos morfológicos ocorridos. A caracterização morfométrica dos ovos foi obtida através da análise do diâmetro do ovo (DO), espaço perivitelino (EP) e diâmetro do vitelo (DV), conforme Nakatani et al. (2001). Para a caracterização morfométrica das larvas foram utilizadas as seguintes variáveis expressas em milímetros (AHLSTROM & MOSER 1976 e NAKATANI et al. 2001): comprimento padrão (CP), comprimento da cabeça (CC), comprimento do focinho (CF), altura da cabeça (AC) e altura do corpo (ACO). As relações corporais para a altura do corpo e comprimento da cabeça foram estabelecidas utilizando-se os critérios sugeridos por Leis e Trnski (1989) e Nakatani et al. (2001): a) Altura do corpo (ACO) em função do comprimento padrão (CP); b) Comprimento da cabeça (CC) em função do comprimento padrão (CP); Os valores obtidos nas relações corporais foram expressos em percentual, seguindo as comparações: altura da corpo (ACO) em função do comprimento padrão (CP), comprimento da cabeça (CC) em função do comprimento padrão (CP). Resultados Período embrionário Após 50 minutos da fertilização, ocorreu a clivagem inicial, com a segmentação do pólo animal, que resultou em dois blastômeros. Neste estágio o diâmetro médio do ovo foi de 1,9 (±0,09) mm, o diâmetro médio do vitelo foi de 0,9 (±0,10) mm e o espaço perivitelino de 0,1 (±0,00)mm (Figura 2a). Após sucessivas divisões houve a formação da mórula após 02:20 h, sendo que o diâmetro médio do ovo foi de 2,1 (±0,09) mm, o diâmetro médio do vitelo de 1,6 (±0,13) mm e o espaço perivitelino de 0,3 (±0,07) mm (Figura 2b). Com 5:20 h de incubação o blastodisco torna-se multicelular, formando a Blástula, uma meia esfera elevada sobre o vitelo, sendo que neste momento o diâmetro médio do ovo foi de 1,85 (±0,05) mm, o diâmetro médio do vitelo de 1,5 (±0,06) mm e o espaço perivitelino de 0,1 (±0,05) mm (Figura 2c). Com 08:20 h. ocorre a fase de gástrula, com a formação dos tecidos embrionários e o anel germinativo em torno do vitelo, nesta fase o diâmetro médio do 27 ovo foi de 2,0 (±0,03) mm, o diâmetro médio do vitelo foi 1,6 (±0,08) mm e o espaço perivitelino de 0,2 (±0,05) mm (Figura 2d). A fase de embrião inicial ocorreu com 14:20 h, quando observa-se uma segmentação somática com a formação do sulco neural e a diferenciação da cabeça e da cauda, nesta fase o diâmetro médio do ovo foi de 2,2 (±0,08) mm, diâmetro médio do vitelo de 1,7 (±0,05) mm e o espaço perivitelino desaparece (Figura 2e). Decorridas 19:55 h da fecundação, a extremidade caudal se desprende, ocorrendo os primeiros espasmos musculares, nesta etapa o diâmetro médio do ovo é de 2,1(±0,07) mm, o diâmetro médio do vitelo é de 1,6 (±0,09) mm e espaço perivitelino inexiste (Figura 2f). Com 21:50 h a cauda está completamente livre do vitelo, os espasmos musculares são mais intensos, e a notocorda está visível, com diâmetro médio do ovo de 2,4 (±0,05) mm e diâmetro médio do vitelo de 1,6 (±0,07) mm e espaço perivitelino 0,0mm (Figura 2g). Na fase de embrião final, os embriões não apresentam pigmentação, o diâmetro médio do ovo é de 3,6 (±0,36) mm e o diâmetro médio do vitelo de 1,7 (±0,07) mm (Figura 2h). a b c a d a e a f a 28 h a Figura 2 – Desenvolvimento embrionário de R. quelen. Clivagem inicial (a), Mórula (b), Blástula (c), Gástrula (d), Embrião inicial (e), Formação da cauda (f), Cauda livre (g) e embrião final (h). g Período larval As larvas eclodem aproximadamente 22:00 h após a fertilização em temperatura de 22ºC. No estágio larval vitelino as larvas apresentam comprimento padrão variando de 6,8 a 7,30 mm (média=7,2±0,31), a pigmentação é constituída por cromatóforos dendríticos na região ventral (saco vitelino), o olho é pequeno e pouco pigmentado, o vitelo está reduzido, o intestino não se encontra aberto, e os botões dos barbilhões começam a surgir (Figura 3a). No estágio de pré-flexão o comprimento padrão varia entre 7,00mm e 8,40mm (média=7,9±0,37), sendo que a pigmentação se apresenta na forma de cromatóforos dendríticos bem definidos na região ventral e frontal da cabeça, vestígios de vitelo ainda estão presentes nesta fase (Figura 3b). No estágio de início de flexão da notocorda o comprimento padrão varia entre 8,00mm e 9,50mm (média=8,3±0,23). A pigmentação apresenta o mesmo padrão do estágio anterior, porém existe um incremento destes no final da cabeça e na região ventral e dorsal, a boca e o intestino encontram-se abertos (Figura 3c). Estágio de flexão os indivíduos apresentam comprimento padrão variando de 10,00mm a 12,00 mm (média=10,7±0,63), a notocorda encontra-se flexionada, a pigmentação segue o mesmo padrão do estágio anterior, é possível observar o delineamento das nadadeiras dorsal e anal, opérculo encontra-se formado (Figura 3c). a 29 b c d Figura 3 – Desenvolvimento embrionário de R. quelen. Larval vitelino (a), Pré-flexão (b), Início de flexão (c), Flexão (d). Proporções corporais a 30 b a Figura 4 – Porcentagem do diâmetro do vitelo (a) e do espaço perivitelino (b), em relação ao tamanho do ovo de R. quelen. Figura 5 – Porcentagem do comprimento padrão (a), comprimento do focinho (b), comprimento da 31 cabeça (c), altura da cabeça (d) e altura do corpo (e), em relação ao comprimento total das larvas de R. quelen. A figura 4 mostra que o diâmetro do vitelo ocupou de 40 a 90 % do diâmetro total do ovo e espaço perivitelino reduziu de 16 a 0% do total do ovo. Na figura 5 observou-se que o comprimento padrão corresponde de 86 a 96% do total do corpo. O comprimento do focinho varia de 5 a 7%. Já o comprimento da cabeça variou de 16 a 23%. O comprimento da cabeça entre 14 e 20% e a altura do corpo variou de 14 a 24 % do comprimento total. Discussão Embora não tenha sido observado nesse estudo, Rizzo, Sato, Barreto & Godinho (2002) observaram um revestimento gelatinoso nos ovos de R. quelen, o que é comum para ovos de Siluriformes, independente do grau de aderência, e raramente é encontrado em ovos de Characiformes. No entanto, este revestimento gelatinoso também foi relatado em ovos de Perciformes, Cypriniformes e Cyprinodontiformes (Riehl e Patzner, 1998). Nesse trabalho foi constatado que os ovos de R. quelen, em desenvolvimento, são esféricos, demersais e não-aderente com um espaço perivitelino definido e córion resistente, resultados semelhantes foram descritos por (GODINHO et al. 1978; PEREIRA, et al. 2006). De acordo com Gomes et al. (2000), após a fertilização dos ovos de R. quelen ocorre uma intensa proliferação das células, observando-se no pólo animal a formação do blastodisco sobre o periblasto e sob estes o vitelo, sendo todo esse conjunto envolvido por um pequeno espaço perivitelínico e por um córion nítido, como também mostra a figura 2. Em relação ao tempo de corrido desde a fertilização até eclosão, os resultados estão de acordo ao relatados por Rodriges-Galdino et al. (2010), para esta espécie, em que a uma temperatura de 21oC após a fertilização a clivagem inicial ocorreu com 0:40min, a blástula com 03:00min, gástrula com 06:00min, embrião inicial 11:00min, formação da cauda 16:30min, cauda livre 26:00min, embrião final 43:00min, a eclosão ocorreu 43h após a fertilização. Já em estudos realizados por Luz et al. (2001), com a espécie Pimelodus maculatus, nota-se uma diferença, pois com 00:40min deu-se início à segmentação do pólo animal com sucessivas divisões resultando 2 blastômeros, decorridas 2 horas deu-se o início da etapa de gastrulação, com 05:50 min foi observado o fechamento do blastóporo, seguidas 08:20 min 32 notou-se a fase de morfogênese e organogênese do embrião, com 10:50min evidenciou-se a diferenciação do embrião, após 14:50min, a cauda do embrião se apresentou totalmente livre do saco vitelino e foi possível a visualização da notocorda, transcorridas 18:35min deu-se a eclosão das larvas, com comprimento total de 2,56 ± 0,13 mm. Em relação as larvas, Woynarovich e Horváth (1989) verificaram que as larvas recémeclodidas são diferentes dos peixes adultos, por não apresentarem boca, intestino, ânus, brânquias e bexiga gasosa, e a maioria inclusive a pigmentação ou com ela muito esparsa e diferindo, em padrão, entre as espécies, como mostra a figura 3a. Em relação as proporções corporais, o espaço perivitelino pode ser classificado de restrito a moderado. Em relação a altura do corpo pode ser considerado como corpo longo ou moderado, já para o comprimento da cabeça é pequena, isso de acordo com a classificação de Nakatani et al. (2001). Referências Agostinho, A. A.; Gomes L. C.; Pelicice, F. M. 2007. Ecologia e Manejo de recursos Pesqueiros em reservatórios do Brasil. Maringá, EDUEM, p. 501. Baumgartner, G.; Nakatani K.; Cavicchioli, M.; Baumgartner, M. S. T. 1997.Some aspects of the ecology of fishes larvae in the floodplain of the high Paraná river, Brazil. Revista Brasileira de Zoologia, v. 14, n. 3, p. 551 - 563. Baumgartner, M. S. T.; Nakatani, K.; Baumgartner, G.; Makrakis, M. C. Spatial and temporal distribution of “Curvina” larvae Plagioscion squamosissimus Heckel, 1840) and its relationship to some environmental variables in the Upper Paraná River Floodplain, Brazil. 2003. 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