Armas de fogo: controlar, proibir ou torná-las mais seguras? O tiroteio que matou 12 estudantes e uma professora na Escola Secundária Columbine, em Littleton, Colorado, chocou a nação e atraiu a atenção sobre as questões das armas e da segurança nas escolas, especificamente a questão do controle das armas de fogo. Pais indignados e cidadãos preocupados perguntaram: “Como esses adolescentes conseguiram as armas que usaram naquela chacina? O que pode ser feito para evitar mais matanças nas escolas?” No outono seguinte, escolas de todo o país instalaram dispositivos de segurança como câmeras de vigilância, programas de cartões de identificação de estudantes, detectores de metais, inspeções feitas pela polícia ou por delegados e até mesmo o uso obrigatório de malas escolares de plástico transparente. A controvérsia das ‘armas de fogo na escola’ é apenas a mais recente escaramuça da longa guerra entre os que são a favor e os que são contra o controle de armas de fogo. De um lado, a Associação Nacional do Rifle (National Rifle Association — NRA), os atiradores amadores (caçadores, praticantes de tiro ao alvo e de tiro com rifle) e os fabricantes de armas de fogo alegam que o controle viola o direito constitucional que garante aos cidadãos a posse de armas. O controle, afirmam, simplesmente resultaria em um grande mercado negro de armas. Promovem o slogan: “Quando as armas forem consideradas fora da lei, somente os foras-da-lei portarão armas”. Do outro lado, uma população cada vez mais assustada e furiosa exige que algo seja feito para controlar a venda de armas de fogo. O maior ataque sobre a produção e a comercialização de armas de fogo tem sido feito por meio do sistema judicial. Com o passar dos anos, foram aprovadas diversas leis que regulamentam a fabricação e a venda dessas armas. Em 1968, em um esforço para impedir a importação de pistolas pequenas e baratas que costumavam apresentar defeitos, os legisladores aprovaram a Lei de Controle de Armas de Fogo (Gun Control Act). Essa lei exigia que as armas importadas obedecessem a determinadas características de segurança, projeto e testes de qualidade que não se exigiam para as armas fabricadas nos Estados Unidos. A Federal Crime Bill, de 1994, proibiu a fabricação de pentes de balas com mais de 10 cartuchos, exceto para as armas de uso policial. (Pente é a peça em que se encaixam as balas das armas automáticas.) Foi aprovada uma nova lei exigindo a verificação dos antecedentes criminais dos compradores antes da emissão dos portes de arma, o que impediria que elas caíssem nas mãos de criminosos. Medidas legais, entretanto, nem sempre têm o efeito pretendido. Por exemplo: a ameaça de aprovação da lei de verificação de antecedentes aumentou a venda de armas porque as pessoas começaram a fazer estoques na expectativa das novas restrições. As limitações do tamanho dos pentes causou o curioso efeito de aumentar drasticamente a demanda por armas de fogo de uso policial usadas cujos pentes continuavam sendo de tamanho grande. Para entender bem por que as restrições legais nem sempre funcionam é preciso examinar o mercado de armas de fogo dos Estados Unidos. Um grande segmento de portadores de armas é formado, obviamente, pelos defensores da lei. Como os fabricantes produzem armas cada vez mais sofisticadas e aprimoradas, os departamentos de polícia de todo o país precisam fornecer a seus policiais o que há de melhor e mais moderno no mercado. Mas, quando os departamentos de polícia compram armas novas, o que acontece com as velhas? O ideal seria que elas fossem destruídas. No entanto, dado o alto custo dos armamentos, muitos departamentos acabam dando as armas velhas como parte do pagamento das novas — uma estratégia incentivada pelos fabricantes para estimular as vendas de novos produtos e pelos atacadistas para conseguir um estoque de armas de fogo com pentes grandes. Em seguida, os fabricantes vendem as armas usadas aos atacadistas de armas que, por sua vez, as vendem aos revendedores especializados. O resultado é que praticamente qualquer um pode comprar uma arma policial antiga munida de um daqueles pentes maiores. De fato, alguns revendedores comercializam grandes quantidades de armas antigas de uso policial. Em New Orleans, por exemplo, um comerciante anunciou no jornal local: “Compre uma parte da história de New Orleans. Todas as nossas armas são originais de serviço, numeradas e marcadas NOPD (New Orleans Police Department).” Como incentivo à compra, as armas eram vendidas com dois pentes de 15 balas anteriores à proibição. É assim que se tiram as armas das ruas! Na verdade, descobriu-se que a arma usada pelo neonazista Buford O. Furrow Jr. — que feriu cinco pessoas quando atacou um centro comunitário judaico nos arredores de Los Angeles e em seguida matou um funcionário do serviço de correios de origem filipina — era originária do departamento de polícia de Cosmopolis, Washington. Um estudo posterior descobriu que no mínimo 1 100 armas de fogo anteriormente pertencentes à polícia estavam entre as 193.203 utilizadas em crimes e investigadas pelo Federal Bureau of Alcohol, Tabacco and Firearms em 1998. Esta não é uma estatística muito agradável. Insatisfeitas com os altos custos pagos pelos contribuintes pela manutenção da lei e pelas despesas médicas e legais associadas aos crimes com armas de fogo, 28 cidades processaram os fabricantes de armas pelo fracasso no controle da venda e da distribuição de seus produtos. Todavia, New Orleans foi uma das cidades a entrar com o processo. Incidentes como os anúncios conspícuos feitos pelo revendedor de armas dessa mesma cidade e o tiroteio de Buford Furrow contribuíram para prejudicar as ações judiciais. Quando o assunto do revendedor de armas foi comentado no Today Show, o prefeito de New Orleans tentou justificar a operação de troca de armamentos afirmando que a Glock, empresa que fabricava as armas, tinha concordado em não revendê-las na Louisiana. Levar as armas para fora desse Estado, no entanto, apenas transferiu o problema de para outro lugar. Uma outra alternativa seria forçar os atacadistas e fabricantes a venderem as armas policiais, entre outras, fora dos Estados Unidos. Mas a maioria dos fabricantes acha que essa não é uma solução viável — os Estados Unidos são seu principal mercado internacional. Dado o seu tamanho, riqueza e ausência de proteções tarifárias, é no mercado norte-americano que a maioria dos fabricantes de armas espera fazer o grosso de suas vendas. A crise financeira internacional de 1998 dizimou a venda de armas no mundo inteiro e 29 outros países aprovaram leis de controle de armamentos muito mais rigorosas do que as dos Estados Unidos. A Grã Bretanha, por exemplo, proibiu a venda de todos os tipos de armas de fogo manuais após um massacre ocorrido em uma escola elementar em 1996. Na década de 1960, empenhada em oferecer aos usuários o maior número de alternativas e os mais baixos preços, a NRA colocou-se contra o controle da importação de armas de fogo. Os fabricantes ficaram em um beco sem saída — dificilmente poderiam lutar pela limitação às importações porque isso poderia resultar em medidas mais severas de controle de armas no seu próprio mercado interno. O resultado foi uma mina de ouro para empresas estrangeiras como a brasileira Taurus. No mercado interno do Brasil, as leis de controle de armas são tão severas que a empresa começou a fabricar capacetes para motociclistas, coletes a prova de balas e peças automotivas. Para escapar das leis norte-americanas que limitam a importação de armas de fogo com canos inferiores a 12,7 centímetros, a Taurus envia armas desse tipo para os Estados Unidos e então recorre à chamada ‘usinagem’ dos canos, o que qualifica como programa de ‘adaptação de armas’ — tudo perfeitamente dentro da lei. Ameaçada pelo espectro de uma proibição total no Brasil, a Taurus construiu fábricas nos Estados Unidos e até mesmo tentou vender seus capacetes nesse país. Mas após, ter sido obrigada a pagar 100 mil dólares de indenização à família de um rapaz que morreu em um acidente de motocicleta usando um capacete de sua fabricação, a Taurus decidiu limitar-se às armas. Como diz o presidente da empresa: “As leis de responsabilidade civil para capacetes nos Estados Unidos são simplesmente malucas”. Outra alternativa aberta aos fabricantes é a produção de armas mais seguras. A própria Taurus desenvolveu uma arma com trava de segurança. A trava fica atrás do gatilho do revólver e pode ser destravada com uma pequena chave. A principal vantagem dessa trava sobre outras é que ela não pode ser perdida, quebrada nem destravada indevidamente. Para seduzir o mercado feminino, mais consciente em termos de segurança, a Smith & Wesson está desenvolvendo uma ‘arma inteligente’ que utiliza tecnologia de microchip para impedir que ninguém, além de seu dono, aperte o gatilho. O custo e a confiabilidade dessas armas, no entanto, foram questionados. A Savage Arms reduziu o peso de suas armas empregando peças plásticas e acrescentou características que reduziram o impacto dos penosos ‘coices’ que ocorrem quando se dispara uma arma. Foi um sucesso entre os clientes mais velhos. Fabricar armas mais seguras pode ser uma estratégia perigosa para os fabricantes. Ao adotá-la, estão reconhecendo que, na realidade, é possível fabricar produtos mais seguros. Os grupos contrários às armas usam esse fato como cruel evidência em processos judiciais, declarando que os fabricantes sempre estiveram aptos a produzir armas mais seguras, mas simplesmente nunca o fizeram. Segundo Dennis Hennigan, diretor jurídico do Centro de Prevenção contra a Violência Armada (Center to Prevent Handgun Violence) a trava da Taurus “deveria ter sido fabricada há muito tempo e poderia ter salvo incontáveis vítimas em todo o país”. Outros, como Stephen Teret do Centro de Pesquisas para a Política das Armas (Center for Gun Policy Research) do Hospital Universitário Johns Hopkins, argumentam que uma pequena chave e uma trava não são proteção suficiente — e que a indústria de armas de fogo deveria fazer mais. A essa altura dos acontecimentos, os fabricantes estão entre a cruz e a espada. Suas vendas despencaram mais de 20 por cento. A proporção de homens proprietários de armas diminuiu de 52 por cento na década de 1980 para apenas 38 por cento em 1998. Caçadas e tiro ao alvo também estão em declínio. Os esforços de marketing para expandir a venda de armas parecem ter causado impacto limitado. Por exemplo: falharam os esforços da Smith & Wesson para conquistar o mercado feminino com a pistola LadySmith. O mesmo aconteceu com o marketing dirigido aos adolescentes por meio dos grupos 4-H e da Câmara Júnior de Comércio. Vendas em declínio, aumento do número de processos judiciais, previsão de leis mais duras e aumento da preocupação com tiroteios em escolas têm abatido as tentativas de salvar o mercado interno feitas pelos fabricantes norte-americanos de armas. Questões: 1. Na sua opinião, como o marketing intensificou o problema da venda e da distribuição de armas de fogo? 2. Quais são os papéis desempenhados pelos diversos intermediários de marketing? Como poderiam ser controlados, se é que isso é possível? 3. Quais são os prós e os contras das alternativas abertas aos fabricantes de armas discutidas nesse Caso Empresarial: vender armas no exterior, leis de controle de armas mais duras ou fabricar armas mais seguras? 4. Tome o partido da Smith & Wesson e descreva uma estratégia de marketing para vender seus produtos. Sugira uma estratégia de alvo e posicionamento e um mix de marketing para dar apoio a essa estratégia. O conceito de marketing de responsabilidade social poderia ser aplicado ao marketing de armas de fogo? 5. Tome o partido do Centro de Prevenção contra Violência Armada e descreva uma esatrégia de marketing para atingir os objetivos da organização. Fonte: Paul Barret e Alexei Barrionuevo, “Guns: handgun makes recoil as industry shakes out”, Wall Street Journal, 20 set. 1999, p. B1, B4; Peter Fritsch, “Brazil’s Taurus shows why gun makers are grateful to the U.S.”, Wall Street Journal, 11 ago. 1999, p. A1, A8; Hunter T. George, “Police debate what to do with old guns”, Greensboro News and Record, 30 ago. 1999, p. A1, A6; Vanessa O’Connell, “Cities suing gun firms have a weak spot: they’re suppliers, too”, Wall Street Journal, 6 ago. 1999, p. A1, A8; Vanessa O’Connell, “In the market for guns, the customers aren’t coming back for more”, Wall Street Journal, 26 out. 1999, p. A1, A10.