seleção sobrenatural

Propaganda
1
Folha de São Paulo 30/01/2005
SELEÇÃO SOBRENATURAL
Conferência em São Paulo expõe o ideário do criacionismo,
movimento que diz que a evolução está condenada e quer
ver o literalismo bíblico nas escolas.
Claudio Angel
Editor de ciência
“O conhecimento revelado e o conhecimento científico
têm naturezas e propósitos distintos”. Quem ouvisse a frase de
Euler Pereira Bahia na quinta-feira retrasada, durante a abertura
do 5o Encontro Nacional de Criacionistas, poderia respirar com
alivio. Ali estava o reitor de uma instituição criacionista, o Unasp
(Centro Universitário Adventista de São Paulo), aparentemente
se aliando com o que muita gente considera apenas bom senso:
ciência e religião são domínios importantes, mas não se
misturam.
O alívio, como se verificaria, foi temporário. O que se
seguiu à fala do reitor foram quatro dias de ataques à evolução
pela seleção natural, a teoria proposta pelos naturalistas
britânicos Charles R. Darwin (1809-1882) e Alfred Russel
Wallace (1823-1919) em 1858 que explicou como as espécies
se originam e que baniu para sempre o sobrenatural da biologia.
As estocadas foram desferidas principalmente pelos chamados
“cientistas da criação”, cristãos evangélicos que levam a Bíblia
ao pé da letra e que costumam defender o ensino do livro do
Gênese nas escolas para explicar o surgimento e a evolução da
vida.
Também compareceram ao encontro proponentes do
chamado design inteligente, tese que luta para ganhar o rótulo
de “científica” ao postular que a imensa complexidade dos seres
vivos não pode ser explicada pela seleção natural mas é produto
de um “planejamento”.
A conferência foi realizada de 20 a 23 deste mês e
acompanhada pela reportagem da Folha. Na programação,
palestras de estudiosos membros de instituições adventistas dos
EUA e do Brasil, sob títulos sugestivos como “domando os
dinossauros” e “estratificação espontânea”, além de uma
discussão seríssima sobre se havia morte e decomposição no
éden (o conferencista, um americano, ponderava se os caroços
de maçã se acumulavam eternamente no chão do Paraíso).
No final, uma excursão geológica e paleontológica,
dedicada a mostrar supostas evidências de que a Terra tem
menos de 10 mil anos de idade e foi realmente assolada pelo
dilúvio.
Sinais nas rochas
A julgar pela conferência da geóloga norte-americana
Elaine Kennedy, do Geosciences Research Institute (um instituto
de pesquisas criado por adventistas de sétimo dia em Loma
Linda, no Estado da Califórnia), as evidências do dilúvio estão
em toda parte - até mesmo em inocentes cristais de calcita.
Na palestra, intitulada “Dados e Interpretação:
Conhecendo a Diferença”, Kennedy argumentou que, em
ciência, tudo que não são medições em campo ou laboratório
são interpretações do cientista. E que dados podem ser
interpretados de várias formas - concluindo, com isso, que as
geociências e a Bíblia têm exatamente o mesmo peso na
explicação da estrutura da Terra. “Todas as interpretações
científicas são subjetivas e enviesadas”, afirmou.
Admitindo ela mesma ter lá seu “viés” de interpretação, a
geóloga mostrou à platéia um slide do padrão de refração da luz
sobre uma fatia de calcita. Fatiar rochas e minerais e olhá-los
contra a luz é um procedimento bastante usado para descobrir
sua composição química.
“Este é o meu favorito, porque você vê nele um arco-íris
circular e uma cruz negra”, sorriu. “Por meio da tecnologia, você
pode ver a mensagem de Deus e a promessa do Dilúvio”,
declarou a americana, a uma platéia maravilhada.
Kennedy foi mais longe: disse não acreditar no principal
lema das ciências geológicas - o presente é a chave para o
passado - porque a Bíblia diz que isso é falso e que “as
evidências disponíveis não autorizam estabelecer uma idade
jovem ou antiga para a Terra”.
Admitiu, no entanto, que o “paradigma do dilúvio” não
consegue explicar uma coisinha: por que a sucessão de fósseis
animais em camadas de rocha diferentes ao longo das eras é
tão consistente em todo planeta. “Como é que existem fósseis
jurássicos em rochas jurássicas na América do Norte, fósseis
jurássicos em rochas jurássicas na América do Sul e fósseis
jurássicos em rochas jurássicas na Europa? Eu, como
criacionista, não consigo explicar isso”.
Numa segunda conferência, sobre dinossauros, colocou
como uma “questão pendente” a existência de grandes
carnívoros, como o Tyranosaurus rex, atribuindo seu tamanho
exagerado a uma alteração devido aos efeitos do pecado
original.
Momento
“O criacionismo não é apenas ciência sem fundamentos,
como religião anacrônica”, disse o teólogo Eduardo R. da Cruz,
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Mas é um anacronismo que está ganhando momento,
admite Cruz. No Rio de Janeiro e na Bahia, a explicação bíblica
para a criação já á ensinada nas escolas públicas. Uma
pesquisa feita pelo lbope sob encomenda da revista “Época” e
publicada em janeiro mostra que 89% dos brasileiros acham que
o criacionismo deve ser ensinado nas escolas.
“Na periferia, o criacionismo corre solto. E não pode ser
simplesmente reprimido”, afirmou o teólogo. A infiltração se dá
por meio das igrejas pentecostais, cuja presença é forte nas
zonas mais pobres e que acabam abraçando o literalismo
bíblico. Nem todos os criacionistas, diga-se logo, querem a
2
Folha de São Paulo 30/01/2005
Bíblia como livro-texto nas aulas de ciências. “A ciência atual
não aceita Deus e a criação”, diz Marcia Oliveira de Paula, da
Unusp (Centro Universitário Adventista de São Paulo),
organizadora do encontro. “Mas, numa aula de ciência,
apresentar uma teoria que tenha apoio divino, não funciona”.
Segundo ela e outros criacionistas brasileiros, o lugar para esse
tipo de ensinamento são as aulas de religião. Que não podem
ser ministradas em sua forma confessional em escolas públicas
no Brasil, um Estado laico. Nos EUA, país onde o
fundamentalismo cristão produziu o “criacionismo científico” nos
anos 1960, o quadro é diferente. Batalhas judiciais têm sido
travadas nas últimas semanas para estabelecer o ensino das
idéias sobre a criação bíblica, levantando, ao mesmo tempo,
questões sobre a “credibilidade” do darwinismo. A última delas
foi vencida pelos criacionistas no distrito escolar de Dover, no
Estado da Pensilvânia. Outra, sobre adesivos em livros didáticos
no condado de Cobb, Geórgia, foi perdida por eles (leia texto
mais a frente).
Cruz afirma que o movimento criacionista ainda pode
crescer no Brasil. “A maioria católica nem sabe o que está em
jogo”,afirma.
Para o físico e colunista da folha, Marcelo Gleiser, da
Universidade Dartmouth, em New Hampshire, os cientistas
precisam reconhecer que o criacionismo não pode mais ser
ignorado. Até agora, a atitude de biólogos evolucionistas como
o paleontólogo americano Stephen Jay Gould (morto em 2002) e
o etólogo britânico Richard Dawkins - que eram adversários
intelectuais - tem sido simplesmente se recusar a debater com
os criacionistas. “Só aparecer no mesmo tablado que eles é
emprestar-lhes o respeito que eles desejam”, escreveu Dawkins
a Jay Gould em 2001. Numa atitude rara, o americano
concordou.
“Os cientistas têm de acordar para a importância sóciocultural do movimento criacionista”, diz Gleiser. “Alegar que o
debate dá credibilidade àqueles que não a merecem é uma
postura ineficaz e perigosa. Se considerarmos o criacionismo
como uma doutrina errônea, devemos explicar à sociedade por
quê”.
O teólogo da PUC dá como exemplo dessa negligência o
lançamento no Brasil (em 1997) do livro “A Caixa Preta de
Darwin”, do americano Michael Behe, da Universidade Leigh,
estrela do design inteligente. Na obra, Behe desfia a
“complexidade irredutível” das biomoléculas, que só poderia ser
resultado de um planejamento inteligente. “O livro foi ignorado.
Há uma discussão ali que não pode ser ignorada”, afirmou.
Coelho cambriano
Por enquanto, nada muda o fato de que o criacionismo,
ao contrário do darwinismo, segue sem confirmação. “Peça a
eles um único [fóssil de] coelho no [Período] Cambriano e eu me
rendo”, diz o virologista Paolo Zanotto, da USP. “Enquanto isso,
vamos explicando a vida segundo a evolução”. O padre e
paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi prefere separar as
coisas. Questionado uma vez por um jornalista sobre se via
conflito entre sua vocação e sua profissão de caçador de fósseis
- portanto, evolucionista -, disse que não. E sorriu: “Deus não
quer cientistas. Deus quer cristãos”.
Glossário
•
Darwinismo - é o conjunto de teorias sobre a origem e a
evolução dos seres vivos sintetizadas na década de 1940 e
que derivaram dos trabalhos dos britânicos Alfred Russel
Wallace e Charles R. Darwin, em especial o livro “A Origem
das Espécies”, publicado por Darwin em 1859. Seus
principais pontos são a idéia da seleção natural, ou seja, a
produção aleatória de variabilidade genética numa
população aliada à sobrevivência diferencial de certos
indivíduos portadores de variações (mutações) favoráveis; o
gradualismo na maior parte dessas mudanças; e a idéia de
que todos os organismos da Terra descendem de um
ancestral comum.
•
Criacionismo - movimento que defende que a narrativa da
criação do livro bíblico do Gênese reflete exatamente os
eventos que levaram ao surgimento da Terra e do Universo.
Rejeita a escala de tempo cosmológica e geológica,
argumentando que o Deus bíblico criou o cosmos em
poucos dias e que a Terra não tem mais que poucos
milhares de anos de idade. Explica as extinções pelo dilúvio
da Bíblia.
•
Design inteligente - afirma ser uma corrente científica, que
não segue determinação religiosa. Argumenta que grande
parte das estruturas biológicas são complexas demais para
terem surgido de acordo com o modelo darwinista de
acúmulo gradual de modificações aleatórias. Ao criticar o
que considera “buracos” na teoria evolutiva, como o súbito
aparecimento de formas de vida espantosamente variadas
no Período Cambriano, vê a necessidade de um “designer”,
um projetista inteligente. Esse ser não é identificado pela
corrente.
A política do design
Coordenador de núcleo brasileiro de design inteligente
aponta “improbidades científicas” em livro didático de
biologia
Da redação
O design inteligente, ferramenta do criacionismo, é um
“movimento filosófico e de ação política” que tem como objetivo
influenciar o conteúdo dos livros didáticos em relação às “falhas”
e “omissões” cometidas por eles ao ensinar aos estudantes a
teoria da evolução pela seleção natural, que sofreria de uma
total “insuficiência epistêmica”.
As aspas são de Enézio E. de Almeida Filho, um
3
Folha de São Paulo 30/01/2005
professor do ensino médio que coordena o Núcleo Brasileiro de
Design Inteligente. Classificando a teoria de Darwin com “zona
de incerteza científica”, Almeida Filho fez uma conferência
durante o encontro criacionista atacando os livros didáticos de
biologia do Brasil. Segundo ele, a abordagem da evolução não
cumpre os pré-requisitos do Ministério da Educação de
despertar a consciência crítica nos estudantes do segundo grau.
“Nós não temos exatidão no conhecimento que é
passado e não existe objetividade porque existe, sim, uma
defesa de uma ideologia. [Isso] é negado, mas é uma ideologia
materialista e atéia”.
O professor insistiu em classificar os ataques da tese do
planejamento inteligente à evolução de Darwin como “um debate
entre ciência e ciência”. Não explicou por que razão além de
“preconceito” do establischment científico o argumento do design
tem sistematicamente falhado em cumprir o preceito básico da
investigação científica: a validação pelos pares, em forma de
publicação em periódicos especializados.
Até hoje, nenhum artigo científico criacionista ou de
design inteligente foi aceito para publicação em periódicos de
alto impacto e que possuem o sistema de validação pelos pares
(conhecido em inglês como “peer review”), como o norteamericano “Science” (www.sciencemag.org) e o britânico
“Nature” (www.nature.com). O único caso em que isso
aconteceu foi na revista “Proceedings of the Biological Society of
Washington”, que acolheu um trabalho sobre design inteligente
em agosto passado.
O editor do periódico na época em que o artigo foi aceito
pertencia a uma sociedade defensora das idéias criacionistas. E
a Sociedade Biológica de Washington, que publica a revista,
admitiu que o artigo não era apropriado e foi ao prelo sem
conhecimento do seu conselho editorial.
Em sua conferência, Almeida Filho se dedicou a atacar
as “improbidades científicas” do livro de segundo grau
“Fundamentos da Biologia Moderna”, de José Mariano Amabis e
Gilberto Rodrigues Martho.
Sua principal reclamação é que os autores aceitam sem
questionamentos as evidências em favor da teoria darwinista cujas fraquezas, diz, são freqüentemente discutidas na literatura
científica especializada.
Goela abaixo
Um exemplo de suposta “fraqueza” da teoria da evolução
que os livros didáticos empurrariam goela abaixo dos estudantes
é a chamada explosão cambriana, ocorrida há cerca de 570
milhões de anos, na qual todos os filos existentes de animais já
aparecem formados. O mistério para os paleontólogos é como
isso aconteceu num intervalo tão curto do tempo geológico, já
que os primeiros seres multicelulares do planeta haviam surgido
menos de 100 milhões de anos antes - e antes disso, ao que
tudo indica, apenas seres unicelulares dominaram o planeta por
mais de 2 bilhões de anos.
“Esse aí é o calcanhar-de-aquiles da teoria da evolução,
quando ela deixa de lidar nos livros didáticos a respeito da
explosão cambriana e o que isso representa para a suficiência
científica da teoria”, disse Almeida Filho, sustentando que os
avanços da paleontologia estão fazendo os darwinistas
duvidarem do darwinismo em suas bases fundamentais.
Não é isso o que dizem os paleontólogos. A explosão
cambriana é sem dúvida um dos tópicos mais quentes da
biologia evolutiva e tem causado arranca-rabos monumentais
entre os cientistas. Mas nenhum deles jamais pôs a evolução em
questão. “O que nós discutimos de maneira ética os criacionistas
manipulam”, diz o paleobiólogo Reinaldo José Bertini, da Unesp
de Rio Claro. A explosão cambriana, explica Bertini, foi um
aumento em dez vezes no número de espécies animais
conhecidas num intervalo pequeno de tempo geológico. Mas há
hipóteses para explicá-la. Na época, a Terra acabara de sair de
uma glaciação que cobriu a maior parte do planeta. O fim da era
do gelo liberou boa parte dos ambientes para os animais, que se
diferenciaram para explorar os novos nichos ecológicos. O
debate está longe de ser resolvido, mas, na academia, não
envolve a invalidação do evolucionismo.
Outro exemplo de “improbidade” apontado no livro de
Amabis e Martho é a ilustração da famosa série de embriões de
vertebrados desenhada em 1874 pelo alemão Ernst Haeckel
para ilustrar o princípio de recapitulação. Essa idéia, segundo a
qual durante o desenvolvimento (ontogenia) os animais mostram
traços de um ancestral comum (“recapitulam a filogenia”, no
dizer dos biólogos), foi usada por Darwin como confirmação de
sua teoria - e até hoje não foi provada falsa.
Acontece que Haeckel, ao desenhar vários embriões de
vertebrados extremamente parecidos como exemplo de
recapitulação, cometeu uma série de distorções. Uma delas,
admitida por ele mesmo na época, foi fazer um embrião de
cachorro passar por embrião humano.
A fraude de Haeckel foi redescoberta por um grupo de
pesquisadores britânicos em 1997. Em um estudo na revista
“Anatomy and Embryology”, eles mostraram que, na verdade, os
embriões eram bem menos semelhantes entre si do que faziam
supor os desenhos do alemão.
Almeida Filho citou uma reportagem publicada em 1997
na revista “Science” comentando a fraude para desqualificar
Haeckel e Darwin - e, no balaio, todo o princípio da
recapitulação. “Olha o aspecto ideológico”, comentou. “As
distorções levaram Darwin e Haeckel à crença de que os
vertebrados recapitulam a filogenia durante a ontogenia. Mas os
cientistas já estão carecas de saber que isso não é verdade”.
Evidência suprimida
O argumento seria forte, se sobrevivesse ao escrutínio.
Na mesma revista “Science”, alguns meses depois, os autores
do estudo original escrevem: “Nosso trabalho tem sido usado
num debate televisivo nacional para atacar a teoria da evolução
e sugerir que a evolução não pode explicar a embriologia. Nós
discordamos fortemente. Os dados embriológicos são totalmente
consistentes com a evolução darwinista”.
4
Folha de São Paulo 30/01/2005
Em uma carta à mesma publicação, o autor principal,
Michael Richardson, lamenta: “Estou preocupado em descobrir
que posso ter ajudado a criar um mito criacionista”. Os adeptos
do design não citam nem artigo, nem carta, fazendo exatamente
o que criticam nos biólogos evolucionistas: suprimir evidências.
Mais tarde, questionado por alguém na platéia sobre as
evidências da evolução trazidas pela biologia molecular, o
coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente afirmou
que, na verdade, essa disciplina traz “evidências desfavoráveis
àquilo que é preconizado como sendo fato da evolução” . Mas
admitiu: “Não tenho, no momento, uma literatura que eu poderia
indicar”.
Os mitos da criação
A biologia responde a seis afirmações dos criacionistas.
•
A evolução é uma teoria, não um fato: O jogo de palavras
pode confundir a principio. Mas todas as idéias científicas
são “teorias”: a relatividade, o quantum, o Big Bang. O
darwinismo, em sua forma atual (após a síntese
evolucionista da década de 1940) tem passado em
sucessivos testes. Os projetos genoma têm mostrado mais
semelhanças no seu DNA à medida que os organismos
compartilham um ancestral comum mais recente. Humanos
e camundongos, ambos mamíferos, têm muito mais genes
em comum que humanos e vermes, por exemplo.
•
As evidências fósseis não apóiam a evolução: O registro
fóssil é por definição incompleto. A fossilização é um evento
raro e depende de uma série de fatores. Apesar disso, o
registro tem várias séries de fósseis que mostram
claramente a evolução. Para citar apenas dois exemplos, a
transição dos pelicossauros (répteis do Período Permiano)
para os terápsidos, cinodontes e mamíferos está mais do
que documentada, assim como a evolução dos cavalos
modernos a partir de um ancestral do tamanho de um gato,
o Hyracotherium.
•
Aceitar Darwin significa negar a religião: Apesar de ter
banido as explicações sobrenaturais do mundo biológico, a
teoria de Darwin não está obrigatoriamente associada com
o ateísmo. O biólogo russo Theodosius Dobzhansky, o
maior evolucionista do século 20, era cristão praticante. O
americano Francis Collins, coordenador do Projeto Genoma
Humano, também é religioso, e diz que a batalha entre
evolução e criacionismo é “desnecessária”.
•
Os próprios darwinistas duvidam cada vez mais da
evolução: Segundo John Rennie, editor-chefe da revista
“Scientific American”, nenhuma evidência sugere que o
darwinismo esteja perdendo pesquisadores. Não há
publicação científica que conteste a evolução. Nos anos
1990, um cientista da Universidade de Washington
pesquisou milhares de artigos em revistas científicas em
busca de publicações sobre design inteligente ou “ciência
da criação”. Não achou nenhum. Uma busca feita no início
desta década pelos americanos Barbara Forrest (da
Universidade da Louisiana) e Lawrence Krauss (da Case
Western Reserve) deu o mesmo resultado.
•
É matematicamente improvável que estruturas
altamente específicas como uma proteína ou uma célula
apareçam por acaso: Dizer que a evolução acontece “por
acaso” é uma das leituras erradas mais comuns do
darwinismo. A evolução pela seleção natural é um duplo
mecanismo: ela só pode funcionar com a geração casual de
variações entre os indivíduos e a eliminação nada casual de
variações indesejáveis. A seleção natural pode, sim,
empurrar a evolução e produzir estruturas “sofisticadas” em
pouco tempo. O acaso tem um papel no “pontualismo” eventos externos, como a queda de um asteróide, que
alteram o curso da evolução.
•
Mutações não produzem novos traços e a biologia
molecular não apóia a evolução: Muito ao contrário. A
biologia molecular confirmou que todos os seres vivos
compartilham um só código genético e explicou como a
variação pode surgir. Os biólogos moleculares também
catalogaram diversas mutações pontuais, nas quais uma
única “letra” é trocada na seqüência do DNA, capazes de
produzir efeitos complexos. No grupo de genes conhecido
como homeobox, essas mutações podem alterar o número
de patas de um animal. “Uma única mutação, a bithorax dá
um novo par de asas a uma mosca”, diz Paolo Zariotto, da
USP.
Em busca das origens
Biblia é a fonte fidedigna de informação, dizem adventistas
Marcia Oliveira de Paula
Especial para a Folha
O criacionismo surgiu nos meios protestantes norteamericanos no século passado e procura explicar a origem do
universo,da Terra, da vida e do homem da maneira como
descrita no relato contido na Bíblia. Mesmo considerando que
essa base comum fundamenta todas as teses criacionistas, há
diversidade na interpretação. Os adventistas do sétimo dia
fazem uma interpretação literal do relato bíblico e acreditam que
ele seja uma fonte fidedigna para o entendimento dos momentos
cruciais da história de nossos primórdios, como, por exemplo, a
criação da vida na Terra e dos seres humanos.
Um fórum nacional para discussão sobre os temas das
origens têm sido os encontros nacionais de criacionistas,
promovidos pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo
(Unasp) desde 1993, a cada três anos. Neles são discutidas a
elaboração de modelos criacionistas que expliquem as origens,
bem como relatados os resultados de pesquisas científicas
seguindo esses modelos.
São discutidas também as dificuldades que o modelo
5
Folha de São Paulo 30/01/2005
evolucionista tem em explicar a origem da vida e a
macroevolução, incluindo o problema da origem da informação
genética e o aumento da complexidade nos seres vivos durante
o processo evolutivo. Os palestrantes desses encontros têm sido
doutores de universidades brasileiras e do exterior e
pesquisadores do Geoscience Research lnstitute, dos EUA. O
público atingido por esses encontros é bastante diversificado,
incluindo desde pesquisadores e professores até estudantes
universitários e profissionais liberais.
No 3o Encontro, realizado em 1999, foi criado o NEO
(Núcleo de estudo das Origens), que é um grupo interdisciplinar
para o estudo do criacionismo. Dos dias 20 a 23 de janeiro de
2005, foi realizado o 5o Encontro Nacional de Criacionistas, com
o tema “Perspectivas Atuais da Relação entre Ciência e
Religião”. Durante esse evento, foram tratados temas como a
integração entre fé e ciência, pelo dr. Leonard Brand, que
também lançou o livro “Fé, Razão e História da Terra”, no qual
ele procura demonstrar quais são as limitações da pesquisa
científica e de que modo a Bíblia, como um livro revelado por
Deus, pode auxiliar na busca de explicações sobre as origens.
Também foi abordado o design inteligente, que se caracteriza
pela busca de evidências de planejamento e atividade inteligente
na natureza e como isso se relaciona com o criacionismo.
Durante esse encontro, a questão do ensino do
criacionismo foi discutida em uma mesa redonda sobre os
desafios de se trabalhar as relações entre ciência e religião na
rede adventista de ensino, de forma que se permita ao aluno
construir duas competências científicas e manter viva sua
experiência religiosa. Os adventistas têm estado envolvidos na
produção de livros didáticos de ciências e paradidáticos sobre o
criacionismo, para os alunos de suas escolas, embora não
estejam envolvidos em qualquer movimento que pretenda tomar
o tema obrigatório na escola pública, devido ao caráter leigo
desse sistema.
Marcia Oliveira de Paula é coordenadora do Núcleo de Estudo
das Origens do Centro Universitário Adventista de São Paulo
Assalto ao coração da biologia
O criacionismo e o design inteligente não têm o status de
ciência
José Mariano Amabis
Especial para a Folha
A edição de 25 de janeiro da revista inglesa “New
Scientist” veicula uma notícia intitulada “Vitória da evolução na
justiça”. Ela se refere à proibição judicial de o governo do
condado de Cobb, no Estado da Geórgia (EUA), obrigar os livros
de biologia a trazer uma tarja com os dizeres: “Evolução é uma
teoria, não um fato”. A medida foi considerada pela corte como
propaganda religiosa, o que é ilegal em escolas que recebem
financiamento público.
Esse é apenas um exemplo das contínuas tentativas
realizadas por alguns grupos religiosos para solapar o ensino da
evolução nas escolas americanas. No Brasil, o movimento
criacionista e sua corrente-irmã, o design inteligente, apoiados
por políticos oportunistas locais, arvoram-se em incluir suas
idéias no currículo escolar de ciências biológicas, em detrimento
do ensino da evolução.
Considerar as idéias criacionistas e do chamado design
inteligente como teorias científicas e colocá-las em pé de
igualdade com o evolucionismo é deturpar o significado dos
termos “teoria” e “ciência”. No contexto científico, teoria refere-se
a uma explicação abrangente e bem consolidada de algum
aspecto do mundo natural, que pode incorporar fatos, leis,
inferências e hipóteses passíveis de teste. Ciência, por sua vez,
pode ser definida como um processo que tenta encontrar
explicações para os fenômenos naturais por meio de inferências
lógicas baseadas em observações empíricas.
O criacionismo e o design inteligente não têm status de
ciência, pois não geram hipóteses que possam ser testadas e
não se pautam por inferências lógicas com base em
observações empíricas do mundo natural. O criacionismo se
baseia em dogmas relatados no livro do Gênesis. O chamado
design inteligente se preocupa em encontrar falhas nos testes
das hipóteses geradas com base nos princípios darwinistas, sem
apresentar teorias próprias ou hipóteses que possam ser
submetidas a testes científicos.
Sua principal plataforma é que a ciência ainda não tem
explicações definitivas para a origem da vida e para uma
reconstituição minuciosa, passo a passo, de como, a partir de
organismos simples, surgiram formas mais complexas de vida.
Para os defensores da idéia de design inteligente, o que é ainda
um mistério hoje continuará misterioso para sempre e melhor do
que procurar explicações com base no método científico é
invocar forças sobrenaturais.
O evolucionismo, por outro lado, parte do princípio de que
não há verdades inquestionáveis e que sempre existe a
possibilidade de uma explicação considerada verdadeira estar
errada. As idéias atualmente aceitas pela ciência são aquelas
que, depois de testadas exaustivamente, não foram refutadas.
Mesmo assim, as explicações científicas nunca são
consideradas verdades absolutas; elas são aceitas enquanto
não existirem motivos para se duvidar de sua veracidade, isto é,
enquanto não forem refutadas pelos testes.
A teoria da evolução biológica vem resistindo a todos os
testes a que tem sido submetida, sendo a única explicação
racional e coerente para o conjunto de fatos sobre a vida em
nosso planeta. O evolucionismo é o tema unificador de todos os
campos das Ciências Biológicas: como disse o célebre
geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975), “nada faz
sentido em biologia a não ser sob a luz da evolução”.
José Mariano Amabis é professor do Departamento de Biologia
do Instituto de Biociências USP e autor de livros didáticos.
Download