Esclarecimento gramatical, método de verificação e jogos de

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, V.02 - n.2, 2016.
Esclarecimento gramatical, método de verificação e jogos de
linguagem: um ensaio sobre Wittgenstein e Schoenberg
Grammatical clarification, verification method and language games:
an essay on Wittgenstein and Schoenberg
Palavras chave: Aspectos; Harmonia; Filosofia da Música; Estética Relacional; Verificacionismo.
Keywords: Aspects; Harmony; Philosophy of Music; Relational Aesthetics; Verificationism.
Antonio Herci Ferreira Júnior
[email protected]
Edson Leite
Universidade de São Paulo
Este ensaio faz uma aproximação entre as teorias dos aspectos de Wittgenstein e a teoria
descritiva de Schoenberg sob o aspecto de uma virada epistemológica que ambos teriam
adotado ao considerar a análise como um esclarecimento gramatical de uma linguagem
determinada, abandonando a busca de uma essência ou de um isomorfismo entre conceitos e fatos do mundo e adotando a busca do sentido como uma função do método de
verificação adotado e resultado relacional dos jogos de linguagem envolvidos.
Os dois realizam, cada um em seu campo — linguagem e música — uma obstinada busca
de explicação para determinados fenômenos na construção do sentido e da compreensão
das proposições assertivas (no caso do lógico), ou temáticas e formais (no caso do compositor). Mais ainda, buscam uma possível ligação entre esses sentidos que carregam as palavras, os sons, os acordes, as frases e as proposições e a realidade: como se relacionam com
o mundo e com os objetos reais a construção do sentido e da própria nomeação das coisas?
Wittgenstein formula, no Tractatus (1993), a ‘teoria da figuração’: as proposições com
sentido funcionam como uma imagem dos fatos, descritos pelas proposições como verdadeiros ou falsos. O papel das proposições seria o de descrever estados de coisas.
Os nomes combinam-se entre si formando as proposições e os objetos combinam-se entre
si formando os estados de coisas. Uma proposição com significado é uma proposição que
figura um fato. O que garantiria o significado no processo de nomeação seria um radical
isomorfismo entre a estrutura lógica da linguagem e a estrutura ontológica do real.
Schoenberg, no tratado de Harmonia (2001) formaliza o sistema tonal levando-o aos seus
limites, convergindo suas abordagens para a filosofia da música e análise do discurso (Cf.
SOULEZ, 2007).
No sintomático capítulo sobre as “Sons estranhos à harmonia”, quando se pergunta sobre
a relação que a teoria musical poderia ter com a natureza, aponta um paradoxo: os sons
estranhos à harmonia. Sons estranhos são, tradicionalmente, aceitos como notas de passagem, sob o argumento de que violam as regras da harmonia, por exemplo com dissonâncias não permitidas. Não deveriam figurar em um acorde, mas acabam fazendo parte dele
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e alterando sua sonoridade, comprometendo a análise com uma carga de dogmatismo
(SCHOENBERG, 2001).
O compositor apontava um esgotamento do centro de referência estético e se colocava
contra uma teoria estética que se mantinha graças à tradição e o apego a regras pedagógicas
rígidas e atravésdo controle e regulamentação profissionais.
Tais regras seriam fundadas, nos dizeres dessa própria teoria, em fenômenos naturais — a
teoria da série harmônica — e permitiriam que pudessem ser definidos termos como a dicotomia básica da teoria das resoluções: a diferenciação entre ‘consonância’ e ‘dissonância’.
O isomorfismo garantido entre o modelo harmônico de organização dos intervalose o
mundo real da sonoridade das cordas e tubos, seria responsável por garantir as regras
sintáticas da harmonização e condução de vozes, ou determinar o caráter bem-feito ou
não de uma obra.
A partir das Observações Filosóficas, entretanto, Wittgenstein afirmará: “uma proposição
é analisada completamente em termos lógicos se sua gramática é completamente esclarecida:
não importa em que idioma possa estar escrita ou expressa” (2005, §1). Abandona a tese de
que o sentido é dado pelo isomorfismo entre nomes e coisas e afirma que o sentido é dado
pelo método de verificação: “o significado de uma pergunta é o método de responder a essa
pergunta” (idem, §27).
Dar o significado de uma oração equivale a dar as regras segundo as quais se vai usar essa
oração e esclarecer o modo com que pode ser verificada.
O verificacionismo de Wittgenstein é uma conscientização do uso da estrutura articulada
da linguagem e da mobilidade por diversos âmbitos cognitivos e conceituais.
Também Schoenberg irá propor uma virada semelhante, após considerações sobre a análise de peças através de métodos não apropriados: por exemplo analisando músicas modais
com critérios de validade tonais. “É a imperfeição dos nossos sentidos o que nos obriga a
compromissos graças aos quais alcançamos uma ordem. Porque a ordem não vem exigida
pelo objeto, mas pelo sujeito” (SCHOENBERG 2001, p. 72).
Na prática, o que era postulado como dissonância em um determinado período era absorvido pela técnica e pela escuta e passava a fazer parte da harmonia geral, não podendo
mais estar sob a dicotomia dissonância-consonância.
Por isso, defendia Schoenberg, que não pode haver teoria musical no sentido construtivo,
mas um sistema que descreva a gramática envolvida na construção da linguagem. Sobre as
essências e a natureza, não cabia negá-las ou afirmá-las, mas desenvolver uma análise que
esclarecesse as relações gramaticas e expusesse os critérios de valoração que estariam em jogo.
Ambos parecem convergir para um mesmo ponto: a todo emprego de uma linguagem
pertence, como característica gramatical, algum método de verificação de suas proposições.
O processo de construção de sentido é dado pelo uso e pelas relações vitais. “Para entender
o discurso musical é necessário conhecer os detalhes do jogo e compreendê-lo em sua totalidade.”
(SCHOENBERG, 2008). É uma certeza vital que carregamos ao compartilhar um modo
de vida comum. “Chamarei de ‘jogo de linguagem’ também a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada.” (WITTGENSTEIN, 1996, §7).
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Referências
PORTA, Sabine Knabenschuh De. “El mito de la ‘fase verificacionista’ de Wittgenstein”. Revista
de Filosofía, v. 48, n. 3, 2004. Disponível em: <http://www.produccioncientificaluz.org/index.php/
filosofia/article/view/18085>. Acessado em: 14 abr. 2016.
SCHOENBERG, Arnold. El estilo y la idea. Alcorcón, Madrid: Mundimúsica, 2008.
______. Harmonia. Trad. Marden Maluf. São Paulo: UNESP, 2001.
SOULEZ, Antonia. “Schoenberg pensador da Forma: música e filosofia”. Discurso [Revista do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo], n. 37, 2007. Disponível em: <http://www.
revistas.usp.br/discurso/article/view/62933>. Acessado em: 14 abr. 2016.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. Marcos G Montagnoli. Petrópolis: Vozes, 1996.
______. Observações filosóficas. São Paulo: Loyola, 2005.
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