avaliação pré-operatória nas ressecções pulmonares por

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AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA NAS RESSECÇÕES
PULMONARES POR NEOPLASIA DE PULMÃO
Sonia Maria Faresin
Doutora em Medicina pela UNIFESP
Coordenadora do Ambulatório de Risco Cirúrgico
Disciplina de Pneumologia – UNIFESP/EPM
Fabiana Stanzani
Pós-graduanda da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP
2
1. Introdução
O estudo da função pulmonar em candidatos a ressecção pulmonar para o
tratamento cirúrgico de neoplasia maligna pulmonar é imprescindível, pois após a
incisão e a abertura da cavidade torácica ocorrem alterações na função pulmonar que
independem da idade do paciente, da presença ou não de pneumopatia, tabagismo ou
de outros fatores de risco clínicos. Estas alterações podem ser agrupadas em quatro
categorias: alterações dos volumes e capacidades pulmonares, do padrão ventilatório,
das trocas gasosas e das defesas pulmonares.
A hipoxemia arterial observada no pós-operatório resulta do colabamento
alveolar com o predomínio de áreas de baixa relação ventilação-perfusão. Este quadro
é agravado pela retenção de secreção e estreitamento das vias aéreas. Por este
motivo, a pressão arterial de oxigênio (PaO2 ) pode decrescer até 30%, em relação ao
seu valor pré-operatório nas primeiras 48 horas.
A prevalência de morbidade e mortalidade após ressecção pulmonar é maior do
que nas outras cirurgias1. A diminuição da função ventilatória decorrente deste
procedimento predispõe agudamente a ocorrência das seguintes complicações
cardiopulmonares: pneumonia, traqueobronquite, insuficiência respiratória aguda,
atelectasia, broncoespasmo, arritmias e infarto agudo do miocárdio. A embolia
pulmonar e o edema agudo de pulmão são complicações graves e potencialmente
fatais que aumentam a morbidade e prolongam o tempo de internação hospitalar.
Cronicamente a ressecção pulmonar pode reduzir a capacidade do paciente em tolerar
o exercício, afetando sua qualidade de vida.
As complicações pós-operatórias, especialmente as pulmonares, prolongam as
hospitalizações e elevam os custos hospitalares. Não dispomos de estudos que
comparem estes custos, mas Wang et al.2 relataram que entre 40 pacientes
3
submetidos à ressecção pulmonar houve uma incidência de complicações pulmonares
de 32,5%, mais precisamente 38,2% para lobectomias e bilobectomias e 11,1% para
ressecções menores que um lobo. Neste trabalho o tempo médio de permanência intra
hospitalar foi de 7,9 ± 2,1 dias, com intervalo de 1 a 13 dias, considerando-se 39
pacientes. Um paciente desenvolveu complicação pulmonar, permanecendo internado
por 90 dias. O custo direto destas hospitalizações considerando-se todos pacientes foi
de 11.962 ± 3.928 dólares, com variação de 3.352 a 26.707 dólares. O tratamento do
paciente com maior permanência hospitalar custou 162.514 dólares.
2. Complicações pulmonares precoces
A incidência de complicações pulmonares é variável na literatura na
dependência da sua definição e dos critérios utilizados para o seu diagnóstico.
Embora as taxas de complicações guardem relação com a amplitude da
ressecção, as taxas de mortalidade são semelhantes quando se trata de
pneumonectomia, bilobectomia ou lobectomia diferindo apenas em relação a
ressecções menores cuja mortalidade é nula. Esta afirmação, também, é valida para
pacientes idosos sendo que entre 500 pacientes com idade acima de 70 anos, houve
37 óbitos, ou seja, 7,4% de mortalidade, assim distribuídos: 11 em 136
pneumonectomias (8,0%), 4 em 34 bilobectomias (11,8%), 22 em 291 lobectomias
(7,6%) e nenhum óbito entre 39 ressecções menores3.
Pairolero et al
4
relataram uma taxa de complicação cardiopulmonar de 38,3%
em 639 pneumomectomias realizadas, o que corresponde a mais de 85% de todas as
complicações pós-operatórias (CPO).
Entre as diversas variáveis analisadas pela literatura como possíveis fatores de
risco para a ocorrência de complicações e mortalidade pós ressecção pulmonar, a
4
idade, o sexo dos pacientes e o tipo histológico do tumor não se mostraram relevantes.
Porém, a presença de sintomas respiratórios, o estadiamento da doença, a extensão
do procedimento cirúrgico, a associação de pneumopatias em especial o enfisema
pulmonar e a doença pulmonar obstrutiva crônica e a função pulmonar basal dos
pacientes com destaque para os parâmetros espirométricos (VEF1 ) estão diretamente
relacionados com a possibilidade de complicações. A difusão pulmonar com monóxido
de carbono (DLCO) reduzido se mostrou um preditor independente para complicação
pós-operatória (CPO). A doença cardiovascular foi um dos preditores mais fortes para
morbidade e mortalidade 4.
Hoje a idade não deve ser um critério de operabilidade que impossibilite o
procedimento cirúrgico e estudo retrospectivo avaliando a incidência de mortalidade em
pacientes com idade acima de 70 anos, submetidos a ressecção pulmonar devido
câncer de pulmão evidencia uma tendência a maior mortalidade em faixas etárias mais
elevadas a saber: 5,9% entre pacientes de 70 a 74 anos, 10,4% entre 75 a 79 anos e
8,3% nos acima de 80 anos. Entretanto, a sobrevida destes pacientes após a cirurgia
não foi diferente entre estes grupos: 35,4% x 27,7% x 36,0% 3.
Segundo o trabalho de Filaire et al 5, o melhor parâmetro para prognosticar a
ocorrência de ventilação mecânica prolongada e hipoxemia grave no pós-operatório de
lobectomia é o valor do VEF1ppo (volume expiratório forçado no primeiro segundo
proposto para o pós-operatório; r=0,74). Para as pneumonectomias o volume corrente
seguido da freqüência respiratória foram os melhores preditores de risco.
A maior critíca na avaliação dos fatores de risco para morbidade e mortalidade
após ressecção pulmonar recai no fato que os
trabalhos publicados na literatura,
apesar do grande número de pacientes envolvidos, são análises retrospectivas.
5
Isto ocorre também no trabalho de Zhang et al 6 publicado em 2001 que reuniu ,
retrospectivamente, ao longo de 5 anos, dados de 1.905 pacientes submetidos a
ressecção pulmonar por neoplasia. A análise multivariada mostrou que a sobrevida
estava relacionada com a quantidade de parênquima ressecado, o estadiamento TNM
e o acometimento de margem cirúrgica. O tipo histológico não foi relevante.
Outra questão bastante observada na prática médica é a maior taxa de CPO
naqueles pacientes submetidos à quimioterapia neoadjuvante. Entre os vários
trabalhos que documentaram este fato está o de Johnson et al 7. O grupo de pacientes
com terapia neoadjuvante apresentou maior taxa de pneumonia e reintubação, maior
tempo de permanência hospitalar e maior número de traqueostomia.
4.3.3. Avaliação funcional pré-operatória
A seleção funcional dos candidatos que se beneficiarão da ressecção pode ser
difícil. Na avaliação destes pacientes procuramos predizer se a função pulmonar que
permanecerá após a cirurgia estará associada a uma incidência aceitável de
mortalidade no pós-operatório imediato e a longo prazo qual será a limitação
ventilatória ao exercício.
A extensão radiológica da doença e os dados broncoscópicos são fundamentais
para o planejamento operatório, porém é durante a cirurgia que o médico conseguirá
realmente dimensionar a quantidade de parênquima e estruturas que serão
ressecadas. Desta forma, a avaliação pré-operatória deve acercar inclusive a
possibilidade de ampliação da operação, vislumbrando mais perda funcional.
A avaliação funcional pré-operatória pode ser dividida em três etapas. A primeira
avalia os pulmões como um todo, e consta da espirometria e da gasometria arterial.
6
O método mais simples de calcular o VEF1ppo baseia-se apenas na quantidade
de parênquima que provavelmente será retirado durante o ato cirúrgico. Possui a
praticidade de ser feito à beira do leito, sem necessidade de exames invasivos, e pode
oferecer uma estimativa da função pulmonar no pós-operatório.
VEF1ppo = VEF1 pré X (1 – { nº de segmentos removidos X 5,26})
100
Existem 19 segmentos pulmonares e 42 subsegmentos, mais precisamente 6
subsegmentos no lobo superior direito, 4 no lobo médio, 12 no lobo inferior direito, 10
no lobo superior esquerdo e 10 no lobo inferior esquerdo.
Cerveri et al 8 publicaram trabalho em 2001 cujos resultados revelaram a relativa
segurança do uso deste tipo de cálculo para pacientes que serão submetidos a
lobectomia por neoplasia. Segundo estes autores, se o VEF1ppo for maior que 40% o
paciente tem risco baixo de desenvolver insuficiência respiratória crônica no pósoperatório e não seria necessário realizar outros exames. Porém adverte que, se o
paciente já apresentar doença cardiopulmonar estabelecida, a possibilidade de
complicação pós-operatória aumenta.
Quando o VEF1ppo calculado a partir da fórmula anterior mostrar-se limítrofe ou
inferior a 40% a broncoscopia pode oferecer dados mais acurados a respeito da
obstrução total ou parcial dos brônquios. Se o brônquio está totalmente obstruído, não
há ventilação no segmento pulmonar correspondente, o que significa que já não há
participação do mesmo nas trocas gasosas, possibilitando que o cálculo do VEF1ppo
se eleve. A equação utilizada para esta situação é a fórmula de Nakahara (Quadro 1).
7
Quadro 1. Fórmula de Nakahara
VEF1ppo = VEF1 X { 1- (b-n / 42 –n)}
N = número de segmentos obstruídos a serem ressecados
B = número total de subsegmentos a ressecar
42 = número total de subsegmentos pulmonares
A determinação dos segmentos obstruídos será feita pela broncoscopia e para
fins de aplicação da fórmula acima receberão os seguintes valores: subsegmento com
oclusão maior do que 75% = zero; subsegmento com estenose entre 50 a 75% = 0,5 e,
subsegmento com estenose inferior a 50% = 1.
Os segmentos obstruídos não serão considerados pois já não estão sendo
ventilados e, considerando-se que o reflexo de vasoconstrição hipóxica encontra-se
íntegro, também não estarão sendo perfundidos. Isto significa que não deve estar
havendo troca gasosa nas unidades alvéolo-capilares presentes nestes segmentos.
Quando o VEF1ppo calculado por qualquer uma destas fórmulas for maior que
800ml considera-se que a ressecção pulmonar pode ser realizada. Entretanto,
atualmente sabe-se que o VEF1ppo menor que 800ml não é um índice que possa ser
utilizado isoladamente para definir operabilidade. Complicações e óbitos também
ocorrem naqueles pacientes com disfunção leve e moderada, enquanto alguns
pacientes com grave redução na função pulmonar podem evoluir bem.
8
Este fato ocorre porque muitos pacientes são portadores de pneumopatias
crônicas que alteram regionalmente a ventilação e perfusão, e portanto, o cálculo
baseado na perda de segmentos ou subsegmentos não é adequado. Nesta situação
precisamos calcular a função regional pulmonar. O estudo da função regional pulmonar
pode ser feito pelo mapeamento pulmonar de ventilação-perfusão.
Por outro lado, às vezes, não há como realizar este exame e paralelamente
pode-se lançar mão do teste de difusão de monóxido de carbono (DLCO). Utiilizando a
mesma fórmula básica para o cálculo do VEF1ppo, obtem-se o DLCOppo. Quando o
valor encontrado for menor que 40%, o risco operatório é alto 9.
Basicamente, durante a avaliação pré-operatória de candidatos à ressecção
pulmonar que puderam submeter-se a cintilografia pulmonar, podemos nos deparar
com 4 situações:
1. A área a ser ressecada apresenta a mesma função que o restante do
parênquima pulmonar e portanto a perda de função será proporcional ao grau de
ressecção.
2. A área a ser ressecada apresenta função desprezível em relação ao restante
do parênquima pulmonar e, portanto, a perda de função também será desprezível.
3. A área a ser ressecada é responsável pela maior parte da função pulmonar e,
portanto, esta ressecção acarretará grande perda, podendo ser incompatível com a
vida do paciente.
4. A área a ser ressecada é normalmente perfundida, mas pobremente ventilada,
determinando uma região de “shunt”. Sua ressecção poderá corrigir uma eventual
hipoxemia arterial.
9
Multiplicando-se o VEF1 pré-operatório pela percentagem de perfusão do pulmão
contra-lateral à ressecção, consegue-se estimar o VEF1ppo. Se o VEF1 estimado for
maior que 40%, o doente é liberado para a cirurgia.
Wyser et al
10
relatou que se o VEF1ppo fosse menor que 40% do predito,
haveria necessidade de complementar a avaliação pré-operatória realizando o teste de
exercício para estimar o consumo de oxigënio máximo (VO2max ). Esta recomendação
também é dada para aqueles casos nos quais os valores estimados do VEF1ppo e
DLCOppo estiverem abaixo de 40% do predito.
Trabalhos sugerem a utilidade do consumo máximo de oxigênio (VO2máx ) como
um previsor de complicações pós-operatórias. Wyser et al 10 deixaram estabelecido que
quando o VO2máx é maior do que 15 ml/Kg/min o paciente apresenta boa reserva
cardiopulmonar para suportar a cirurgia. Se for inferior a 10 ml/kg/min indica risco
operatório alto.
O Consenso da British Thoracic Society
9
publicado em 2001 ressalta que se o
VO2 for maior do que 15ml/kg/min o paciente tem risco moderado de desenvolver
complicações no pós-operatório, enquanto que VO2 abaixo deste valor representa alto
risco.
Nenhum autor sugere cancelar a cirurgia baseada estritamente no VO2 máx. Em
vez disso, o encontro de um VO2máx reduzido identifica pacientes que necessitam de
avaliação pré-operatória mais agressiva.
Quando este critério não é preenchido e a cirurgia ainda assim é pretendida, a
condição pós-operatória pode ser simulada, numa terceira fase da avaliação, pela
ressecção funcional do leito vascular do pulmão doente, através da oclusão temporária
com balão da artéria pulmonar homolateral, com ou sem exercício. Este tipo de exame
não é feito com freqüência na prática clínica atualmente, mas é descrito na literatura
10
como a forma mais apropriada de estimar a condição cardiopulmonar
no pós-
operatório de um paciente candidato a pneumonectomia. A elevação da pressão média
da artéria pulmonar acima de 35mmHg ou a queda da PaO2 abaixo de 45mmHg, após
oclusão do ramo direito ou esquerdo, durante o exercício, indica incapacidade de
tolerar a retirada desta quantidade de parênquima pulmonar.
Como alguns estudos observaram que as intercorrências pós-pneumonectomia
foram primariamente relacionadas a alterações no débito cardíaco e pressões da
artéria pulmonar em vez da limitação na ventilação e perfusão, critérios que possam
estratificar os pacientes de acordo com sua reserva cardiopulmonar têm sido
pesquisados.
Exatamente o que esta alteração no teste de exercício demonstra, ao refletir um
risco de morbidade e mortalidade, não é conhecido, porém parece que pode ser indício
de disfunção ventricular esquerda discreta ou reserva ventricular esquerda limitada.
Assim, em pacientes com VO2máx baixo, uma avaliação adequada da função
ventricular esquerda e direita deverá ser realizada. A ecocardiografia é um método não
invasivo capaz de fornecer dados valiosos a respeito do tamanho e funções sistólica e
diastólica do ventrículo esquerdo, sem apresentar os riscos do cateterismo cardíaco.
No entanto, o exame ecocardiográfico do ventrículo direito tem muitas limitações
devido o fato que grande parte dele está diretamente sob o esterno, tem forma irregular
e paredes trabeculadas. A ventrículografia com radioisótopos é outro método seguro,
relativamente atraumático e pode quantificar as funções cardíacas direita e esquerda,
assim como demonstra, com relativa precisão, a fração de ejeção e o índice de
desempenho biventricular.
11
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