A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO:

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A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: A REALIDADE DAS ESCOLAS
PÚBLICAS DA REGIÃO NOROESTE FLUMINENSE.
Tânia Cristina da Conceição Gregório – UERJ
1. NOTAS SOBRE O FILOSOFAR: UM EXERCÍCIO DO PENSAMENTO
OU O PENSAMENTO EM EXERCÍCIO?
O trabalho com filosofia no Ensino Médio brasileiro tem sido alvo de acaloradas
discussões a respeito da questão: deve-se tornar a Filosofia disciplina obrigatória da
Base Comum Nacional ou mantê-la distante das disciplinas tidas como “essenciais” ao
exercício do pensamento (como Língua Portuguesa, Matemática, Física...) e tão
necessárias aos exames de seleção para os que desejam ingressar no ensino superior?
Outra questão nos inquieta: afinal de contas, o que pensam sobre a Filosofia,
aqueles que trabalham no Ensino Médio? Alguns a conceituam como sendo a “ciência
da sabedoria”, outros dizem ser ela uma “um exercício de reflexão” e há ainda aqueles
que a consideram como a “ciência da verdade”. Vejamos: será que há meios de se
transmitir sabedoria? Afinal, o que é sabedoria? Podemos conceituá-la, defini-la
mensurá-la, pensá-la em um exercício de tentativa de compreensão? Outra questão: o
que é um exercício de reflexão? Como se dá esse processo, principalmente nas salas de
aula de escolas públicas que contam com no mínimo 40 alunos? Será possível refletir
filosoficamente nesse contexto? E nossa última questão: o que é a verdade? Há uma
verdade a ser transmitida, a ser desvelada ou a ser compartilhada? Como saber se algo é
verdadeiro ou não? Se as coisas são o que são ou são o que queremos que sejam?
Essas pequenas reflexões iniciais poderiam desdobrar-se em inúmeras outras
questões, em inúmeros argumentos, e poderíamos ainda assim, correr o risco de não
chegar a lugar algum. A propósito: há um lugar para o filosofar?
Os PCNEM versam sobre o filosofar como sendo uma das peculiaridades do
ensino da Filosofia no Ensino Médio, característica essa que distinguiria essa disciplina
das demais que compõem o currículo (2002, p: 41).
É importante que os alunos do Ensino Médio adotem uma postura de reflexão
sobre si mesmos, sobre seu papel social, sobre seu ser sujeito e sua autonomia. Mas para
que isso se constitua, é indispensável que a filosofia seja trabalhada em sala de aula
como um exercício do pensamento que permita ao aluno desvincular-se de conceitos
cristalizados ou preconcebidos que impeçam a construção de sua criticidade.
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Para Deleuze e Guattari, “a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar
conceitos”. (1997, p:10) Desse modo eles nos dizem
Conhecer-se a si mesmo − aprender a pensar − fazer como se
nada fosse evidente − espantar-se, (...), estas determinações da
filosofia e muitas outras formam atitudes interessantes, se bem
que fatigantes a longo prazo, mas não constituem uma ocupação
bem definida, uma atividade precisa do ponto de vista
pedagógico. Pode-se considerar como decisiva, ao contrário, a
definição da filosofia: conhecimento por puros conceitos. Mas
não há lugar para opor o conhecimento por conceitos, e por
construção de conceitos na experiência possível ou na intuição.
Pois, segundo o veredito nietzschiano, você não conhecerá nada
por conceitos se você não os tiver de início criado, isto é,
construído numa intuição que lhes própria: um campo, um plano,
um solo, que não se confunde com eles, mas que abriga os germes
e os personagens que os cultivam. O construtivismo exige que
toda criação seja uma construção sobre um plano de lhe dá
existência autônoma. Criar conceitos, ao menos é fazer algo. A
questão do uso ou da utilidade da filosofia, ou mesmo de sua
nocividade (a quem ela prejudica?), é assim modificada. (1997, p:
16-17)
A tentativa de concluir com essa citação visa responder ao nosso primeiro
questionamento e remete-nos ao fato de a Filosofia nas salas de aula do Ensino Médio
necessitarem de nova roupagem, que realmente possibilite o exercício do pensamento,
mas de um pensamento filosófico que concretize a criação de seus próprios conceitos,
de suas próprias conclusões, a partir da experiência do pensamento em exercício, que
fuja às regras, que crie os espaços, que mude o tempo, numa construção coletiva.
2. NOTAS SOBRE O CURRÍCULO: DA RIGIDEZ DO SISTEMA À
FLUIDEZ DA TRANSVERSALIDADE
A filosofia ainda não é uma disciplina que faz parte do currículo do Ensino Médio
em todos os estados brasileiros, nem em escolas da rede pública nem em escolas da rede
privada. Analisaremos agora alguns itens que podem ajudar a elucidar essa questão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais propostos para o Ensino Médio indicam que
o currículo deve ser articulado em torno de eixos básicos orientadores da seleção de
conteúdos significativos e que um eixo básico histórico-cultural deve dimensionar o
valor histórico e social dos conhecimentos tendo em vista as constantes mudanças por
que passa a sociedade. Alertam para que essa seleção de conteúdos deva articular-se
gerando uma significação que parta da leitura e da escrita da realidade ou de uma
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situação dada por essa. Isso posto garantiria ao aluno adquirir um perfil que lhe
possibilite a efetiva conquista de elementos básicos que possam torná-lo cidadão
participativo de seu meio social. E, reconhecendo a historicidade como norte do
processo de produção do conhecimento, preconiza ainda, que a concepção curricular
seja transdisciplinar e matricial, de forma que as marcas das linguagens, das ciências,
das tecnologias e, ainda, dos conhecimentos históricos sociológicos e filosóficos, como
conhecimentos que permitem a leitura crítica do mundo, estejam presentes em todos os
momentos da prática escolar.
A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) ao destacar
as diretrizes curriculares do Ensino Médio preocupa-se em apontar um planejamento e o
desenvolvimento do currículo de forma orgânica, superando a organização por
disciplinas estanques e revigorando a integração e articulação dos conhecimentos, em
um processo permanente de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
Em seu artigo 36, §1º, inciso III a Lei nº 9.394/96 (LDB), nos adverte:
Art. 36 (...)
§ 1º - O conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação
serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o
educando demonstre:
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia
necessários ao exercício da cidadania. (1999, p: 47)
Percebe-se que esse foi um avanço significativo para a presença da Filosofia no
Ensino Médio assim como a inclusão desse nível de ensino na Educação Básica, o que
de certa forma garantiu ao cidadão brasileiro a extensão da obrigatoriedade de ensino e
de permanência na escola.
Cabe, entretanto, ressaltar que o legislador ao incluir a Filosofia (assim como a
Sociologia), não estabeleceu, em momento algum na letra da lei, a obrigatoriedade da
inclusão dessas disciplinas no currículo da Base Comum Nacional, o que permitiu a
vários Estados e Municípios se esquivarem de incluir ambas as disciplinas ao
interpretarem a orientação legal de elas serem necessárias, mas não fundamentais
(assim como as demais disciplinas) para a formação da cidadania. Além disso,
desconsiderou a importância dessas disciplinas em um processo de interdisciplinaridade
e mesmo de transdisciplinaridade sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
como forma de leitura de mundo. O motivo alegado pelas Unidades da Federação vai
desde a falta de professores habilitados para o exercício da regência de Filosofia ao ônus
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que tal inclusão pudesse causar aos cofres públicos, uma vez que demandaria
contratação pelo aumento da carga horária curricular.
No Estado do Rio de Janeiro, nas escolas públicas estaduais, a Filosofia, embora
conste da Matriz Curricular desde a década de 90, comumente recebia tratamento de
Projeto Interdisciplinar, enfocando principalmente os temas transversais sugeridos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, embora alguns professores optassem por trabalhar
História da Filosofia ou algumas correntes filosóficas. Normalmente não havia um
direcionamento,
assim
os
conhecimentos
tornavam-se
estanques
e
muito
descontextualizados do meio social do aluno, o que gerava desestímulo ou mesmo
dificuldade para compreender a real utilidade da disciplina.
Nesse ano, professores de Filosofia, Coordenadores e Orientadores Pedagógicos,
especialistas em educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, participaram de
encontros com o propósito de discutir o currículo do Ensino Fundamental (2º segmento)
e do Ensino Médio das escolas da Rede.
Após diversos encontros, debates e
deliberações, foi publicada a Reorientação Curricular. O objetivo de tal intento é
justamente uma tentativa de unificar o currículo nas escolas, de maneira que os
conhecimentos adquiridos em qualquer escola permitam o trânsito de alunos sem que
esses sintam os prejuízos de não ter trabalhado esse ou aquele conhecimento.
A proposta para o ensino da Filosofia orienta, de forma pormenorizada, o
trabalho de professores e alunos em sala de aula. Inicia com o argumento de ser a
Filosofia uma disciplina “plural e diversa” e que não é propósito estabelecer uma linha
ou método de trabalho filosófico rígido, mas sim a prioridade de discussões que
viabilizem a atividade de pensar, especificada no documento como característica da
Filosofia.
A Reorientação Curricular ao definir como se deve trabalhar a filosofia,
argumenta:
Sendo a característica fundamental da Filosofia o de ser uma
atividade de um certo modo de pensar, em oposição a um
conteúdo determinado, o ensino da filosofia se caracterizava por
ser o “abrir a porta” para o espanto, a estranheza e o
questionamento a partir de um conjunto de conceitos específicos.
Não havendo pré-requisitos e nem resultados a serem alcançados
o ensino da Filosofia pode ser feito a partir de textos filosóficos
de qualquer época, de qualquer linha e pode adotar qualquer
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método filosófico. Cabe ao professor de Filosofia, portanto,
escolher, dentre os diferentes métodos e abordagens filosóficas,
aquele que vai levar o aluno ao exercício do pensamento
filosófico. (2005, p:121)
Nota-se que o documento dá ao professor uma certa autonomia em sua prática
docente no que tange ao trabalho da filosofia. E ainda complementa que “o aluno
deverá tornar-se capaz de buscar subsídios para fundamentar suas opiniões”, bem como
“perceber nos outros as razões que servem para fundamentar o que querem dizer”.
(2005, p: 123).
Como objetivos do ensino da Filosofia constam (2005, p:122): ler e compreender
textos (pensamentos − nesse item o aluno deve relacionar as teses ou os problemas lidos
e relacioná-los com seu contexto e “entender quais as conseqüências para seu mundo se
as teses defendidas forem aceitas”), escrever (a partir da leituras feitas demonstrando
coerência e fundamentação teórica na argumentação) e debater (“expondo oralmente
seus pensamentos e fundamentando-os”, assim como ouvir, compreender e perceber a
fundamentação do pensamento do outro).
Quanto às sugestões de temas e textos a serem tratados durante o ano letivo, nos
parecem ricas (fogem daquela antiga abordagem de se trabalhar somente a História da
Filosofia e correntes filosóficas, dando liberdade ao professor de fazer um trabalho bem
diversificado e multidisciplinar, pois inclusive sugere interface entre os conhecimentos
das disciplinas que compões o currículo) e não deixam de lembrar a carga horária que é
dedicada à disciplina na Matriz Curricular, o que dificultaria um trabalho mais
elaborado (somente duas aulas semanais na 1º série). Assim, cabe ao professor a seleção
de conteúdos a partir das sugestões apresentadas. Os temas sugeridos são: o que é a
filosofia; o que é a linguagem, o que é a lógica; o que é a educação; o que é o
conhecimento; o que é liberdade; estética – arte, beleza e cultura. A sugestão
bibliográfica também está bem atualizada, com autores como Deleuze e Guattari,
Heidegger, Gramsci, Bachelard, Nietzsche, Descartes, Foucault, Arendt, Benjamin,
Schiller, além de alguns poucos clássicos Platão, Aristóteles e Rousseau. Há também
sugestões de filmes que acompanham os temas.
Quanto à avaliação, em primeiro lugar, lembra que a filosofia não pode participar de
um esquema excludente de avaliação, pois não é tarefa do professor fazer com que o
aluno memorize e recite conceitos ou teorias de outrem, mas sim pense autonomamente
e estruture seu pensamento de modo a ser compreendido por si e pelos outros. Desta
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forma, são sugeridos como instrumentos: construção de diálogo sobre um tema (em
dupla ou grupo); participação nas discussões em sala de aula expondo seu pensamento
criticamente; construção textos próprios ou paráfrases de textos filosóficos e por fim a
auto-avaliação (com participação de professor e alunos) e a avaliação interdisciplinar
(entre os professores para discutir o progresso dos alunos).
Essa proposta curricular implantada nesse ano na Rede Estadual de Ensino ainda
está em fase implementação, só a partir do próximo ano poderemos avaliar os resultados
de sua aplicação. De qualquer modo, é uma inovação pensar a unificação dos
conhecimentos a serem trabalhados e permitir ao professor uma certa autonomia
(mesmo que controlada!).
Assim, concluímos que hoje, nas escolas públicas estaduais do Estado do Rio de
Janeiro, a Filosofia é uma realidade na Matriz Curricular (Anexo 1), com conteúdos e
carga horária determinados, saindo daquele paradoxo de se ensinar a partir de temas
transversais. Isso não implica que esses temas não possam fazer parte de alguma
discussão em sala de aula, mas de modo algum eles são a única finalidade do trabalho
com Filosofia.
3. NOTAS SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA: PODE-SE ENSINAR A
PENSAR?
Essa questão é um tanto quanto instigante. Reflitamos: se como dissemos, no
item anterior, se o professor tem liberdade para selecionar os conteúdos e a metodologia
de trabalho, não estaria de certo modo impedindo a autonomia dos alunos ao negar-lhes
que sugiram o que poderiam discutir em sala de aula? Não seria bem mais interessante
(e mesmo provocador!) escolher com os alunos democraticamente, que conhecimentos
seriam mais interessantes para serem trabalhados? Se o professor é o orientador da
aprendizagem ele tem condições de fazer isso. Embora ele tenha mais experiência que
seus alunos (pois esses não conseguiriam fazê-lo sozinhos, certamente), ele pode
aproveitar esse fator para promover a emancipação de seus alunos.
Rancière, em O mestre ignorante, defende que no ato de ensinar e de aprender
há duas vontades e duas inteligências. Se houver sujeição da vontade, ou seja, se o aluno
se submete à vontade do professor, ocorre o que ele chama de embrutecimento; mas se
há relação entre as duas inteligências sem sujeição de vontade, ocorre o que ele chama
de emancipação. (2004, p. 31-32)
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Rancière ainda nos diz que
quem ensina sem emancipar, embrutece. E quem emancipa não
tem que se preocupar com aquilo que o emancipado deve
aprender. Ele aprenderá o que quiser, nada, talvez. Ele saberá que
pode aprender porque a mesma inteligência está em ação em
todas as produções humanas, que um homem sempre pode
compreender a palavra de um outro homem. (2004, p. 37).
Concordamos com Rancière: não se pode ensinar ninguém a pensar. O
pensamento é uma atividade autônoma do indivíduo, é um exercício, uma experiência
singular de cada sujeito. É necessário que haja uma necessidade, que alimente a vontade
e estimule a inteligência. O papel do professor é ser o provocador desse movimento. É
preciso que ele desperte essa vontade e oriente o aluno nesse processo de aprendizagem.
Rancière defende o princípio da igualdade das inteligências: qualquer um pode aprender
qualquer coisa, desde que haja uma provocação.
Assim é importante que as aulas de Filosofia tornem-se o espaço para o
exercício do pensar, a experiência de questionar, de duvidar de si mesmo e das coisas e
buscar como realmente elas são. As aulas de Filosofia devem ser um espaço aberto ao
pensamento, não um espaço ideologizante em que se pensa ser possível conduzir o
pensar de quem quer que seja.
4. NOTAS SOBRE A OPERACIONALIZAÇÃO DA FILOSOFIA NO
ENSINO MÉDIO NA REGIÃO NOROESTE FLUMINENSE: A
FORMAÇÃO DO PROFESSOR .
A operacionalização do ensino da Filosofia nas escolas públicas estaduais da
Região Noroeste Fluminense, passa por situações que provavelmente não sejam
singulares no país.
Em primeiro lugar, torna-se importante caracterizar a Região Noroeste
Fluminense, tão pouco conhecida, inclusive pelos habitantes do Estado do Rio de
Janeiro. A região divisa com os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e é
considerada pobre pelos dados do IBGE, sendo comparada muitas vezes com
municípios da Região Nordeste brasileira, dada a disparidade entre ricos e pobres. De
clima tropical continental, quase não chove, o que dificulta as principais fontes de
renda, a pecuária leiteira e a agricultura (escassa, inclusive). Contém muitos municípios
pequenos, com renda per capita também pequena, o que faz com que a região necessite
de repasse de verbas do Governo Estadual. Outrora fora uma região considerada de bom
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nível econômico, por ter sido a maior produtora de café do Brasil. Naquela época,
houve um maciço desmatamento para o cultivo do café, porém com a queda do produto,
introduziu-se a pecuária leiteira e o desmatamento. Hoje, as sucessivas queimadas têm
contribuído para um processo de desertificação de algumas partes da região. A escassez
de mão-de-obra no campo (inclusive pouco valorizada em termos salariais) aumenta o
crescimento demográfico nas cidades e conseqüentemente, os rincões de miséria e
pobreza.
Por distar da capital, a cidade do Rio de Janeiro, a impressão que se tem é de
total abandono cultural, embora haja boas intenções de algumas prefeituras em
promover o resgate ou manter o pouco que resta da cultura local.
Não há, em toda Região Noroeste Fluminense, uma Faculdade ou Universidade
que ofereça graduação em Filosofia. O maior município da região é Itaperuna onde
funcionou há mais de 30 anos a Faculdade de Filosofia de Itaperuna, que hoje se chama
Fundação Cultural e Educacional São José e oferece vários cursos, menos Filosofia. É
interessante notar que muitas faculdades do interior têm esse nome, mas não oferecem
graduação em Filosofia. Qual seria o motivo? Será que não há professor habilitado? A
faculdade mais próxima que oferece graduação em Filosofia é a Faculdade de Filosofia
Santa Marcelina no município de Muriaé, Minas Gerais e fica há 60 km de Itaperuna,
estando mais distante para os jovens que moram em Bom Jesus do Itabapoana, Santo
Antônio de Pádua, Miracema...; há também a Faculdade de Filosofia de Campos dos
Goytacazes (Região Norte Fluminense), que oferece a graduação em Filosofia,
entretanto, fica a 100 km de Itaperuna, Se para os jovens de Itaperuna se torna distante e
oneroso, imagine para os de Porciúncula, Varre-Sai, Natividade... E mais um detalhe:
ambas são particulares. Não há nenhum incentivo das prefeituras em oferecer transporte
gratuito para os alunos estudarem longe de suas residências. No Espírito Santo não há
faculdades próximas a essa região que ofereçam Filosofia.
Na verdade, no Estado do Rio de Janeiro não houve um projeto de
descentralização das Universidades Públicas (Federais ou Estaduais), todas se
concentram na capital. Há alguns poucos campus no interior e geralmente oferecem
cursos técnicos (em nível médio) na área de agropecuária. Somente aqueles com poder
aquisitivo melhor podem estudar na capital e desses, a maioria escolhe cursos de
graduação que ofereçam renome, como Medicina, Arquitetura, Direito e outros.
Filosofia? Para que? Para ser professor e ganhar pouco? Eis o argumento que sempre se
ouve. Talvez esse argumento faça realmente sentido. Aquele que cursa filosofia faz
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praticamente um curso de cultura geral. Em primeiro lugar é preciso dominar pelo
menos o grego. Depois, talvez o alemão e hoje em função da globalização,
principalmente o inglês. Trata-se de um investimento caro, para aqueles que quiserem
ser realmente bons professores de Filosofia. E ainda há que se investir em um Mestrado
ou em um Doutorado. Então, após todo esse investimento, nas cidades do interior,
distantes e isoladas da capital, mesmo que ofereçam emprego público ou privado, os
vencimentos não são atraentes, o que se torna praticamente inviável para um jovem
recém formado sair da capital e aventurar-se nessa empreitada. Em face desses
argumentos, é realmente questionável a falta de professores graduados em Filosofia para
atuar nas escolas públicas da Rede Estadual de Ensino.
Dessa forma, o quadro que hoje se delineia na Região Noroeste Fluminense é o
seguinte: há três Coordenadorias Regionais, responsáveis pelas escolas públicas
estaduais. E, após pesquisa de campo, pudemos comprovar a habilitação dos professores
regentes de Filosofia nas turmas de Ensino Médio regular e Ensino Médio na
modalidade Jovens e Adultos (EJA). As fontes consultadas nas Coordenadorias foram o
Quadro de Controle de Pessoal – QCP (Coordenadorias II e III) e o Quadro de Horário
Internet da Secretaria de Estado de Educação – QHI (Coordenadoria I), do mês de
setembro de 2005 e a pesquisa foi realizada entre os dias 21 e 25/10/2005. A
Coordenadoria Regional Noroeste Fluminense I, localizada em Bom Jesus do
Itabapoana, abrange os seguintes municípios: Bom Jesus do Itabapoana, Porciúncula,
Natividade e Varre-Sai, e é responsável por 19 (dezenove) escolas públicas que
oferecem o Ensino Médio, nas modalidades Formação Geral, Ensino Médio Para Jovens
e Adultos e o Curso Normal. Dos professores dessas escolas que lecionam Filosofia há:
18 (dezoito) professores formados em Pedagogia; 04 (quatro) professores formados em
Ciências Sociais; 02 (dois) formados em História; 01 (um) formado em Matemática,
Direito e Ciências Físicas e Biológicas; e, somente 01 (um) professor formado em
Filosofia. A Coordenadoria Regional Noroeste Fluminense II, localizada em Itaperuna,
abrange os seguintes municípios: Itaperuna, Laje do Muriaé e São José de Ubá, e é
responsável por 17 (dezessete) escolas públicas que oferecem o Ensino Médio, nas
modalidades Formação Geral e Curso Normal. Dos professores dessas escolas que
lecionam Filosofia há: 22 (vinte e dois) professores formados em Pedagogia; 01 (um)
formado em Ciências Sociais; 01 (um) formado em História, Psicologia e Filosofia; e 01
(um) formado em Filosofia. A Coordenadoria Regional Noroeste Fluminense III,
localizada em Miracema, abrange os seguintes municípios: Miracema, Santo Antônio de
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Pádua, Aperibé e Itaocara e é responsável por 19 (dezenove) escolas públicas que
oferecem o Ensino Médio, nas modalidades Formação Geral e Curso Normal. Dos
professores dessas escolas que lecionam Filosofia há: 27 (vinte e sete) formados em
Pedagogia; 01 (um) formado em Pedagogia e Direito; 01(um) formado em Psicologia; e
01 (um) formado em Filosofia, Ciências Sociais e História.
Diante desse quadro, a conclusão a que se chega é que dos 81 (oitenta e um)
professores que lecionam Filosofia, 83% (oitenta e três por cento) deles são formados
em Pedagogia. Nota-se que no conjunto das Coordenadorias há somente 03 (três)
professores formados em Filosofia, o que representa 4% (quatro por cento) do total de
professores.
A maioria desses professores não habilitados em Filosofia, são Professores
Docentes II, concursados para o 1º segmento do Ensino Fundamental e desviados de
função para atuar no Ensino Médio. A justificativa para esse “trampolim” vai da falta de
professores concursados para atuar no Ensino Médio com Filosofia ao recente processo
de municipalização por que têm passado as escolas públicas estaduais, o que faz com
que haja a necessidade de acomodar os professores em algum lugar, preferencialmente
na sala de aula. Alguns desses professores também atuam no Ensino Médio pelo
artifício da Gratificação por Lotação Prioritária (GLP), argumento que se justifica
também pela carência de professores habilitados, concursados e aprovados. Entretanto,
faz-se necessário ressaltar o seguinte, não é um mau negócio para o Poder Público
manter essa situação primeiro porque o Professor Docente II percebe vencimentos
inferiores aos do Professor Docente I (e trabalha a mesma carga horária) e a “GLP”, não
gera ônus previdenciários para o erário por se tratar de Contratação Temporária
(somente para um ano letivo).
De qualquer modo é importante destacar que alguns profissionais que atuam
com Filosofia (e mesmo com outras disciplinas no Ensino Médio) são bastante
comprometidos com o que fazem, reconhecem as dificuldades e buscam alternativas
para que as aulas sejam realmente significativas e a relação pedagógica flua com
harmonia. Muitos têm especialização (embora a maioria desses cursos seja na área da
Pedagogia), o que significa que não ficam parados esperando que a Secretaria de
Educação forneça-lhes subsídios pedagógicos para trabalhar, embora acompanhem as
orientações dessa.
Mormente, entendemos que essa situação não pode perdurar para sempre. Há
necessidade de que o professor de Filosofia seja habilitado e concursado para tal. Assim
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como os professores das demais áreas de conhecimento. Por que somente com a
Filosofia (e mesmo com a Sociologia) há essa cultura de que não há necessidade de
formação específica? Sou pedagoga e trabalhei com Filosofia durante muitos anos no
Ensino Médio, tanto no curso de Formação Geral quanto no Curso Normal, mas assim
como defendo que para ser Diretor, Coordenador ou Orientador Pedagógico e
Orientador Educacional é indispensável que o profissional seja formado em Pedagogia
(inclusive com a especialização condizente para cada uma das funções citadas), defendo
que o professor de Filosofia deve obrigatoriamente ser formado em Filosofia. Até
compreendemos que agora a Rede Estadual vem passando por uma situação singular em
que há um excesso de pedagogos por situações diversas, mas é mister que à medida que
esses profissionais forem aposentando-se hajam concursos públicos onde realmente
apareçam as reais vagas de Filosofia, que ora estão ocupadas por esses profissionais.
Concordamos com Renata Aspis em sua defesa de que o professor de filosofia
deve ser filósofo,
Nós afirmamos, o professor de filosofia deve ser filósofo. (...) O
professor de filosofia, dentro do que entendemos, vai ensinar a
pensar filosoficamente, a organizar perguntas num problema
filosófico, ler e escrever filosoficamente, a investigar e dialogar
filosoficamente, avaliar filosoficamente, criar saídas filosóficas
para o problema investigado. E vai ensinar tudo isso na prática.
Na sua prática e na prática dos alunos. Vai ensinar tudo isso sem
dar fórmulas a serem reproduzidas. Não vai achar que sabe o que
vai acontecer pois tudo pode acontecer já que tudo estará sendo
criado no a cada aula. Nas aulas de filosofia, como experiência
filosófica, o professor é um orientador, ele põe à disposição para
os seus alunos os instrumentos que conhece para uma disciplina
filosófica no pensamento. Cria com os alunos em grupo, uma
equipe que tem um objetivo comum: encontrar saídas para um
problema elaborado por eles mesmos, de seu interesse, por meio
da investigação e do estudo filosóficos. (2004, p: 310-311)
Quando as escolas públicas e privadas compreenderem o valor e o papel da
Filosofia na formação do cidadão, talvez entendam nossa defesa de sua obrigatoriedade
e da obrigatoriedade da correta formação do professor que atua nas muitas salas de aula
desse país.
5. NOTAS FINAIS: DO PENSAMENTO À AÇÃO CIDADÃ.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio definem os
seguintes objetivos para a educação básica:
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dar significado ao conhecimento escolar, mediante a
contextualização; evitar a compartimentalização, mediante a
interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de
aprender. (1999, p: 13)
E propõem:
(...) no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à
formação específica; o desenvolvimento de capacidades de
pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a
capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples
exercício de memorização. (1999, p: 16)
E ainda incorporam como diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular
as quatro premissas apontadas pela UNESCO como eixos centrais da educação na
sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e
aprender a ser (1999, p: 29-30).
Tomemos por base essas três citações a fim de tecer as considerações finais
desse texto. Sem dúvida que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/96) assim como as sugestões apresentadas pelos PCNEM tornaram-se um
marco divisório na Educação Nacional, embora não podemos deixar de admitir que a
LDB poderia ter sido mais objetiva quanto a determinados temas.
Se é propósito do Ensino Médio dar nova significação ao ensinar e ao aprender,
e transformar o sujeito em cidadão pela prática do exercício da cidadania
conscientemente, é mais do que necessário, é mesmo indispensável que se inclua a
Filosofia como disciplina obrigatória nesse nível de ensino, tanto na rede pública quanto
na rede privada de ensino. Somente a experiência do exercício do pensamento pode
consolidar as propostas defendidas pelos PCNEM.
A Filosofia não pode mais ser encarada como uma disciplina ilustrativa,
daquelas que enfeitam currículo, nem como uma espiã, que pode alertar aos cidadãos
quanto às ideologias quase imperceptíveis e tão presentes na sociedade.
O pensar filosófico pode contribuir para a formação do sujeito, para que ele
realmente se assuma como sujeito de uma cidadania que lhe é de direito. Então, os
pilares norteadores podem ser melhor compreendidos por esses sujeitos, se eles
realmente os vivenciarem enquanto cidadãos de deveres e de direitos.
Como aprender a conhecer se os olhos ainda estão vendados? Como aprender a
fazer, se as mãos ainda estão atadas? Como aprender a viver em uma sociedade
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desigual, onde uns têm mais direitos que outros; uns têm tanto outros têm nada? Como
aprender a ser quando não se sabe quem se é?
A Filosofia pode ser um meio para auxiliar nessas questões. Talvez, pelo
exercício do pensar que é próprio da Filosofia, pois ela não dá respostas, não aponta
modelos... Pois quem faz o homem é o próprio homem.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio – orientações
complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da
Educação, 2002.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília:
Ministério da Educação, 1999.
CADERNOS CEDES. A filosofia e seu ensino. Campinas, vol. 24, n.64. 2004
DELEUZE, G e GUATTARI, F. O que é a filosofia? Tradução: Bento Prado Jr
e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992-1997.
RANCIÉRE, J. O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação
intelectual. Tradução: Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de
Educação. Reorientação Curricular para a Rede Estadual de Ensino do Rio de
Janeiro. 2ª versão. Livro III – Ciências Humanas. 2005.
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