Modulação das funções da célula dendrítica por variantes clonais

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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL
Modulação das funções da célula dendrítica por variantes
clonais de Burkholderia cenocepacia isoladas de um doente
com fibrose quística
Marília de Jesus Santos Pereira
Dissertação
Mestrado em Biologia Humana e Ambiente
2013
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL
Modulação das funções da célula dendrítica por variantes
clonais de Burkholderia cenocepacia isoladas de um doente
com fibrose quística
Marília de Jesus Santos Pereira
Dissertação
Mestrado em Biologia Humana e Ambiente
Dissertação orientada por:
Professora Doutora Maria de Guadalupe Cabral (orientação externa)
CEDOC – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa
Professora Doutora Augusta Gama (orientação interna)
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
2013
PÁGINAS INICIAIS:
AGRADECIMENTOS
NOTA PRÉVIA
RESUMOS
ÍNDICES
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao Departamento de Imunologia da Faculdade de
Ciências Médicas e ao Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia do Instituto Superior
Técnico, por me receberem no seu laboratório, em particular às Professoras Doutoras
Paula Videira e Isabel Sá-Correia pela oportunidade oferecida, por acreditarem no meu
trabalho e pelo apoio no âmbito desta dissertação.
À minha orientadora, a Professora Doutora Guadalupe Cabral, pela amizade,
preocupação, confiança, paciência e disponibilidade. Agradeço ainda a ajuda constante,
o apoio na revisão desta dissertação e todos os conhecimentos que me transmitiu.
O meu agradecimento à Professora Doutora Augusta Gama pela disponibilidade de
aceitar co-orientar este trabalho, pela amizade, simpatia e dedicação.
Às Doutoras Carla Coutinho e Zélia Silva e ao Doutor Hélio Crespo, pela amizade,
ajuda e bons conselhos.
Às mestres Mylène Carrascal, Mariana Silva e Teresa Veríssimo e às mestrandas
Graça Marques e Inês Iria, pela amizade, boa disposição, entreajuda e partilha de
conhecimentos, tornando mais fácil e animado cada dia de trabalho.
Aos restantes membros de ambos os departamentos, por estarem sempre
disponíveis para ajudar e ensinar, em especial à D. Glória e à D. Luísa pela simpatia e
disponibilidade e à D. Filomena, pela boa disposição e companhia.
Quero agradecer também à Professora Doutora Deodália Dias pela coordenação no
mestrado de Biologia Humana e Ambiente, por todo o apoio e motivação.
À minha família, pela presença constante e ajuda incondicional ao longo do meu
percurso de vida, em particular aos meus pais, Vítor e Maria do Carmo, por todo o
carinho, paciência, apoio, incentivo e por me ajudarem a ser quem sou hoje.
Às minhas amigas e companheiras de casa, Catarina e Filipa, pela amizade, por me
ouvirem, ajudarem, encorajarem nas longas noites de estudo e pelas palhaçadas e
momentos divertidos que passamos desde a licenciatura e que continuaremos a passar.
Aos meus amigos e aos “Fiches”, pelo companheirismo e amizade, em especial à
Raquel Duarte e ao Gonçalo Lidónio, pela amizade desenvolvida ao longo destes dois
anos de mestrado, por me ouvirem, animarem, por me fazerem sempre acreditar em
mim sem desanimar, pelos momentos de descontração e divertimento e por serem
grandes amigos.
i
ii
NOTA PRÉVIA
Esta dissertação foi desenvolvida no âmbito de um projeto (orientado pela
Professora Doutora Guadalupe Cabral) do grupo de Glicoimunologia 1 , liderado pela
Professora Doutora Paula Videira, pertencente ao Centro de Estudos de Doenças
Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa
(CEDOC/FCM-UNL).
O desenvolvimento deste trabalho deu origem à seguinte comunicação em forma de
poster:
M.J. Pereira, C. Coutinho, A. Lopes, I. Sá-Correia, P.A. Videira, M.G. Cabral. 2013
“Modulation of dendritic cell functions by clonal variants of Burkholderia
cenocepacia isolated from a cystic fibrosis patient” – 36th European Cystic Fibrosis
Conference, 12-15 June 2013, Lisboa Portugal.
1
Esta dissertação teve como referência a revista Immunology: The journal of cells molecules, systems
and technologies da British Society for Immunology, pois, é uma revista conceituada na área e na qual o
grupo de Glicoimunologia já publicou.
iii
iv
RESUMO
As bactérias do complexo Burkholderia cepacia (Bcc) são responsáveis por
infeções respiratórias severas em indivíduos suscetíveis, em particular doentes com
fibrose quística (FQ). Estas bactérias são especialmente temidas devido à sua elevada
transmissibilidade, à sua inerente resistência à terapia antimicrobiana e ao risco de
síndrome da cepacia.
Tem sido descrito que Burkholderia cenocepacia, uma das bactérias mais virulentas
do Bcc, possui mecanismos que lhe permite evadir a resposta imune do hospedeiro,
através da modulação das funções de células fagocíticas. De entre estas, as células
dendríticas (DCs) desempenham um papel essencial na defesa do hospedeiro contra
agentes patogénicos invasores, relacionando a resposta imune inata e adaptativa.
Contudo, o seu papel no desenvolvimento da estratégia evasiva de B. cenocepacia ao
sistema imune do hospedeiro, permanece pouco esclarecido.
Para clarificar esta questão, neste trabalho foi estudada a interação das DCs com 4
variantes clonais de B. cenocepacia, isoladas de um mesmo doente com FQ.
Concretamente, pretendeu-se verificar se existiam diferenças entre estas variantes ao
nível de: internalização pelas DCs, capacidade de inibirem e/ou induzirem o processo de
maturação das DCs, efeito na viabilidade das DCs e a consequência imunológica, em
termos da ativação da resposta adaptativa. Demonstrou-se então que as variantes clonais
consideradas mais virulentas, com base em dados anteriores, são as mais internalizadas
pelas DCs. Todas as variantes, mas especialmente a última isolada imediatamente antes
da morte do doente não induzem a maturação das DCs, processo que normalmente
acontece nestas células em resposta a patogénios e que é essencial para ativar uma
resposta adaptativa efetora. Foi também a última variante clonal isolada do doente que
induziu mais morte celular (apoptose) nas DCs, reforçando a ideia de que é a variante
mais virulenta. Apesar destes resultados, as DCs após internalização das várias
bactérias, mas especialmente com a última variante, são capazes de estimular a
expressão de IFN-γ em células T, sugerindo a indução de uma resposta adaptativa
efetora. No entanto, este resultado não exclui a hipótese de que a modulação das
funções das DCs pelos isolados de B. cenocepacia seja um importante contributo para
restringir, pelo menos parte desta resposta, sendo necessário mais estudos para
esclarecer este assunto.
v
Palavras-chave:

Complexo Burkholderia cepacia (Bcc)

Células Dendríticas (DCs)

Internalização

Maturação

Apoptose

Ativação de células T

Imunomodulação
vi
ABSTRACT
Bacteria of the Burkholderia cepacia complex (Bcc) are responsible for severe
respiratory infections in susceptible individuals, particularly patients with cystic fibrosis
(CF). These bacteria receive special attention duo to their high transmission, inherent
resistance to antimicrobial therapies and risk of cepacia syndrome.
It has been reported that Burkholderia cenocepacia, one of the most virulent Bcc
bacteria, have mechanisms that allow the evasion to the host immune response by
modulating phagocytic cells functions. Among them, dendritic cells (DCs) play an
essential role in host defense against invading pathogens, creating a link between the
innate and adaptive immune response. However, its role in the development of the
evasive strategies of B. cenocepacia to elude host immune system, remains poorly
understood.
To clarify this issue, in this work we studied the interaction of DCs with 4 clonal
variants of B. cenocepacia isolated from the same CF patient. Specifically, we wanted
to determine whether there were differences between these variants in terms of:
internalization by DCs, ability to inhibit and / or induce the maturation of DCs, effect on
the viability of DCs and immunologic consequence, in terms of activation of the
adaptive response. It was demonstrated the clonal variants considered more virulent,
based on previous data, were better internalized by DCs. All variants, but especially the
last variant isolated from the patient, immediately before its death, did not induce DCs
maturation, a process that typically occurs in these cells in response to pathogens which
is essential to enable an adaptive effector response. It was also the last variant isolated
from the patient which induced more cell death (apoptosis) in DCs, reinforcing the idea
that this variant is more virulent. Despite these results, DCs after internalizing the
various bacteria, but especially the last variant, is capable of stimulating the expression
of IFN-γ by T cells, suggesting the induction of an effector adaptive response. However,
this result does not exclude the possibility that the modulation of DCs functions by B.
cenocepacia clonal variants may be an important contribution to restrict, at least part, of
this response, being more studies necessary to clarify this issue.
vii
Keywords:

Burkholderia cepacia complex (Bcc)

Dendritic cells (DCs)

Internalization

Maturation

Apoptosis

T cells activation

Immunomodulation
viii
ÍNDICE
Agradecimentos ------------------------------------------------------------------------------- i
Nota Prévia ----------------------------------------------------------------------------------- iii
Resumo ----------------------------------------------------------------------------------------- v
Palavras-chave --------------------------------------------------------------------------- vi
Abstract -------------------------------------------------------------------------------------- vii
Keywords --------------------------------------------------------------------------------- viii
Índice de Figuras -------------------------------------------------------------------------- xiii
Índice de Tabelas --------------------------------------------------------------------------xvii
Índice de Anexos--------------------------------------------------------------------------- xix
Abreviaturas e Siglas --------------------------------------------------------------------- xxi
1. Introdução---------------------------------------------------------------------------------- 1
1.1. Complexo Burkholderia cepacia e Burkholderia cenocepacia spp. ---------- 1
1.2. Relevância Clínica -------------------------------------------------------------------- 3
1.2.1. Isolados Burkholderia cenocepacia spp. ------------------------------------- 7
1.2.2. O papel do Lipopolissacarídeo (LPS) ---------------------------------------- 9
1.3. Sistema imunitário ------------------------------------------------------------------ 11
1.3.1. Imunidade Inata --------------------------------------------------------------- 11
1.3.2. Imunidade Adaptativa -------------------------------------------------------- 13
1.4. Células Dendríticas ----------------------------------------------------------------- 16
1.5. Introdução ao tema de tese -------------------------------------------------------- 20
2. Materiais e Métodos -------------------------------------------------------------------- 23
2.1. Isolados de Burkholderia cenocepacia, meio, condições de crescimento e
inativação. --------------------------------------------------------------------------------- 23
2.2. Obtenção de DCs derivadas de monócitos humanos -------------------------- 25
2.2.1. Método de microesferas imunomagnéticas e coluna LS ---------------- 25
2.2.2. Método de aderência celular ou “Panning” ------------------------------- 27
2.3. Técnicas ------------------------------------------------------------------------------ 28
2.3.1. Citometria de Fluxo ---------------------------------------------------------- 28
2.3.2.Reação de polimerização em cadeia em tempo real (RT-PCR)
quantitativo ---------------------------------------------------------------------------- 29
2.4. Avaliação da Internalização de B. cenocepacia pelas DCs ------------------- 30
2.4.1. Marcação dos isolados de B. cenocepacia com fluorescência ---------- 30
ix
2.4.2. Ensaios de Internalização ---------------------------------------------------- 31
2.5. Avaliação do estado de maturação das DCs na presença de isolados clonais
de B. cenocepacia. ----------------------------------------------------------------------- 32
2.6. Avaliação da viabilidade celular das DCs na presença de isolados clonais de
B. cenocepacia ---------------------------------------------------------------------------- 33
2.7. Avaliação da consequência imunológica, em termos de ativação de células
T, na presença dos isolados clonais de B. cenocepacia ----------------------------- 35
2.7.1. Extração de RNA e transcrição reversa para DNA complementar
(cDNA)---------------------------------------------------------------------------------36
2.7.2. RT-PCR ------------------------------------------------------------------------ 36
2.8. Análise Estatística ------------------------------------------------------------------ 38
3. Resultados -------------------------------------------------------------------------------- 39
3.1. Estudo da internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia por DCs 39
3.1.1. Internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia viáveis, por DCs
------------------------------------------------------------------------------------------39
3.1.2. Internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia inativados, por
DCs-------------------------------------------------------------------------------------40
3.2. Avaliação da influência dos isolados clonais de B. cenocepacia na
maturação das DCs----------------------------------------------------------------------- 42
3.2.1. Maturação das DCs na presença de isolados clonais de B.
cenocepacia viáveis ---------------- ------------------------------------------------- 42
3.2.2. Comparação da maturação das DCs na presença de isolados clonais
de B. cenocepacia viáveis vs inativados vs LPS --------------------------------- 45
3.3. Avaliação da morte celular das DCs na presença dos 4 isolados clonais de B.
cenocepacia ------------------------------------------------------------------------------- 51
3.4. Análise das consequências imunológicas em termos de ativação de células T
da incubação das DCs na presença de B. cenocepacia ----------------------------- 53
4. Discussão --------------------------------------------------------------------------------- 57
4.1. Os isolados clonais de B. cenocepacia mais virulentos são mais
internalizados pelas DCs, quando viáveis -------------------------------------------- 57
4.2. Os isolados clonais de B. cenocepacia inibem a expressão de alguns
marcadores de maturação em DCs, quando viáveis --------------------------------- 60
4.3. O último isolado de B. cenocepacia a ser recolhido afeta mais a viabilidade
das DCs do que os isolados recolhidos numa fase mais precoce da infeção ---- 64
x
4.4. Apesar dos isolados de B. cenocepacia inibirem a maturação das DCs,
conseguem induzir alguma ativação dos linfócitos T ------------------------------- 65
Perspectivas Futuras ---------------------------------------------------------------------- 69
Conclusão ------------------------------------------------------------------------------------ 71
Bibliografia ---------------------------------------------------------------------------------- 73
Anexos ---------------------------------------------------------------------------------------- 81
xi
xii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1.1 - Árvore filogenética do género Burkholderia ------------------------------------ 2
Figura 1.2 – Característica do epitélio das vias aéreas de um doente com FQ. ----------- 4
Figura 1.3 - Esquema ilustrativo da estrutura do lipopolissacarídeo (LPS) de uma
bactéria Gram-negativa. -------------------------------------------------------------------------- 10
Figura 1.4 – Esquema ilustrativo dos vários componentes da resposta adaptativa Resposta humoral e celular, iniciada por células dendríticas (DCs). ---------------------- 13
Figura 1.5 – Esquema ilustrativo da resposta imune ---------------------------------------- 16
Figura 1.6 – Maturação das células dendríticas (DCs). ------------------------------------- 19
Figura 1.7 – Cronologia dos isolados clonais obtidos do doente J colonizado com B.
cenocepacia. --------------------------------------------------------------------------------------- 21
Figura 3.1 - Análise por citometria de fluxo da internalização dos isolados I, II, III, IV
de B. cenocepacia e E. coli (controlo), marcadas com FITC e viáveis, por DCs após 6
horas de incubação. ------------------------------------------------------------------------------- 39
Figura 3.2 - Análise por citometria de fluxo da internalização dos isolados I, II, III, IV
de B. cenocepacia marcados com FITC e inativados (por calor) e E. coli (controlo,
também marcada e inativada) por DCs após 6 horas de incubação ------------------------ 41
Figura 3.3 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de HLA-DR na superfície de DCs após a incubação destas com
as respetivas bactérias vivas. -------------------------------------------------------------------- 43
xiii
Figura 3.4 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de CD80 (a) e CD86 (b) na superfície de DCs após a incubação
destas com as respetivas bactérias vivas. ------------------------------------------------------ 44
Figura 3.5 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de CD83 na superfície de DCs após a incubação destas com as
respetivas bactérias vivas. ----------------------------------------------------------------------- 45
Figura 3.6 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de HLA-DR na superfície de DCs após a incubação com as
respetivas bactérias vivas (preto), inativas (cinzento claro) e LPS (cinzento escuro). -- 47
Figura 3.7 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de CD80 (a) e CD86 (b) na superfície de DCs após a incubação
com as respetivas bactérias vivas (preto), inativas (cinzento claro) e LPS (cinzento
escuro). --------------------------------------------------------------------------------------------- 49
Figura 3.8 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante
clonal de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo),
mostrando a expressão de CD83 na superfície de DCs após a incubação com as
respetivas bactérias vivas (preto), inativas (cinzento claro) e LPS (cinzento escuro). -- 50
Figura 3.9 – Análise por citometria de fluxo da viabilidade celular de DCs incubadas
durante 12 horas com cada um dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV),
e E. coli. -------------------------------------------------------------------------------------------- 52
xiv
Figura 3.10 – Análise por citometria de fluxo da morte celular de DCs incubadas
durante 12 horas com cada um dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV),
e E. coli ou na ausência de bactérias (DCs). Os resultados obtidos representam valores
médios da percentagem de células vivas (azul), células em fase inicial de apoptose
(vermelho), células em fase tardia de apoptose (verde) e células necróticas (roxo). ---- 53
Figura 3.11 – Análise da quantidade relativa de mRNA dos genes das proteínas IFN-γ
(a) e FOXP3 (b) entre as co-culturas de células T com DCs previamente incubadas
durante 6 horas com cada um dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV),
E. coli (amostras em estudo) e as co-culturas de células T com DCs incubadas por igual
período de tempo na ausência de bactérias (amostra calibradora). ------------------------ 55
xv
xvi
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 2.1 – Denominação dada a cada isolado no decorrer da dissertação. ------------ 24
Tabela 2.2 – Identificação do ensaio e função para cada um dos genes analisados ---- 37
xvii
xviii
ÍNDICE DE ANEXOS
Anexo I - Constituição de soluções utilizadas neste trabalho ----------------------------- 83
Anexo II – Figuras complementares deste trabalho ----------------------------------------- 84
Anexo III – Resultados de trabalhos anteriores ---------------------------------------------- 89
Anexo IV – Abstract e Poster ------------------------------------------------------------------- 90
xix
xx
ABREVIATURAS E SIGLAS
7 - ADD - 7-amino-actinomicina D
APC - Aloficocianina (“Allophycocianin”)
Células apresentadoras de antigénios (“Antigen presenting
APCs cells”)
Líquido de superfície das vias respiratórias (“Airway surface
ASL liquid”)
Complexo Burkholderia cepacia (“Burkholderia cepacia
Bcc complex”)
B. cenocepacia - Burkholderia cenocepacia
B. cepacia - Burkholderia cepacia
B.multivorans - Burkholderia multivorans
CD - Antigénios de diferenciação (“Cluster of differentiation”)
cDNA - Ácido desoxirribonucleico complementar
CFTR CFUs
ClCO2
DCs
DGC
DNA
E. coli
ENaC
EUA
FITC
FT-IRS
-
FQ FSC GAPDH GM-CSF HLA-DR IL
IFN-γ
IPS
IST
LB
LPS
MALDI-TOF
-
Regulador de condutância transmembranar (“Cystic fibrosis
transmembrane conductance regulator”)
Unidades formadoras de colónias (“Colony forming units)
Iões cloro
Dióxido de carbono
Células dendríticas (“Dendritic cells”)
Doença Granulomatose Crónica
Ácido desoxirribonucleico
Escherichia coli
Canal epitelial de sódio (“Epithelial sodium channel”)
Estados Unidos da América
Isotiocianato de Fluresceína (“Fluorescein isothiocyanate”)
Espectroscopia de infravermelhos transformados de Fourier
(“Fourier transform infrared spectroscopy”)
Fibrose quística
Direção longitudinal (“Forward Scatter”)
Desidrogenase gliceraldeído 3-fosfato
Fator de estimulação de colónias granulócitos-macrófagos
(“Granulocyte macrophage colony-stimulating factor”)
Antigénios leucocitários humanos (“Human leucocyte
antigens”)
Interleucina
Interferon gama
Instituto Português do Sangue
Instituto Superior Técnico
Luria-Bertani
Lipopolissacarídeo
Ionização e dessorção a laser assistida por matriz (“Matrix
xxi
MFI MHC-I MHC-II min. µl mL MLST mRNA
Na+
NaCl
Na2CO3
NK
nm
OD
P. aeruginosa
PAMPs
PBMCs
PBS
PCL
PE
PI
-
PRRs PS
RPM
rRNA
RT-PCR
S. aureus
SSC
Tc TCR
Th
TLR
TNF
Treg
-
assisted laser desorption ionization time”)
Intensidade média de fluorescência (“Mean Fluorescence
intensity”)
Complexo Major de Histocompatibilidade da classe-I (“Major
histocompatibility complex – class I”)
Complexo Major de Histocompatibilidade da classe-II (“Major
histocompatibility complex – class II”)
Minutos
Microlitros
Mililitros
Tipagem de sequência multi locus (“Multi locus Sequence
Typing”)
Ácido ribonucleico mensageiro
Iões sódio
Cloreto de Sódio
Carbonato de sódio
“Natural killer”
Nanómetros
Densidade óptica (“optical density”)
Pseudomonas aeruginosa
Padrões moleculares associados a patogénios (“pathogenassociated molecular patterns”)
Células mononucleares do sangue periférico (“peripheral blood
mononuclear cells”)
Tampão de fosfato salino (“Phosphate buffered saline”)
Liquido Periciliar (“Periciliary Liquid”)
Ficoeritrina (“Phycoerythrin”)
Iodeto de Propídeo (“Propidium iodide”)
Recetores de reconhecimento padrão (“Pattern recognition
receptors”)
Fosfatidilserina (“Phosphatidylserine”)
Rotações por minuto
Ácido ribonucleico ribossómico
Reação de polimerização em cadeia em tempo real
Staphylococcus aureus
Direção transversal (“Side scatter”)
Linfócitos T citotóxicos
Recetor de células T (“T cells receptor”)
Linfócitos T auxiliares (“T helper”)
Receptor Toll-like (“Toll like receptor”)
Fator de necrose tumoral (“Tumor necrosis factor”)
Linfócitos T reguladores
xxii
DISSERTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
1.1. Complexo Burkholderia cepacia e Burkholderia cenocepacia spp.
Burkholderia cepacia (B. cepacia) foi descrita primeiramente por Walter
Burkholder em 1950 ficando conhecida como Pseudomonas cepacia (P. cepacia), um
agente associado ao apodrecimento bacteriano da cebola 1. Mais tarde, com a evolução
das técnicas taxonómicas de análise genómica e sequenciação verificou-se que bactérias
do género Pseudomonas eram fenotipicamente semelhantes, mas com diferenças
significativas ao nível genómico (baseados na homologia do RNA) levando a uma
reclassificação das suas espécies. Nomeadamente, P. cepacia juntamente com outras
espécies do género Pseudomonas foram transferidas para o género Burkholderia, em
homenagem ao trabalho de Burkholder 2.
Por volta dos anos 90, tornou-se evidente pelos métodos de identificação, a
existência de uma grande heterogeneidade dentro da espécie B. cepacia, o que tornou
difícil a sua correta identificação 2, levando Vandamme e os seus colaboradores
3
a
realizar um estudo taxonómico polifásico. Este estudo incluiu a análise dos ácidos
gordos, hibridação DNA-DNA e DNA-rRNA, que revelou que isolados de B. cepacia
provenientes de amostras clínicas humanas como de doentes com Fibrose Quística
(FQ), outras amostras clínicas humanas e do meio ambiente pertenciam a pelo menos
cinco espécies genómicas diferentes ou genomovars, coletivamente referidos como
Complexo Burkholderia cepacia (Bcc) 3.
O termo genomovar foi então introduzido para denotar espécies fenotipicamente
semelhantes, mas geneticamente distintas 3, partilhando um nível relativamente baixo de
homologia DNA-DNA (30-60%) 3. As espécies pertencentes a este complexo partilham
uma elevada semelhança na sequência genómica do rRNA 16S (> 97,5%), possuem
genomas grandes (7,5-8,5 Mb), constituídos por múltiplos replicões que lhes concedem
grandes capacidades metabólicas (Fig.1.1) 4.
O Bcc é constituído atualmente por 17 genomovars distintos que se distribuem de
forma heterogénea e ubíqua no ambiente 5 6, tendo grande capacidade de adaptabilidade
e persistência, prosperando em múltiplos nichos 7, englobando um conjunto de bactérias
patogénicas
oportunistas
contaminantes
universais
de
soluções
cosméticas,
farmacêuticas, estéreis, água e equipamento descartável, levando a doenças nosocomiais
e pseudoepidémicas. Por outro lado, em humanos, tem sido notavelmente associada a
1
infeções
em
indivíduos
imunocomprometidos
(indivíduos
maioritariamente
hospitalizados, com baixas defesas ou doentes suscetíveis) 6.
Figura 1.1 - Árvore filogenética do género Burkholderia – Parte do género Burkholderia em que são
destacadas algumas espécies pertencentes ao complexo Burkholderia cepacia (adaptado de 4).
Muitas espécies são patogénicas para plantas, animais e humanos, o que deixa
evidente a grande versatilidade e complexidade das interações que este género é capaz
de estabelecer
8, 9
. Nas últimas décadas tem emergido como patogénio oportunista, e
desde então o interesse neste género de bactéria aumentou, e novas espécies foram
descritas.
O genomovar mais comum do Bcc e que tem vindo a causar grande preocupação é
Burkholderia cenocepacia (B. cenocepacia), uma bactéria gram-negativa, em forma de
bastonete, metabolicamente diversa e eventualmente fatal
2
10
. Clinicamente exibe um
imprevisível e variável curso clínico, que varia do transporte assintomático a pneumonia
necrotizante e septicemia 3, culminando com o rápido e incontrolável declínio da função
pulmonar em 20% dos indivíduos imunocomprometidos
11
, nomeadamente em doentes
com FQ e Doença Granulomatosa Crónica (DGC), sendo uma das bactérias mais
problemáticas para estes doentes 12, 13. Este patogénio é normalmente isolado a partir da
expetoração de doentes com FQ e é transmissível entre eles, demonstrando
multirresistência a fármacos antimicrobianos 10. Contudo a gravidade e morte resultante
desta doença depende do estado clínico e predisposição dos indivíduos no momento de
infeção.
1.2. Relevância Clínica
Nos anos 80, vários relatórios reportaram infeções de doentes com FQ com
membros de Bcc (ainda não descrito nessa altura). Em 1984, foi descrita pela primeira
vez a prevalência destes organismos, na colonização e infeção de doentes com FQ,
conduzindo ao “síndrome da cepacia” – uma pneumonia necrotizante com septicemia
que cerca de 20% dos doentes infetados com Bcc desenvolve e que conduz
invariavelmente à sua morte. 2.
A FQ é uma desordem genética autossómica recessiva, normalmente letal, descrita
pela primeira vez em 1938
14
, que afeta maioritariamente caucasianos e é provocada
pela mutação no gene CFTR que codifica para a proteína cística reguladora da
condutância transmembranar da fibrose (CFTR). Esta mutação provoca alterações no
controlo do movimento dos iões sódio e cloro, havendo bloqueio no efluxo destes
últimos, através da membrana apical das células epiteliais glandulares, resultando no
seu acúmulo intracelular 15, 16 (Fig.1.2).
A suscetibilidade destes doentes a patogénios deve-se à deficiência do sistema de
clearance mucociliar, que está normalmente ativo, atuando como barreira protetora
contra toxinas e patogénios, eliminando partículas e agentes infeciosos das vias aéreas,
mas que, pela incapacidade de CFTR mutado, torna-se inativo, facilitando a colonização
de uma camada de muco viscoso que é geralmente controlado pelo líquido de superfície
das vias aéreas (ASL) 17.
O ASL é constituído por duas partes, o liquido periciliar (PCL) e o muco. O PCL
está em contato direto com as células epiteliais e tem o papel importante de promover e
3
manter o batimento dos cílios, mantendo o ambiente com baixa viscosidade e separando
o muco da superfície das células epiteliais. O muco, por sua vez, tem a função de
remover os patogénios inalados, aprisionando-os e destruindo-os com as moléculas que
o constituem e que têm atividade antimicrobiana, como a lisozima e a mucina. Esta é
então uma importante barreira física e química da imunidade inata (ver secção 1.3.1) ao
nível das vias respiratórias 18, 19.
Deste modo, para que o ASL consiga atuar na imunidade inata, é necessário manter
uma baixa viscosidade no meio e o ASL hidratado. Neste caso, o balanço osmótico é
mantido pelo transporte de iões Cl- para fora das células epiteliais, para que
consequentemente haja inibição da entrada de Na+. O transportador CFTR expele o
cloro, e regula negativamente o transportador de sódio, ENaC (canal epitelial de iões
sódio). Como resultado há saída de água, mantendo assim o ASL hidratado
18, 19
(Fig.1.2).
Figura 1.2 – Característica do epitélio das vias aéreas de um doente com FQ – CFTR mutado
provoca o aumento de produção de muco e um ASL reduzido e desidratado, facilitando a colonização
microbiana por Pseudomonas e outras espécies. Os PAMPs (padrões moleculares conservados associados
a agentes patogénicos microbianos) ativam a sinalização dos TLR (recetores toll-like) nas células
epiteliais para aumentar o recrutamento de neutrófilos e a expressão de IL-8 (interleucina-8) para o lúmen
do pulmão. Estes neutrófilos secretam fatores que ativam ainda mais o epitélio das vias aéreas levando à
inflamação (adaptado de 20).
4
Com o transportador CFTR mutado, o transporte de cloro para fora das células é
bastante reduzido ou nenhum, sendo que, contrariamente ao mecanismo anterior, o cloro
entra para acompanhar o movimento do sódio, pois não existindo o controlo negativo
sobre o transportador de sódio, ambos os iões entram nas células. Devido ao balanço
osmótico a água entra também para as células epiteliais e como consequência, a
concentração de muco aumenta bastante, e este fica aderente às células epiteliais,
havendo achatamento dos cílios, e a não remoção dos patogénios, pois o aumento de
viscosidade do muco (característica desta doença) dificulta a migração dos neutrófilos
que acabam por não encontrar os patogénios, levando à infeção
17, 19
(Fig. 1.2). Esta
adesão do muco coloca os patogénios em contato direto com as células, promovendo a
partir daí uma resposta pro-inflamatória. Outras perturbações no sistema imune
derivadas da mutação no gene CFTR têm sido documentadas, sendo a mais notada a
fraca produção de radicais de oxigénio por parte dos fagócitos com vista a matar os
patogénios fagocitados 18 (ver secção 1.3).
Dados clínicos sugerem que a doença pulmonar é iniciada por uma quebra do
sistema de defesa das vias aéreas do hospedeiro e propagada pela incapacidade de
limpeza eficaz da infeção 21.
Assim, a principal causa de morbilidade e mortalidade nestes doentes deve-se à
infeção respiratória crónica e à resposta inflamatória sustentada por patogénios
oportunistas como Staphylococcus aureus, P. aeruginosa, Haemophilus influenzae e
principalmente B. cenocepacia 2.
Apesar dos mecanismos que possibilitam a colonização e a patogénese dos membros
do Bcc não estarem ainda completamente esclarecidos, vários fatores de virulência têm
sido identificados, como é o caso de adesinas associadas a pilus, flagelo, LPS
(constituinte da parede das células das bactérias gram-negativas) e outros
exopolissacarídeos
11, 13
, sistemas de secreção do tipo II, III, IV e VI
catalases e superóxido dismutases, proteases, lípases
11
22, 23
, sideróforos,
e sistemas de “quorum sensing”
(um sistema de resposta a estímulos, regulando a expressão de genes de acordo com a
densidade populacional)
24
. A distribuição dos fatores de virulência nas diferentes
espécies do Complexo tem sido investigada, verificando-se a existência de diferenças na
severidade da infeção de acordo com a (s) espécie (s) presente (s).
A rápida identificação da espécie do Bcc que infeta o doente é de extrema
importância, como tal, vários esforços estão a ser feitos no sentido de melhorar o
diagnóstico. Os métodos de identificação devem conseguir distinguir o Bcc de outras
5
bactérias gram-negativas, bem como, deverão conseguir distinguir qual a espécie dentro
do Complexo. Para tal, normalmente são usados meios de crescimento seletivos, testes
bioquímicos, amplificação de genes como 16S rRNA, recA
4
e outra combinação de 7
genes conservados de MLST (“Multi Locus Sequence Typing”) para identificar mais
precisamente a espécie 25. Podem também ser usadas análises de todo o conteúdo celular
dos ácidos gordos e proteínas tal como análises do genoma inteiro 4.
A infeção por B. cenocepacia é particularmente problemática, uma vez que pode
ser transmitida de doente para doente
16, 21
. Para além disso, a grande dificuldade de
erradicação de B. cenocepacia prende-se com o elevado nível de resistência intrínseca a
antibióticos clinicamente relevantes como aminoglicosídeos, polimixinas e à maioria
dos
-lactâmicos, uma vez que utiliza mecanismos de inativação enzimática,
modificação de drogas, impermeabilidade da parede celular e bombas de efluxo ativo
para sobreviver aos mesmos
16, 26
. Tal resistência deve-se às constantes mutações que
têm vindo a sofrer e ao aparecimento de novas estirpes, sendo que, estas e
nomeadamente os isolados de doentes mostram-se mais resistentes a doses maiores e a
um maior número de antibióticos 7.
Atualmente, B. cenocepacia e Burkholderia multivorans são as espécies que mais
frequentemente se encontram nas infeções respiratórias dos doentes com FQ, afetando
cerca de 90% destes doentes, tendo B. cenocepacia aumentado a sua prevalência nos
últimos 5 anos, sendo a principal causa de morte destes doentes 16, 27.
Existem evidências crescentes de que as infeções persistentes causadas por B.
cenocepacia podem ser, em parte, devido à capacidade deste microrganismo invadir e
sobreviver intracelularmente em células humanas, sendo as principais células afetadas
as células epiteliais respiratórias e os macrófagos pulmonares. Contudo os fatores
bacterianos específicos envolvidos na persistência de B. cenocepacia no trato
respiratório e a sua interação com componentes do sistema imune inato nos pulmões e
vias aéreas ainda permanecem por esclarecer 28, 29.
Deste modo, os factos anteriormente descritos ilustram bem a relevância da
variabilidade individual do doente e a sua capacidade de resposta à infeção por B.
cenocepacia, destacando assim a importância de perceber o papel da resposta imunitária
neste contexto 11, 30.
6
1.2.1. Isolados Burkholderia cenocepacia spp.
Durante a infeção crónica das vias respiratórias de um doente com FQ por B.
cenocepacia, esta bactéria apresenta uma evolução clonal com múltiplas variantes
fenotípicas, que se estabelecem nas vias aéreas. Esta ocorrência de evolução clonal
durante a colonização pulmonar crónica deve-se possivelmente à pressão seletiva à qual
estas bactérias estão sujeitas no ambiente pulmonar dos doentes com FQ, resultante, por
exemplo, das defesas imunológicas do hospedeiro, da terapia antimicrobiana, da
disponibilidade de nutrientes ou da limitação de oxigénio, tal como já foi descrito para
P. aeruginosa 5, 31.
Num estudo realizado pelo grupo de investigação em Ciências Biológicas do
Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia do Instituto Superior Técnico (IBB/IST), em
colaboração com o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, foi feita uma avaliação
fenotípica de uma série de características relevantes de 11 variantes clonais sequenciais
de B. cenocepacia obtidas a partir do mesmo doente com FQ (doente J), que estava
cronicamente colonizado com a mesma estirpe de B. cenocepacia, pelo período de três
anos e meio, até à sua morte com síndrome da cepacia 5. Este estudo veio providenciar
novos conhecimentos acerca da complexa estratégia desenvolvida por esta bactéria, de
forma a adaptar-se às condições de stresse, tendo-se verificado de uma maneira geral,
que do primeiro isolado até ao último, todas as variantes clonais obtidas ao longo do
curso
da
infeção,
sofreram
alterações
genéticas
adaptativas
relacionadas
predominantemente com as vias metabólicas da bactéria, sendo que a alteração mais
notada é a elevada resistência a antibióticos nos isolados após um período de tratamento
agressivo 32.
Deste conjunto de 11 variantes clonais, 4 têm sido particularmente examinados,
nos últimos anos, nomeadamente, o IST439, o primeiro isolado recuperado do doente, o
qual se pensa ter iniciado a infeção; o IST4113, obtido três anos mais tarde, depois de
um período de infeção exacerbada e terapia intravenosa, sendo considerado o mais
resistente; o IST4129, isolado intermédio que apresenta características diferentes dos
restantes, com baixa resistência a antibióticos e por fim, o IST4134, o último isolado
recuperado do doente imediatamente antes da morte
32-34
(isolados também escolhidos
no estudo desta dissertação pelas suas distintas características).
As propriedades do isolado que possivelmente inicia a infeção pulmonar (IST 439)
diferem significativamente daquelas exibidas pelos outros isolados obtidos durante o
7
período de infeção que varia entre os 29 e 41 meses após o isolamento do 1º isolado.
Assim, pode considerar-se que o IST 439 (designado nesta dissertação por isolado I)
tem uma morfologia colonial lisa, forma alongada, um valor de potencial zeta negativo
(medida indireta da carga da superfície celular), pouco hidrofóbico, com crescimento
pouco eficiente quando limitado em ferro e com um tamanho de biofilme e
exopolissacárido intermédio 5, 33.
Por outro lado, o isolado IST 4113 (designado nesta dissertação por isolado II)
apresenta uma morfologia colonial áspera, grande tamanho celular e colónias rugosas
em forma circular, tendo um valor zeta positivo e sendo mais hidrofóbico. Este isolado
pode ainda ser caracterizado por um tamanho de biofilme e exopolissacárido maior que
no isolado I, um grande enovelamento de proteínas e estabilização, sugerindo uma
maior síntese de proteínas, atividade de reparação de DNA, capacidade de absorção de
ferro e resistência ao stresse 5. Características que lhe conferem maior resistência a
diferentes classes antimicrobianas como β-lactâmicos e aminoglicosídeos em relação a
outros isolados, facto comprovado por Mira e colaboradores 33.
Em relação ao isolado IST4129 (designado nesta dissertação por isolado III) podese referir a sua semelhança colonial com o isolado I, enquanto o isolado IST4134
(designado nesta dissertação por isolado IV) apresenta uma morfologia colonial
intermédia e biofilme pequeno, sendo semelhante ao isolado II 5.
A análise comparativa das sequências genómicas destes isolados está em curso,
pela equipa do IST, e os seus dados de proteómica quantitativa têm revelado que
alterações no conteúdo de diferentes proteínas estão de acordo com as alterações na
expressão genómica, nos diferentes isolados. Interessantemente foi também descoberto
que os isolados II e IV têm maior capacidade de invadir as células epiteliais e abrir
junções de oclusão numa linha celular de epitélio bronquial (Madeira et al., submetido).
De um modo geral, estas descobertas, reforçam o conceito do papel crucial dos
mecanismos de adaptação de B. cenocepacia ao ambiente do hospedeiro no
estabelecimento das infeções crónicas. No entanto, muito permanece ainda por
esclarecer.
8
1.2.2. O papel do Lipopolissacarídeo (LPS)
Uma vez que para causar infeção nos seres humanos são necessários componentes
bacterianos, vários estudos do Bcc focaram-se na identificação de fatores de virulência
35
a fim de desenvolver métodos para controlar patogénios gram-negativos e para curar
o choque séptico (consequência grave da maioria das infeções bacterianas que gera
falência generalizada dos órgãos). Deste modo, um dos fatores de virulência mais
importantes das bactérias gram-negativas é a molécula lipopolissacarídeo (LPS)
36
, um
componente glicolipídico, essencial para a sobrevivência das bactérias gram-negativas,
nomeadamente algumas patogénicas
37, 38
, que se distribui pela superfície da célula
bacteriana, induzindo uma grande resposta imune que pode levar a danos celulares
39
.
No caso das bactérias do Bcc, pensa-se que a infeção seja, pelo menos em grande parte,
mediada pelo LPS.
O LPS consiste na ligação covalente entre um lípido e um polissacarídeo,
sintetizado no citoplasma, atuando como um protótipo de endotoxina. Este pode ser
reconhecido pelo recetor toll-like 4 (TLR4), um recetor presente na superfície das
células imunitárias (como veremos na secção 1.3.1).
Este componente glicolipídico representa uma barreira defensiva que ajuda as
bactérias a resistir a compostos antimicrobianos e ao stresse ambiental no qual estão
envolvidas
36
, destacando-se em processos de interações, adesões, reconhecimento e
colonização bactéria-hospedeiro 40, sendo considerado o anfitrião da bactéria.
O LPS é constituído por três componentes, sendo eles, dois núcleos polissacarídeos,
o antigénio O e o lípido A
37, 38
(Fig. 1.3). O componente antigénio O é um
oligossacárido, que se localiza na superfície da célula bacteriana, sendo o componente
estrutural principal do LPS que diferencia as várias estirpes bacterianas como
Escherichia coli, Salmonella enterica, e Vibrio cholerae. Este antigénio O não é
importante para a toxicidade da bactéria 39.
Por outro lado, a porção de lípido A localiza-se no folheto exterior da membrana,
sendo a secção responsável pela toxicidade da molécula, originando efeitos tóxicos e
consequentemente, induzindo graves respostas imunitárias 38.
9
Figura 1.3 - Esquema ilustrativo da estrutura do lipopolissacarídeo (LPS) de uma bactéria Gramnegativa. O LPS é constituído pelo antigénio O (cadeia de lipopolissacarídeo específico O), dois núcleos
Oligossacáridos e o lípido A, componentes essenciais para a diferenciação de estirpes e virulência das
bactérias (adaptado 36).
O antigénio é exposto na superfície mais externa da célula bacteriana, sendo um
alvo para o reconhecimento e acolhimento de componentes do Sistema Imunitário.
Quando existem elevadas concentrações de LPS e as células bacterianas
são lisadas pelo sistema imunitário, os fragmentos de membrana contendo lípido A são
libertados para a circulação, causando diarreia, febre, e choque séptico, normalmente
fatal. No entanto, em concentrações baixas, o lípido A, é um ativo imunomodulador,
que pode induzir a resistência não específica tanto para bactérias como para infeções
virais 38.
Tal como em outras bactérias gram-negativas, o LPS de Bcc induz uma forte
resposta imunológica, nomeadamente através da indução da expressão de citocinas próinflamatórias, tais como, o fator de necrose tumoral (TNF), interleucina-6 (IL-6) e
interleucina-8 (IL-8), o que contribui para a lesão das células do hospedeiro. Contudo
estas bactérias contêm um LPS com uma estrutura pouco usual que diminui as cargas
aniónicas da sua superfície celular, contribuindo para a inibição da ligação e
subsequente efeito de antibióticos catiónicos, desempenhando um papel importante na
resistência a muitos antibióticos 35.
Assim, embora ainda controverso, a função do LPS tem estado sob investigação
experimental há vários anos, devido ao seu importante papel na ativação de vários
fatores de transcrição e à produção de vários tipos de mediadores envolvidos no choque
séptico, como o lípido A.
10
1.3. Sistema imunitário
O sistema imunitário tem como principal função garantir a integridade funcional do
nosso corpo, protegendo-o e eliminando potenciais ameaças que o coloquem em risco.
Deste sistema, fazem parte todos os órgãos, mecanismos de ação, células e moléculas
que vão, especificamente reconhecer e eliminar uma enorme variedade de agentes
invasores estranhos 41, 42.
Uma função exclusiva deste sistema é o reconhecimento, que permite discriminar o
que é “próprio” (self) do que é “estranho” (non-self). Uma vez reconhecido o organismo
estranho, o sistema imune recruta várias células e moléculas que se organizam na
elaboração de uma resposta inata e adaptativa, de forma a eliminar e/ou neutralizar
eficazmente o organismo estranho 42.
1.3.1. Imunidade Inata
A imunidade inata não é específica, no entanto oferece a primeira linha de defesa
contra agentes estranhos ao corpo. Assim, alguns dos componentes desta imunidade são
as barreiras físicas, como a pele, as mucosas epiteliais e movimento de cílios e fluidos,
que conferem proteção não só fisicamente mas também pelas substâncias químicas por
elas produzidas (mucinas, lisozimas, entre outras); o complemento; os fagócitos e as
células “Natural Killer” (NK)
43
. Os fagócitos, sendo um dos principais componentes
desta imunidade, compreendem os macrófagos, neutrófilos e as células dendríticas
(DCs). Tanto os macrófagos como os neutrófilos são efetores importantes e estão
envolvidos na remoção imediata dos agentes patogénicos através de mecanismos de
indução de morte intracelular dos patogénicos fagocitados e recetores inflamatórios
locais. Por outro lado, as DCs, apesar da sua capacidade fagocítica, não estão
diretamente envolvidas na destruição de agentes infeciosos, contudo são potentes
células apresentadoras de antigénios, conseguindo migrar rapidamente dos tecidos para
os nódulos linfáticos, ativar os linfócitos em repouso e iniciar respostas imunes
específicas, como irá ser desenvolvido mais à frente 44.
Assim, a eliminação dos patogénios pode ser efetuada direta ou indiretamente pelos
neutrófilos, macrófagos e DCs, através do processo de fagocitose. Este processo iniciase através do reconhecimento, por parte dos fagócitos, do agente infecioso diretamente
pelos recetores celulares, ou indiretamente, pelos anticorpos ligados a esses agentes, que
11
assim facilitam a fagocitose, formando-se extensões de membrana dos fagócitos à sua
volta devido a modificações do citoesqueleto, nomeadamente nos filamentos de actina,
que após a fusão dessas extensões membranares formam um fagossoma, que maturado
torna-se um fagolisossoma, dentro do qual o patogénio será destruído, pela ação de
hidrolases e de radicais livres de oxigénio 45. Estas células estão envolvidas também no
desencadeamento da resposta inflamatória, pela libertação de citocinas.
O reconhecimento inato é efetuado por recetores que reconhecem padrões
moleculares conservados associados a agentes patogénicos microbianos (PAMPs) e que
são referidos como recetores de reconhecimento padrão (PRR), reconhecendo padrões
que não se encontram no organismo, sinal da presença de agentes patogénicos
46
. Os
PRR estão associados a células, como é o caso dos recetores toll-like (TLR). Estes
recetores desempenham um papel chave no sistema imune inato, bem como no sistema
digestivo, sendo expressos na membrana de células fagocitárias, como monócitos,
neutrófilos, macrófagos e células dendríticas, que reconhecem os PAMPs, ativando a
resposta imune 43.
Vários TLR são conhecidos, no entanto dois são especialmente encontrados em
bactérias gram-negativas, nomeadamente TLR2 e TLR4. O TLR2 reconhece o
lipopolissacarídeo (LPS) encontrado nas bactérias gram-negativas, tendo sido desde há
muito reconhecido que a exposição dos mamíferos a pequenas quantidades de LPS
purificado conduz a uma resposta inflamatória aguda, sendo que, o mecanismo para este
efeito é a resposta através de um TLR em macrófagos que reconhece o LPS e provoca
uma resposta inflamatória após a exposição 43. Por outro lado, TLR4 foi reconhecido em
células CD14, funcionando como um dímero que depende de uma pequena proteína
MD-2 (complexo recetor), para o reconhecimento de LPS. No entanto, CD14 também
facilita a apresentação de LPS ao MD-2
39
.Assim, a ligação a CD14 e/ou a TLR4 e/ou
ao MD2, promove a secreção de citocinas pró-inflamatórias nos vários tipos de células,
mas especialmente em macrófagos e células B.
Deste modo, os TLRs adquirem total relevância pois fazem o reconhecimento do
patogénio e estimulam a resposta inflamatória contra agentes infeciosos, especialmente
em bactérias gram-negativas porque estão presentes as proteínas e endotoxinas do LPS
39
. Quando as barreiras atrás referidas são quebradas, a resposta inata continua através
de outros componentes humorais e celulares. Como componentes humorais temos o
exemplo das proteínas pertencentes à via do complemento, que se encontram em
circulação no sangue sobre a forma inativa, mas que na presença de infeção, interagem
12
entre si com a finalidade de eliminar o agente infecioso, quer promovendo a sua lise,
quer facilitando a fagocitose e induzindo a resposta inflamatória 43.
1.3.2. Imunidade Adaptativa
Enquanto
a
imunidade
inata
reconhece
padrões
comuns
a
todos
os
microorganismos, respondendo a todos de igual forma, a imunidade adaptativa (também
conhecida por imunidade antigénio-especifica ou adquirida) é específica, pois reconhece
diferentes moléculas em microorganismos distintos, dirigindo uma resposta específica
para os mesmos. Este tipo de imunidade é caracterizado pela formação de uma memória
imunitária, que permite a criação de respostas mais vigorosas quando há exposição
repetida de um mesmo microrganismo
43
. Esta imunidade pode ser dividida em dois
tipos de resposta: a humoral e a celular (Fig. 1.4).
Figura 1.4 – Esquema ilustrativo dos vários componentes da resposta adaptativa - Resposta humoral
e celular, iniciada por células dendríticas (DCs). As subpopulações de células T não se encontram
diferenciadas neste esquema (adaptado de 47).
13
A resposta humoral é mediada por anticorpos, que reconhecem diferentes tipos de
antigénios e promovem diversos mecanismos efetores (neutralização e fagocitose),
sendo produzidos por linfócitos B, de forma a combater agentes patogénicos
extracelulares e toxinas. De facto, quando um linfócito B reconhece um antigénio, inicia
um processo de expansão clonal, em que as células originadas irão dividir-se entre
plasmócitos produtores de anticorpos, e em células B de memória (Fig. 1.4)
48
. Por
outro lado, a resposta celular é mediada por linfócitos T (ou células T) que promovem a
destruição de agentes intracelulares apresentados por fagócitos, ou mesmo células
tumorais, ou segregam várias citocinas, que desempenham um papel central na ativação
tanto de células T, como de células B e outras células que participam na resposta imune
43
. Contudo estes linfócitos T não reconhecem diretamente os antigénios como os
linfócitos B 49.
Mais especificamente, existem dois tipos principais de linfócitos T: os T citotóxicos
(Tc) e os T auxiliadores (Th,). Os linfócitos Tc, também designados CD8+ (pela
expressão da molécula CD8 na sua superfície), reconhecem antigénios intracelulares
processados e apresentados à superfície da célula infetada, ligados a moléculas do
Complexo Major de Histocompatibilidade de classe I (MHC-I). As moléculas de MHCI encontram-se em todas as células nucleadas, e quando um antigénio intracelular é
reconhecido pelos linfócitos Tc, estes exercem a sua toxicidade sobre a célula infetada,
eliminando-a. Por outro lado, os linfócitos Th, também designados por CD4+ (pela
expressão da molécula CD4 na sua superfície), reconhecem antigénios extracelulares,
processados e apresentados nas moléculas do Complexo Major de Histocompatibilidade
de classe II (MHC-II), presentes nas células apresentadoras de antigénios (APCs),
nomeadamente linfócitos B, macrófagos e DCs
48
. Os linfócitos Th quando ativados
segregam citocinas com um importante papel na determinação do tipo de resposta
imunitária. Assim, dependendo das citocinas que segregam, dividem-se ainda
maioritariamente em três subpopulações: Th1, Th2 e Th17 (Fig. 1.5).
Os Th1 segregam elevados níveis de interleucina-2 (IL-2), fator de necrose
tumoral alfa (TNF-α) e interferon gama (IFN-γ) (citocinas pró-inflamatórias), sendo
essenciais na promoção da imunidade celular (ativação de linfócitos Tc, macrófagos e
outras células), promovendo uma resposta mediada por células imunes contra
patogénios intracelulares invasivos
50, 51
. Por outro lado, os Th2 são importantes na
produção de anticorpos, produzindo uma variedade de citocinas anti-inflamatórias,
incluindo a IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, e IL-13, promovendo uma resposta imune humoral
14
contra patogénios extracelulares, prevenindo doenças parasitárias e estão envolvidos nas
respostas alérgicas e produção de IL-17
menores quantidades de TNF-α e IL-13
52
. Ambas as células Th1 e Th2 produzem
50, 51
. Já os Th17 são importantes para eliminar
principalmente agentes microbianos e promovem bastante inflamação, combatendo
também infeções extracelulares 53.
Algumas citocinas promovem claramente a inflamação e são chamadas de
citocinas pró-inflamatórias, ao passo que outras citocinas suprimem a atividade das
citocinas pró-inflamatórias e são chamados de citocinas anti-inflamatórias. A definição
funcional das citocinas anti-inflamatórias é a capacidade destas inibirem a síntese de IL1, fator de necrose tumoral (TNF), e outras grandes citocinas pró-inflamatórias. Por
exemplo, IL-4, IL-10 e IL-13 são ativadoras de linfócitos B. No entanto, a IL-4, IL-10 e
IL-13 também são citocinas anti-inflamatórias. O facto de estas citocinas também serem
anti-inflamatórias deve-se à sua capacidade para suprimirem a expressão de genes de
citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-1 e TNF 54.
Portanto, um "equilíbrio" entre os efeitos das citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias é pensado para determinar o resultado da doença, seja a curto ou longo
prazo. De facto, alguns estudos têm dados sugerindo que a susceptibilidade da doença é
geneticamente determinada pelo equilíbrio ou expressão de qualquer citocina proinflamatória ou anti-inflamatória 54.
A regulação da ativação das células T pelas citocinas anti-inflamatórias é um
elemento crucial no controlo do início deste processo sendo que as citocinas produzidas
no microambiente local definem o tipo de resposta moduladora que será gerada 50, 51.
Como tal, para ativação e proliferação destes linfócitos, são então necessários três
sinais. O primeiro sinal consiste no reconhecimento do péptido antigénico, que está
ligado à molécula de MHC pelo recetor dos linfócitos T (TCR) 49. O segundo baseia-se
na interação de membros da família de moléculas co-estimulatórias, como CD80 e
CD86, antigénios de diferenciação presentes na superfície das DCs, com recetores
CD28 ou CTLA-4 na superfície dos linfócitos T
55
provenientes de células da resposta inata e das DCs
15
. Sinais adicionais, como citocinas
56
são também essenciais (Fig. 1.5).
Figura 1.5 – Esquema ilustrativo da resposta imune – Resposta Inata e Adaptativa, iniciada por DCs ou
macrófagos, células capazes de ativar as células T de repouso e de iniciar uma resposta imunológica
primária e de memória. Neste esquema as subpopulações de células T encontram-se diferenciadas
(adaptado de 57).
Existem ainda os linfócitos T reguladores que têm um papel importante na
regulação, manutenção e tolerância da resposta imune, podendo suprimi-la. Esta
subpopulação de linfócitos também tem um papel relevante na tolerância do cancro,
reprimindo respostas imunes anti-tumorias 58.
1.4. Células Dendríticas
As células dendríticas (DCs) foram descobertas por Ralph Steinman em 1973, são
um componente essencial do sistema imune e estão presente em todos os mamíferos
61
59-
. Estas representam uma população leucocitária heterogénea devido à sua origem
16
celular diversa, localização anatómica (pele, vias aéreas, tecidos, sangue e espaços
interstícios de órgãos linfáticos), estado de maturação e função imunológica 62, 63.
As DCs atuam como “sentinelas” do sistema imunitário, sendo fundamentais no
início e regulação da resposta imune inata e adaptativa 64, estando envolvidas na captura
e apresentação de antigénios e na indução de resposta pelas células T 65. Assim, as DCs
são potentes células apresentadoras de antigénios (APCs), e as mais especializadas na
ativação das células T de repouso, responsáveis por iniciar uma resposta imunológica
primária e de memória, modulando o tipo de resposta imune adaptativa 44, 66.
O tráfico de DCs é crucial para a execução das funções normais das mesmas e está
interligado aos principais recursos de DCs, como a maturação e a imunogenecidade 65.
A maturação destas células consiste num extenso processo de diferenciação
dependente de estímulos e é irreversível, provocando alterações morfológicas,
nomeadamente a perda de estruturas/placa de adesão, reorganização do citoesqueleto,
aquisição de alta mobilidade celular (que permite a migração das DCs dos tecidos para
zonas de linfócitos T nos nódulos linfáticos) e outras alterações fenotípicas e funcionais.
Deste modo, a DC passa por dois estádios, o imaturo e o maturo 67.
No estado imaturo, as DCs encontram-se a “patrulhar” o microambiente em que se
encontram, sendo caracterizadas por uma elevada capacidade de internalização e
processamento de antigénios, apresentando uma baixa expressão de moléculas de MHCII à superfície e outras moléculas co-estimulatórias (CD80, CD86 e CD83), capturando
os antigénios que estão presentes por fagocitose (consiste na captura de
microrganismos, ou fragmentos de células apoptóticas e necróticas, envolvendo um
reconhecimento por recetores da superfície celular), macropinocitose (internalização de
grandes quantidades de fluido extracelular e solutos nele dissolvidos, com formação de
grandes vesículas) ou por endocitose mediada por recetores (processo semelhante à
fagocitose, contudo, as pequenas partículas endocitadas ligam-se a proteínas recetoras
específicas concentradas em determinados locais da membrana plasmática, formando
uma pequena depressão na membrana que está coberta por clatrina)
43, 59, 67, 68
. Esta
captura é claramente relevante no processamento eficiente de antigénios e apresentação
dos seus produtos aos linfócitos T via moléculas MHC
64
. Após internalização dos
antigénios, as DCs degradam-nos, transformando-os em pequenos péptidos que se vão
ligar a moléculas MHC
49, 69
, enquanto vão migrando da periferia para os nódulos
linfáticos, através da linfa, onde os antigénios processados são apresentam às células T
17
promovendo a sua ativação (Fig. 1.6). Neste processo são libertadas citocinas próinflamatórias e quimiocinas que são estimuladas pela presença do antigénio 59, 63.
As DCs maturas perdem a capacidade de captura de antigénios mas tornam-se
extremamente eficientes na apresentação de antigénios e ativação das células T, onde se
inicia a resposta adaptativa (Fig. 1.6). No entanto, as DCs que chegam aos nódulos
linfáticos imaturas, têm também um papel relevante na resposta imunitária,
nomeadamente na indução de tolerância, podendo em vez de ativar a resposta
imunológica efetora específica, impedir a eliminação ou favorecer a anergia do
antigénio, sendo que esta sua vertente é também fisiologicamente muito importante, por
exemplo para evitar a autoimunidade 70. Assim, a apresentação de antigénios derivados
de microorganismos deverá resultar na ativação de células T efetoras, enquanto a
apresentação de antigénios próprios deve levar à inibição das células T efetoras e ou
ativação das células T reguladoras (Fig.1.6) 63. Esta ativação de células T é fortemente
influenciada e controlada pelo tipo de sinais das DCs, nomeadamente pela expressão e
produção de várias citocinas (como referido na seção 1.3.2), podendo comprometer a
ativação T para distintas funções efetoras 71.
Alguns patogénios, no entanto, desenvolvem meios de modular as funções das
DCs, suprimindo a sua maturação adequada, prevenindo uma resposta imune efetora,
e/ou ativando uma resposta T reguladora, por forma a garantir a sua persistência no
organismo e infeção bem-sucedida 51, 72.
De facto, os vários mecanismos que permitem a interação entre as DCs e os
microrganismos, por exemplo, os vários tipos de recetores, com diferentes
particularidades, modulam a função das DCs na direção adequada, nomeadamente
conduzindo à expressão de diferentes sinais (tipo de citocinas e quimiocinas, grau de
maturação), que influenciam criticamente o tipo de resposta imune contra os
microrganismos em causa.
18
Figura 1.6 – Maturação das células dendríticas (DCs). No estado imaturo, as DCs capturam o
antigénio por endocitose nos tecidos, migrando da periferia para os nódulos linfáticos através dos órgãos
aferentes, onde os antigénios se apresentam às células T e as estimulam. Neste processo são libertadas
citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas que são estimuladas pela presença do antigénio, degradando-os
em pequenos péptidos que se ligam a moléculas MHC, migrando posteriormente para os gânglios
linfáticos. Aqui, as DCs maturas, apresentam os antigénios processados às células T dando inicio à
resposta adaptativa (adaptado de 60).
As DCs têm também um papel importante na imunidade antitumoral, pois têm
capacidade para apresentar antigénios tumorais às principais células T efetoras
revertendo a tolerância patológica a tumores. Por essa razão, as DCs têm vindo a ser
estudadas como possíveis vacinas celulares anti-cancro
66
. Assim, melhorar as
imunoterapias anti-cancro parece depender muito de como a imunogenecidade,
sobrevivência e migração das DCs é regulada, pelo que, é muito importante encontrar
formas que modulem a apresentação de antigénios, a capacidade migratória e a
viabilidade das DCs 59.
19
1.5. Introdução ao tema de tese
As infeções respiratórias crónicas constituem uma das manifestações mais graves
do quadro clínico dos doentes com FQ. As bactérias do Bcc têm surgido como os
patogénios oportunistas mais temidos, dado o seu potencial para se propagarem, a sua
inerente resistência à terapia antimicrobiana, o risco de síndrome de cepacia
(pneumonia acompanhada por septicemia) e uma marcada redução na esperança média
de vida destes doentes.
O Bcc tem assim ganho cada vez mais atenção por parte da comunidade científica
devido ao perigo que representa para os doentes com FQ, estando em estudo os
mecanismos de infeção e invasão e a sua interação com o hospedeiro.
Vários estudos parecem demonstrar que a adaptação das bactérias do Bcc ao
pulmão dos doentes com FQ, sobretudo B. cenocepacia (espécie mais isolada nestes
doentes), está associada à sua persistência e infeções invasivas. Sugerem ainda que estes
patogénios possuam mecanismos que lhes permitam evadir-se da resposta imune antobacteriana do hospedeiro 13. Nomeadamente através de alterações na função normal das
células fagocíticas e destruição destas
73
. Os neutrófilos e macrófagos, que geralmente
destroem os patogénios invasores, são ineficazes na eliminação de bactérias do Bcc,
podendo ficar infetados, uma vez que estas bactérias podem ser capazes de sobreviver
dentro destas células 29, 74.
As DCs, residentes no pulmão, atuando como mediadores cruciais entre imunidade
inata e adaptativa em resposta a infeções pulmonares podendo, portanto, desempenhar
um papel importante na patogénese das bactérias do Bcc. De facto, dados recentes da
literatura, demonstraram que B. cenocepacia, ao contrário de B. multivorans, interfere
com o normal funcionamento das DCs, induzindo uma resposta inflamatória acentuada
(comprovado pelo aumento de expressão de citocinas pró-inflamatórias), inibindo a
maturação das DCs após a fagocitose (como se verificou por análise dos marcadores de
maturação e de co-estimulação CD80 e CD86), induzindo mesmo a sua morte celular
(necrose) 73.
No entanto, não há muitos estudos posteriores que aprofundem esta questão ou
clarifiquem os mecanismos subjacentes a esta modulação das DCs por B. cenocepacia.
Uma vez que patogenicidade das bactérias do Bcc, especialmente B. cenocepacia,
pode estar relacionada com a sua capacidade de adaptação ao sistema imunitário do
ambiente pulmonar do hospedeiro suscetível, e tendo em conta a enorme relevância das
20
DCs na mobilização dos vários braços da resposta imunitária contra patogénios (como
desenvolvido na secção 1.4), é crucial perceber melhor a interação destas bactérias com
as DCs.
Para obter indicações sobre as estratégias adaptativas adotadas por B. cenocepacia
durante a infeção e colonização a longo prazo de um doente com FQ, o grupo do
IBB/IST, liderado pela Professora Isabel Sá-Correia tem-se dedicado ao estudo de
variantes clonais sequencialmente isoladas do mesmo doente com FQ (doente J), pelo
período de 3 anos e meio até à sua morte por síndrome da cepacia, como referido
anteriormente (secção 1.2). O grupo de Glicoimunologia da Faculdade de Ciências
Médicas tem uma vasta experiência no estudo da funcionalidade das DCs humanas 75-77
e assim esta dissertação surge no âmbito de uma colaboração entre estes dois grupos de
investigação. A tese tem como objetivo estudar aprofundadamente a interação dos
vários isolados clonais de B. cenocepacia com as DCs, para esclarecer melhor de que
forma a modulação da função destas células, pode estar relacionada com a adaptação e
consequente patogenicidade desta bactéria oportunista. Mais especificamente, foram
selecionados para este estudo 4 isolados clonais, cujas características foram
anteriormente descritas na secção 1.2.1 e estão indicados na Fig. 1.7. Nomeadamente,
foram escolhidos os isolados IST439 (isolado I) e IST4134 (isolado IV) por serem o
primeiro e o último a serem recolhidos, respetivamente, o isolado IST4113 (isolado II)
por ter sido recolhido depois de intenso tratamento com antibióticos e ser o mais
resistente, e o isolado IST4129 (isolado III) por ser um isolado intermédio que apresenta
características diferentes dos restantes, nomeadamente baixa resistência a antibióticos.
Figura 1.7 – Cronologia dos isolados clonais obtidos do doente J colonizado com B. cenocepacia Em destaque os 4 isolados em estudo nesta dissertação (adaptado de 5).
21
O objetivo foi então verificar se havia diferenças entre estas variantes clonais de B.
cenocepacia, na sua capacidade para modular as funções da DC. Nomeadamente
pretendeu-se investigar a interação entre estas bactérias e DCs humanas, obtidas de
dadores saudáveis, ao nível de:
i)
A internalização pelas DCs dos vários isolados (viáveis ou previamente
inativados por calor),
i)
A capacidade dos vários isolados (viáveis, inativados por calor ou mesmo só
o LPS de cada isolado) de inibir e/ou induzir o processo de maturação das
DCs,
ii)
O efeito da interação dos diferentes isolados com as DCs na viabilidade
celular destas.
iii)
A consequência imunológica, em termos da ativação das células T, da
interação entre as DCs e cada um dos isolados.
Espera-se que os resultados obtidos com esta dissertação possam contribuir para
uma melhor compreensão da patogenicidade de B. cenocepacia, evidenciando que a
modulação das funções das DCs pode ser, pelo menos em parte, uma das estratégias de
adaptação destas bactérias.
Por outro lado, é cada vez mais aceite a ideia de que as DCs têm um enorme
potencial terapêutico, podendo ser manipuladas e utilizadas como ferramentas para
potenciar a imunidade contra patogénios. Assim, o conhecimento obtido com este
trabalho por certo será também relevante para o futuro desenvolvimento de novas
abordagens terapêuticas, nomeadamente para doentes com FQ ou outras patologias
cujos doentes sejam particularmente suscetíveis de infeção com Bcc.
22
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Isolados de Burkholderia cenocepacia, meio, condições de crescimento e
inativação.
Nesta dissertação foram estudados quatro isolados de B. cenocepacia,
nomeadamente IST439, IST4113, IST4129 e IST4134 (como referido anteriormente),
Estes isolados foram obtidos a partir de secreções respiratórias (expetoração) de um
mesmo doente (doente J) com FQ (acompanhado no centro de FQ do Hospital de Santa
Maria em Lisboa) cronicamente infetado, entre Janeiro de 1999 e Julho de 2002, sendo
considerada a natureza clonal destas variantes com base no seu perfil “Multi Locus
Sequence Typing” (MLST) 5.
As culturas foram sempre preservadas a -80ºC em glicerol 1:1 (vol/vol) 5 e quando
em uso, os isolados foram crescidos e mantidos em placas de meio Luria-Bertani (LB)
sólido (Difco).
Para uso destas variantes clonais, inicialmente foi efetuado um pré-inóculo,
cultivando-se cada um dos isolados em 10 mL de meio LB, à temperatura de 37ºC com
uma agitação de 250 rpm, até que estes atingissem a fase estacionária. Posteriormente
ajustou-se a densidade óptica a 640 nm (DO640), de cada isolado, a 0,05±0,005 e
realizou-se um novo inóculo em 10 mL de meio LB (em condições de crescimento
idênticas às descritas para o pré-inóculo. As medições de DO das culturas microbianas
(quantidade de luz difundida pela suspensão bacteriana, que se manifesta como
absorvência
78, 79
) foram realizadas num espectrofotómetro UV-1700 PharmaSpec
(Shimadzu, Duisburg, Alemanha).
Os isolados bacterianos foram então recolhidos a meio da sua curva exponencial de
crescimento (DO640 de 0,4, especificamente para estas bactérias) e diluídos em 1mL de
0,9% (m/v) de cloreto de sódio (NaCl) (ver composição no anexo I) para uma DO640 de
0,02±0,002. Por fim, 100 µl desta suspensão bacteriana foram plaqueados em placas de
agar LB e as placas incubadas durante 24 horas na estufa a 37ºC. Paralelamente foram
também realizados crescimentos da estirpe DH5
de E. coli., seguindo o mesmo
procedimento. Esta estirpe bacteriana, não patogénica, serviu de controlo aos ensaios da
interação das DCs com os isolados de B. cenocepacia, pois a sua internalização pelas
DCs, a forma como ativavam a expressão dos marcadores de maturação e promoviam a
23
produção de Interferon gama por linfócitos, já tinham sido aspetos bem estudados pelo
grupo de Glicoimunologia 77.
Após o crescimento bacteriano em meio sólido, foram retiradas da placa algumas
unidades formadoras de colónias (CFUs) de cada tipo de bactérias e ressuspendidas em
1mL de 0,9% (m/v) de NaCl. Após a leitura da DO640 destas suspensões bacterianas
estas foram centrifugadas a 8000 rpm durante 10 minutos e o sedimento celular
ressuspendido em meio de cultura RPMI-1640 completo, por forma a obter-se uma
suspensão bacteriana com uma DO640 de 1,0.
Embora, neste trabalho se tenha testado trabalhar a partir de alíquotas congeladas
dos crescimentos bacterianos dos vários isolados, optou-se por utilizar em cada ensaio
bactérias cultivadas sempre em meio sólido, pois de certa forma, estas condições tentam
mimetizar as condições de crescimento que estas bactérias podem encontrar no
ambiente pulmonar dos doentes 34.
Para uma compreensão mais fácil desta dissertação e acompanhamento da descrição
dos resultados e discussão, os isolados serão referidos de acordo com a tabela 2.1.
Tabela 2.1 – Denominação dada a cada isolado no decorrer da dissertação.
Isolado
Denominação
IST439
I
IST4113
II
IST4129
III
IST4134
IV
Para alguns ensaios, estes isolados (e E. coli), após cultivados como acima descrito,
foram previamente inativados por calor, através da sua fervura a 65ºC durante 30
minutos, tal como refere a literatura, sendo esta a temperatura ideal para as bactérias se
manterem intactas, mas inviáveis. Para além dos isolados de B. cenocepacia, foi-nos
ainda cedido pelo grupo do IST o LPS (previamente extraído) dos respetivos isolados.
24
2.2. Obtenção de DCs derivadas de monócitos humanos
2.2.1. Método de microesferas imunomagnéticas e coluna LS
As DCs utilizadas no decorrer desta tese foram obtidas através da diferenciação de
monócitos humanos, obtidos a partir de concentrados leuco-plaquetários (buffy-coats)
de dadores saudáveis, fornecidos pelo Instituto Português do Sangue (IPS).
Numa primeira fase, procedeu-se à separação das células mononucleares (fração
celular composta maioritariamente de monócitos e linfócitos) através de centrifugações
por gradiente de densidade. Para isso, o concentrado leuco-plaquetário foi diluído em
Tampão Fosfato Salino (PBS) 1x (ver composição no anexo I) numa proporção de 2:3 e
centrifugado a 2500 rpm durante 10 minutos (sem sistema de travagem) (Heraeus), para
remoção da maioria das plaquetas e eritrócitos. Após a centrifugação, o anel da interfase
(concentrado leucocitário) foi removido e transferido para um novo tubo, onde foi
diluído três vezes em PBS 1x. O concentrado foi depois adicionado lentamente sobre 12
mL da mistura Ficoll-Hypaque (Biochrom AG) e sujeito a uma centrifugação a 2500
rpm durante 20 minutos, num rotor oscilante e sem sistema de travagem
80, 81
. Esta
mistura de Ficoll-Hypaque possui uma densidade superior à das células mononucleares
e inferior aos glóbulos vermelhos e granulócitos, permitindo uma separação por
diferença de densidades. Como resultado da centrifugação, obteve-se um anel das
células mononucleares na interfase, entre o plasma na fase superior e os eritrócitos e
granulócitos na fase inferior do Ficoll-Hypaque.
O anel resultante foi depois transferido para um novo tubo, ressuspendido em
PBS 1x e sujeito a três centrifugações sucessivas a 4ºC, a primeira a 1400 rpm durante
10 minutos e a segunda centrifugação a 800 rpm durante 5 minutos, para remover os
granulócitos restantes, plaquetas e resíduos de Ficoll-Hypaque. Nesta fase, o sedimento
celular resultante foi ressuspendido em 10 mL de PBS 1x, tendo-se retirado uma
pequena alíquota à qual se adicionou azul tripano a 0,4% para determinar a
concentração (número de células/mL) e a viabilidade celular, usando uma câmara de
NeuBauer (Bright-Line), e contando o número de células ao microscópio óptico
(Nikon).
De acordo com a concentração celular obtida, e após nova centrifugação, as
células foram ressuspendidas em 80 µl de tampão “Beads” frio (solução usada no
protocolo de separação de células, utilizando microesferas imunomagnéticas) e 20 μl de
25
microesferas imunomagnéticas revestidas com anticorpo anti-CD14 (Miltenyi Biotec)
por cada 3 x 107 células. As microesferas imunomagnéticas anti-CD14 reconhecem e
ligam-se apenas aos monócitos, uma vez que estes expressam na sua superfície o
marcador CD14.
As células foram incubadas com as microesferas durante 15-20 minutos a 4º C,
sendo de seguida lavadas com tampão “Beads” (ver composição no anexo I) frio e
centrifugadas a 1200 rpm durante 10 minutos. O sedimento celular resultante foi
ressuspendido em 3 mL de tampão “Beads” frio. A suspensão celular foi passada por
uma coluna de seleção positiva LS (Miltenyi Biotec) montada num MidiMACS
Separator (Miltenyi Biotec), previamente equilibrada com 3 mL de tampão “Beads”
frio. O MidiMACS Separator exerce um campo magnético, promovendo a retenção na
coluna dos monócitos ligados às esferas magnéticas anti-CD14. Após a passagem da
suspensão celular, a coluna foi lavada três vezes com 3 mL de tampão “Beads” frio
sendo desprezada a fração celular CD14 negativa (ou reservada à parte, para alguns
ensaios com linfócitos). A fração CD14 positiva (que ficou retida na coluna) foi
recuperada por eluição com 5 mL de solução tampão “Beads”, por ação da pressão
produzida com o auxílio do êmbolo, após desmontar a coluna do campo magnético. De
seguida, após contagem dos monócitos obtidos, procedeu-se a nova centrifugação de 10
minutos a 1200 rpm.
Os monócitos foram ressuspendidos em meio de cultura RPMI-1640 suplementado
com 10% (v/v) de soro fetal bovino (Sigma-Aldrich), 2 mM de L-glutamina (SigmaAldrich) 100 µg/mL de Penicilina/Estreptomicina (Sigma-Aldrich), (v/v) 1% de
aminoácidos não-essenciais (Sigma-Aldrich), 1% (v/v) de piruvato de sódio (SigmaAldrich)
82
. Ao meio suplementado utilizado na ressuspensão dos monócitos foi ainda
adicionado 750 U/mL de Interleucina-4 (IL-4) (R&D Systems) e 1000 U/mL da citocina
“Granulocyte macrophage colony-stimulating fator” (GM-CSF) (R&D Systems). Os
monócitos ressuspendidos foram distribuídos em placas de 24 poços (Greiner Bio-one)
numa concentração de 1 x 106 células/mL. As culturas foram mantidas durante seis dias
numa estufa a 37ºC e com uma atmosfera humedecida com 5% de dióxido de carbono
(CO2) (Heraeus), sendo que o meio de cultura foi renovado de dois em dois dias,
retirando metade do volume de cada poço gentilmente (dado que os monócitos se
depositam mas não são aderentes) e adicionando a mesma quantidade de meio de
cultura fresco com IL-4 e GM-CSF nas quantidades descritas anteriormente. Ao fim dos
seis dias de cultura, os monócitos originaram as DCs imaturas.
26
2.2.2. Método de aderência celular ou “Panning”
Alternativamente ao método descrito anteriormente, que é bastante dispendioso e
demorado, para alguns ensaios as DCs foram obtidas a partir de monócitos humanos
isolados de “buffy-coats”, pelo método de aderência celular ou “Panning”. Este método
baseia-se nas características diferenciais das células que fazem parte do anel
leucocitário (após centrifugação com Ficoll-Hypaque), nomeadamente o facto de os
monócitos aderirem naturalmente a uma superfície sólida, enquanto os linfócitos se
mantêm em suspensão.
Assim, numa primeira fase, há separação das células mononucleares como descrito
na seção anterior, através de centrifugações por gradiente de densidade, com FicollHypaque. O anel obtido foi transferido para um novo tubo, ressuspendido e sujeito a
três centrifugações sucessivas a 4ºC, como anteriormente descrito.
Tendo em conta a concentração celular obtida, as células foram ressuspendidas no
volume apropriado de RPMI-1640 suplementado (descrito na secção anterior) e
colocadas em placas de Petri próprias para culturas celulares, aproximadamente com
uma concentração de 20×106 células /mL) tendo sido incubadas durante 30-45 minutos
na estufa de 37ºC com 5% de CO2 83.
Após este período de incubação verificou-se que o fundo da placa estava opaco
com as células aderentes (monócitos). Foi então removido o meio com as células não
aderentes (linfócitos) com auxílio de uma pipeta e inclinando a placa devagar sem tocar
diretamente no fundo. Posteriormente efetuaram-se duas lavagens com meio RPMI1640 base, com o intuito de retirar alguns linfócitos (fração não aderente) que tenham
ficado na placa. Por fim foram adicionados às placas de cultura 12 mL de meio RPMI1640 completo, com as citocinas GM-CSF (1000U/mL) e IL-4 (750 U/mL).
As culturas foram mantidas durante seis dias numa estufa a 37ºC e com uma
atmosfera humedecida com 5% de CO2, sendo que o meio de cultura foi renovado de
dois em dois dias, retirando metade do volume de cada placa gentilmente (dado que os
monócitos se depositam mas não são aderentes) e adicionando a mesma quantidade de
meio de cultura fresco com IL-4 e GM-CSF nas quantidades descritas anteriormente.
Ao fim dos seis dias de cultura, os monócitos originaram as células dendríticas
imaturas.
27
Assim, é de referir, que em termos de características gerais, as DCs isoladas pelos
dois métodos não apresentaram grandes diferenças, nomeadamente no que diz respeito à
expressão de marcadores expressos à superfície (avaliado por citometria de fluxo) (Fig.
1 do anexo II).
2.3. Técnicas
2.3.1. Citometria de Fluxo
A citometria de fluxo é uma tecnologia que mede e analisa múltiplos parâmetros e
características físicas de células em suspensão, de forma individual dentro de
populações heterogéneas, tendo como base um fluxo laminar, que permite que as células
se atravessem no caminho de um feixe de luz. Assim, as células ao cruzarem-se com a
luz provocam, a dispersão dos fotões tanto na direção longitudinal (Forward Scatter –
FSc), que é proporcional ao tamanho da célula, assim como na direção transversal (Side
Scatter – SSc), proporcional à complexidade e granularidade relativa da célula 84.
Esta técnica detecta também moléculas fluorescentes que podem ser anticorpos
fluorescentes, que reconhecem recetores específicos das células ou corantes
fluorescentes que se ligam seletivamente ao material celular ou ainda, como neste caso,
bactérias fluorescentes que deixarão a célula fluorescente se forem internalizadas ou
aderirem à superfície das células em estudo. Assim é possível obter informação
quantitativa sobre a intensidade média de fluorescência (MFI) que corresponderá ao
número de moléculas fluorescentes em cada célula da população celular em estudo
85
.
Os dados resultantes são transferidos para um computador e representados
graficamente.
Esta tecnologia avalia um grande número de partículas e parâmetros de uma
forma breve e rápida, sendo que alguns sistemas podem funcionar a taxas que se
aproximam das cem mil partículas por segundo durante uma colheita de 10-20
parâmetros de cada partícula 85.
O citómetro de fluxo utilizado foi um Attune® Acoustic Focusing Cytometer
(Applied Biosystems), constituído por dois lasers nomeadamente o laser azul (488nm) e
o laser vermelho (638nm), que detectam seis fluorescências, O primeiro é capaz de
detectar até quatro fluorescências diferentes: BL1 (verde), BL2 (laranja), BL3
28
(vermelho) e BL4, enquanto o segundo detecta duas fluorescências: o RL1 e o RL2
(vermelho claro e escuro respetivamente). Os resultados obtidos foram analisados
através do programa Attune Cytometric Software v1.2.5.
2.3.2. Reação de polimerização em cadeia em tempo real (RT-PCR)
quantitativo
A reação de polimerização em cadeia em tempo real (RT-PCR) é uma técnica
eficaz capaz de analisar e quantificar a expressão de um determinado gene (nível de
mRNA). Esta metodologia, altamente sensível e precisa, permite que os processos de
amplificação e detecção sejam realizados numa única etapa, produzindo resultados de
quantificação rápidos e fiáveis 86.
Esta técnica distingue-se do PCR tradicional pela utilização de fluorocromos que,
quando excitados emitem um sinal proporcional à quantidade de produto de PCR
formado.
Neste trabalho, a tecnologia utilizada foi a TaqMan (Fast Universal PCR Master
Mix - Applied Biosystems), que consiste na utilização de sondas hidrolisáveis
conjugadas a um fluorocromo quencher e a outro repórter. Enquanto a sonda está
intacta, o fluorocromo quencher absorve a fluorescência do repórter. Contudo, durante
a reação de amplificação, a sonda é degradada pela atividade 5’-3’ da exonuclease da
Taq polimerase, resultando na libertação de fluorescência do fluorocromo repórter, que
é detetado pelo aparelho. Assim, em cada ciclo de PCR, a emissão de fluorescência vai
aumentando exponencial, proporcionalmente ao produto formado 86, 87.
O método utilizado foi o de quantificação relativa, que se baseia na comparação da
expressão de um gene numa amostra alvo e numa amostra calibradora88. A expressão
relativa (RQ) de cada gene em estudo foi analisada de acordo com o modelo
desenvolvido por Livak e Schmittgen, também designado por método 2 =
- ΔΔCT 89
. Em
que CT (“threshold cycle”), corresponde ao ciclo no qual é detetado o primeiro aumento
significativo da fluorescência emitido pela sonda. ΔCT corresponde à variação entre o
valor de CT do um gene em estudo e o valor de CT de um gene de expressão
constitutiva (usado como controlo endógeno) na mesma amostra 90, ΔΔCT corresponde
à variação entre o valor de ΔCT da amostra em estudo e o valor de ΔCT da amostra
calibradora 89.
29
Este modelo matemático assume que as eficiências das reações de amplificação dos
genes alvo e referência sejam aproximadamente iguais, ou seja que a eficiência da
reação de amplificação seja aproximadamente de 100%. Resumindo, este método
comparativo utiliza a seguinte fórmula aritmética:
Quantidade relativa (RQ) = 2 –ΔΔCT
Como referido, este método requer a utilização de controlos endógenos para
normalizar a variação da expressão genética entre as várias amostras, visto que o
material genético obtido de diferentes indivíduos varia ao nível da quantidade e
integridade de mRNA. Geralmente os genes que são expressos constitutivamente, como
os genes que codificam para a β-actina e para a enzima desidrogenase gliceraldeído 3fosfato (GAPDH), são utilizados para fazer esta normalização
91
. No entanto, neste
trabalho apenas foi usado o gene da β-actina.
O instrumento de RT-PCR utilizado foi o 7500 Fast Real-Time PCR System
(Applied Biosystems), sendo que os resultados obtidos foram analisados de acordo com
o acima referido modelo desenvolvido por Livak e Schimittgen - método 2-ΔΔCT 90 pelo
programa 7500 Fast System SDS Software.
2.4. Avaliação da Internalização de B. cenocepacia pelas DCs
2.4.1. Marcação dos isolados de B. cenocepacia com fluorescência
Para avaliar a internalização dos isolados de B. cenocepacia ou E. coli por DCs por
citometria de fluxo, efetuou-se previamente a marcação das bactérias com um composto
fluorescente de modo a ser possível visualizar a sua presença dentro das células. Para
tal, usou-se o corante Isotiocianato de Fluoresceína (FITC) (Sigma-Aldrich). Este
corante reage com aminas primárias de proteínas, de maneira a formar os conjugados de
corante-proteína desejados, apresentando um espectro de absorção e emissão de
fluorescência máxima de 494 nm e 518 nm respetivamente.
Foram retiradas da placa de agar LB algumas CFUs dos diferentes isolados de B.
cenocepacia e de E. coli e ressuspendidas em NaCl de forma a obter uma DO640 final de
30
1. As bactérias foram centrifugadas a 8000 rpms durante 10 minutos e ressuspendidas
em (m/v) 300 µl de tampão Na2CO3 (50mM, pH≈ 9,2) (ver composição no anexo I) ao
qual foram adicionados 3 µl do corante FITC, sendo esta suspensão posteriormente
incubada durante 1 hora, no escuro, a 37ºC e com uma agitação de 250 rpm. Após o
período de incubação, as bactérias foram lavadas três vezes com PBS 1x, para retirar o
excesso de corante. No final, as células fluorescentes foram ressuspendidas em PBS 1x
com uma DO640 de 1,0.
Foi testada a viabilidade das bactérias assim preparadas tendo-se verificado que
mantinham intacta a capacidade de proliferar tanto em meio líquido como em meio
sólido após a marcação com FITC.
No caso em que se pretendeu usar as bactérias inviáveis, após a marcação com
FITC, as bactérias foram inativadas por aquecimento a 65ºC durante 30 minutos. No
final, foram ressuspendidas em PBS 1x por forma a obter uma DO640 de 1,0.
2.4.2. Ensaios de Internalização
As DCs foram recolhidas, centrifugadas a 1200 rpm durante 5 minutos e lavadas
com PBS 1x. Após a lavagem e contagem, as células foram ressuspendidas em meio de
cultura RPMI-1640 completo e incubadas com os diferentes isolados de B. cenocepacia
ou E. coli (previamente marcados com FITC, conforme descrito no ponto 2.4.1) numa
proporção 1:10. Mais especificamente, os ensaios de internalização foram realizados em
100 µl de suspensão celular de DCs com 5×105 células, às quais foram adicionados 20
µl de suspensão bacteriana (equivalente a 50×105 bactérias).
O tempo de incubação das células com as bactérias foi de 6 horas na estufa de 37ºC
com 5% CO2, tendo este período de incubação sido escolhido com base em resultados
de otimização realizados previamente (Lopes A, Tese de Mestrado).
Paralelamente foi realizado um ensaio a 4ºC. Tendo em conta que a internalização
das bactérias por DCs (quer por fagocitose quer pelas capacidades invasivas da bactéria)
ocorre essencialmente a 37ºC, mas que muitas bactérias ficam aderidas às DCs
conferindo-lhes fluorescências, este controlo a 4ºC é importante, pois permite analisar e
descontar a fluorescência das DCs que se deve à adesão das bactérias e não à sua
internalização.
Para além disso, para desvalorizar ainda mais a fluorescência das DCs que não está
diretamente relacionada com as bactérias que entraram dentro da célula, posteriormente
31
ao período de incubação das DCs com as bactérias e após uma primeira centrifugação
para remover as bactérias do sobrenadante, as DCs são ressuspendidas numa solução de
azul tripano. Este corante não penetra nas células e ajuda a diminuir a fluorescência
(efeito “quenching”) que está no exterior da célula e que se deve essencialmente às
bactérias aderidas mas não internalizadas. Posteriormente, as células foram lavadas duas
vezes com PBS 1x e por fim ressuspendidas com Attune Focusing Fluid 1x (tampão
semelhante a PBS, otimizado para o transporte de partículas através do Attune®
Acoustic Focusing Cytometer, (Applied Biosystems) e analisadas por Citometria de
Fluxo. Os resultados obtidos foram analisados através do programa Attune Cytometric
Software v1.2.5.
Este ensaio foi executado com as bactérias vivas e com as bactérias inativadas por
calor.
2.5. Avaliação do estado de maturação das DCs na presença de isolados clonais
de B. cenocepacia.
O estado de maturação das DCs foi avaliado tendo em conta a expressão de quatro
moléculas tipicamente descritas como marcadores de maturação, nomeadamente o
MHC-II, CD86, CD80 e CD83. Esta avaliação foi realizada através de anticorpos
monoclonais fluorescentes anti-HLA-DR (MHC-II), anti-CD86, anti-CD80 e antiCD83.
O anticorpo anti-HLA-DR reage com os antigénios leucocitários humanos DR
(HLA), que corresponde a uma classe de moléculas MHC-II (complexo principal de
histocompatibilidade de moléculas de classe II), sendo uma família de moléculas,
normalmente encontrados apenas em células apresentadoras de antigénios
92
, sendo o
aumento da sua expressão à superfície um dos sinais essenciais para a ativação das
células T 93.
Por outro lado, os anticorpos anti-CD86, anti-CD80 e o anti-CD83 fornecem um
sinal co-estimulatório, também necessário para a ativação e sobrevivência das células T
“naïve” e de memória 94, 95.
Para estes ensaios as DCs foram incubadas com os vários isolados de B.
cenocepacia e com a estirpe de E. coli em estudo durante 6 horas, como descrito
32
anteriormente. Como controlo negativo, as DCs foram incubadas nas mesmas condições
mas na ausência de bactérias. Para este ensaio usaram-se bactérias em tudo tratadas
como descrito anteriormente, mas não marcadas com fluorescência (neste caso a
fluorescência analisada no citómetro de fluxo corresponde à fluorescência dos
anticorpos).
Após o período de incubação com as bactérias e lavagens (como descrito para os
ensaios de internalização), as células foram ressuspendidas em 400 µl de PBS 1x
(dividindo posteriormente 100 µl por 4 eppendorfs) e incubadas 15 minutos, no escuro à
temperatura de 4ºC, com 3 µl do anticorpo anti-HLA-DR conjugado com aloficocianina
(APC, Biolegend), 3 µl do anticorpo anti-CD86 conjugado com ficoeritrina (PE,
Biolegend), 3µl do anticorpo anti-CD80 conjugado com isotiocianato de fluoresceína
(FITC, Biolegend) ou 3µl do anticorpo anti-CD83 marcado com PE (BD Pharmingen
TM
). Depois do período de marcação, as células foram lavadas uma vez a 1200 rpm,
durante 5 minutos com PBS 1x. O sobrenadante foi desprezado e as células depositadas
foram fixadas com 200 µl de paraformaldeído a 3,7% (m/v) (ver composição no anexo
I). Aquando da análise por citometria de fluxo foram adicionados 800 µl de Attune
Focusing Fluid 1x. Os resultados obtidos foram analisados através do programa Attune
Cytometric Software v1.2.5.
Este ensaio foi realizado com bactérias viáveis, inativadas por calor (ou com o LPS
extraído de cada uma das bactérias (no caso de E. coli foi usado o LPS comercial
(Sigma).
Enquanto as bactérias viáveis ou inativadas foram incubadas com as DCs durante 6
horas, o LPS bacteriano foi colocado no meio de cultura das DCs durante 24 horas,
numa concentração de 50 µg/mL tendo em conta experiências anteriores com o LPS de
E. coli que demonstraram que ser este o tempo necessário para que nesta concentração
se verificasse aumento na expressão dos marcadores de maturação das DCs.
2.6. Avaliação da viabilidade celular das DCs na presença de isolados clonais
de B. cenocepacia
A viabilidade celular das DCs após contato com os 4 isolados de B. cenocepacia foi
avaliada por citometria de fluxo com base no sistema Anexina V/Iodeto de Propídeo
(PI).
33
A Anexina V é uma proteína fosfolipídica dependente de cálcio, que interage
especificamente com a fosfatidilserina (PS), um componente fosfolipídico da membrana
citoplasmática
96, 97
. Nos primeiros eventos de apoptose ocorre perda de assimetria da
membrana plasmática, verificando-se a translocação de PS da camada interna da
membrana para a camada externa da membrana, permitindo assim a ligação da Anexina
V 93. Assim, a utilização da Anexina V conjugada com fluorescência constitui um
método para a detecção da apoptose precoce, antes da ocorrência de mudanças
cromossómicas, mostrando que a externalização de PS precede às mudanças de
permeabilidade da membrana e condensação nuclear, ocorrendo independente de
estímulo
98
. Portanto, a Anexina V é normalmente usada em conjunto com um corante
vital tal como o PI ou 7-amino-actinomicina (7-AAD), corantes fluorescentes que
penetram nas células com a membrana plasmática danificada e se ligam ao DNA, para
determinar mais especificamente se as células são viáveis, apoptóticas (em fase precoce
ou tardia) ou necróticas 96.
Nomeadamente, a Anexina V liga-se a células apoptóticas em fase precoce
(integridade da membrana plasmática intacta) enquanto o PI se liga a células apoptóticas
tardias e/ou necróticas (integridade da membrana alterada)
99
. As células viáveis não
têm afinidade com nenhum destes compostos.
Para estes ensaios de avaliação da viabilidade celular, as células em cultura foram
incubadas na estufa a 37ºC com 5% CO2 durante 12 horas na presença dos isolados de
B. cenocepacia e de E.coli ou na ausência de bactérias (controlo). Para tal, a cada1000
µl de suspensão celular de DCs com 1×106 células foram adicionados 40 µl de
suspensão bacteriana (equivalente a 10×106 bactérias) de cada tipo. Ao controlo não foi
adicionado a suspensão bacteriana.
Após as 12 horas de incubação, as células foram recolhidas, centrifugadas 5
minutos a 1200 rpm e lavadas com PBS 1x. As células foram ressuspendidas em 190 µl
de tampão de ligação Anexina V 1x (BD Pharmingen
TM
). De seguida, as células foram
marcadas com 5µl de Anexina V-FITC (BD Pharmingen
Pharmingen
TM
TM
) e 5µl de PI (BD
) e incubadas durante 15 minutos no escuro à temperatura ambiente.
Após a marcação adicionaram-se outros 200 µl do tampão de Anexina V 1x. Para a
análise por citometria de fluxo foram adicionados 600 µl de Attune Focusing Fluid 1x.
Os resultados obtidos foram analisados através do programa Attune Cytometric
Software v1.2.5.
34
Estes ensaios foram realizados com as bactérias viáveis e não marcadas com
fluorescência.
2.7. Avaliação da consequência imunológica, em termos de ativação de células
T, na presença dos isolados clonais de B. cenocepacia
Incubaram-se as DCs na ausência de bactérias (controlo), ou na presença dos
isolados de B. cenocepacia ou E. coli durante 6 horas como descrito anteriormente. No
final desta incubação, as células foram recolhidas e lavadas, para retirar as bactérias não
internalizadas. Posteriormente foram ressuspendidas em meio RPMI-1640 completo, e
adicionadas aos poços de uma placa de 96 poços de fundo redondo (Greiner Bio-one),
onde já se encontravam células T autólogas (do mesmo indivíduo de onde provieram as
DCs, correspondendo à fração CD14 negativa aquando o isolamento de monócitos, no
tópico 2.3), originando-se diferentes co-culturas de DCs (pré-incubadas com as
respetivas bactérias): células T, numa proporção 1:4. Estas co-culturas foram então
colocadas na estufa de 37ºC com 5% CO2 onde permaneceram durante 72h.
Após este período de incubação, cada amostra (6 poços de cada tipo de DCs) foi
recolhida, centrifugada a 1200 rpm durante 10 minutos, e lavada com PBS 1x. O
sobrenadante é descartado e as células sedimentadas congeladas a -80ºC, para posterior
utilização.
Estes ensaios foram realizados com as bactérias viáveis e não marcadas com
fluorescência.
O objetivo foi então determinar a expressão genética nas amostras acima referidas
dos genes IFN-γ (interferon gama) - uma citocina produzida pelos linfócitos T (CD4+ e
CD8+) efetores com importantes propriedades anti-virais, anti-bacterianas e antitumorais e envolvida na proliferação e ativação linfocitária
100
- e do gene que codifica
para FOXP3 - um fator de transcrição com importante papel no desenvolvimento e
função das células T reguladoras 101, 102 (tabela 2.2).
35
2.7.1. Extração de RNA e transcrição reversa para síntese de DNA
complementar (cDNA)
Após descongelamento dos sedimentos celulares procedeu-se à extração de RNA e
à sua conversão para DNA complementar (cDNA). Para a extração de RNA foi
utilizado o sistema comercial GenEluteTM Mammalian Total RNA Miniprep Kit
(Sigma), tendo-se seguido as instruções e utilizado as soluções fornecidas pelo
fabricante. As concentrações de RNA obtido foram determinadas com base na leitura da
absorvência a 260nm (A260nm), recorrendo à seguinte relação: uma unidade de A260nm
corresponde a 40 μg de RNA por mL. O estado de pureza das amostras foi analisado
através da relação entre os valores das leituras a A260nm e A280nm (A260/A280), sendo que
valores abaixo de 1,8 ou acima de 2,0 indicam contaminação com proteína ou álcool
usado no procedimento experimental.
A reação da conversão do RNA em cDNA foi efetuada com base na estratégia de
oligonucleotídeos iniciadores (“primers”) aleatórios que se hibridam a diversas regiões
do RNA permitindo a sua posterior transcrição reversa por ação da transcriptase reversa.
Neste procedimento, usou-se o sistema comercial High Capacity cDNA Reverse
Transcription Kit (Applied Biosystems, Foster City, CA,EUA), efetuando-se uma
mistura (em microcubos de PCR) de 50 μl por reação, contendo 5 μl de solução tampão,
5 μl de oligonucleotídeos iniciadores aleatórios, 2 μl de nucleótidos livres (Dntps), 2,5
μl de transcriptase reversa (Enzima RT), 10,5 μl de água ultra pura (H2O Millipore) e 25
μl de cada amostra de RNA. A síntese de cDNA foi realizada no termociclador (PTC100 Programmable Thermal Controller, MJ Research Inc.) com o programa adequado:
em 20 minutos a 25ºC e 2 horas a 37ºC. Após este tempo o termociclador é programado
para ficar a 4ºC, caso não se retirem logo as amostras para colocar a -20ºC.
2.7.2. RT-PCR
O RT-PCR foi realizado num 7500 Fast Real-Time PCR System (Applied
Biosystems), tal como referido anteriormente em 2.3.2. Cada reação foi realizada num
volume de 10 μl, tendo sido utilizada a TaqMan Fast Universal PCR Master Mix
(Applied Biosystems) e cada reação de PCR em tempo real foi realizada em duplicado
(uma réplica de cada ensaio). Assim, para cada reação, adicionaram-se 5 μl de
TaqManFast Universal PCR Master Mix (Applied Biosystems) e 3 μl de cDNA.
36
Selecionou-se um conjunto de sondas TaqMan e de “primers” para os genes de interesse
(tabela 2.2) (Applied Biosystems), tendo-se pipetado 2 μl de cada uma destas misturas
para uma microplaca de 96 poços (Fast Optical 96-Well Reaction, Applied Biosystems)
e, em seguida, 8 μl da mistura contendo o cDNA. Depois de selada, a placa foi
centrifugada a 2500 rpm durante 5 minutos. As condições cíclicas térmicas aplicadas
foram, respetivamente, um ciclo de 20 segundos a 95º C para a ativação da polimerase,
seguido de 40 ciclos de 3 segundos a 95º C para a desnaturação do DNA em cadeia
dupla e por último um ciclo de 30 segundos a 60º C para a hibridação dos “primers” e
polimerização das novas cadeias de DNA.
Para normalizar o valor do sinal de cada amostra, de forma, a que as variações de
RNA entre as amostras resultem exclusivamente de uma variação biológica real, foi
utilizado como controlo endógeno o gene constitutivo da β-actina (tabela 2.2), como
referido em 2.3.2.
Tabela 2.2 – Identificação do ensaio e função para cada um dos genes analisados
Nome do
gene
β-actina
Descrição
Beta actina
Identificação
do ensaio*
NM_001101.2
IFN-γ
Interferongama
Hs00174143_
m1
FOXP3
“Forkhead
box P3”
Hs00203958_
m1
Função
Migração e divisão
celular, 103
Anti-viral, antibacteriana e anti-tumoral 100
Reguladora de células
Treg 101, 102
* O prefixo “Hs” é a abreviatura de Homo sapiens, espécie para a qual o ensaio foi formulado. O
sufixo “m1” indica um ensaio cuja sonda e oligonucleotídeos iniciadores foram desenhados sobre uma
junção exão-exão, não detectando DNA genómico.
37
2.8. Análise Estatística
Os resultados de cada experiência são apresentados sob a forma de média ± erro
padrão, de vários ensaios (n) independentes, realizados com DCs de dadores diferentes.
A intensidade média de florescência (MFI), parâmetro utilizado na análise dos
resultados de citometria de fluxo, apresenta-se em unidades arbitrárias e foi normalizado
sempre que referido.
A análise estatística dos dados obtidos experimentalmente foi realizada pelo
software GraphPad Prism 6 (Windows). O Teste de t-Student foi utilizado para analisar
as diferenças estatísticas entre duas amostras sujeitas a condições diferentes no mesmo
ensaio (amostras emparelhadas), considerando-se que valores de p <0,05 são
estatisticamente significativos (* significa que o valor p é inferior a 0,05; ** que o p é
inferior a 0,01 e *** que o p é inferior a 0,0001).
38
3. RESULTADOS
3.1. Estudo da internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia por DCs
Avaliou-se comparativamente a internalização dos quatro isolados de B.
cenocepacia e de E. coli pelas DCs, tendo em conta resultados de experiências de
otimização realizados no início deste trabalho e anteriormente (Lopes A, Tese de
mestrado) que demonstraram que o tempo de incubação ótimo seria de 6 horas e a
proporção ideal entre DCs e bactérias de 1:10.
3.1.1. Internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia viáveis, por
DCs
Após 6 horas de incubação das DCs com as bactérias acima referidas, marcadas com
fluorescência e tratadas de modo a permanecerem viáveis, verificou-se que os isolados
clonais de B. cenocepacia internalizados (quer por fagocitose, quer pelas capacidades
invasivas da bactéria) em maior quantidade foram os isolados II e IV, seguindo-se o
isolado III, sendo que, o menos internalizado foi o primeiro isolado recolhido do doente
J, o I (Fig. 3.1).
Internalização dos isolados de B. cenocepacia viáveis, pelas DCs
Figura 3.1 - Análise por citometria de fluxo da internalização dos isolados I, II, III, IV de B.
cenocepacia e E. coli (controlo), marcadas com FITC e viáveis, por DCs após 6 horas de incubação.
Os dados representam a MFI normalizada, ou seja, a quantidade de bactérias fluorescentes que se
encontra dentro das DCs. A normalização foi realizada da seguinte forma: (MFI 37ºC-MFI 4ºC) / (MFI
4ºC) (n=4).
39
O gráfico representa dados de fluorescência normalizados. Tendo em conta que a
fluorescência que as DCs adquirem durante a incubação com as bactérias se deve às
bactérias que se encontram de facto dentro da célula, mas também às que ficam aderidas
no exterior, esta normalização permite comparar melhor a fluorescência interna das DCs
que contataram com as diferentes bactérias. Assim, uma vez que em princípio a 4ºC as
bactérias podem aderir às DCs mas não penetrar nestas, utilizou-se a seguinte fórmula
para a normalização: (MFI do ensaio a 37ºC - MFI do ensaio controlo a 4ºC) / (MFI do
ensaio controlo a 4ºC). Os valores de MFI foram obtidos a partir da análise de
histogramas, como o exemplificado na Fig. 2 do anexo II.
Os valores de MFI normalizado foram então de 0,351 ± 0,136 para o ensaio com o
isolado I, 0,757 ± 0,282 para o ensaio com o isolado II, 0,531 ± 0,101 para o ensaio com
o isolado III e 0,789 ± 0,241 para o ensaio com o isolado IV, ou seja, do isolado I para o
isolado II e para o isolado IV houve um aumento na internalização de cerca de 55%,
embora não estatisticamente significativo. O isolado III, de características semelhantes
ao I, como anteriormente referido, foi apenas cerca de 34% mais internalizado do que o
primeiro.
No caso de E. coli, obteve-se um valor de MFI normalizado superior ao das outras
bactérias em estudo, nomeadamente de 0,913 ± 0,339, sendo que esta estirpe foi usada
como controlo do ensaio, pois já tinha sido anteriormente estudada a sua interação com
as DCs pelo grupo.
Apesar das diferentes bactérias terem sido internalizadas distintamente pelas DCs,
(diferentes MFIs) dependendo das suas características, é de referir que em todos os
casos, praticamente todas as DCs da população internalizaram bactérias, como se pode
ver no histograma exemplificado na Fig. 2 do anexo II.
3.1.2. Internalização dos isolados clonais de B. cenocepacia inativados,
por DCs
Nos ensaios em que foram utilizadas bactérias fluorescentes previamente inativadas
por calor, verificou-se igualmente internalização de todos os isolados, embora neste
caso a internalização se deva exclusivamente à capacidade fagocítica das DCs e não à
eventual habilidade das bactérias para penetrar nas células. De qualquer forma
40
verificou-se novamente que o isolado I foi o menos internalizado (MFI normalizado foi
de 0,422 ± 0,058). Já com os outros isolados, os resultados foram ligeiramente
diferentes dos obtidos com as bactérias viáveis, pois o isolado III neste caso foi o que
originou maior fluorescência (MFI normalizado 0,786 ± 0,121). Os isolados II e IV
originaram respetivamente MFIs normalizados de 0,699 ± 0,109 e 0,635 ± 0,277 (Fig.
3.2). Em relação à E. coli, os seus valores de MFI foram de 0,566 ± 0,053.
Internalização dos isolados de B. cenocepacia inativados (por calor) pelas DCs
Figura 3.2 - Análise por citometria de fluxo da internalização dos isolados I, II, III, IV de B.
cenocepacia marcados com FITC e inativados (por calor) e E. coli (controlo, também marcada e
inativada) por DCs após 6 horas de incubação. Os dados representam valores de MFI normalizados, ou
seja, a quantidade de bactérias fluorescentes que que se encontra dentro das DCs. A normalização foi
realizada da seguinte forma: (MFI 37ºC-MFI 4ºC) / (MFI 4ºC) (n=3).
Pode-se ainda acrescentar que, de uma maneira geral, as bactérias inativadas
interagem menos com as DCs do que as bactérias viáveis pois os valores de MFI a 37ºC
(não normalizados), que refletem quer a internalização das bactérias quer a sua adesão à
superfície das DCs, são consistentemente inferiores no caso das bactérias que foram
previamente sujeitas à temperatura de 65ºC (Fig. 3 do anexo II).
41
3.2. Avaliação da influência dos isolados clonais de B. cenocepacia na
maturação das DCs
No fim do período de incubação de 6 horas com as várias bactérias, as DCs foram
analisadas relativamente à expressão das moléculas co-estimulatórias, nomeadamente
CD80, CD86, CD83, e da molécula apresentadora de antigénios, HLA-DR.
As DCs apresentam um nível de expressão basal das moléculas anteriormente
referidas na sua superfície celular e o seu estado de maturação está associado à maior
expressão das mesmas. Assim para estabelecer o valor da expressão basal destes
marcadores, além da incubação das DCs com as várias bactérias, incubaram-se DCs
pelo mesmo período de tempo na ausência de bactérias. A incubação das DCs com E.
coli funcionou como controlo positivo pois já havia sido demonstrado que na presença
destas bactérias a DC responde aumentando a expressão dos referidos marcadores de
maturação.
Os gráficos que se seguem apresentam valores obtidos através do cálculo da razão
entre o MFI resultante da expressão das moléculas HLA-DR, CD80, CD86 ou CD83
nas DCs incubadas na presença de cada bactéria e o MFI resultante da expressão destas
mesmas moléculas nas DCs incubadas na ausência de bactérias (valor basal).
Os valores de MFI foram obtidos pela análise de histogramas como o
exemplificado na Fig. 4 do anexo II. A fluorescência diz respeito à quantidade de
anticorpo conjugado que está ligado à respetiva molécula na superfície da DCs. Neste
caso foram usadas bactérias não fluorescentes.
3.2.1. Maturação das DCs na presença de isolados clonais de B.
cenocepacia viáveis
Relativamente à molécula de HLA-DR, verificou-se que as DCs incubadas 6 horas
com cada um dos 4 isolados de B. cenocepacia (viáveis), ao contrário das DCs
incubadas com E. coli (também viável), apresentaram uma diminuição na expressão
desta molécula, relativamente à expressão basal (Fig. 3.3). Nomeadamente, os valores
de fluorescência obtidos (calculado como acima referido) foram de 1,106 ± 0,114 para a
incubação com E. coli, 0,936 ± 0,093 para incubação com o isolado I, 0,917 ± 0,074
para a incubação com o isolado II, 0,891 ± 0,080 para a incubação com o isolado III e
0,853 ± 0,079 para a incubação com o isolado IV (Fig. 3.3). Apesar de não se terem
42
observado diferenças significativas entre os vários isolados, a expressão de HLA-DR foi
estatisticamente significativa em relação à expressão basal, no caso do isolado IV (Fig.
3.3).
Expressão da molécula apresentadora de antigénios HLA-DR em DCs,
após internalização de B. cenocepacia
Figura 3.3 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de HLADR na superfície de DCs após a incubação destas com as respetivas bactérias vivas. Os valores do
gráfico foram obtidos através do cálculo da razão entre os valores de MFI resultantes da expressão da
molécula HLA-DR nas DCs incubadas com cada bactéria e os valores de MFI resultantes da expressão da
molécula HLA-DR nas DCs incubadas na ausência de bactérias (n = 4).
No caso da molécula co-estimulatória CD80 (Fig. 3.4 (a)), verificou-se que a sua
expressão em DCs incubadas com os vários isolados (viáveis) foi inferior à expressão
das DCs incubadas com E. coli (também viável), ou mesmo à expressão basal, em
particular com o isolado IV, tal como no caso da molécula HLA-DR. Nomeadamente,
os valores de fluorescência obtidos (calculados como acima referido) foram de 1,093 ±
0,084 para a incubação com E. coli, 0,977 ± 0,073 para incubação com o isolado I,
0,968 ± 0,118 para a incubação com o isolado II, 0,900 ± 0,086 para a incubação com o
isolado III e 0,878 ± 0,085 para a incubação com o isolado IV (Fig. 3.4 (a)).
43
Expressão das moléculas co-estimulatórias (a) CD80 e (b) CD86
nas DCs, após internalização de B. cenocepacia
(a)
(b)
Figura 3.4 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de CD80
(a) e CD86 (b) na superfície de DCs após a incubação destas com as respetivas bactérias vivas. Os
valores do gráfico foram obtidos através do cálculo da razão, entre os valores de MFI resultantes da
expressão da molécula CD80 (a) e CD86 (b) nas DCs incubadas com cada bactéria e os valores de MFI
resultantes da expressão da molécula CD80 (a) e CD86 (b) nas DCs incubadas na ausência de bactérias (n
= 4).
Relativamente ao CD86 (Fig. 3.4 (b)), verificou-se que a sua expressão em DCs
incubadas com os vários isolados (viáveis) foi inferior à expressão das DCs incubadas
com E. coli (também viáveis), embora superior à expressão basal. Os valores de
fluorescência obtidos (calculados como acima referido) foram de 1,476 ± 0,403 para a
incubação com E. coli, de 1,046 ± 0,145 para incubação com o isolado I, 1,143 ± 0,277
para a incubação com o isolado II, 1,079 ± 0,207 para a incubação com o isolado III e
1,165 ± 0,289 para a incubação com o isolado IV (Fig. 3.4 (b)). Neste caso, não parece
haver inibição da expressão desta molécula nas DCs por nenhum dos isolados de B.
cenocepacia, embora a ativação da sua expressão seja inferior à ativação por E. coli.
Por outro lado, no caso do CD83 (Fig. 3.5), verificou-se que a sua expressão em
DCs incubadas com os vários isolados (viáveis) foi semelhante à expressão das DCs
incubadas com E. coli (também viáveis), tendo-se mesmo observado um aumento
44
significativo na expressão desta molécula, relativamente à expressão basal.
Nomeadamente, os valores de fluorescência obtidos foram de 2,737 ± 0,943 para a
incubação com E. coli, 2,731 ± 0,431 para incubação com o isolado I, 2,843 ± 0,687
para a incubação com o isolado II, 2,738 ± 0,771 para a incubação com o isolado III e
2,978 ± 0,811 para a incubação com o isolado IV.
Expressão da molécula co-estimulatória CD83 em DCs após
internalização de B. cenocepacia
Figura 3.5 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de CD83
na superfície de DCs após a incubação destas com as respetivas bactérias vivas. Os valores do
gráfico foram obtidos através do cálculo da razão, entre os valores de MFI resultantes da expressão da
molécula CD83 nas DCs incubadas com cada bactéria e os valores de MFI resultantes da expressão da
molécula CD83 nas DCs incubadas na ausência de bactérias. A significância estatística (* = P ˂ 0,05; **
= P˂ 0,01) refere-se à diferença entre a razão da fluorescência de cada isolado em relação às DCs na
ausência de bactérias (n = 4).
3.2.2. Comparação da maturação das DCs na presença de isolados
clonais de B. cenocepacia viáveis vs inativados vs LPS
Foi também determinado o nível de expressão das moléculas HLA-DR, CD80,
CD86 e CD83 para avaliar o estado de maturação das DCs após incubação com os
isolados clonais de B. cenocepacia previamente inativados por calor ou estimuladas
com o LPS extraído dos mesmos isolados. E. coli inativada por calor e o LPS de E. coli
foram também incluídos nestes ensaios, como controlo. As bactérias previamente
45
inativadas foram incubadas com as DCs durante 6 horas, tal como as bactérias viáveis.
O LPS bacteriano foi colocado no meio de cultura das DCs durante 24 horas.
Tal como no caso anterior, todos os valores apresentados foram obtidos através do
cálculo da razão entre os valores de MFI resultantes da expressão das moléculas HLADR, CD80, CD86 e CD83 nas DCs incubadas com cada bactéria (ou LPS) e os valores
de MFI resultantes da expressão das mesmas moléculas nas DCs incubadas na ausência
de estímulos.
Compararam-se então os resultados obtidos com as DCs incubadas com as bactérias
viáveis, inativadas e com o LPS para cada uma das referidas moléculas.
Curiosamente, relativamente à expressão da molécula de HLA-DR (Fig. 3.6),
verificou-se que os resultados obtidos para as DCs incubadas com os 4 isolados de B.
cenocepacia inativados ou estimuladas com o LPS dos respetivos isolados, foi bastante
diferente do obtido para as DCs incubadas com as bactérias viáveis. De facto, enquanto
no caso dos ensaios realizados com as bactérias viáveis se verificou uma diminuição da
expressão desta molécula nas DCs incubadas com os isolados de B. cenocepacia
(contrário ao aumento ligeiro observado nas DCs incubadas com E. coli) quer no caso
dos ensaios realizados com as bactérias inativadas quer no caso dos ensaios com LPS
houve um aumento estatisticamente significativo da expressão de HLA-DR nas DCs,
relativamente à sua expressão basal. (Fig. 3.6).
Especificamente foram obtidos os seguintes valores de fluorescência: 1,106 ±
0,114 para E. coli, 0,936 ± 0,093 para o isolado I, 0,917 ± 0,074 para o isolado II, 0,891
± 0,080 para o isolado III e 0,856 ± 0,069 para o isolado IV: no caso dos ensaios com as
bactérias viáveis; 1,889 ± 0,361 para E. coli, 1,709 ± 0,214 para o isolado I, 2,033 ±
0,327 para o isolado II, 1,885 ± 0,177 para o isolado III e 1,954 ± 0,275 para o isolado
IV no caso dos ensaios com as bactérias inativadas; em relação ao LPS, observou-se que
um aumento da expressão de HLA-DR bastante elevado e também significativo,
apresentando valores de: 2,257 ± 0,420 para E. coli, 2,939 ± 0,809 para o isolado I,
3,234 ± 0,802 para o isolado II, 3,298 ± 0,917 para o isolado III e 3,174 ± 0,926 para o
isolado IV (Fig. 3.6).
Estes resultados mostram que enquanto a E. coli estimula a expressão de HLADR nas DCs, quer esteja viável ou inativada (embora neste último caso estimule mais
eficientemente), os vários isolados de B. cenocepacia só estimulam a expressão desta
molécula nas DCs se estiverem inativados. Interessantemente, as diferenças mais
46
acentuadas entre os valores obtidos com as bactérias viáveis e com as bactérias não
viáveis foi verificada no caso dos isolados II e IV.
Quanto ao LPS extraído dos vários isolados pode-se concluir que se comporta
como um LPS purificado típico (caso do LPS comercial de E. coli), levando ao aumento
acentuado da expressão de HLA-DR. Não parece haver grandes diferenças na
capacidade de ativação da DC entre os vários LPS de B. cenocepacia, embora o extraído
do isolado I tenha levado a uma expressão consistentemente inferior da molécula em
estudo, comparativamente ao LPS dos outros isolados.
Expressão da molécula apresentadora de antigénios HLA-DR em DCs, após
internalização de B. cenocepacia (viável ou inativada) ou estímulo com LPS
Figura 3.6 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de HLADR na superfície de DCs após a incubação com as respetivas bactérias vivas (preto), inativas
(cinzento claro) e LPS (cinzento escuro). Os valores do gráfico foram obtidos através do cálculo da
razão entre os valores de MFI resultantes da expressão da molécula HLA-DR nas DCs incubadas com
cada bactéria (ou LPS) e os valores de MFI resultantes da expressão da molécula HLA-DR nas DCs
incubadas na ausência de estímulos. A significância estatística (** = P˂ 0,01 e *** = P˂ 0,0001) refere-se
à diferença entre os ensaios realizados na presença ou ausência dos respetivos estímulos (n = 4).
Também nos casos das moléculas co-estimulatórias CD80 e CD86 (Fig. 3.7), se
verificou que a sua expressão aumentava acentuadamente não só nas DCs incubadas
com E. coli mas também nas DCs incubadas com os vários isolados de B. cenocepacia,
quando as bactérias eram previamente inativadas pelo calor. Verificou-se também que o
LPS de qualquer uma das bactérias testadas estimulava significativamente a expressão
destas moléculas co-estimulatórias nas DCs. Nomeadamente, para o CD80 os valores
47
obtidos foram os seguintes: 1,093 ± 0,083 para E. coli, 0,978 ± 0,073 para o isolado I,
0,968 ± 0,118 para o isolado II, 0,900 ± 0,086 para o isolado III e 0,878 ± 0,085 para o
isolado IV, no caso do ensaio com bactérias viáveis; 1,434 ± 0,072 para E. coli, 1,493 ±
0,013 para o isolado I, 1,527 ± 0,089 para o isolado II, 1,391 ± 0,030 para o isolado III e
1,655 ± 0,274 para o isolado IV, no caso do ensaio com bactérias inativadas. Já os LPS
originaram valores bastante mais elevados tais, como: 3,508 ± 1,411 para o E.coli,
2,956 ± 1,275 para o isolado I, 4,236 ± 1,244 para o isolado II, 4,140 ± 1,524 para o
isolado III e 3,899 ± 1,155 para o isolado IV (Fig. 3.7 (a)).
Para o CD86 os valores obtidos foram os seguintes: 1,476 ± 0,403 para E. coli,
1,046 ± 0,145 para o isolado I, 1,143 ± 0,277 para o isolado II, 1,079 ± 0,207 para o
isolado III e 1,165 ± 0,289 para o isolado IV, no caso do ensaio com as bactérias
viáveis; 3,455 ± 1,349 para E. coli, 2,648 ± 1,148 para o isolado I, 3,250 ± 1,422 para o
isolado II, 2,780 ± 0,971 para o isolado III e 2,992 ± 1,318 para o isolado IV, no caso
dos ensaios com as bactérias inativadas. Quanto aos LPS originaram valores de: 3,473 ±
1,777 para E. coli, 3,717 ± 1,612 para o isolado I, 3,850 ± 1,902 para o isolado II, 3,355
± 0,461 para o isolado III e 4,381 ± 2,042 para o isolado IV (Fig. 3.7 (b)).
Tal como no caso anterior não parece haver diferenças relevantes entre os
resultados obtidos com os vários isolados. No entanto, no caso do CD80, tal como se
havia verificado para o HLA-DR, a sua expressão nas DCs foi consistentemente inferior
quando estas foram incubas na presença do LPS extraído do isolado I,
comparativamente ao LPS dos outros isolados.
Estes resultados atestam a ideia de que apenas os vários isolados viáveis, inibem a
maturação completa das DCs. Enquanto os isolados inativados, tal como o seu respetivo
LPS levam ao processo de maturação das DCs.
48
Expressão das moléculas co-estimulatórias CD80 (a) e CD86 (b) em DCs, após
internalização de B. cenocepacia (viável ou inativada) ou estímulo com LPS
(a)
(b)
Figura 3.7 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de CD80
(a) e CD86 (b) na superfície de DCs após a incubação com as respetivas bactérias vivas (preto),
inativas (cinzento claro) e LPS (cinzento escuro). Os valores do gráfico foram obtidos através do
cálculo da razão, entre os valores de MFI resultantes da expressão da molécula CD80 (a) e CD86 (b) nas
DCs incubadas com cada bactéria e os valores de MFI resultantes da expressão da molécula CD80 (a) e
CD86 (b) nas DCs incubadas na ausência de bactérias. A significância estatística (* = P ˂0,05; ** = P
˂0,01 e *** = P ˂ 0,0001) refere-se à diferença entre os ensaios realizados na presença ou ausência dos
respetivos estímulos (n = 4).
No caso da molécula co-estimulatória CD83 (Fig. 3.8), verificou-se igualmente que
a sua expressão em DCs incubadas com bactérias inativadas foi superior à sua expressão
em DCs incubadas com bactérias viáveis. Ainda que neste caso não se tenha verificado
uma inibição da expressão de CD83 nas DCs em presença de B. cenocepacia viáveis,
mas sim um aumento significativo relativamente à expressão basal (tal como nos
ensaios com E. coli), quando se usaram bactérias inativadas esse aumento na expressão
de CD83 foi ainda maior. No entanto, curiosamente, ao contrário do que se verificou
para as outras moléculas estudadas, os diferentes isolados originaram valores de
fluorescência muito distintos (Fig. 3.8). Nomeadamente, os valores obtidos foram de
2,737 ± 0,943 para E. coli, 2,731 ± 0,431 para o isolado I, 2,843 ± 0,687 para o isolado
II, 2,738 ± 0,771 para o isolado III e 2,978 ± 0,811 para o isolado IV, no caso dos
ensaios com bactérias viáveis, sendo que todos, à exceção de E. coli, apresentaram
49
significância estatística em relação ao valor basal (DCs na ausência de bactérias); 7,400
± 1,930 para E. coli, 5,366 ± 0,312 para o isolado I, 8,849 ± 3,348 para o isolado II,
6,467 ± 2,911 para o isolado III e 6,941 ± 2,279 para o isolado IV, no caso dos ensaios
com as bactérias inativas.
Finalmente, no caso da incubação na presença de LPS obtiveram-se os seguintes
valores: 8,418 ± 2,979 para E. coli, 11,850 ± 4,294 para o isolado I, 15,420 ± 7,285 para
o isolado II, 14,830 ± 7,067 para o isolado III e 10,040 ± 4,985 para o isolado IV (Fig.
3.8), valores estes que refletem um aumento bastante acentuado e de elevada
significância estatística face ao valor basal.
Expressão da molécula co-estimulatória CD83 em DCs, após internalização
de B. cenocepacia (viável ou inativada) ou estímulo com LPS
Figura 3.8 – Análise por citometria de fluxo da interação de DCs com cada variante clonal de B.
cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. (controlo positivo), mostrando a expressão de CD83
na superfície de DCs após a incubação com as respetivas bactérias vivas (preto), inativas (cinzento
claro) e LPS (cinzento escuro). Os valores do gráfico foram obtidos através do cálculo da razão entre os
valores de MFI resultantes da expressão da molécula CD83 nas DCs incubadas com cada bactéria/LPS e
os valores de MFI resultantes da expressão da molécula CD83 nas DCs incubadas na ausência de
estímulos. A significância estatística (* = P ˂ 0,05; ** = P˂ 0,01 e *** = P˂ 0,0001) refere-se à diferença
entre os ensaios realizados na presença ou ausência dos respetivos estímulos (n = 4).
50
3.3. Avaliação da morte celular das DCs na presença dos 4 isolados clonais de
B. cenocepacia
Para avaliar de que modo, os 4 isolados de B. cenocepacia afetavam a viabilidade
das DCs, e especificamente o processo de morte celular envolvido (necrose ou
apoptose), incubaram-se as DCs na ausência (controlo) ou na presença das bactérias em
estudo (isolados de B. cenocepacia e E. coli) viáveis, por 12 horas (período de tempo
escolhido após alguns ensaios de otimização).
No fim deste período, foi analisada, por citometria de fluxo, a percentagem de DCs
vivas, de DCs apoptóticas (fase precoce e fase tardia) e de DCs necróticas, com base na
marcação com Anexina V e PI.
A percentagem de DCs de cada tipo foi então obtida pela análise de gráficos do tipo
dotplot biparamétrico como os exemplificados na Fig. 5 do anexo II.
O gráfico que se segue apresenta os valores médios da % de DCs vivas após a
incubação com cada uma das bactérias, normalizados em relação à % de DCs vivas no
ensaio realizado na ausência de bactérias (valor basal).
Após as 12 horas de incubação das DCs com as bactérias verificou-se que a
viabilidade das DCs diminui em todos os casos, sendo, no entanto o isolado IV o que
conduz a uma perda de viabilidade mais significativa, comparativamente com os outros
isolados de B. cenocepacia ou com a E. coli (Fig. 3.9). Nomeadamente, a percentagem
de DCs vivas foi de 82,280 ± 6,458 no ensaio com E. coli, 88,570 ± 6,965 no ensaio
com o isolado I, 81,750 ± 8,795 no ensaio com o isolado II, 84,770 ± 8,144 no ensaio
com o isolado III e de 63,380 ± 4,963 para o isolado IV (Fig. 3.9).
51
Percentagem de DCs vivas após internalização dos isolados de B.
cenocepacia (12 horas)
Figura 3.9 – Análise por citometria de fluxo da viabilidade celular de DCs incubadas durante 12
horas com cada um dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli. Os resultados
obtidos representam a percentagem de células vivas e foram normalizados em relação às DCs incubadas
na ausência de bactérias. A significância estatística (* = P ˂ 0,05; ** = P˂ 0,01 e *** = P˂ 0,0001) referese à diferença entre a percentagem de DCs vivas após incubação com cada bactéria e a percentagem de
DCs incubadas na ausência de bactérias (n = 3).
Especificamente, para ter em conta o tipo de processo de morte celular induzido
pelas bactérias, também se teve em conta a % de DCs apópticas e/ou necróticas. Como
se pode ver pela análise dos diagramas circulares que se seguem, o processo de morte
celular induzido pelas bactérias é maioritariamente apoptose (precoce ou tardia),
havendo uma percentagem, muito baixa de DCs necróticas quando incubadas com
qualquer dos isolados de B. cenocepacia ou com E. coli, semelhante a quando as DCs
são incubadas na ausência de bactérias (Fig. 3.10).
O isolado IV é então o que origina maior percentagem de DCs apoptóticas,
encontrando-se as mesmas, em maioria, na fase tardia de apoptose (células que marcam
tanto com anexina V como com PI) (Fig. 3.10). Estes resultados demonstraram que,
apesar de todas as bactérias que interagiram com as DCs, incluindo E. coli (que é uma
estirpe não patogénica), conduzirem à morte destas células por apoptose, pelo menos ao
fim de 12 horas de incubação, foi de facto o isolado IV, o último a ser recolhido do
doente, considerado o mais virulento 5, que despoletou maior dano a nível celular,
conduzindo a percentagem elevada de DCs apoptóticas.
52
Percentagem de células vivas, células apoptóticas (fase inicial e tardia) e células
necróticas após internalização dos isolados de B. cenocepacia pelas DCs (12 horas)
Figura 3.10 – Análise por citometria de fluxo da morte celular de DCs incubadas durante 12 horas
com cada um dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), e E. coli ou na ausência de
bactérias (DCs). Os resultados obtidos representam valores médios da percentagem de células vivas
(azul), células em fase inicial de apoptose (vermelho), células em fase tardia de apoptose (verde) e células
necróticas (roxo) (n = 3).
3.4. Análise das consequências imunológicas em termos de ativação de células T
da incubação das DCs na presença de B. cenocepacia
Com o objetivo de avaliar a consequência imunológica da incubação das DCs com
os vários isolados de B. cenocepacia, isto é, para ver que tipo de resposta T era induzida
pelas DCs que haviam internalizado estas bactérias, foi analisada a expressão genética
de duas moléculas produzidas pelos linfócitos T co-cultivados com as referidas DCs.
Nomeadamente analisou-se a expressão do gene que codifica para IFN-γ e do gene que
codifica para FOXP3.
53
Assim, as DCs foram incubadas durante 6 horas com os isolados de B. cenocepacia
ou E. coli (aqui novamente usada como controlo) como anteriormente descrito,
colocadas posteriormente em co-cultura com células T autólogas durante 3 dias, após os
quais se procedeu à análise genética dos referidos genes por RT-PCR.
Além da incubação com as diferentes bactérias (amostras em estudo), as DCs
também foram incubadas na ausência destas e colocadas em co-cultura com células T
nas mesmas condições acima descritas, sendo esta amostra considerada a amostra
calibradora. Os gráficos que se seguem apresentam os valores da quantificação relativa
(RQ) de cada gene - na amostra em estudo relativamente à amostra calibradora- obtidos
de acordo com o modelo de Livak e Schmittgen (RQ = 2-ΔΔCT) e considerando a
normalização da expressão genética de cada gene em relação ao gene da β-actina
(controlo endógeno).
Relativamente ao IFN-γ (Fig. 3.11 (a)) verificou-se que a sua expressão na cocultura de células T e DCs previamente incubadas com as várias bactérias é muito
superior à sua expressão na amostra calibradora (co-cultura de células T com DCs
incubadas na ausência de bactérias), sendo esta diferença estatisticamente significativa
em todos os casos (Fig. 3.11 (a)). Nomeadamente, os valores de RQ obtidos (calculado
como acima referido) foram: 121,00 ± 49,47 para E. coli, 246,30 ± 97,78 para o isolado
I, de 213,70 ± 87,82 para o isolado II, 488,30 ± 152,80 para o isolado III e 414,40 ±
143,10 para o isolado IV (Fig. 3.11 (a)).
Apesar das diferenças de expressão deste gene nas várias amostras não terem sido
estatisticamente significativas, não deixa de ter relevância o facto da incubação das DCs
com os isolados de B. cenocepacia, em especial o isolado III e o isolado IV, ter
originado maior expressão de IFN-γ do que a incubação das DCs com E. coli.
54
Expressão de IFN-γ (a) e FOXP3 (b), após internalização de B.
cenocepacia pelas DCs (6 horas) e co-cultura com células T autólogas (3
(a)
dias)
(b)
Figura 3.11 – Análise da quantidade relativa de mRNA dos genes das proteínas IFN-γ (a) e FOXP3
(b) entre as co-culturas de células T com DCs previamente incubadas durante 6 horas com cada um
dos isolados de B. cenocepacia (isolados I, II, III ou IV), E. coli (amostras em estudo) e as coculturas de células T com DCs incubadas por igual período de tempo na ausência de bactérias
(amostra calibradora). Os resultados obtidos representam a quantidade relativa (RQ) de cada gene em
cada amostra em estudo relativamente à amostra calibradora. A significância estatística (* = P ˂ 0,05; **
= P˂ 0,01) refere-se à diferença na expressão de cada gene nas amostras em estudo e na amostra
calibradora (n = 4).
No caso de FOXP3 (Fig. 3.11 (b)), apesar de este gene ser muito menos expresso
do que o IFN-γ, verificou-se igualmente que a sua expressão na co-cultura de células T
e DCs previamente incubadas com as várias bactérias é superior à sua expressão na
amostra calibradora, sendo esta diferença estatisticamente significativa no ensaio com
E. coli e com o isolado III.
De facto foi a incubação das DCs com E. coli ou com o isolado III que originou
maior expressão desta molécula na co-cultura (RQ de 3,848 ± 1,497 e 3,669 ± 1,124,
respetivamente) enquanto a incubação das DCs com isolado IV conduziu a uma menor
expressão (RQ de 1,994 ± 0,596), seguido da incubação com o isolado I (RQ de 2,105 ±
0,709) e do isolado II (RQ 2,572 ± 0,963) (Fig. 3.11 (b)).
Mais uma vez, apesar das diferenças de expressão deste gene nas várias amostras
não terem sido estatisticamente significativas, é evidente a maior expressão de FOXP3
na amostra da co-cultura contendo as DCs incubadas com E. coli ou com isolado III.
55
56
4. DISCUSSÃO
Como referido ao longo desta dissertação, os doentes com FQ desenvolvem
facilmente infeções respiratórias que são provocadas pela infectibilidade de agentes
patogénicos, sendo a causa de grande parte do agravamento da doença, levando à morte
precoce destes doentes
104
. Este facto levou a que os organismos que habitualmente
causam infeção nas vias respiratórias se tornassem alvo de estudos, e mais recentemente
a interação entre estes e o hospedeiro tem ganho bastante destaque.
Dados da literatura sobre isolados clonais de B. cenocepacia recolhidos ao longo do
período de infeção de um mesmo doente com FQ
5
reforçaram o papel crucial da
adaptação ao ambiente do hospedeiro desta bactéria no desenvolvimento de infeções
crónicas. Assim, tendo em conta o papel imunológico excecional das DCs e o facto de
muitos patogénios, desenvolverem estratégias para evitar ou subverter as suas funções,
partimos da hipótese de que a B. cenocepacia é capaz de modular as funções normais
destas células como um mecanismo de escape à resposta imune anti-bacteriana
específica e adaptação ao hospedeiro. Esta dissertação pretendeu esclarecer um pouco
mais este assunto e assim neste capítulo serão discutidos os resultados obtidos.
4.1. Os isolados clonais de B. cenocepacia mais virulentos são mais
internalizados pelas DCs, quando viáveis
A maioria dos estudos sobre o escape imunológico de bactérias do Bcc envolve
macrófagos e neutrófilos, e as bactérias utilizadas estão normalmente viáveis. Contudo,
nesta dissertação foi realizado o estudo da interação de B. cenocepacia, viável ou
inativada por calor, com DCs. Esta interação das DCs com as bactérias foi avaliada após
6 horas de incubação.
Em todos os ensaios, praticamente todas as DCs da população internalizaram
bactérias, embora a quantidade de bactérias internalizadas tenha sido distinta (diferentes
intensidades de fluorescência), dependendo dos isolados e das suas características.
A estirpe não patogénica de E. coli, foi internalizada consideravelmente,
principalmente quando viável, tendo sido usada como controlo do ensaio, pois já tinha
sido demonstrado pelo grupo a sua elevada capacidade para interagir com as DCs 77.
57
No caso dos isolados B. cenocepacia viáveis, os isolados II e IV foram os mais
internalizados e o isolado I o menos internalizado (Fig. 3.1). Curiosamente, os isolados
mais internalizados, são também considerados os mais virulentos para o hospedeiro
(com base nos perfis de resistência a antibióticos, características fenotípicas, análise
proteómica quantitativa e ensaios de virulência, utilizando um modelo nematóide e
células epiteliais brônquicas), sendo que esta comparação foi especialmente efetuada
relativamente ao isolado I 5, 32.
Estudos recentes do grupo do IST, sobre a proteómica quantitativa destes isolados
revelaram que as alterações no teor de diferentes proteínas são uma das principais
modificações da expressão genómica dos isolados II e IV, quando comparado com o
isolado I, no entanto, a análise comparativa das sequências de todo o genoma para estes
4 isolados, ainda contínua em estudo
32-34
. Curiosamente, também se verificou que os
isolados II e IV têm maior capacidade de invadir células epiteliais [Madeira et al.,
submetido], fator corroborado também por Mullen e colaboradores para bactérias do
Bcc, uma vez que, a invasão em células epiteliais do pulmão está correlacionada com a
virulência 27, 105.
De uma maneira geral, a associação dos isolados de B. cenocepacia inativados com
as DCs foi menor (valores de MFI a 37º foram mais baixos comparando com os
originados pelos isolados viáveis), o que pode ser explicado pela forma de interação das
bactérias com o hospedeiro, pois as bactérias viáveis interagem de forma mais dinâmica
com o hospedeiro (tanto na superfície da célula como no fagossoma), podendo
ativamente modular os processos da DC
73
. Por outro lado, também tem sido descrito
que a associação entre as bactérias e os fagócitos é feita através da interação com
componentes termolábeis da parede celular bacteriana, cuja organização pode ser
modificada pelo calor 106, 107, o que pode justificar esta diferença.
Especificamente a internalização, foi menos distinta entre cada tipo bactérias
(intensidades de fluorescência mais semelhantes) e, em particular, o isolado III foi mais
internalizado quando comparado com os restantes (I, II e IV) (Fig. 3.2). Nesta situação,
com as bactérias inativadas, espera-se que a internalização se deva apenas à capacidade
fagocítica das DCs e não à capacidade invasiva das bactérias. Assim, não é de estranhar
que o isolado III (baixa virulência, características semelhantes ao isolado I) tenha sido
melhor internalizado quando os isolados foram tornados inviáveis, pois o nível de
internalização tornou-se independente da virulência do isolado.
58
De facto, as bactérias gram-negativas patogénicas desenvolvem sistemas de
secreção para exportar fatores de virulência através das membranas bacterianas para as
células hospedeiras, que incluem moléculas que medeiam captação bacteriana (invasão),
processadores de efeitos que reprogramam o transporte vesicular para melhorar o
parasitismo intracelular, moléculas de recetores para que as bactérias adiram, e outros
fatores que alteram as funções imunológicas para melhorar a evasão à resposta imune
108
, que provavelmente são inativados quando a bactéria é sujeita ao tratamento por
calor.
Embora B. cenocepacia possa, tal como P. aeruginosa (mais bem estudada)
desenvolver mecanismos para evitar a fagocitose, como por exemplo, a superprodução
de exopolissacárido, que lhe confere um fenótipo mucóide e a perda de mobilidade do
flagelo levando a uma perda da ativação imune por parte de alguns TLRs
109
ou a
modificação de determinados PAMPs como estratégia para sequestrar genes envolvidos
na resposta imune inata
110
, parece que ao nível da interação com as DCs, quanto mais
virulento o isolado mais internalizado (desde que viável). De facto, o grande desafio
destas bactérias pode não ser evitar a internalização pelas DCs, mas sim, uma vez
internalizadas, conseguir contornar a via endocítica, escapando ao processamento no
fagossoma, eventualmente replicando-se no citoplasma e ainda evitando que os seus
antigénios sejam apresentados às células T.
O mecanismo de escape à acidificação do fagossoma de B. cenocepacia é bem
conhecido nos macrófagos 29. De facto, após a fagocitose de uma bactéria, normalmente
forma-se um vacúolo (fagossoma) maduro, altamente acídico (pH ~4,5-5) e
degradativo, mas foi demonstrado que o vacúolo que contém a B. cenocepacia
internalizada é bastante mais alcalino, e a aquisição de marcadores característicos do
fagossoma maduro, tais como as proteínas associadas à membrana do lisossoma 1 e 2
(LAMP-1 e LAMP-2) ou a proteína RAb7 pertencente à família das GTPases, é
retardada ou inexistente 29, 111.
Ao serem internalizadas, mas não destruídas, as bactérias podem ficar
protegidas da terapia antimicrobiana e continuar a colonizar os pulmões dos doentes,
levando inevitavelmente a uma maior e persistente inflamação dos tecidos com
posterior destruição dos mesmos 11, 13, 112.
O facto de as DCs migrarem dos locais da infeção para os órgãos linfáticos
secundários para apresentar antigénios poderia ser uma vantagem adicional destas
59
bactérias serem internalizadas e sobreviverem nas DCs pois assim estas células
serviriam de vetores sistémicos
113
, ajudando à disseminação e persistência da B.
cenocepacia.
Apesar de algumas conclusões sugeridas por estes dados, estudos mais
aprofundados têm de ser realizados para avaliar a aquisição (do isolado I de B.
cenocepacia, para o II e para o IV) de maior capacidade para escapar à acidificação
lisossomal, sobreviver e replicar-se dentro das DCs (ver perspectivas futuras), evitando
que os seus antigénios sejam apresentados às células T.
4.2. Os isolados clonais de B. cenocepacia inibem a expressão de alguns
marcadores de maturação em DCs, quando viáveis
Nesta parte do trabalho foi analisado o perfil de maturação das DCs, após a
incubação com os 4 isolados de B. cenocepacia e E. coli (viáveis, inativados por calor e
respetivos LPS). Este perfil de maturação das DCs foi determinado após 6 horas de
incubação com as bactérias e após 24 horas de incubação na presença dos diferentes
LPS.
A exposição das DCs imaturas a estímulos inflamatórios converte-as em DCs
maturas (apresentadoras de antigénios ativas). Este processo de maturação das DCs é
normalmente acompanhado pela sobreexpressão da molécula apresentadora de
antigénios (HLA-DR) e moléculas co-estimulatórias (CD80, CD86 e CD83), designados
por marcadores de maturação.
Assim, a análise das alterações na expressão destes marcadores nas DCs
estimuladas, face às que não foram estimuladas (expressão basal) dão-nos ideia do
estado de maturação destas células.
A estirpe de E. coli usada nestes ensaios serviu como controlo, pois já se havia
verificado anteriormente que a incubação das DCs na presença desta bactéria conduzia
ao aumento da expressão dos referidos marcadores de maturação 77.
Os resultados obtidos especificamente com os isolados de B. cenocepacia viáveis
revelaram então que estes, ao contrário de E. coli, conduziram a uma diminuição da
expressão das moléculas HLA-DR e CD80 (Fig. 3.3 e 3.4 (a)), nas DCs, relativamente à
expressão basal. Curiosamente, o isolado IV foi o que originou menor expressão destes
60
marcadores, corroborando a ideia de que os vários isolados, mas principalmente o IV,
inibem pelo menos em parte, a maturação das DCs.
No caso do CD86 (Fig. 3.4 (b)), os isolados de B. cenocepacia viáveis não inibiram
a expressão desta molécula nas DCs (comparando com a expressão basal), mas
induziram uma expressão inferior à expressão induzida por E. coli. Por outro lado, a
expressão de CD83 (Fig. 3.5) foi significativamente superior à expressão basal quando
as DCs foram incubadas com os vários isolados.
Estes resultados vão parcialmente de encontro, aos resultados obtidos no único
estudo realizado para determinar a maturação das DCs na presença de B. cenocepacia,
que demonstrou que esta espécie, contrariamente a outra espécie do Bcc - B.
multivorans, não induz um aumento de expressão das moléculas co-estimulatórias
CD80, CD86 e CD8373. No entanto, o nosso estudo é um dos primeiros a mostrar os
efeitos de B. cenocepacia especificamente na expressão da molécula apresentadora de
antigénios HLA-DR e a sugerir que uma evolução da inibição da maturação em isolados
do mesmo indivíduo, recolhidos em várias fases da infeção crónica.
Quando os 4 isolados de B. cenocepacia foram previamente inativados, a sua
interação com as DCs originou um aumento estatisticamente significativo da expressão
das moléculas em estudo, comparativamente à sua expressão basal. Também a
exposição das DCs ao LPS de cada uma das bactérias originou uma sobreexpressão
significativa de todos os marcadores de maturação em estudo, na superfície das DCs
(Fig. 3.6 à 3.8). Contudo nenhum destes ensaios mostrou diferenças relevantes entre os
vários isolados na capacidade de ativação das DCs, excetuando o facto do LPS do
isolado I ter menor capacidade estimulatória.
Posto isto, concluiu-se que os isolados de B. cenocepacia só estimulam a expressão
destes marcadores de superfície nas DCs se estiverem inativados ou se for o LPS dos
mesmos, sugerindo que os isolados viáveis possuem algum tipo de mecanismo que lhes
permite inibir, pelo menos em parte, a maturação completa das DCs, sendo que este
fenómeno foi ligeiramente mais acentuado no caso do isolado IV.
A apresentação de antigénios bacterianos pelas DCs às células T é mediada pela
molécula de MHC (HLA-DR) de classe I e II, estando também dependente de moléculas
co-estimulatórias (CD80, CD86 e CD83) e da expressão de citocinas.
A regulação positiva de MHC de classe I e II, e de moléculas co-estimulatórias
aumenta sinergicamente a capacidade de apresentação do antigénio pelas DCs e a
potencial estimulação de células T. A maturação da DC pode, portanto, ser vista como
61
um processo que coordenadamente regula a captura, processamento e apresentação dos
antigénios pelas DCs, a expressão de moléculas co-estimulatórias, a interação com
ligantes na superfície das células T e a produção de citocinas (tais como IL-1, IL-12 e
IFN-α) que estimulam as células T 114, 115.
Assim, a disrupção da maturação aqui observada pela inibição da sobreexpressão
das moléculas do MHC-II e pela deficiente co-estimulação, pode indicar uma menor
capacidade de apresentação dos antigénios pelas DCs infetadas com B. cenocepacia
viáveis, comprometendo seriamente a resposta das células T. A quebra da maturação
das DCs, ainda que possa ser apenas parcial, poderá ser de facto um ponto fulcral do
escape imunológico de B. cenocepacia, principalmente no caso dos isolados mais
virulentos.
Alguns mecanismos de repressão da maturação das DCs já se encontram estudados
para outras bactérias. Um exemplo disso é Yersinia enterocolitica que através da
libertação de proteínas efetoras (yops) no citoplasma das células
116
, pode levar à
apoptose de macrófagos e DCs infetadas, tal como à não promoção da maturação das
DCs e, consequentemente, à baixa proliferação de células T 117.
Também se têm feito alguns avanços no estudo da identidade dos fatores de
transcrição, que desempenham papéis críticos no decurso deste processo. Por exemplo,
em Helicobacter pylori, foi demonstrado que E2F1 pode ser um dos fatores de
transcrição que controla a maturação das DCs, uma vez que este supressor de maturação
se encontra inativado após a exposição das DCs ao LPS da bactéria. Contudo o uso de
citotoxinas, nomeadamente a citotoxina VacA (citotoxina vacuolar), pode estimular e/
ou restaurar a atividade deste fator (E2F1), reprimindo assim a maturação 118.
Outro possível alvo de proteínas efetoras para diminuir a maturação das DCs é a via
de produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), que se sabe que B. cenocepacia
consegue retardar em macrófagos e neutrófilos
74, 119
. Este controlo sobre os danos
oxidativos é conseguido através da produção de uma superóxido dismutase
periplasmática e um pigmento de melanina em macrófagos
exopolissacáridos em neutrófilos
119
74
e através da produção de
.
Nas DCs e nos macrófagos, a associação da molécula MHC-II com os péptidos
processados nos compartimentos lisossomais, bem como o transporte deste complexo
MHCII-péptido na superfície da membrana plasmática da célula, são processos que
requerem a modulação da F-actina e consequentemente dependentes de proteínas da
família Rho-GTPases, como Rac1 e Cdc42, e de outras GTPases como a Rab7
62
120
.
Curiosamente, tem sido descrito que B. cenocepacia expressa fatores de virulência
capazes de interferir com a ativação destas proteínas e o tráfico membranar, tendo como
presumível consequência a inaptidão dos fagócitos infetados com esta bactéria
apresentarem antigénios derivados do seu processamento na superfície celular 120.
Estes dados da literatura sugerem que de alguma forma os isolados estudados neste
trabalho possam atuar de forma semelhante para modular a função da DC e escapar ao
processamento lisossomal e/ou evitar que os péptidos derivados desse processamento
sejam apresentados às células T.
Apesar de alguns dados publicados indicarem que as bactérias inativadas pelo calor
não são capazes de induzir a maturação funcional das DCs
73
, curiosamente os nossos
resultados mostraram o contrário. Apesar de ter havido menos bactérias associadas às
DCs quando os isolados foram inativados (ver secção anterior), verificou-se um
aumento significativo da expressão de todos os marcadores de maturação analisados
com estes isolados.
Esta discrepância na capacidade de induzir a maturação verificada entre bactérias
viáveis e bactérias inviáveis reforça a ideia de que B. cenocepacia expressa fatores de
virulência capazes de modular as funções da DC, que só se manifestam no caso das
bactérias viáveis. De facto as bactérias inativadas deverão ser internalizadas e seguir a
via endocítica normal.
Quando incubadas com o LPS dos vários isolados, as DCs apresentaram uma
sobreexpressão dos marcadores de maturação ainda mais acentuada do que as DCs
incubadas os isolados de B. cenocepacia inativados. Este resultado não é de estranhar,
pois o LPS é um potente indutor da maturação das DCs
107
, sendo facilmente
reconhecido pelo sistema imune (tal como descrito nas secções 1.2.2 e 1.3.2), através do
recetor TLR2 43.
Sumariamente, podemos dizer que B. cenocepacia é capaz de modular, pelo menos
em parte, as funções das DCs, contudo, as hipóteses atrás mencionadas, acerca dos
mecanismos utilizados por esta bactéria ao escape à maturação necessitam ainda de
mais investigação.
Apesar das diferenças entre os vários isolados não serem muito relevantes, sugere-se
que o isolado IV tenha revelado um efeito imunomodulador ligeiramente mais
acentuado, mas também esta hipótese necessita de ser melhor esclarecida.
63
4.3. O último isolado de B. cenocepacia a ser recolhido afeta mais a viabilidade
das DCs do que os isolados recolhidos numa fase mais precoce da infeção
De acordo com MacDonald e Speert (2008) as DCs expostas a B. cenocepacia
permanecem viáveis, na sua grande maioria, durante as primeiras 6 horas. Contudo, a
viabilidade é perdida entre as 12 e as 24 horas
73
. Assim, para comparar a perda de
viabilidade das DCs induzida por cada um dos isolados, foram realizadas incubações de
DCs com os isolados de B. cenocepacia e E. coli (viáveis) durante 12 horas.
Alguns patogénios melhoram a sua capacidade de persistir no hospedeiro ao
induzirem a morte celular das células hospedeiras. Esta morte celular pode ocorrer
através de mecanismos complexos distintos, podendo ter consequências significativas
em termos da resposta subsequente para a célula morta, modulando ou influenciando a
resposta imune. A morte celular ocorre tipicamente por apoptose (ou morte celular
programada, que é um processo ativo de autodestruição da célula, evitando induzir a
inflamação) ou necrose (morte acidental das células, resultante de perturbações do meio
ambiente, com libertação descontrolada do conteúdo celular inflamatório) 121.
Estudos realizados por MacDonald e Speert em DCs verificaram, após um período
de incubação com B. cenocepacia de 24 horas, a ocorrência de necrose. A incubação foi
efetuada com bactérias viáveis, e ao fim das 24 horas as bactérias foram encontradas
associadas a células vivas e mortas. A incubação com bactérias mortas, sobrenadante do
meio de crescimento das bactérias ou a espécie B. multivorans não provocou necrose 73.
Já havia sido comprovada necrose em neutrófilos, causada por B. cenocepacia viável e
independente da ativação de radicais de oxigénio para a sua destruição 122.
No entanto, os nossos resultados mostraram que ao fim de 12 horas na presença dos
isolados de B. cenocepacia, ocorria morte celular essencialmente por apoptose,
encontrando-se as DCs infetadas maioritariamente na fase tardia da apoptose. Os nossos
resultados
também
mostraram
diferenças
significativas
entre
os
isolados,
nomeadamente que o isolado IV se distingue dos restantes por provocar maior perda de
viabilidade nas DCs (Fig. 3.9).
A indução de morte celular por apoptose já havia sido descrito para B. cenocepacia
em macrófagos 123 e células epiteliais, sendo que neste último caso, o fator de virulência
bacteriano responsável por essa morte celular seria o pilus de B. cenocepacia
124
.
Segundo MacDonald e Speert, parece que o mecanismo causador de morte celular não
64
passará por proteínas excretadas, visto que as incubações com apenas o sobrenadante do
meio de crescimento das bactérias não resultaram em morte, levantando a hipótese de
que talvez os fatores usados para causar a morte (por exemplo, enzimas proteolíticas)
sejam produzidos no microambiente do fagossoma e injetados no citoplasma das células
hospedeiras 73. No entanto, recentemente, também foi observado em B. cenocepacia um
novo sistema de secreção que é necessário, pelo menos em parte para induzir morte
celular em macrófagos infetados 13.
Apesar da apoptose ser um processo que pode ocorrer espontaneamente nas DCs
infetadas com bactérias após a sua completa maturação e apresentação dos antigénios às
células T, este processo todo demoraria mais do que as 12 horas de incubação (ao fim
das quais as células foram recolhidas para análise). Assim, parece que a apoptose
observada nestes ensaios se deve de facto a fatores bacterianos de B. cenocepacia
(especialmente do isolado IV, o último a ser recolhido do doente J), que poderão ser
semelhantes aos anteriormente descritos.
A indução de apoptose poderá ser uma das formas de B. cenocepacia escapar ao
sistema imunológico, já que DCs apoptóticas não são efetivas a promover a resposta
adaptativa, e por outro lado, uma forma de se propagar e persistir no organismo
hospedeiro.
4.4. Apesar dos isolados de B. cenocepacia inibirem a maturação das DCs,
conseguem induzir alguma ativação dos linfócitos T
Por fim, foi avaliada a consequência imunológica, em termos de ativação de células
T, da interação das DCs com os vários isolados de B. cenocepacia. Para tal, as DCs
foram incubadas durante 6 horas com os isolados de B. cenocepacia ou E. coli
(novamente usada como controlo) e colocadas posteriormente em co-cultura com
células T autólogas durante 3 dias, após os quais se procedeu à análise genética da
expressão de duas moléculas produzidas pelos linfócitos T, nomeadamente dos genes
que codificam para o IFN-γ e o FOXP3.
O tipo de resposta gerada pelas células T depende de vários fatores, tais como o
estado de maturação das DCs e o tipo de citocinas produzidas pelas DCs no
microambiente local 125.
65
A estimulação de células T pelas DCs, pode desencadear diferentes tipos de
resposta, nomeadamente respostas do tipo T helper (Th1/Th2 e Th17), T citotóxicas ou T
reguladoras, resultando na ativação de diferentes componentes da imunidade celular e
humoral 126. Deste modo, respostas do tipo Th1 são induzidas pela produção de citocinas
IL-12 e levando à produção de grandes quantidades de IFN-γ por parte das células Th1 e
T citotóxicas, enquanto respostas do tipo Th2 se devem à expressão de citocinas como
IL-4, IL-5 e IL-13, contudo estas células Th2 não expressam IFN-γ. Já respostas do tipo
Th17, são induzidas pela expressão de citocinas IL-17
51, 127
. Por outro lado, as células
Treg ativas expressam FOXP3 e inibem a expressão de IL-12 produzidas pelas DCs, e
estão relacionadas com a secreção de IL-10 e TGF-β, favorecendo uma resposta
adaptativa mais do tipo humoral. As Treg são então capazes de suprimir as respostas
Th1, explicando assim a imunossupressão que é induzida 52.
No caso do IFN-γ verificou-se, neste trabalho, que a sua expressão na co-cultura de
células T e DCs previamente incubadas com as várias bactérias é muito superior à sua
expressão na amostra calibradora (DCs incubadas na ausência de bactérias), sendo que
esta diferença é estatisticamente significativa em todos os casos (Fig. 3.11 (a)).
Especificamente, a expressão deste gene foi maior nas células T estimuladas com as
DCs incubadas com os isolados III e IV.
Tendo em conta os resultados anteriores, nomeadamente os referentes à maturação
das DCs, este resultado foi um pouco surpreendente. De facto, tendo verificado que os
isolados de B. cenocepacia, especialmente o isolado IV, inibiam, pelo menos em parte,
a maturação das DCs, como se viu pela baixa expressão das moléculas HLA-DR, CD80
e CD86, previa-se que estas DCs incubadas com os isolados (principalmente com o IV)
fossem pouco eficazes a estimular as células T efetoras, logo a induzir a expressão de
IFN-γ.
Também os resultados dos ensaios de avaliação da morte celular sugeriam que o
isolado IV, por causar uma apoptose mais acentuada nas DCs, não permitisse a ativação
das células T.
Relativamente ao FOXP3, verificou-se que a sua expressão na co-cultura de células
T e DCs previamente incubadas com as várias bactérias foi igualmente superior à sua
expressão na amostra calibradora, ainda que numa escala muito inferior à expressão de
IFN-γ. As diferenças encontradas foram estatisticamente significativas no ensaio com o
66
isolado III e com E. coli (Fig. 3.11 (b)). Na linha do raciocínio anterior, seria de esperar
que neste caso, a maior população de células T a expressar o fator de transcrição
FOXP3 (Treg) estivesse presente na co-cultura em que as células T foram incubadas
com as DCs infetadas com o isolado IV, as quais tinham apresentado menor expressão
de HLA-DR e moléculas co-estimulatórias. Portanto, os resultados aqui obtidos também
não foram de encontro ao esperado. No entanto há que ter em conta que o tipo de
resposta imunológica das células T depende também do tipo e do nível de citocinas
expressas pelas DCs quando incubadas com determinado tipo de bactérias.
Curiosamente, resultados anteriormente obtidos sobre a expressão de citocinas pelas
DCs quando incubadas com os isolados de B. cenocepacia mostraram que as DCs
incubadas com os isolados II e IV apresentavam uma elevada expressão de citocinas
pró-inflamatórias, tais como IL-1β, TNF-α, IL-6 e IL-12 (Fig. 2 do anexo III) e que as
DCs incubadas com os isolados II e III expressam mais citocinas anti-inflamatórias tais
como IL-10 e TGF-β (Fig. 1 do anexo III) (Lopes A, Tese de mestrado).
Pode-se então pensar que o maior ou menor aumento da expressão genética das
moléculas IFN-γ e/ou FOXP3 na população de células T, quando em co-cultura com as
DCs infetadas com as diferentes bactérias resultará não só do efeito destas bactérias
sobre a expressão dos marcadores de maturação nas DCs, mas também da quantidade de
citocinas de cada tipo que induzem. Para além disso, também deverá ser contabilizado o
efeito que as diferentes bactérias têm na viabilidade das células que as internalizaram.
Assim o isolado IV induz maior expressão de IFN-γ, apesar de inibir a expressão de
HLA-DR e das moléculas co-estimulatórias, como resultado do balanço entre este
efeito, a sua elevada capacidade para induzir as citocinas pró-inflamatórias já referidas e
ainda no seu elevado potencial para induzir apoptose.
Já a estirpe de E. coli não patogénica (usada neste trabalho como controlo), apesar
de induzir o aumento da expressão de HLA-DR e das moléculas co-estimulatórias e de
afetar apenas ligeiramente a viabilidade celular, originou uma elevada expressão de
FOXP3 na população linfocitária e menor expressão de IFN-γ, comparativamente aos
isolados de B. cenocepacia, provavelmente porque, para além de citocinas próinflamatórias também promove nas DCs infetadas uma elevada expressão da citocina
anti-inflamatória IL-10 77.
Apesar de alguns mecanismos de escape imunológico de bactérias do Bcc terem já
sido reportados, tem também sido descrito que a imunidade adaptativa não é
completamente comprometida nos doentes com FQ infetados com estas bactérias. Pelo
67
menos, tem-se verificado que estes doentes produzem anticorpos específicos contra
bactérias do Bcc 128, o que sugere alguma apresentação antigénica e desenvolvimento de
respostas do tipo Th2. Contudo, a presença de anticorpos não parece ter um papel muito
preponderante na defesa do hospedeiro contra as bactérias do Bcc, como esperado no
caso de um grupo de microrganismos que parece adotar um estilo de vida intracelular,
sendo que uma resposta do tipo Th1 robusta é essencial para combater este tipo de
patogénios 129.
Os nossos resultados permitem concluir que a deficiente maturação das DCs e a
indução da apoptose promovida pelos isolados de B. cenocepacia testados,
especialmente pelo isolado IV, não serão o suficiente para impedir que as DCs infetadas
com esta bactéria ativem uma resposta efetora do tipo Th1, com produção significativa
de IFN-γ e baixa expressão do fator de transcrição FOXP3, com funções
imunorreguladoras.
No entanto, não é de descartar a ideia de que a modulação das funções das DCs
pelos isolados de B. cenocepacia não seja um importante contributo para restringir esta
resposta. A inclusão neste estudo de outros controlos, como o LPS (que promoveu um
considerável aumento na expressão dos marcadores de maturação das DCs), poderiam
ajudar a esclarecer melhor até que ponto o nível de expressão genética de IFN-γ obtido
nas várias situações é suficiente para definir uma resposta adaptativa Th1 eficaz.
Há ainda que considerar que a resposta imunológica adaptativa foi aqui avaliada
apenas com base no nível de expressão genética de IFN-γ e FOXP3, mas que há outros
métodos
de
determinar
esta
resposta
que
deverão
ser
empregues
para
confirmar/complementar estes resultados, nomeadamente a determinação da expressão
destas moléculas, mas ao nível da proteína e a avaliação da proliferação linfocitária (ver
a secção das perspectivas futuras).
68
PERSPECTIVAS FUTURAS
Vários estudos têm sido realizados para tentar perceber a infeção e a resposta
imunitária ao Complexo B. cepacia, mas pouco ainda se sabe. A maioria dos estudos
envolve macrófagos, neutrófilos e as células epiteliais dos pulmões.
Os ensaios realizados no decorrer desta tese permitiram tirar algumas conclusões
elucidativas sobre a modulação das funções das DCs pelos isolados de B. cenocepacia,
para que num futuro próximo, possam ser realizados outros estudos mais complexos, de
modo a comprovar as hipóteses que foram levantadas ao longo desta dissertação, e que
carecem ainda, em alguns casos, de estudos adicionais para comprová-las.
Em primeiro lugar, uma das prioridades para a continuação deste trabalho é
completar a investigação das consequências imunológicas, em termos de resposta de
células T, da interação das DCs com cada variante clonal, analisando o nível de
expressão de CD69 (um marcador precoce de ativação de células T) através da
citometria de fluxo, determinando a expressão de IFN-γ e FOXP3, mas ao nível da
proteína, também por citometria de fluxo, e/ou no caso do IFN-γ por ELISA, usando os
sobrenadantes da co-cultura. Para além disso, também seria interessante avaliar a
proliferação linfocitária através de um ensaio com o corante fluorescente CFSE que se
vai diluindo nas células à medida que ocorre proliferação celular, podendo-se
determinar o número de gerações dos linfócitos por citometria de fluxo.
Outro parâmetro que carece de investigação é o destino de cada variante clonal
dentro das DCs, nomeadamente a sua capacidade de sobreviver e replicar-se
intracelularmente, no sentido de perceber como estas bactérias contornam a degradação
lisossomal, evitam o processamento dos antigénios e a apresentação por DCs às células
T. Estes ensaios poderão ser avaliados por microscopia confocal e/ou citometria de
fluxo.
É também de realçar que o proteoma destes isolados encontra-se em estudo pelo
grupo da Professora Isabel Sá-Correia do Instituto Superior Técnico e, portanto algumas
das hipóteses levantadas sobre fatores de virulência que os isolados viáveis possuem e
que lhes permitem modular a função das DCs podem vir a ser identificados.
Assim, prevê-se que os resultados dos parâmetros anteriormente mencionados, tal
como os obtidos por este trabalho, contribuam para elucidar a capacidade dos isolados
de B. cenocepacia se adaptarem e persistirem no ambiente do hospedeiro.
69
70
CONCLUSÃO
Tem sido sugerido que parte do sucesso da adaptação do Complexo Burkholderia
cepacia, e nomeadamente de B. cenocepacia, ao ambiente pulmonar dos doentes com
FQ e a infeção dos mesmos, passe pela evolução nos mecanismos de escape
imunológico desta bactéria mas tanto quanto sabemos, o nosso grupo é o primeiro a
dedicar-se às questões imunológicas com isolados clonais desta bactéria de um mesmo
indivíduo.
A célula dendrítica adquire aqui, especial importância, pois o seu papel no âmbito
da infeção por B. cenocepacia está ainda pouco estudado. Os resultados obtidos ao
longo deste trabalho permitem concluir que os isolados viáveis interagem melhor com
as DCs e têm capacidade para modular as suas funções, em especial os isolados
considerados mais virulentos (isolado II e IV). De facto, estes isolados são mais
internalizados, não induzem a maturação das DCs, e originam maior morte celular por
apoptose (essencialmente o IV). Contrariamente ao esperado, os nossos resultados
mostraram ainda que a deficiente maturação das DCs e a indução da apoptose
promovida pelos isolados de B. cenocepacia testados, especialmente pelo isolado IV,
não são o suficiente para impedir que as DCs infetadas com esta bactéria ativem uma
resposta efetora do tipo Th1 (com produção significativa de IFN-γ e baixa expressão do
fator de transcrição FOXP3 com funções imunorreguladoras). No entanto, só com estes
dados não podemos descartar a ideia de que a modulação das funções das DCs pelos
isolados de B. cenocepacia não seja um importante contributo para restringir a resposta
efetora das células T, pois, sem este mecanismo a resposta anti-bacteriana específica
poderia ser ainda muito mais robusta.
Em suma, no seu conjunto os mecanismos de evasão imunitária mencionados ao
longo desta tese, poderão contribuir para uma melhor instalação da infeção por B.
cenocepacia e para a sua persistência no organismo do indivíduo suscetível. Embora
mais estudos sejam necessários para compreender especificamente a relevância da
interação das DCs com a B. cenocepacia, o trabalho desenvolvido no âmbito desta
dissertação contribui certamente para reforçar a ideia de que esta bactéria é capaz de
alterar a função normal das DCs, provavelmente com o objetivo de evitar uma resposta
imunológica adaptativa eficiente, capaz de a eliminar do organismo hospedeiro e/ou
aproveitar as propriedades migratórias das DCs para se disseminar e causar uma infeção
sistémica (síndrome da cepacia).
71
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Tese de Mestrado 2012. Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
80
ANEXOS
81
82
ANEXO I - Constituição de soluções utilizadas neste trabalho

Tampão de cloreto de sódio (NaCl)
Solução contendo 0,9 g de NaCl em 100 mL de água destilada

Tampão de Fosfato Salino (PBS 1x)
Solução contendo 1,4 mM KH2PO4, 4,29 mM Na2HPO4, 13,7 mM NaCl e 2,68 mM
KCl em água destilada (pH ꞊ 7,4).

Tampão de carbonato de sódio (Na2CO3)
Solução contendo 0,5 M de Na2CO3 em 50 mL de água destilada (pH = 9,2)

Tampão “beads” frio utilizado na separação de monócitos
Solução com 0,5% de BSA e 2Mm de EDTA numa solução-tampão de PBS 1x.

Solução paraformaldeído 3,7%
Solução contendo 3,7 g de paraformaldeído em 100 mL de solução-tampão de PBS
1x
83
ANEXO II - Figuras complementares deste trabalho
Exemplo dos resultados de um ensaio de maturação comparando os dois
métodos de obtenção de DCs derivadas de monócitos humanos (DCs e PANDCs)
Figura 1 - O histograma resulta da aquisição, por citometria de fluxo, de uma amostra
de DCs incubadas com o isolado II (não fluorescente), durante 6 horas a 37ºC, após a
marcação com anticorpo anti-HLA-DR, representando as populações de DCs obtidas
pelo método de microesferas imunomagnéticas e coluna LS (DCs) e pelo método de
aderência celular ou “Panning” (PANDCS). Este histograma apresenta a sobreposição
dos histogramas da interação das DCs com o isolado II marcadas com anticorpo antiHLA-DR (vermelho e azul) e não marcadas (roxo e amarelo) para DCs e PANDCS
respetivamente. Como a sobreposição dos histogramas obtidos por ambos os métodos se
sobrepõe pode-se referir que as DCs e as PANDCS não apresentam grandes diferenças,
nomeadamente no que diz respeito à expressão de marcadores expressos à superfície.
84
Exemplo da análise dos resultados de um ensaio de internalização, obtido por
citometria de fluxo.
Figura 2 - O histograma, resulta da aquisição, por citometria de fluxo, de uma amostra
de DCs incubadas com o isolado III (previamente marcado com FITC), durante 6 horas,
a 4ºC (roxo) e a 37ºC (vermelho), apresentando a sobreposição dos histogramas a 4ºC e
a 37ºC. A barra verde (R2) e a barra rosa (R3) delimitam as células que internalizaram a
37ºC e 4ºC respetivamente (b), daí retiraram-se os valores de MFI de 37ºC (MFI =
1248) e 4ºC (MFI = 976), para posteriormente se proceder ao cálculo normalizado de
acordo com a seguinte fórmula: (MFI do ensaio a 37ºC - MFI do ensaio controlo a 4ºC)
/ (MFI do ensaio controlo a 4ºC). Neste histograma é ainda possível observar, apenas
uma população, o que significa que, praticamente todas as DCs da população
internalizaram bactérias.
85
Análise comparativa entre a interação (internalização e adesão) das DCs com
os vários isolados de B. cenocepacia e E. coli, viáveis vs inativados
Figura 3 - Comparação da interação das DCs com os vários isolados de B. cenocepacia
e E. coli quando viáveis (a preto) e inativadas (cinzento). Os valores representam a
média dos MFI a 37ºC, ou seja, a quantidade de bactérias fluorescentes que interage
com as DCs a 37ºC.
86
Exemplo da análise dos resultados de um ensaio de maturação, obtido por
citometria de fluxo.
Figura 4 - O histograma resulta da aquisição, por citometria de fluxo, de uma amostra
de DCs incubadas com o isolado III (não fluorescente), durante 6 horas a 37ºC, após a
marcação com anticorpo anti-HLA-DR. Este histograma apresenta a sobreposição dos
histogramas da interação das DCs com o isolado III marcadas com anticorpo anti-HLADR (vermelho) e não marcadas (roxo), e em que a barra verde (R2) representa as DCs
com o isolado III marcadas e não marcadas, pelo que, a este valor (MFI= 13528) se
subtrai o valor das DCs com o isolado III não marcadas (R3) com o MFI de 1062.
Posteriormente calculou-se a razão, entre os valores de MFI resultantes da expressão da
molécula HLA-DR nas DCs incubadas com o isolado III e os valores de MFI resultantes
da expressão da molécula HLA-DR nas DCs incubadas na ausência deste mesmo
isolado.
87
Exemplo da análise dos resultados de um ensaio de apoptose, obtido por
citometria de fluxo.
(a)
(b)
Figura 5 - Os dot plots (a) e (b) resultam da aquisição, por citometria de fluxo, de uma
amostra de DCs incubadas com o isolado IV, durante 12 horas a 37ºC, e após a
marcação com Anexina V e PI. O dot plot (b) foi obtido a partir do dot plot (a), no qual
se selecionou a região R1 por remoção de debris e impurezas com base no tamanho
(FSC-A) e granularidade (SSA-A) dos eventos. Assim, o dot plot (b) é uma
representação do que R1 contém, sendo que R2 representa a percentagem de células
necróticas (3,06%), R3 a percentagem de células apoptóticas em fase tardia (30,08%),
R4 a percentagem de células vivas (47,51%) e R5 a percentagem células apoptóticas em
fase inicial (19,35%).
88
ANEXO III - Resultados de trabalhos anteriores
Expressão genética de citocinas por DCs incubadas na presença de cada um
dos 4 isolados clonais de B. cenocepacia
Figura 1 – Análise dos níveis de mRNA dos genes das citocinas IL-10 e TGF-β nas
DCs na ausência (DCs) e na presença dos isolados (I, II, III e IV), durante 6 horas, por
RT-PCR (n=3) (resultados de Andreia Lopes – tese de mestrado).
Figura 2 – Análise dos níveis de mRNA dos genes das citocinas IL-1β e TNF-α, IL-12,
IL-6 e IL-23 nas DCs incubadas na ausência (DCs) e na presença dos isolados (I, II, III
e IV), durante 6 horas, por RT-PCR (n=3) (resultados de Andreia Lopes – tese de
mestrado).
89
ANEXO IV - Abstract e Poster
Modulation of dendritic cell functions by clonal variants of Burkholderia
cenocepacia isolated from a cystic fibrosis patient
M.J. Pereira1, C. Coutinho2, A. Lopes1, I. Sá-Correia2, P.A. Videira1, M.G. Cabral1,3
1
CEDOC, Grupo de Glicoimunologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade
Nova de Lisboa, Lisbon, Portugal
2
IBB- Institute for Biotechnology and Bioengineering, Centre for Biological and
Chemical Engineering, Department of Bioengineering, Instituto Superior Técnico,
Technical University of Lisbon, Lisbon, Portugal,
3
Faculdade de Engenharia e Ciências Naturais, Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, Lisbon, Portugal
Objectives: Burkholderia cepacia complex (Bcc) bacteria have gained notoriety as
dangerous pathogens in cystic fibrosis (CF). Studies on their virulence mechanisms
have proved the exceptional adaptation ability of these bacteria, suggesting an interplay
with host immune determinants. Usually, dendritic cells (DCs) play an essential role in
immunity against bacteria by phagocytosing and eliciting adaptive immune responses.
However, several pathogens become able to subvert normal antimicrobial immune
responses by changing DCs regular functions, thus avoiding T cell responses.
Information regarding the interaction of Bcc bacteria and DCs is still scarce. Therefore
this work aimed to elucidate more this issue.
Methods: We studied 4 clonal variants of B. cenocepacia, isolated from a CF
patient, during the progression of the infection (1), and investigated if there were
differences between the 4 isolates in their ability to modulate DCs functions.
Conclusion: The obtained results revealed that the clonal variant isolated more
recently, which exhibits the highest virulent phenotype, is better internalized by DCs
giving rise to higher levels of inflammatory cytokines expression. Interestingly, this
isolate was also the one that lead to an higher suppression of DCs maturation, shown by
a down regulation of the maturation markers expression, specially HLA-DR. So far our
findings suggest that a mechanism of immunological evasion involving DCs, should be
considered a relevant factor for the success of B. cenocepacia infection.
(1) Coutinho et al., 2011, Infection and Immunity, 79 (7):2950-2960
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Poster
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