Noel de medeiros rosa: a sua contribuição para o samba

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DILSON PEREIRA DA SILVA
NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA
BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930
JUSSARA-GO
2012
1
DILSON PEREIRA DA SILVA
NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA
BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930.
Monografia apresentada ao departamento de
História como requisito parcial para obtenção do
título de Licenciatura em História, da Universidade
Estadual de Goiás: Unidade Universitária de
Jussara – Goiás, sob orientação do professor Esp.
Wilson de Sousa Gomes.
JUSSARA-GO
2012
2
DILSON PEREIRA DA SILVA
NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA
BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930
Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em
História na Universidade Estadual de Goiás – UEG, pela Banca Examinadora:
_________________________________________
Orientador: Wilson de Sousa Gomes
_________________________________________
Examinadora: Simone Luz da Silva
_________________________________________
Examinador: Rodrigo Fernandes da Silva
JUSSARA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012
3
Dedico este trabalho a toda minha família de modo geral, pela união, parceria e apoio
nas minhas escolhas, particularmente aos meus pais, João José da Silva (em memória) e
Augusta Lina Pereira Silva pelo amor, paciência e cuidados, minha irmã, Maria Lina da Silva
pelo o amor, amizade e por sempre me incentivar a fazer um curso superior, meu sobrinho,
Cristiano Pereira Fleury pelos diálogos significativos, respeito, carinho e também um grande
apoiador em meus estudos.
Dedico também aos amigos, colegas e todas as pessoas próximas que me incentivaram
e incentivam a continuar firme nos meus estudos, como também pelo respeito e as boas
relações.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a minha saúde, dedicação, força de vontade e principalmente
querer esta sempre buscando novos conhecimentos por meio de leituras e pesquisas, e é claro,
dentro das minhas limitações, e na maioria das vezes convivendo com as influências negativas
ao conhecimento, tais como: trabalho e empecilhos cotidianos. Entre eles, duas mortes na
família, meu pai e meu sobrinho, pessoas que tinham todo meu amor.
Somando a isso, a todos os professores da UEG, Universidade Estadual de Goiás –
Unidade Universitária de Jussara, cada um com seu conhecimento particular, mas que de certa
forma contribuíram significativamente para o meu aprendizado em história.
De modo particular, aqueles que fomos mais próximos, como também maior
admiração intelectual e pessoal, entre eles destaco, Hélio Feliciano, Jean Izidio, Rodolfo
Belchior, Simone Luz, Rodrigo Fernandes e Aruanã Antônio, e principalmente meu
orientador, Wilson de Sousa Gomes, entre as suas qualidades intelectuais e pessoais destaco:
muita leitura, profundo conhecimento, facilidade de ensinar e sincero. Todos eles, sempre que
surgia alguma dúvida, estiveram prontos a esclarecê-las.
Por fim, seria injusto deixar de falar das pessoas que de forma direta ou indireta me
ajudaram nos momentos que precisei para estar saindo para realização e orientações de
estágio e monografia. Quanto aos colegas de sala, de todos guardarei lembranças,
principalmente aqueles que tivemos maior proximidade, tais como: Adenisia, Pauliana,
Patrícia, Emival, Tiego e Renata, esta última, além de colega, posso considerar uma amiga.
5
Quem nasce lá na Vila, nem sequer
vacila ao abraçar o samba, que faz dançar os
galhos, do arvoredo e faz a lua nascer mais
cedo. Lá em Vila Isabel quem é bacharel não
tem medo de bamba. São Paulo dá café, Minas
dá leite e a Vila Isabel dá samba. “Feitiço da
Vila” (Noel Rosa e Vadico).
6
RESUMO
Este trabalho monográfico tem por objetivo compreender a contribuição de Noel de Medeiros
Rosa para o samba brasileiro na década de 1930. Nosso foco de análise se fixa no período de
vida do autor e da sua produção cultural. Buscamos entender as experiências musicais e as
suas composições para o samba brasileiro, percebendo a importância da produção de Noel
Rosa em seu período e para a posteridade.
PALAVRAS-CHAVE: Noel Rosa, Samba e Cultura Popular.
7
ABSTRACT
This monograph aims to understand the contribution of Noel de Medeiros Rosa for the
Brazilian samba in the 1930. Our analytical focus is fixed during the life of the author and its
cultural production. We seek to understand their experiences and musical compositions for
Brazilian samba, realizing the importance of production of Noel Rosa in his time and for
posterity.
KEYWORDS: Noel Rosa, Samba and Popular Culture.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
9
CAPITULO 1 - NOEL DE MEDEIROS ROSA E O SAMBA: A CULTURA
BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1930
13
1.1 A Biografia de Noel Rosa: Entendendo o Nosso Objeto
13
1.2 A História Cultural: Noel Rosa e o Samba
18
1.3 Noel Rosa e o Brasil da Década de 30: as Mudanças
23
1.4 O Rio de Janeiro: a Particularidade do Samba
27
CAPITULO 2 - A CULTURA POPULAR, O SAMBA E NOEL ROSA: UMA MARCA
EM NOSSA CULTURA
32
2.1 O Samba e a Cultura Popular: a Importância de Noel Rosa para o Nosso Samba
32
2.2 Noel Rosa, seu Projeto e a sua Projeção: uma Reflexão
38
2.3 Entendendo o Nosso Samba a Partir de Noel Rosa: as Composições
41
2.4 Um Modo Único de Viver: a Vida e os Amores de Noel Rosa
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
49
9
INTRODUÇÃO
Partindo do principio de que a função do historiador é interpretar, temos que essa
Monografia parte por uma discussão interpretativa para compreender o compositor popular
Noel de Medeiros Rosa e a sua contribuição para o samba brasileiro na década de 1930.
Assim sendo, ela está composta por dois capítulos. Para entendê-los melhor serão descritos
em ordem crescente.
Iniciamos o primeiro capítulo apresentando a biografia do nosso objeto de pesquisa,
Noel de Medeiros Rosa, demonstrando que ele nasceu no bairro de Vila Isabel na cidade do
Rio de Janeiro em 1910 e falecendo em 1937 com vinte seis anos. Era filho de Manuel Garcia
de Medeiros Rosa e Martha de Medeiros Rosa, o casal teve dois filhos, Noel Rosa e Hélio.
Sendo de risco o nascimento de Noel Rosa, então, para salvar a vida da mãe e do bebê,
os médicos foram obrigados utilizar um instrumento cirúrgico por nome de fórceps para
forçar o nascimento da criança, porém, por um lado a saída foi correta pois salvou a vida de
filho e mãe, por outro, a ação médica ocasionou uma deficiência no maxilar de Noel Rosa que
não teve cura, mas não atrapalhou em nada para que se tornasse com o tempo um grande
compositor popular.
No entanto, não podemos deixar de elencar dois fatores indispensáveis para que essa
realização se tornasse realidade, primeiro, a dedicação de seus pais e principalmente de sua
mãe, com alimentação adequada à deficiência no rosto e outros cuidados, em segundo lugar, o
contexto em que viveu nosso compositor “a década de 30”, bastante favorável a cantores,
compositores e artistas de modo geral.
Além disso, Noel Rosa foi criado num ambiente musical, onde tia e pais eram
músicos, estes por sua vez reuniam aos domingos na casa dele para realização dos saraus,
onde a participação dos garotos era mínima, o que obrigava Noel Rosa escondido de sua
madrinha Arlinda destrancar o piano para executar as primeiras notas.
Por outro lado, a relação de Noel Rosa com a rua e os colegas de sua idade foi à base
de brincadeiras e alegrias, o que de certa forma desmistifica aquela ideia de “um pobre
menino que o chamam de “Queixinho” esta longe de corresponder à realidade”. (MÁXIMO;
DIDIER, 1990, p. 27).
10
A veracidade da afirmativa é demonstrada no Colégio São Bento, onde Noel Rosa se
destaca não como um bom aluno nas disciplinas de exatas, biológicas e humanas, mas sim nas
paródias feitas constantemente ao violão.
Diante deste aspecto, é importante entendermos Noel Rosa como produtor de cultura
onde dialogaremos com nossa lente teórica para chegarmos a algumas colocações pertinentes
com relação à formação musical de nosso compositor popular.
Noel Rosa aprende música basicamente de maneira informal, não chegou a frequentar
escolas e nem conservatórios de música, ou seja, primeiro ele começa tocando o bandolim
aprendido com sua mãe, Martha de Medeiros Rosa. Por outro lado, o violão aprende com seu
pai, Manuel Garcia de Medeiros Rosa.
O importante é, enquanto vai dominando o violão, o bandolim será definitivamente
deixado de lado, no entanto, Noel Rosa será grato à experiência musical que adquiriu tocando
o bandolim. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50). Além do aprendizado musical com seus pais,
aprenderá também ouvindo e observando os grandes mestres da época, tais como: João
Pernambuco e outros, mas foi sozinho, comprando métodos e pesquisando que Noel Rosa
torna-se um seguro violonista.
Compreende-se também aqui a origem do termo samba no sertão nordestino, as
influências e permanências no Rio de Janeiro de Noel Rosa e sua relação com o samba
carioca já na década de 30. Época da produção musical de nosso compositor.
Por falar na década de 30, aqui ela será entendida com as particularidades que
interessa para o nosso trabalho, tais como: as mudanças políticas e culturais, como também as
mudanças na vida de Noel Rosa, sua entrada no Bando de Tangarás e na Faculdade de
Medicina.
A primeira delas acontece na política nacional quando Getúlio Vargas assume o
poder, e entre suas ações governamentais foi o incentivo a cultura nacional, tais como: o
rádio, o samba e o carnaval. (SKIDMORE, 1998, p. 168).
Surgido na década de 20 com uma programação exclusiva para educação das massas.
Em 30, o rádio passa por mudanças, entre as quais podemos elencar o aumento do número de
emissoras, torna-se comercial e se consolida como um veículo de comunicação indispensável
para divulgação do samba e adesão aos artistas da época.
Inclusive Noel Rosa trabalhou no rádio exercendo as funções de contrarregra, fazendo
correções de composições de sambistas menos experientes, e, nos momentos oportunos
apresentavam seus números e com isso sua voz ia tornando conhecida no meio artístico
carioca.
11
Além do rádio, Noel Rosa é convidado pelos os jovens do conjunto musical Flor do
Tempo para fazer parte do grupo, uma vez que eles almejavam gravar e fazerem sucesso.
Tendo Noel Rosa aceito o convite, o grupo passou a se chamar Bando de Tangarás. Sua marca
registrada era a vergonha do contato com o público nas apresentações do grupo, mesmo assim
eles conseguiram gravar seu primeiro disco, trazendo muita experiência musical para Noel
Rosa.
Na música Noel Rosa pertencia ao Tangarás, nos estudos consegue ser aprovado para
a Faculdade de Medicina, trazendo muita felicidade para família Medeiros Rosa,
maternalmente ligada à tradição médica.
Aqui entenderemos que o samba carioca antes da década de 30 era restrito aos bairros
pobres do Rio, isso porque sendo da cidade, mas, foi levado para morro por causa das
pressões sociais aos negros. No morro, a partir de então, eles sentiram a vontade para tocarem
e comporem seus sambas.
Essa dinâmica vai ser mudada a partir da gravação elétrica de discos, chegada das
gravadoras em 1929, oficialização do carnaval em 1932. Que somando ao rádio e o disco
estava criado o ambiente ideal de reprodução, difusão e consumo do samba carioca, ou seja,
da música popular brasileira.
O contexto da indústria cultural trouxe mudanças para vida dos sambistas que
sonhavam em ver seus sambas fazendo sucesso no carnaval. Um deles que sempre fez sucesso
no carnaval, mas, não era um compositor exclusivo dessa época, foi Noel Rosa. Além do
mais, ele será um sujeito ativo desse contexto.
Iniciamos o segundo capítulo elencando que de início Noel Rosa começou compondo
ritmos nordestinos devido ao Tangarás que também tocava esse ritmo. No entanto, o grupo se
recusava tocar por dinheiro. Mas com o tempo, Noel Rosa adere ao samba por perceber que
será por meio desse ritmo que chegará com maior facilidade ao grande público.
Fazendo sucesso com a gravação do seu primeiro samba, isso obrigou Noel Rosa
desligar do Tangarás e em seguida não suportando mais o curso de Medicina, o abandona para
seguir exclusivamente ao samba.
Demonstramos também que não foi fácil para Noel Rosa se consolidar como um
compositor popular. Diante deste aspecto, discutimos sua rivalidade com o compositor
Wilson Batista, rivalidade esta que resultou na composição de grandes clássicos de ambos os
lados e principalmente compostos por Noel Rosa. Assim sendo, escolhemos dois sambas de
sua autoria para entendê- los neles sua genialidade.
12
Já definido como um compositor popular, entende-se aqui como Rosa Rosa se insere
de forma espetacular entre as instâncias de produção, reprodução e consumo da música
popular. Percebendo o contexto favorável, Noel Rosa compõe sambas que vão de encontro
aos anseios das gravadoras e o rádio. Assim sendo, demonstramos que Noel Rosa serviu como
um mediador entre as instâncias de consagração e o público ouvinte.
Discutimos também as homenagens póstumas recebidas por Noel Rosa, entre elas
destacamos aqueles artistas que regravaram suas composições, tais como: Beth Carvalho,
Paulinho da Viola, Maria Betânia, entre outros. Além dessas regravações, ressaltamos a
importância noelina para posteridade, principalmente para aquelas pessoas ligadas a música,
pesquisadores e interessados em conhecê-lo melhor.
Em seguida procuramos entender as composições de Noel Rosa. Para isso, analisamos
mais dois sambas do compositor. Dialogando com nosso referencial entendemos que nosso
compositor era um mestre do coloquial, dessa forma ele utilizava o cotidiano carioca como
matéria – prima de suas composições.
Assim sendo, ressaltamos o grande número de composições feitas pelo compositor,
mas nem todas elas foram somente de sua autoria. Neste ponto, destacamos as principais
parcerias de Noel Rosa, isso demonstra o quanto ele tinha uma personalidade musical democrática.
Por fim, conheceremos a vida amorosa de Noel Rosa, nesta análise discutiremos os
principais amores que passaram pela vida do nosso compositor. Uns com maior intensidade,
outros com menos. Entendemos que sua vida desgarrada e amorosa estava intimamente ligada
a boemia tão aproveitada e valorizada por Noel Rosa.
Um exemplo disso vê que nos últimos dias da sua vida ele passava as noites bebendo e
fumando. Analisamos também mais uma composição de Noel Rosa, ela foi feita em
homenagem ao seu grande amor Ceci, nela entendemos o quanto que ele gostava dessa
mulher, e mais uma vez a sua genialidade enquanto compositor popular.
Em síntese, temos aí as principais abordagens concernentes a esta pesquisa, os
detalhes deste trabalho serão conferidos após a leitura do mesmo, que terão muitas surpresas
acerca do nosso objeto de pesquisa. Noel de Medeiros Rosa e sua contribuição para o samba
na década de 1930. Boa Leitura.
13
CAPÍTULO 1 - NOEL DE MEDEIROS ROSA E O SAMBA: A CULTURA
BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1930
Nesse primeiro capitulo discutiremos assuntos referentes à biografia do nosso objeto
de pesquisa tais como: o nascimento, infância, adolescência, família, o primeiro contato com a
música e formação escolar. Em seguida a relação de Noel Rosa com o samba carioca, origem
do termo samba no sertão nordestino e formação musical de Noel Rosa. Entenderemos a
década de 30 com suas mudanças, entre elas, conheceremos a importância do rádio comercial
e o disco, entrada de Noel Rosa ao Bando Tangarás e na Faculdade de Medicina. Por último, a
particularidade do samba carioca, o carnaval, gravação elétrica de discos, surgimento das
gravadoras, ou seja, a definição dos meios de reprodução, difusão e consumo da música
popular brasileira e a definição do samba de Noel Rosa serão os principais assuntos.
1.1 A Biografia de Noel Rosa: Entendendo o Nosso Objeto
Para um melhor entendimento do objeto em questão, será desenvolvida uma narrativa
de modo explicativo e que tem como função principal apresentar a biografia de Noel de
Medeiros Rosa, cantor, compositor, poeta e músico. Com bastante ênfase ao Noel Rosa
compositor. Assim sendo, o artista nasceu em 11 de dezembro de 1910, no pequeno chalé da
Rua Teodoro da Silva, no Bairro de Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro e morre na mesma
casa onde nasceu em 04 de maio de 1937. O nascimento de Noel Rosa foi complicado, motivo
este que levou os médicos: Dr. José Rodrigues da Graça Melo e o Dr. Heleno da Costa
Brandão a tomarem atitudes decisivas: “Não havia alternativa: caso não forçasse o
nascimento, mãe e filho poderiam morrer. Uma alternativa a ser resolvida a fórceps1. Um
pequeno acidente, a fratura e o afundamento do maxilar do bebê, a paralisia na face”
(CALDEIRA, 2007, p. 110 - 111).
1
Instrumento cirúrgico, em forma de pinça, utilizado para prender e extrair corpos estranhos do organismo,
muito empregado em Obstetrícia. (Dicionário Magno da Língua Portuguesa- consultado em 08-04-2012)
14
Segundo Jorge Caldeira (2007), a promessa médica era de que esse afundamento no
maxilar de Noel Rosa seria recuperado em breve, no entanto, os anos se passaram e ele
continuou com a deficiência. Aos seis anos de idade, submetera a primeira cirurgia, aos doze
anos, a segunda, mas com o tempo, a deformidade óssea agravou. Problema este que lhe
acompanhou durante seus vinte e seis anos de vida. Em outras palavras, segundo Almirante
(1963) o que ocorreu na maxilar do recém-nascido, fora um desvio acentuado do queixo, com
isso, acarretou uma irregularidade no processo de mastigação. Um problema que não foi
solucionado devido. “A bisonha ortopedia do tempo não encontrou solução para o caso e mais
seis anos se passaram, até que nova tentativa se levasse a efeito. Já, então, a consolidação da
fratura era absoluta e de nada valeria os esforços dos bondosos pais.” (ALMIRANTE, 1963,
p. 51).
A veracidade de tal citação se concretiza diante do testemunho de Almirante. Ele que
foi um homem do tempo de Noel Rosa, por isso se constitui como um elemento importante
para entendermos que, devido à ineficiência ortopédica da época, a deficiência no rosto de
Noel Rosa não foi solucionada. Por outro lado, como afirma o autor, todas as tentativas dos
pais de Noel Rosa para este caso foram frustrantes. Mas nem por isso faltou-lhe carinho e
dedicação.
Desde pequeno até os últimos dias, enquanto estiver no chalé, à mãe cuidará
pessoalmente de sua alimentação, dietas que o permitam usar menos possível
a mandíbula, não forçar quase a articulação. Ovos cozidos, massas purês,
mingaus, sopas. Ao contrário do que se dirá um dia, embora feio, marcado
pelo defeito, não é um criança infeliz. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 27).
Se analisarmos bem, todo cuidado que Noel Rosa recebeu de sua mãe Marta de
Medeiro Rosa, tais como uma dieta especial à base de alimentos cozidos para não forçar a
mastigação, a fim de evitar consequências mais grave, se deve ao fato de que em primeiro
lugar o afeto, carinho e ternura, ou seja, amor de mãe, em segundo lugar, consciente do
problema físico no rosto do filho, coube a sua mãe a tarefa de cuidar especialmente dele
enquanto esteve no Chalé, independente talvez de sua desagradável aparência.
Por outro lado, embora desprovido de beleza, como afirmaram os autores, o fator
estético, não foi empecilho e nem tão pouco impediu para que Noel Rosa deixasse de ser um
garoto feliz, afinal, companhias não lhe faltaram, pois. “No chalé sempre cabe mais um, ou
mais quatro. Como Jocelyn da Encarnação e os irmãos Dulce e Sylvia e Mariozinho Brown,
crianças com as quais Noel e Hélio vão dividir boa parte de sua infância, vivendo todos sob o
mesmo teto como uma só família”. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 34).
15
Como podemos perceber, a citação demonstra o contexto familiar da residência de
Noel Rosa, composta de muitas pessoas e sempre disposta a receber mais um ou até mais
gente, isso significa que era um lar harmonioso e receptível.
Assim sendo, não há dúvidas que Noel Rosa foi um garoto normal, rodeado de
amigos, irmão e pais. Ou seja, ao lado de pessoas que conviveram com ele bons momentos,
tais como: brincadeiras, brigas e reconciliações. Veja um exemplo semelhante:
Noel ama a rua, os companheiros de algazarra, gosta de descalço a Pedreira
dos Simões para de cima ele e os amigos gritarem a plenos pulmões: “Olêlê-oooooooooo...!”
- O que é isso?
- São os meninos da pedreira.
Noel fica mesmo com a rua e seus apelos, a pipa, o pião, o futebol no chão
de cimento. Será um irrepreensível soltador de balão (de resto, qualidade de
toda garotada dessas ruas que vão até ao Andaraí). Andará pendurado em
balaústres, deslizando pelos estribos, saltando como um trapezista para subir
ou descer do veículo em movimento. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 27-2829).
A citação deixa claro que Noel Rosa teve uma infância livre, divertida e em contato
com outros garotos da sua idade, com oportunidade de soltar pipas, jogar futebol, pião,
contemplar o ar livre, a natureza. Isso demonstra características marcantes da sua
personalidade, ou seja, um garoto alegre, solto e em contato com seu mundo.
Com isso, o jeito brincalhão de Noel Rosa está intimamente ligado ao seu primeiro
contato com a música. Ele que fora criado num ambiente musical, onde “Arlinda no piano,
Carmem no violino, Martha no bandolim, Neca no violão (...)” apresentavam-se os saraus da
casa de Noel Rosa e “em geral aos domingos, a participação dos meninos ainda era mínima.
Noel, quando muito olha para as mãos de Arlinda enquanto ele as faz passear pelo teclado.”
(MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 30).
Logo, notamos que os saraus onde a família de Noel Rosa se reunia, havia encontros
sempre acompanhados de música. Os músicos eram membros da sua família, Arlinda, sua
madrinha e criada com a família, sua tia Carmem, sua mãe Marta e seu pai Neca,
popularmente chamado entre eles. Entretanto, os garotos da casa pouco participavam destes
saraus. Enquanto isso cabia a Noel Rosa ficar contemplando e observando atentamente as
técnicas de sua madrinha Carmem, ao tocar as teclas do piano.
Contudo, Noel Rosa não iria se contentar apenas em assistir de forma secundária as
apresentações musicais da família. Criaria soluções para ter contato direto com os
instrumentos.
16
No dia seguinte, escondido da avó, abre o piano e dá inicio ao seu sarau
particular. É repreendido. A reincidência obriga Arlinda a trancar o
instrumento. Mas Noel sempre descobre o esconderijo, pega a chave, volta
ao sarau. Depois de tocar até se cansar, deixa sobre o tampo um bilhete para
madrinha. “Minha Dinga...” começa ele. Em versos pede desculpas e diz que
é tempo perdido esconder a chave: sempre será encontrada. Arlinda sorri
convencida de uma travessura que acaba em poesia não merece castigo.
(MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 30).
Pelo o exposto não há dúvidas de que Noel Rosa desde garoto demonstrava interesse
pela música, além disso, o que mais chama atenção foi à capacidade de escrever um bilhete
para a madrinha em forma de poesia, ou seja, poderia muito bem escrever um bilhete normal
ou talvez nem escrever, simplesmente tocar o instrumento e sair como se nada tivesse
acontecido. No entanto, fez questão de demonstrar para sua madrinha que era tempo perdido
esconder a chave, afinal, era esperto e encontraria novamente, para convencê-la ainda mais da
sua inteligência, utiliza a poesia para se desculpar de um erro. Qualidades estas interpretada
carinhosamente por sua madrinha como travessuras de Noel.
Os pais de Noel Rosa, além de músicos, exerceram distintas profissões. Ele, Manoel
Garcia de Medeiros Rosa, foi guarda-livros, agrimensor, e funcionário público municipal,
tudo isso devido sua “inteligência e dotado de invulgar disposição, aprendeu sozinho a ler, a
escrever e a falar corretamente, o francês e o inglês”. (ALMIRANTE, 1963, p.48).
Sua mãe, Marta de Medeiros Rosa, segundo o mesmo autor, foi professora e “era filha
de Eduardo Corrêa de Azevedo,2 médico, e de dona Rita de Cássia Freitas Pacheco,
professora prendada, que fundou o Externato Santa Rita de Cássia.” Assim sendo, as
“primeiras letras recebeu de sua mãe, e depois ingressou no Colégio Maisonette. A 28 de
dezembro de 1923 efetuava sua matrícula, sob o nº. 175, no Colégio São Bento,
permanecendo até o 5º ano, que cursou em 1928” (ALMIRANTE, 1963, p. 51).
Pelo o exposto percebemos que Noel Rosa começou seus estudos com Marta de
Medeiros Rosa, sua mãe. Ela, segundo os autores João Máximo e Carlos Didier, ministrava
suas aulas no próprio Chalé, residência da família Medeiros Rosa. Dando continuidade a sua
formação educacional, Noel Rosa estudou em mais dois colégios, permanecendo até o quinto
ano no Colégio São Bento. Entretanto.
2
Um homem raro, especial, em torno de quem a família viveu unida e em paz. Os filhos cresceram entre música
e poesia, o teatrinho e os brinquedos, os estudos e as amenidades. Crianças alegres, que de início zombavam do
sotaque ilhéu de Vozinha e acabaram aprendendo com ela um antigo costume da Madeira: conversar por ditados.
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da Universidade de Brasília:
Linha Gráfica, 1990.
17
Os tempos agora são outros, mais duros, menos de regalias do que de
obrigações, mais de coisas sérias do que sorrisos. Pode ser. Mas não no caso
de Noel. Tanto quanto possível, não será tão solene. E fará tudo para que
continue a soprar para além dos muros do São Bento3 a brisa menina das
ruas de seu bairro. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 45).
Como podemos ver o tempo de estudo que Noel Rosa teve no Colégio São Bento foi
diferente, no quesito de ter uma metodologia de ensino mais rígida, com maior cobrança dos
alunos, mais pontualidade. Embora permanecendo até o quinto ano, Noel Rosa fez de tudo
para quebrar a rotina e sempre que possível contemplar a brisa de Vila Isabel. Por outro lado,
Noel Rosa deixou sua marca artística no São Bento.
No final de 1926, quando Noel já é conhecido em toda a escola, um fato vem
chamar atenção de todo colégio, quando ele faz uma prova de química
corretíssima, incluindo todos os dados da matéria, mas em verso. O
professor entre espantado e surpreso lê a prova para a turma e confere, um
justo, grau dez para o aluno. (MONTEIRO, 2000).4
Fazendo uma relação entre as informações anteriores com estas da citação, podemos
afirmar que, embora não sendo talvez por motivos de pouco interesse, um ótimo aluno, como
veremos no decorrer do trabalho. Entretanto, demonstra mais uma vez sua capacidade poética
e criativa ao fazer a avaliação de química utilizando em vez de fórmulas, versos.
Contudo, que seja reconhecida a genialidade do aluno Noel, por outro lado isso já era
de se esperar, afinal, “O que o jovem Noel mais gostava no Colégio era ficar com seu violão
compondo, retocando, apurando músicas. Noel se formou na escola com muitas dificuldades.
A sua opção pela música já havia amadurecido internamente”. (DINIZ, 2010, p. 105).
Diante do exposto, e segundo as afirmações de André Diniz fica claro que, tendo Noel
Rosa optado definitivamente pela música, a escola ficou em segundo plano. Por outro lado,
embora conseguindo terminar os estudos, mas foi à custa de esforço e de constantes
dificuldades. A final de contas, a música já fazia parte de seus planos futuros.
Em síntese, podemos perceber que apesar de não ter conseguido uma saída para o
problema físico no rosto, por outro lado, contemplou uma infância feliz ao lado dos pais,
amigos, colegas, estudos e principalmente inserido no meio musical. Ou seja, o processo
3
Colégio de São Bento é um tradicional colégio particular localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, no
Brasil. Começou suas atividades em 1858, sendo dirigido até os dias de hoje por monges beneditinos. É uma das
grandes referências históricas da presença da Ordem de São Bento no Brasil. Apresenta, como característica
singular, o fato de só aceitar alunos do sexo masculino. Além disso, o colégio é famoso por ser a instituição mais
vezes líder do Exame Nacional do Ensino Médio, o que lhe rendeu o título de “Melhor Colégio do Brasil”.
Disponível em: . Acesso em: 19-07-12.tp://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_de_S%C3%A3o_Bentoht
4
MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural.
Dissertação de Mestrado em Semiologia. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em:
http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012.
18
embrionário para o surgimento do compositor popular já estava construído, de que forma vai
ser, veremos nos tópicos que se seguem.
1.2 A História Cultural: Noel Rosa e o Samba
Tomando o que fora discutido acima, entendemos que se faz necessário apresentar os
elementos teóricos que norteia o nosso trabalho. Sabendo que os historiadores tomam
perspectivas teóricas na produção do conhecimento histórico, centramos nossas discussões na
definição de nossa lente teórica para definirmos o nosso objeto e logo em seguida, apresentar
as categorias necessárias para entendermos a relação entre Noel Rosa e o samba. Sendo assim,
percebemos que a conceituação da História Cultural é uma tarefa complexa. Contudo, a tarefa
do historiador é lidar com o complicado para justamente tornar elegíveis os elementos da
nossa cultura e historia nacional.
Logo, para entendermos em que sentido Noel Rosa fora um indivíduo produtor de
cultura recorremos a teóricos que discutem essa temática enfatizando que: “ao existir,
qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para isto seja preciso
ser um artista, um intelectual, ou um artesão” (BARROS, 2004, p. 57). Segundo José
D’Assunção Barros, no simples fato da pessoa existir ele já é um produtor de cultura, ou seja,
o ser humano é indivíduo que pensa, possui sentimentos, comunica, chora, tem alegrias.
Pensando assim, temos na iniciação musical e nos primeiros versos Noel Rosa, a construção
de uma cultura que abre espaço para varias possibilidades de interpretação.
Correndo o risco de generalização, percebemos que Noel Rosa, assim como todas as
pessoas, fora um sujeito histórico do seu tempo e espaço e isso significa que podemos situá-lo
em uma abordagem que delimita os apontamentos da História Cultural. E essa por sua vez
É particularmente rica no sentido de abrigar no seu seio diferentes
possibilidades de tratamento, por vezes antagônicas. Apenas para antecipar
algumas possibilidades de objetos, faremos notar que ela abre-se a estudos
os mais variados, como a cultura popular, a cultura letrada, as
representações, as práticas discursivas partilhadas por diversos grupos
sociais, os sistemas educativos, a mediação cultural através de intelectuais,
ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noção
de “cultura”. (BARROS, 2004, p. 55).
19
Temos ai uma definição bastante significativa da História cultural, tal qual a
abrangência do seu campo de pesquisa e estudos. Ou seja, como demonstra nosso referencial,
a História Cultural é rica por atingir distintas atividades sociais, entre elas podemos citar a
cultura letrada, praticada por um grupo social pertencente à elite, a cultura popular, as crenças
religiosas, o modo de vida de uma comunidade a escrita e claro: a música.
Segundo o nosso autor analisado, “mesmo em guri, minha grande fascinação era a
música”, qualquer espécie de música, fosse qual fosse. E amava os instrumentos musicais,
sentindo-me sonhar ante qualquer melodia.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50).
A paixão de Noel Rosa pela música já era demonstrada desde sua adolescência, o
gosto de ouvir os sons, o encantamento pelo os instrumentos, as melodias. Além disso,
podemos perceber também sua indefinição na escolha de uma música ou som preferido, ou
seja, ele gostava de todos. Indefinição clara da pouca idade, ainda estava por vir à identidade
musical definida.
Noel Rosa sendo criado entre uma família musical, não há dúvidas de que o meio
havia influenciado bastante para que ele desde cedo tivesse preferência pela música. “Se foi
Martha quem o ensinou a tocar bandolim, as primeiras posições no violão são apreendidas
com o pai (...)” Temos que “à medida que for dominando a técnica deste instrumento, irá
abandonando o outro. Mas será sempre grato ao bandolim.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p.
50). Mais uma vez vemos a importância dos pais de Noel Rosa para sua formação musical,
primeiro ele aprende as técnicas do bandolim com sua mãe, Martha de Medeiros Rosa, e
depois ele começa descobrir os segredos dos primeiros acordes no violão com seu pai, Manuel
Garcia de Medeiros Rosa.
Entretanto, assim que vai aprimorando no violão, aos poucos o bandolim vai sendo
abandonado. Suponhamos é óbvio, que ele gostou mais do violão que do bandolim, mas deve
ter havido motivos para essa escolha.
Verifiquei que era um instrumento mais completo de maior beleza
comunicativa que o bandolim. O meu sonho absorvente passou a ser
dominar amplamente o violão. Tanto me esforcei que, no fim de certo
tempo, já tocava melodias varias. Ouvir o violão era como se ouvisse a mim
mesmo, como se ouvisse a voz do coração, o lirismo que nasceu comigo.
(MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50).
Sua escolha pelo violão esta explicada na citação acima, pelo o que vemos não foi uma
decisão ingênua, de um garoto apaixonado pela música, pelo contrário, os dois principais
motivos que levou Noel Rosa aderir definitivamente o violão foi por ele ser um instrumento
mais completo e ter uma beleza harmônica e comunicativa superior a do bandolim. Por outro
20
lado, após escolher o violão e apaixonar-se por ele, seu maior objetivo era dominá-lo
completamente, se tornar um grande violonista.
Sendo assim, como se deu a formação musical de Noel Rosa?
O mais provável, porém, é que depois das primeiras lições com o pai, dos
rudimentos que lhe chegaram através das lições caseiras, seu interesse em
aprimorar-se sempre mais, em realmente dominar o instrumento, o levará a
outros mestres, mas nenhum deles por muito tempo. Aprender, mesmo, vai
aprender sozinho. Será como a maioria dos violonistas de agora, um
autoditada. Desses que tudo descobrem. Vendo, ouvindo, perguntando,
experimentando, fazendo. Mais crescido, já nos últimos tempos do São
Bento, frequentará com o irmão e o amigo Glauco Viana O Cavaquinho de
Ouro, na Rua da Alfândega onde se reúne a melhor gente do violão
brasileiro desta década. Frequentar talvez não seja bem exato, pois os três
ficarão sempre meio da distância de Quincas Laranjeiras, que ali dá aulas de
violão por música e de outros virtuoses como João Pernambuco, que todas as
tardes aparece para tocar com Quincas. Ouvindo e vendo eis como Noel
aprende. É mesmo um autodidata. Não se pode negar que foram úteis os
primeiros ensinamentos do pai e da mãe. Muita útil também, a experiência
com bandolim. Mas é por conta própria, pela persistente consulta aos
métodos, pelo o ver e ouvir quem sabe mais, que se fará íntimo do violão.
Aos dezesseis anos, solando ou acompanhando, já poderá considerar-se bom
violonista. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 65).
Noel Rosa como violonista não teve uma formação musical em escolas de música,
conservatórios e outros mais, mas na convivência familiar onde aprendeu os primeiros
acordes e depois no seu Bairro Vila Isabel vendo e ouvindo os músicos da época fazerem suas
apresentações. Mais uma vez o meio no qual ele estava inserido serviu-lhe de estímulo.
Neste caso, sem jamais deixar de frisar a importância que tiveram seus pais e mestres
na sua formação musical. Sem nenhuma dúvida os méritos foram de Noel Rosa, afinal, como
bem afirmou os autores, foi ele que correu atrás de métodos musicais, estudando,
perguntando, descobrindo por ele mesmo os segredos do violão, como resultado, aos
dezesseis anos tornava-se um bom violonista.
Isso coloca Noel Rosa ligado à sua temática da cultura onde a produção artística
representa sistemas da arte segundo Barros. Frente a isso, temos o samba como uma das mais
importantes formas de manifestação cultural, por meio dele as pessoas podem expressar suas
dores, sentimentos e crenças religiosas.
Um exemplo claro disso é apresentado por Siqueira (1978) ao esclarecer que a origem
ao termo samba esta situada em uma região especifica e “estuda-se aqui, com seriedade, o
significado do termo Samba ligado às atividades rurais observadas no Nordeste brasileiro, já
bastante nítidas no início do século XIX.” (SIQUEIRA, 1978, p. 16).
21
Dessa forma, Baptista Siqueira, diz que o samba não é carioca, mas é fato importante
do folclore brasileiro, por isso, é que precisamos entender um pouco mais sobre essa
afirmação do autor para compreendermos os resquícios culturais do sertão nordestino na
cultura do sudeste do país, especificamente o Rio de Janeiro e consequentemente o contato de
Noel Rosa com esse gênero musical. Analisando as rupturas e permanências da origem do
termo samba no Rio de Janeiro na década de 1930 chegamos ao:
O sertão do Nordeste, compreendida a área geográfica imensa que vai do
Oeste baiano, passando pela Serra do Caracol, Riacho do Navio, Contraforte
da Ibiapaba e Araripe, Boqueirão do Curema e Cariris-Novos, Velhos e de
Fora, foi o maior repositório de incalculáveis tradições populares. Estava,
também, cheio de informações, dados e contribuições folclóricas que
falavam linguagem originalíssima. Pouca coisa, nesse sentido, aparecia na
arte poética contemporânea, os trovadores locais preferiam registrar
ocorrências mais oportunas. Esse aspecto negativo é, ainda hoje, observado
sem dificuldades. Veja-se, inclusive, a literatura de cordel. (SIQUEIRA,
1978, p. 28).
A afirmação do autor de que o samba não é carioca se encontra na citação acima. Nela,
temos muito mais que um recorte espacial específico, mas sim a descrição de locais
responsável por guardar um significativo acervo de tradições populares, tais como: dados e
linguagem que é um aspecto da cultura ligada ao viés da História Cultural. Além disso, o
autor nos informa que graças aos trovadores locais, essas tradições foram preservadas e se
tornou um elemento imprescindível para conhecermos a origem do termo samba. Uma vez
que, foi “neste ambiente, a atmosfera em que outrora surgiu nas Culturas Cariris, o termo
samba”. (SIQUEIRA, 1978, p. 30).
Como podemos notar, a origem do termo samba surgiu nas formas culturais da tribo
Cariri5, onde as danças acompanhadas de canto praticadas por eles receberam o nome de
samba, ou seja, era uma manifestação cultural praticada pelos os nativos no sertão nordestino.
Com tal proposição, percebemos que a “tradição é mantida por razões que não são neutras,
pela memória de pessoas que vivem em sociedade e que como tal se comportam” (LE GOFF;
NORA, 1995, p. 102). As tribos indígenas preservaram tradições milenares, embora não
temos informações concretas, podemos imaginar que os Cariris não foram diferentes de outros
povos e por meio de sua língua, deram o nome de samba as suas danças e cantos.
5
(Etnol.) Tribo de silvícolas, brasileiros, que moravam na Serra de Borborema, quando o Brasil foi descoberto.
Hoje estão extintos em quase sua totalidade. A designação cariri ou quiriri, em tupi, significa calado, quieto,
triste; sinais esses psicológicos desses silvícolas. Quando os holandeses foram banidos, os cariris, aos quais se
tinham unido, foram também pelos portugueses, mortos em grande quantidade e os restantes se dispersaram.
Eles eram cultos como os tupis, pois fabricavam redes de algodão, cerâmicas rudimentares e tinha também,
cultura agrícola. Retirado do Dicionário Magno da Língua Portuguesa. Pesquisado em: 23-07-12.
22
Diante do apresentado acima, analisamos que o contesto embrionário da origem do
termo samba no sertão nordestino envolve uma multiplicidade cultural e nos possibilita
através das definições do campo da historia cultural, entendermos regiões, tradições, cultura e
produtor cultural. Assim, no Rio de Janeiro de Noel Rosa, o ambiente para o samba carioca se
constitui podemos dizer de maneira inovadora e distinta, isso sim se observarmos o contexto
dos.
“Habitués” da casa da Tia Ciata, adeptos do partido alto e do samba rasgado,
criaram uma produção musical, classificada por eles mesmos como samba.
Cada um colaborara numa frase, dando um tema, uma ideia, um trecho.
Donga (Ernesto do Santos), ótimo violonista, tomou logo a iniciativa de
editar, como de sua autoria única, a composição do novo “gênero”, impressa
no Instituto da Artes Gráficas, à rua 13 de maio n.º 43, Rio, registrando-a
imediatamente na Biblioteca Nacional, sob o n.º 3295, à 16 de dezembro de
1916, Numa dessa edições constam (Peru do Pés Frios), conhecido repórter
carnavalesco. E uma das gravações com “Bahiano” e coro, com a versalhada
completa, também sem a citação do poeta: (SIQUEIRA, 1978, p. 17).
Dando prosseguimento a questão levantada acima, em primeiro lugar o samba do Rio
é gerado num ambiente urbano, um dos exemplos acima é a casa da baiana Tia Ciata, como
podemos observar, local de encontro dos músicos e compositores da época, com também
ambiente que foi composto o primeiro samba gravado no país, intitulado de “Pelo Telefone”,
“com letra de Mauro de Almeida e melodia de Donga”. (CALDEIRA, 2007, p. 12). Embora
escrito e registrado em 1916, mas foi em 1917 que ele foi gravado no disco.
Dessa forma, para entendermos um pouco mais a respeito da Casa da Tia Ciata no Rio
de Janeiro. Recorremos a Almirante (1963), segundo ele as festividades religiosas afrobaianas tiveram significativa importância no Rio de Janeiro e uma das principais
representantes dessa religiosidade era a Tia Ciata. Isso significa que sua casa além de ter
funcionado como um local onde os compositores na maioria negros, se reuniam para tocar,
cantar e criar o primeiro samba. Supostamente o novo gênero teve uma certa influência da
cultura afro-baiana.
Assim sendo, as coisas se encaixaram: de um lado, mesmo adolescente Noel Rosa já
era um seguro violonista, do outro, o ambiente propício para o crescimento do samba carioca
já estava criado. “O samba gravado foi o grande culpado pela transformação”. (CALDEIRA,
2007, p. 11). Transformação está que terá como um dos principais responsáveis Noel Rosa.
Como podemos perceber, por via do campo da historia cultural entendemos o nosso
compositor popular como um produtor de cultura, ou seja, isso se deu por meio de sua aptidão
musical, o violão e a poesia. Por outro lado, embora sendo gravado em 1917 o primeiro
23
samba, porém será em 1930 a grande explosão desse gênero, graças é lógico, segundo Frota
(2003) aos meios de produção, reprodução e consumo da música popular. Noel Rosa, é claro,
será um dos grandes contribuintes por tal façanha, como veremos a seguir na estrutura do
trabalho.
1.3 Noel Rosa e o Brasil da Década de 30: as Mudanças
Ancorando-nos nas perspectivas apontadas acima, centramos nossas discussões em um
recorte que contempla nosso objeto de pesquisa no momento da sua produção artística. Diante
de tais elementos, existentes nesse tópico, há a necessidade de abordar as mudanças ocorridas
no Brasil na década de 30, tanto na política nacional, quanto na área cultural. Logo, existem
mudanças nas emissoras de rádio, o disco e principalmente tratando do nosso objeto, a entrada
de Noel Rosa ao Bando de Tangará e na Faculdade de Medicina.
Assim sendo, “o ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país. A partir
dessa data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas.” (Carvalho, 2001, p. 87). Na
política, Vargas assume o poder e entre as mudanças criadas por ele em seu governo, interessa
nos aqui destacar as ocorridas na área cultural, entre as quais destaco: o futebol, o carnaval e
principalmente o samba. “Neste caso era o samba, uma forma de música e dança
especificamente brasileira.” (SKIDMORE, 1998 p. 168).
Embora o propósito do governo fosse utilizar a cultura como meio de construir a
identidade nacional, para com isso ocultar as falhas e opressões de sua política ditatorial. José
Murilo de Carvalho vem ratificando acima é que a partir dessa época o país passaria por
transformações significativas, entre elas como já foi dito, o samba como música e dança
exclusivamente brasileiro.
Quanto isso, devemos deixar de lado as questões pretensiosas do governo, sem jamais
desconsiderar a relevância deste fato e focarmos no ponto que nos interessa neste trabalho,
entender as mudanças culturais na década de 30 e situar nosso objeto de pesquisa como um
elemento ativo nesse contexto de mudanças. “O rádio nascera na década de 1920 no Rio,
pensado como um instrumento de educação para as massas. Por isso, no início, as emissoras
transmitiam conferências, óperas e outros que tais.” (CALDEIRA, 2007, p. 121).
Surgido com a intenção de ser um veiculo de comunicação responsável por levar
informações às pessoas, onde as estações de rádio eram mantidas por contribuintes. Ou seja,
24
nesta época o rádio tinha uma função social. Entretanto, a década de 30 marca o início de uma
nova fase do rádio. “Em 1933, dez anos após a inauguração da primeira emissora no país, o
Rio de Janeiro já contava com cinco emissoras. Eram elas: além da pioneira Rádio Sociedade,
a Rádio Club do Brasil (1924), a Rádio Mayrink Veiga (1926), a Rádio Educadora (1927) e a
Rádio Philips (1930).” (FROTA, 2003, p. 26).
Diante disso, podemos perceber o crescimento que tivera este veiculo de comunicação
na capital federal na década de 30, o que chama mais atenção neste caso é que as emissoras
nesse período perdem a função educativa, tão marcante na década de 1920. Por outro lado, a
partir desse momento o rádio passa ser comercial, um exemplo claro disso nos apresenta
Caldeira (2007), segundo o autor, o veiculo de comunicação ganhou significativamente com a
chegada dos compositores populares, programadores fixos e principalmente com a divulgação
de propagandas.
Contudo, isso só foi possível por meio do “Decreto nº 21. 111 do executivo Federal,
datado de 1º de março de 1932, que legalizou a irradiação de propaganda e abriu um novo e
incrível leque de oportunidades para alguns dos membros da geração Noel Rosa.”6 (FROTA,
2003, p. 26). Com aprovação da lei, o rádio estava livre para faturar com as propagandas e,
consequentemente patrocinar artistas da geração Noel Rosa, inclusive o próprio Noel Rosa
teve uma passagem por ele. Veja como aconteceu.
“Ademar Casé conseguiu um programa na Rádio Philips e convidou o Noel
para trabalhar como contrarregra. Lá, além de arranjar a ordem das
apresentações, ele ainda corrigia letras de compositores menos dotados e
apresentava seus próprios números. Noel pertencia definitivamente ao meio
artístico.” (CALDEIRA, 2007, p. 121).
Vimos nessa passagem à importância do nosso compositor popular Noel Rosa. No
rádio ele exercia funções múltiplas, além de organizar as apresentações, com sua capacidade
artística corrigia letras de compositores menos experientes, como também fazia suas
apresentações cantando voz e violão. Diante mão, houve necessidades recíprocas, tanto os
artistas precisavam do rádio para se tornar conhecidos, quanto o rádio precisava de suas
composições para a programação ficar mais atraente. Noel Rosa era um deles, ou seja, graças
ao rádio, sua voz tornava-se conhecida no meio artístico carioca.
Segundo Frota (2003), o disco foi outro mecanismo de suma importância para
consagração de artistas da geração Noel Rosa. Dessa forma, perceberemos que a entrada de
6
Francisco Alves, Carmem Miranda, Aracy de Almeida entre outros. FROTA, Wander Nunes. Auxilio
Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa e indústria cultural. São Paulo: Annablume, 2003.
25
Noel Rosa no Bando Tangarás7 tem uma relação bem próxima com o avanço do disco na
década de 30.
No entanto, primeiro vamos entender como estava musicalmente Noel Rosa quando
recebeu o convite para fazer parte do grupo em destaque. “Noel Rosa torna-se conhecido. Seu
nome já corre pelo bairro: Só dezoito anos. E que violão! Triplicam os recados no Carvalho,
repetem-se as solicitações para que atue em festas e serenatas.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p.
101).
Os autores demonstram a musicalidade de Noel Rosa em nível elevado, graças a isso
eram constantes os convites para shows, se tornando conhecido na região. Isso significa
também que as pessoas gostavam dele enquanto cantor, evidências lógicas que estaria fazendo
a coisa certa para se tornar um grande compositor popular. Embora jovem, se encontrava
musicalmente preparado.
Até que um dia é procurado por um grupo de jovens como ele.
- Somos o Flor do Tempo.8
Os jovens que convidaram Noel estão convencidos de que algo de muito
importante começa acontecer na música popular: o disco. É na verdade que
desde 1902 fazem-se gravações no Brasil. E que nos últimos anos cresceram
bastante a indústria e o comercio fonográficos no Rio de Janeiro.
(MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 101).
Sendo um bom violonista Noel Rosa foi convidado por jovens da sua faixa etária que
tinha um grupo musical chamado Flor do Tempo. A citação deixa claro que eles estavam
antenados com a realidade da época, ou seja, as mudanças na música popular, com a chegada
do disco e a indústria fonográfica. Mais do que isso, o Flor do Tempo queria aproveitar essa
boa fase mercadológica e incluir Noel Rosa no conjunto. Ou seja, o objetivo do grupo era
gravar e tentar fazer sucesso.
Diante da problemática, surge uma indagação: qual seria o verdadeiro motivo que os
rapazes do Flor do Tempo convidaram Noel Rosa para fazer parte do conjunto? Na tentativa
de dar uma resposta satisfatória, consideramos essa pertinente para o momento. “Vivendo em
Vila Isabel, eu e Braguinha víamos, a esta altura constantemente Noel, conhecido já por suas
habilidades no violão e bandolim.” (ALMIRANTE, 1963, p. 41).
7
Conjunto musical formado por: Carlos Alberto Ferreira Braga, ( Braguinha ou João de Barro ) Henrique Brito,
Álvaro Miranda, Almirante e Noel Rosa – ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa, 9ª Ed, São Paulo: Paulo de
Azevedo Ltda. 1963.
8
De início era um conjunto musical formado por vários violonistas, um bandolim, um cavaquinho, um pandeiro
e alguns cantores. Em 1929 recebendo uma proposta para gravar, o conjunto diminuiu o número de
componentes, ficando apenas com os mais destacados: Carlos Braga, Henrique Brito, Álvaro Miranda e
Almirante. AMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. 9ª ed. São Paulo: Paulo de Azevedo Ltda. 1963, p 38-41.
26
Embora o autor acima não deixa claro que realmente foi este o motivo pelo o convite a
Noel Rosa para aderir ao grupo, pelas evidências suponhamos que foi um conjunto de fatores,
primeiro, devido os músicos já conhecerem Noel Rosa, segundo, aí sim pelas suas habilidades
ao violão. De modo geral consideramos mais correto o segundo fator, afinal, para um grupo
que desejava fazer sucesso, era óbvio que eles não queriam qualquer músico.
Segundo Máximo e Didier (1990), antes o Flor do Tempo era formado por quatro
músicos, com a entrada de Noel Rosa, será um quinteto em homenagem aos pássaros
fandangueiros que sempre voam em grupos de cinco, e passará se chamar Tangarás. Isso
significa que a presença de Noel Rosa trouxe mudança de nome para o grupo.
Para conhecermos um pouco sobre o Tangarás após adesão de Noel Rosa,
dialogaremos com Caldeira (2007), segundo ele, “a marca registrada era a vergonha do
contato com a multidão. Este era um dos motivos que eles recusavam aceitar qualquer espécie
de pagamento por suas apresentações.” (CALDEIRA, 2007, p. 111).
Embora com o propósito de fazer sucesso, o autor descreve que o Bando Tangarás
tinha vergonha do contato com o publico, sendo este o principal motivo da não aceitação de
pagamento pelos shows. Além dessa característica bem particular dos músicos, para nosso
compositor popular Noel Rosa foi uma experiência a mais, ou seja, além deles tocarem nos
cafés de Vila Isabel, com o tempo o principal objetivo do grupo foi realizado. “Um estúdio de
gravações era ainda, para nós, um segredo, verdadeiro tabu. O da Odeon9-Parlophon10
localizava-se na cúpula do Teatro Fênix.” (ALMIRANTE, 1936, p. 54).
Segundo Máximo; Didier (1990), foi a Parlophon subsidiária da Odeon que concedeu
uma chance aos rapazes do Tangarás gravar o primeiro disco. Independente da gravadora, o
mais importante é que os jovens haviam realizado seu projeto. Diante desses acontecimentos,
significa que Noel Rosa estava inserido na dinâmica artística do grupo, com apresentações
constantes em publico e a gravação do primeiro disco, de certa forma, esses acontecimentos
proporcionaram-lhe maior experiência musical e artística. Somando-se a isso, a década de 30
é responsável por trazer uma nova experiência à vida do nosso compositor popular.
Noel é aprovado no vestibular. Tangenciando a média mínima exigida,
consegue uma parcimoniosa 3,6. Mas que importância tem isso se o
resultado leva alegria aos moradores do Chalé? É um acadêmico de
medicina, um futuro doutor, um jovem caminhando para abraçar a profissão
9
Primeira fábrica brasileira de disco inaugurada no Rio de Janeiro em 1912. Wander, Nunes Frota. Auxílio
Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa – São Paulo: Annablume, 2003, p. 17.
10
Subsidiária da Odeon. MÁXIMO; DIDIER. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da Universidade
de Brasília: Linha Gráfica, 1990, p. 102.
27
do bisavô, do avô, do tio, uma tradição de família em torno da mais nobre de
todas carreiras. A música acredita-se, passa agora a segundo plano. Como
uma brincadeira de horas vagas, domingos e feriados. (MÁXIMO; DIDIER,
1990, p. 165-166).
Podemos observar nessa citação que apesar de Noel Rosa esta tocando com o Bando
de Tangarás, consegue ser aprovado para Faculdade de Medicina, com uma média baixa, mas
o importante era ter um filho Doutor, assim pensaram a família Medeiros Rosa. Esta por sua
vez estava gozando de muita felicidade, afinal, para seguir a tradição da família materna, o
jovem Noel Rosa seguiria a mais nobre de todas as profissões.
Fica bem visível na citação que os pais de Noel Rosa e principalmente a mãe Martha
de Medeiros Rosa vinha de uma família de classe média, além do mais, seus antecedentes
como avô, pai e irmão foram médicos, então não havia dúvidas que eles quisessem o Noel
Rosa médico e não sambista, o que explica o motivo da felicidade familiar e principalmente
acreditarem que a música para o compositor, a partir de então, ficaria em segundo plano,
distração de finais de semana.
Mas eis a questão! Será que Noel Rosa iria concordar com a concepção e vontade de
sua família e deixaria realmente a música em segundo plano? A resposta será apresentada no
decorrer do trabalho. A seguir, iremos conhecer um pouco mais a respeito das particularidades
do samba carioca, as influências da indústria cultural e situar nosso objeto de pesquisa neste
contexto histórico tão importante para o samba, como também conhecermos a particularidade
do samba de Noel Rosa.
1.4 O Rio de Janeiro: a Particularidade do Samba
Consciente de que o recorte espacial e temporal deste trabalho limita-se a cidade do
Rio de Janeiro e a década de 30. Então, neste tópico discutiremos a particularidade do samba
carioca, entendo-o no seu contexto periférico e depois na modernidade, ai sim situaremos
Noel Rosa como um sambista deste contexto.
Então, para entendermos a particularidade do samba carioca, será preciso retroceder
um pouco para que possamos compreender as mudanças ocorridas no gênero antes e durante a
década de 30. Para inicio de conversa vamos esclarecer algumas conclusões a respeito da
origem do samba carioca.
28
O samba original não tinha, portanto, nenhuma ligação com os morros. Mas
se no morro o samba não nasceu, foi aí que ele se desenvolveu paralelamente
à criação e ao crescimento das favelas, que vieram a ser uma espécie de
refúgio dos sambistas e do samba. João da Baiana, ao contestar também a
origem do samba no morro, só faz ratificar a estreita ligação que havia entre
os dois. “Tal ligação se dava justamente em função das fronteiras que
pareciam existir entre morro e o “lá fora”, “lá embaixo”, de maneira que “cáem cima” e cá-dentro” se podia escapar às pressões sociais e policiais. Diz o
velho sambista: “O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da policia e íamos
para os morros fazer samba”. (MATOS, 1982, p. 28).
Nesta citação Claudia Matos nos dar algumas informações pertinentes para
entendermos melhor a origem do samba carioca. Em primeiro lugar ela esclarece que o samba
não é originário do morro, porém, foi lá que ele desenvolveu e encontrou condições
necessárias para permanecer enquanto gênero musical e cultural. O samba no Rio de Janeiro,
nas suas origens é claro, esta intimamente ligado a questões sociais e raciais, uma vez que,
como apresenta a autora, o desenvolvimento do samba esta relacionado ao crescimento das
favelas, sendo este um local de aglomeração dos mais pobres e principalmente abrigo para os
sambistas que fugiam das cidades para lá, vítimas das pressões sociais.
De certa forma, os fatos acima demonstram o tanto que os sambistas negros eram
discriminados pela sociedade da época, por isso a razão de existir uma fronteira entre a cidade
e o morro, ou seja, a distinção entre o permitido e o proibido. Como afirma João da Baiana, o
samba nasceu na cidade, mas foi para o morro devido à proibição de ser cantado e tocado na
cidade. E por isso mesmo que lá no morro o samba se constituiu e representou a identidade
do seu povo.
A significação político-cultural do samba é sempre, de uma forma ou de
outra, mais ou menos conscientemente, percebida pelo sambista e
manifestada em seus versos, influindo em sua visão do mundo em que vive e
do mundo que o cerca, seja esta visão crítica ou idealizante. (MATOS, 1982,
p. 30).
A autora nos apresenta que o samba no principio teve um significado político-cultural,
em primeiro lugar isso quer dizer que era uma música de qualidade, afinal, ela representava as
angústias e sofrimentos vividos pelos negros nos morros e favelas, e o sambista tinha
consciência da realidade social que eles viviam, e como forma de contestação, desabafava por
meio dos versos, fazendo sambas que, segundo Claudia Matos, significava como um meio de
expressão da comunidade e também como fortalecimento do grupo.
Demonstrando a união dos sambistas e a boa convivência que eles mantinham entre si,
lembrado que, esta união foi um fator fundamental para o surgimento de bons sambas. No
29
entanto, o tempo traria modificações para o samba e principalmente à vida do sambista, é a
década de 30 que chegou trazendo mudanças para o samba carioca. São elas:
Em meados dos anos 30, o samba-canção ou samba-de-meio-de-ano fixa-se
como modalidades diversa do samba carnavalesco. Através das emissões
radiofônicas, o novo gênero rapidamente conquista grandes contingentes do
público urbano. Na mesa época, surge o samba-choro, produto híbrido que
não chegou a se constituir como um estilo definido e duradouro. E um pouco
mais tarde, o samba “jogo proibido”, lançado em 1936 na voz de Moreira da
Silva, inaugura o gênero que viria a ser conhecido como samba-de-breque.
(MATOS, 1982, p. 45).
Pelo o exposto ficam evidentes as mudanças ocorridas na década de 30. Embora o
ambiente propício à evolução do samba tivesse começado anterior a 30, por exemplo como já
foi dito, em 1917 com a gravação do primeiro samba. Por outro lado, os autores João Máximo
e Carlos Didier refere que em 1929 já haviam sido instaladas cinco gravadoras no Brasil, uma
delas a Parlophon subsidiária da Odeon, responsável por gravar o primeiro disco dos
Tangarás, como vimos anteriormente. Somando a essas inovações, temos um pouco anterior
essa data.
“A mudança no sistema de gravação (mecânica para elétrica) – em julho de 1927, no
caso brasileiro – marcou o enorme avanço da indústria fonográfica no Brasil e também
possibilitou o surgimento de certa indústria de apoio àquela: uma publicação especializada
nos lançamentos de disco.” (FROTA, 2003, p. 91). Nesta citação podemos observar que a
gravação elétrica possibilitou o avanço da indústria fonográfica no Brasil, isso significa maior
qualidade nas gravações do samba e possivelmente mais vendagem de discos. Como também
uma inovação para o mercado brasileiro da musica popular e a industrial cultural de modo
geral.
Ou seja, diante dos fatores mercadológicos tais como o rádio e a gravadora em plena
ascensão na década em destaque, tá explicado um dos motivos pelo qual surgiram variedades
de sambas. Neste aspecto observamos necessidades recíprocas, de um lado gravadora e rádio
precisando de compositores e sambas, do outro, estes mesmos precisando de alguém que
gravasse e divulgasse suas obras.
A relação entre os compositores de samba e os veículos de divulgação impôs uma
dinâmica diferente à vida destes sambistas se comparado ao ambiente social do morro e das
favelas. “Fazer música para o Carnaval nos anos 1930 mexia com os nervos dos
compositores, ávidos para que suas marchinhas e seus sambas emplacassem no gosto dos
30
salões e das ruas, e para que fossem cantadas com euforia nas batalhas de confete pelos
bairros.” (DINIZ, 2010, p. 35).
Ou seja, antes suas composições eram tocadas apenas nas rodas de samba com os
amigos e vizinhos de bairro, na base da informalidade. Em 30, a realidade era outra, os
sambistas procuravam ascensão social, para isso era preciso que seus sambas fizessem
sucesso e fossem aceitos.
Neste contexto, Claudia Matos ao trazer a informação de que o carnaval foi
oficializado em 1932. Ele veio para se tornar ao lado do rádio, disco e das gravadoras um
veiculo forte para divulgação do samba carioca, e servir também como um meio indispensável
de ascensão social de compositores e cantores, por isso, a avidez daqueles que faziam sambas
exclusivamente para o carnaval e ficavam torcendo para que seus sambas e marchinhas
conseguissem fazerem sucesso.
Neste contexto histórico da década de 1930, um compositor popular que se deu bem
no carnaval foi Noel Rosa. Entretanto. “Noel sempre fez sucesso nesse período, mas não era
um típico compositor carnavalesco”. “Sua obra era para ser cantada em qualquer mês, em
qualquer lugar, por qualquer pessoa e em qualquer estação”. (DINIZ, 2010, p. 35).
Percebemos um diferencial no samba de Noel Rosa, enquanto à maioria dos compositores de
sua época esperava o carnaval para divulgarem seus sambas, sendo esta talvez, uma
oportunidade única para maioria destes sambistas. Por outro lado, embora tendo sempre feito
sucesso no carnaval, (como veremos a seguir, no caso de com que roupa?), no entanto, seus
sambas não eram exclusivamente para o este evento, mas, para ser ouvido o ano todo,
certamente devido a qualidade das letras.
Em outras palavras, quando André Diniz fala que o samba de Noel Rosa era para ser
ouvido por qualquer pessoa e em qualquer estação. Ele ratifica a importância do samba de
Noel Rosa, sendo uma obra que não teve fronteira e nem distinção, acessível a todos os
públicos e diferentes gostos. Enquanto a década de 30 foi o momento também que surgiram
outras modalidades de samba, tais como: samba-canção, samba-choro, samba de meio de ano
e samba-breque, tendo como pioneiro o compositor Moreira da Silva. Por outro lado, atento
as mudanças, Noel Rosa encontrou o caminho certo para tornar-se.
Um sambista de mão-cheia. Um sambista branco – ou compositor, para os
mais pudicos – que construiu a sua musicalidade reunindo referências
diversas. Um mediador cultural que, nas trocas de linguagem e na
experiência de mundo com os compositores de formação mais humilde, dos
morros e do subúrbio, deu caminho definitivo de um samba que não é negro
nem branco, mas mestiço: um samba que não nasceu no morro nem no
31
asfalto, mas com a obra de um individuo que soube aproveitar a influência
dos ritmos europeus, africanos e americanos na formação de suas
composições, mediando mundos culturais distintos, ultrapassando fronteiras
delimitadas pela origem social, expressando a música de uma cidade.
(DINIZ, 2010, p. 84).
O autor define a característica de Noel Rosa enquanto sambista e compositor popular,
em seguida ele aponta as múltiplas influências que tivera Noel Rosa, ou seja, desde os artistas
mais humildes dos morros e subúrbios do Rio de Janeiro até os ritmos europeus, africanos e
americanos, responsáveis segundo ele, para que Noel Rosa definisse um caminho para seu
samba distinto, nem negro e nem branco, mas, mestiço e principalmente manifestando de
forma única à musicalidade de sua cidade, o Rio de Janeiro.
Com base nas discussões apresentadas até aqui, podemos afirmar como a
particularidade do samba carioca foi formada, ou seja, de um lado, todo aparato tecnológico
para época é claro, favorável à comercialização, divulgação e consumo do samba carioca
construído e pronto para definitivamente expandir, do outro, temos Noel Rosa e demais
compositores e cantores da sua época, prontos a inserirem e desfrutarem das possíveis
vantagens da indústria fonográfica carioca.
Apesar dos avanços nem todos conseguiram fazer sucesso nessa época, dos que
conseguiram, interessa-nos para este trabalho especificar Noel de Medeiros Rosa. Contudo, de
que forma isso aconteceu será trabalhado em detalhes no capítulo que se segue.
32
CAPITULO 2 - A CULTURA POPULAR, O SAMBA E NOEL ROSA: UMA MARCA
EM NOSSA CULTURA.
O segundo capítulo traz uma discussão demonstrando que Noel Rosa inicia compondo
ritmos nordestinos, talvez por causa do Tangarás que também tocava este ritmo. Discute
também a adesão de nosso compositor ao samba, em seguida o abandono do curso de
Medicina e o bando de Tangarás. Já compositor profissional, discute a relação entre Noel
Rosa e as instâncias de produção, difusão e consumo da música popular, sua rivalidade com o
compositor Wilson Batista, suas parcerias, análise de suas músicas, homenagens póstumas e
por fim apresenta uma discussão abordando os seus amores e vida boêmia.
2.1 O Samba e a Cultura Popular: a Importância de Noel Rosa para o Nosso Samba.
Nossa pesquisa a partir daqui centra-se especificamente em nosso objeto de estudo.
Contudo, para entendermos a importância dele para o samba brasileiro, primeiro serão
discutidas as mudanças conscientemente tomadas por Noel Rosa, para seguir exclusivamente
com sua carreira de compositor popular.
Mesmo sendo um carioca de Vila Isabel11, Noel Rosa mantinha-se até então voltado
para os ritmos nordestinos, um dos motivos que talvez possa explicar essa opção do artista
compor canções sertanejas, fosse devido o repertório executado pelo o Bando de Tangarás do
qual Noel Rosa era integrante, como: marchas, cateretês, toadas, emboladas, cocos, ou seja,
ritmos nordestinos como também maxixi e o choro carioca. Segundo João Máximo e Carlos
Didier, a moda do momento no Rio de Janeiro eram os ritmos dessa região, o motivo pelo o
qual o Bando de Tangarás executava-os em suas apresentações.
11
É um bairro de classe média e média – alta da Zona Norte do Rio de Janeiro. Localiza-se na chamada Grande
Tijuca. É cercado pelos bairros da Tijuca, Aldeia Campista, Grajaú, Andaraí, Maracanã e Riachuelo. É separado
deste último pela serra do Engenho Novo, por onde passa o túnel Noel Rosa. Possui uma área de 321,71 hectares
e uma população de 81.588 (segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apuradas no Censo
Demográfico de 2000). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Isabel. Acesso em: 17-06-12.
33
Mas por que o Tangarás tocava praticamente estes ritmos?
Essa adesão à música nordestina parece dever-se fundamentalmente, a dois
fatores. O primeiro deles, o caráter nacionalista, regionalista do repertório. O
segundo, o fato de não serem necessários muitos músicos e grandes vozes
para forma um grupo desses. Dois ou três violonistas, um pandeiro, um recoreco, um ganzá. O resto são vozes em coro e improvisadores de versos.
Portanto, é muito mais fácil formar um “regional nordestino” do que um jazz
band. Geralmente composta de piano, piston, trombone, sax, clarinete,
bateria, banjo. Daí o Flor do Tempo, daí o Tangarás. (MÁXIMO; DIDIER,
1990, p. 108).
Ai esta os principais motivos do Bando de Tangarás ter aderido definitivamente à
música nordestina. Primeiro, se esse ritmo estava tendo aceitação no Rio de Janeiro era óbvio
que seria mais fácil eles fazerem sucesso com ele. Segundo, um conjunto regionalista
composto de poucos músicos e instrumentos dariam menos trabalho e menos responsabilidade
para Almirante, que era uma espécie de zelador do grupo, como também maior entrosamento
dos músicos do Tangarás.
Assim sendo, “em 1931 o Bando de Tangarás é convidado para cantar no Cine
Eldorado a troco de dinheiro”. “Deu-se o Bode: alguns membros do grupo não aceitaram a
ideia mercenária e se retiraram”. (CALDEIRA, 2007, p. 112). Neste exemplo fica bem
evidente a recusa de alguns componentes do Bando de Tangarás aceitar pagamento por suas
apresentações. Afinal, eles objetivavam chegar às multidões, desde que não fossem pagos
pelos shows, usando apenas a elegância e a qualidade musical como marca registrada do
grupo. Em meio a essa situação, podemos perguntar, e o Noel Rosa, irá concordar sempre
como seus parceiros de música?
Mas não era por essa via que Noel esperava eletrizá-las. Ao longo daquele
ano, o jovem compositor começava a descobrir certas soluções para chegar a
elas. Em primeiro lugar, abandonou de vez a embolada, gênero de tradição
sertaneja no qual se arriscara suas primeiras composições, para se dedicar ao
samba, nascido ali mesmo no Rio de Janeiro. (CALDEIRA, 2007, p. 112114).
Caldeira nos apresenta um Noel Rosa audacioso, em primeiro lugar, ele descobre a
maneira de como se chegar ao grande público, para isso abandona a embolada para se dedicar
exclusivamente ao samba. Isso demonstra que Noel Rosa já tinha convicta certeza que através
do samba seria a via mais correta, ou talvez, mais fácil de chegar à multidão e eletrizá-las com
seu ritmo. “Acaba concluindo que é mesmo o samba o idioma em que melhor poderá
expressar suas ideias e sentimentos, seu cotidiano, sua realidade”. (MÁXIMO; DIDIER,
1990, p. 115).
34
Vimos nessa citação o Noel Rosa com um ideal já formado do que realmente queria
para sua vida artística e profissional, ou seja, o samba. Por outro lado, o que chama bastante
atenção na sua concepção, é que ele tinha certeza que por meio desse gênero poderia
expressar com mais clareza e perfeição seus sentimentos e ideias, é obvio que, provavelmente
tinha confiança no seu potencial. Um exemplo assertivo do pensamento de Noel Rosa pode
ser observado na composição do seu primeiro samba, “com que roupa?” Que surge
exatamente inspirado com base no contexto histórico social da época, veja como aconteceu.
Um dia, fins de 1929, tio Eduardo surpreende Noel acompanhando-se ao
violão numa cantiga que lhe soa de forma inteiramente original.
- Que música é esta Noel?
- Um samba que acabo de fazer. É sobre o Brasil. O Brasil de tanga.
Noel explica que seus versos procuram retratar, ainda que metaforicamente,
um país ilhado de pobreza, a fome e a miséria alastrando-se como praga. A
vida já era difícil por aqui. Imagine agora, que o desmoronamento da Bolsa
de Nova York ameaça mergulhar não só o Brasil, mas o mundo, numa dos
diabos. É um país a beira da indigência, desnudado pela penúria,
maltrapilho, de tanga que Noel fala em seu samba. A Tio Eduardo, contudo
tranquiliza.
- Mas eu que não sou bobo de ficar dizendo essas coisas por aí. E canta.
Agora vou mudar minha conduta
Eu vou pra luta
Pois eu quero me arrumar
Vou tratar você com força bruta
Pra poder me reabilitar
Pois esta vida não esta sopa
E eu pergunto: Com que roupa?
(Com que roupa). (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 116).
Nota-se na citação de que forma Noel Rosa compôs seu primeiro samba, percebe
como o compositor estava atento ao contexto histórico mundial da época, a crise de 1929 que
estava acontecendo nos Estados Unidos. É de suma importância entender a sua capacidade
racional e criativa. E transformar em samba o seu ponto de entendimento acerca dos efeitos da
crise no mundo e principalmente no Brasil.
Se observarmos com atenção no pequeno trecho do samba, a letra instiga a pensar
numa atitude inquieta, “agora vou mudar minha conduta”. Supostamente o próprio Noel Rosa
não agiria assim, mas talvez ele direcionava sua critica as autoridades competentes, ao Estado
brasileiro em tomar uma atitude diante da crise. Por fim ele descreve a situação do povo
brasileiro, e mais próximo a ele o povo carioca, ou seja, estava faltado até mesmo roupa para
as pessoas.
35
O mais importante disso tudo, que foi a partir da composição do samba “Com que
roupa?” segundo Máximo e Didier, que nascia o compositor popular Noel de Medeiros Rosa,
que embora tivesse composto em 1930, mas em 1931 que seu samba foi lançado. No entanto.
Havia apenas um problema. Como nosso compositor não sabia escrever
música, era preciso recorrer a alguém para passá-la para o papel. O escolhido
foi o pianista Homero Dornelas que, papel não, começou a escutar o
primeiro verso: “Agora vou mudar minha conduta....” . Antes mesmo que
Noel continuasse, pediu bis. Ouviu. Não havia dúvida: - Isso não é samba. É
hino. O Hino Nacional. (CALDEIRA, 2007, p. 112).
Embora sendo um bom violonista, Jorge Caldeira apresenta que Noel Rosa não sabia
escrever música na partitura12, para isto procurou o pianista Homero Dornelas para que
fizesse esse trabalho. Percebendo que havia uma coincidência melódica entre (Com que
roupa?) e o Hino Nacional brasileiro. A primeira atitude do músico foi fazer a correção
necessária para que não viesse atrapalhar a composição de Noel Rosa.
Depois da correção, “Com que roupa?” tornou-se um grande sucesso no carnaval de
1931, foram mais de 15 mil copias vendida naquele ano, com isso. “O espaço para o contato
entre Noel e as multidões aumentou bastante”. (CALDEIRA, 2007, p. 112). Isso significa que
Noel Rosa ficou popularmente conhecido através do sucesso de “com que roupa?”, graças
exclusivamente ao mérito dele por ter escrito uma obra prima, tendo como consequência
positiva, a adesão e consumo das pessoas a seu samba.
Por outro lado, Noel Rosa independentemente do Tangarás começa construir sua
identidade enquanto compositor, pois seu samba o levou para mais próximo da grande massa.
Embora fazendo sucesso com seu samba, na faculdade Noel Rosa não ia nada bem. “A
medicina, positivamente, não era sua vocação. Procurava formar-se, unicamente visando
corresponder aos desejos dos pais”. (ALMIRANTE, 1963, p. 98).
Possivelmente, à tradição médica da família Medeiros Rosa não daria continuidade
com o acadêmico Noel Rosa, suas pretensões eram outras. Afinal, “era muita coisa na cabeça
de Noel: o sucesso no Carnaval, a entrada na faculdade, a multidão cantando seu samba e
reconhecendo seu nome, a falta de paciência para Medicina.” (CALDEIRA, 2007, p. 112).
Aqui o autor apresenta empecilhos que estava atrapalhando Noel Rosa conciliar a
Faculdade de Medicina com a carreira de compositor popular. Em primeiro lugar ele não
gostava do curso de medicina, sua paixão era a música, o samba. Então, pelo que conhecemos
12
Texto musical de uma composição, na qual se acha transcrita, total ou parcialmente, de modo a possibilitar ao
compositor ou ao maestro os efeitos orquestrais ou corais. Disponível em: Dicionário Magno da Língua
Portuguesa. Acesso em: 19-06-12.
36
do nosso compositor, audácia e coragem pareciam ser uma de suas maiores qualidades.
“Prefiro ser um bom sambista a ser um mau médico” (ALMIRANTE, 1963, p. 99).
Assim sendo, embora contrariando a vontade de seus pais, toma a decisão que para ele
e para o Samba brasileiro foi a mais correta, abandona definitivamente a Faculdade de
Medicina e entra para o samba. Significa que “Noel aderiu ao samba definitivamente ao
perceber que esse gênero era o canal melhor para chegar à multidão. Não foi uma adesão
ingênua de quem faz samba por que não pode fazer outra coisa” (CALDEIRA, 2007, p. 114).
Ao dialogarmos com a citação fica evidente que Noel Rosa aderiu o samba devido o
seu projeto de tornar um compositor popular, conquistar e tornar conhecido pelo grande
público, ao contrário, poderia terminar a faculdade, ser médico e ter uma profissão
promissora, segundo é claro, o desejo de sua família.
Contudo, consciente de que o samba seria realmente o seu desejo e projeto de vida,
uma vez que, levando em consideração questões econômicas, Noel Rosa não conseguiu
ganhar dinheiro com suas composições. “Apesar de ficar conhecido na cidade e no país, o
poeta do samba nunca conquistou tranquilidade financeira com a fama de suas composições.”
(DINIZ, 2010, p. 138).
Diante do exposto, fica claro que certamente a relação de Noel Rosa com o samba ia
além de interesses econômicos, mas uma coisa era certa, ver o povo cantando suas obras
primas e reconhecendo-o andando pela cidade do Rio de Janeiro, isso sim era seu principal
objetivo. Segundo André Diniz, projeto realizado.
Por outro lado, não foi tão fácil para Noel Rosa definir como um importante
compositor popular, seu principal rival foi o sambista Wilson Batista. “Aos sambistas da roda,
não era possível conceber um ideia de samba como essa de Noel.” (CALDEIRA, 2007, p.
132). A principal critica de Wilson Batista a Noel Rosa foi devido à composição do samba
“Feitiço da Vila” em parceria com Vadico.
Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila.
Ao abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo.
E faz a lua nascer mais cedo.
“Feitiço da Vila”.13 (Noel Rosa e Vadico).
13
CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco,
2007, p. 131.
37
Para Wilson Batista, esse samba era uma afronta, pois apresentava poderes mágicos na
sua letra e exaltava Vila Isabel e principalmente jogava por terra a concepção religiosa que o
samba tinha para os negros, entre eles, o próprio autor da critica.
O lado positivo dessa “briga” foi o surgimento de grandes composições de ambos os
lados, a principal delas “Feitiço da Vila”, uma das obras primas de Noel Rosa. O fim do
debate musical entre eles é marcado pela composição de “Palpite infeliz”.
Quem é você que não sabe o que diz?
Meu deus do céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Osvaldo Cruz e Matriz.
Que sempre souberam muito bem,
Que a Vila não quer abafar ninguém.
Só quer mostrar que faz samba também.
“Palpite infeliz”.14 (Noel Rosa).
Percebe-se que Noel Rosa na letra deste samba pede desculpa por ser interpretado mal,
critica seu oponente considerando seu palpite infeliz, ou talvez, ingênuo, impensado, ressalta
os bairros do Rio de Janeiro que também faz samba, e por último justifica que sua Vila Isabel
não quer ser superior a ninguém, porém, possui compositores como ele que faz samba
também.
Segundo André Diniz, o samba “Palpite infeliz.” “é uma obra que mostra a maturidade
do compositor, de um Noel que circulou pela cidade, que construiu parcerias pelos quatro
cantos do Rio, ciente de que o samba não pertence a nenhum bairro, mas sim à cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro.” (DINIZ, 2010, p. 124).
Ou seja, embora criticado por seu oponente, mas sabia o que estava compondo,
conhecia muito bem a realidade da sua cidade natal, os versos de outros compositores, o
morro, os bairros nobres, ou seja, sabia onde queria chegar e o legado que queria deixar.
“Assim sendo, a importância de Noel na história brasileira da música popular fica tendo –
para o público em geral – uma função comparável à de um museu.” (FROTA, 2003, p. 68).
Diante de tal afirmação nos remete a pensar em primeiro lugar a quantidade de
sambas compostos por ele, a qualidade e principalmente o significado deles para o
entendimento da época vivida pelo compositor. Por outro lado, fazendo uma ligação entre as
ideias supracitadas com as seguem, houve uma discussão acerca da originalidade noelina em
14
DINIZ, André. Noel Rosa: o poeta do samba e da cidade. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010, p. 124.
38
busca da compreensão dos fatores positivos e palpáveis de sua época, e em consequência a
isso, produzindo suas obras de encontro com o momento.
2.2 Noel Rosa, seu Projeto e a sua Projeção: uma Reflexão.
As discussões a seguir procura compreender a importância de Noel Rosa para as
instâncias de produção, difusão e consumo da música popular brasileira. Neste contexto ele já
está definido como um compositor popular, sendo assim, demonstra sua genialidade nas
composições que vão de encontro aos anseios das gravadoras, o rádio e o público ouvinte.
Traz também uma análise de suas principais composições, suas parcerias e homenagens
póstumas.
A produção artística de Noel Rosa é indissociáveis duas principais instâncias de
consagração: a indústria fonográfica e as estações comerciais de rádio. “No processo de
descobrimento do papel inovador que o disco e o rádio comercial dentro de pouco passariam a
ter juntos, Noel Rosa serviu muitíssimo bem como um dos mais eficazes mediadores entre as
duas instâncias e o público ouvinte em constante (trans)formação.” (FROTA, 2003, p. 63).
Para entendermos melhor este processo, segundo Wander Nunes Frota, isso só foi
possível quando os dirigentes de ambas as instâncias perceberam que uma precisava da outra
para ter acesso o gosto musical dos ouvintes. Ou seja, a modo de exemplo, assim que um
disco é gravado por uma gravadora qualquer, enquanto isso, para ele chegar até a grande
massa precisava do rádio para fazer essa ligação entre o estúdio e a rua. No caso de Noel
Rosa, foi ele quem fez esse papel mediador entre as instâncias de consagração e o publico
ouvinte.
É claro, méritos a ele de perceber o tipo de samba que o público queria ouvir, então
não há dúvidas que sua produção artística ia de encontro com os anseios das instâncias de
consagração. Portanto:
Dentro do espaço de possibilidades, Noel teria sido também o primeiro de
sua geração a compreender e a imediatamente traduzir essa situação em um
modo particular de compor e interpretar sua música. Daí a completa
originalidade noelina, que sem dúvida pegou a todos desprevenidos.
(FROTA, 2003, p. 63).
39
Característica de quem estava atento às transformações e as possibilidades. Então,
usando da sua sagacidade interpreta a realidade de modo favorável a ser o primeiro a compor
e cantar sambas que foram de encontro com o gosto popular vigente. Diante do exposto
podemos afirmar que seu projeto enquanto compositor popular realiza-se de forma definitiva
e habilmente pensada, ao contrário, possivelmente não teria dado certo, de fato que, encaixar
no gosto popular da época era para poucos. Isso se explica levando em consideração Frota
(2003), a seu modo de pensar, a estética musical do cancioneiro Noel Rosa superava a todos
de sua época.
Assim sendo, e pelo o que já foi discutido até aqui, “não existe a mínima possibilidade
de Noel ter sido um artista fabricado”. (FROTA, 2003, p. 68). Isso afirma com clareza que sua
projeção enquanto artista popular foi graças às suas composições, a qualidade e a
profundidade delas, não deve desconsiderar neste aspecto o papel do rádio e das gravadoras,
se ele não fosse bom como compositor, certamente sua produção não teria continuidade,
relevância e possivelmente cairia no esquecimento imediato.
Falando em continuidade, o samba de Noel Rosa não se perdeu com o tempo, porém,
antes de ser trabalhado este assunto e entendermos o porquê de tal duração é importante frisar
que, após sua morte em 04 de maio de 1937 por causa da tuberculose, houve significativas
homenagens póstumas.
Segundo Máximo e Didier (1990), muitos artistas populares no Brasil embora sendo
importantes para música ou outros segmentos artísticos, mas com o tempo caem no
esquecimento, no caso de Noel Rosa parecia ser o mesmo, mas não foi bem assim. “Muitas e
sempre tocantes às homenagens. A missa, os programas de rádio, as reportagens em jornais e
revistas, os poemas, as canções dedicadas a Noel.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 476).
As homenagens acima demonstram o quanto Noel Rosa era querido e respeitado em
seu meio social. Segundo os autores, existiam programas de rádio dedicados a ele, artistas
gravavam seus sambas. Ou seja, a mesma mídia que propagava seu nome e suas composições,
reunia para anunciar sua morte e prestar-lhe merecidas homenagens.
Por outro lado, ao consideramos que o samba de Noel Rosa não havia se perdido com
o tempo, elencamos essa questão tendo por base aos fatos verídicos apresentados por autores
como Frota (2003). Observe abaixo seu ponto de vista com relação à posteridade noelina.
Penso que agora carece uma explicação minha, particular, do motivo pelo
qual Noel Rosa seria tão importante hoje a ponto de ter seu nome batizando
toda uma geração de artistas, de pessoal técnico do disco e do rádio, de
agenciadores e etc. Acontece que de uns tempos para cá tem havido uma
40
tremenda curiosidade em torno deste artista e, em particular, de sua época.
(FROTA, 2003, p. 62).
Por meio da citação o autor procura mostrar o legado deixado por Noel Rosa às
gerações posteriores, uma prova do reconhecimento demonstrado pelas pessoas ao seu
trabalho, e principalmente aquelas ligada ao meio artístico, como também a busca incessante
daqueles que procuram conhecer o trabalho de Noel Rosa e sua época.
Com base no anunciado, comprova a afirmação de que “nenhum compositor popular
brasileiro foi tão estudado.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 491). Ao compararmos as duas
afirmações, percebe-se que elas se assemelham, de um lado, as repercussões noelina e a
procura por conhecê-lo melhor, do outro, a comprovação de ser o compositor popular mais
pesquisado da história da música popular brasileira. Isso demonstra a relevância de sua obra e
principalmente seu potencial como compositor popular.
Assim sendo, os sambas de Noel Rosa foram gravados por grandes artistas da nossa
música popular, entre eles, nomes como: “Paulinho da Viola, Maria Bethânia e Beth
Carvalho, além de citações em músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, João Nogueira e
Martinho da Vila.” 15 Dentre estes artistas citados, destacam-se nomes ligados ao samba como
também a MPB, uma prova de que a originalidade das letras de Noel Rosa ia de encontro a
múltiplos gostos e estilos. De certa forma tentando reconstituir a grandeza do compositor e
ajudando a preservar a memória daquele que “continuou a existir no imaginário carioca (e
brasileiro) como um dos maiores poetas de nossa música popular em todos os tempos.”
(FROTA, 2003, p. 68).
Ou seja, a imagem, o nome e principalmente as músicas de Noel Rosa ultrapassaria
fronteiras e gerações de um povo que, segundo DaMatta (1986) possui seu conjunto de
valores, escolhas e ideais de vida. Como também responsável por manter viva em sua
memória aquele que talvez representasse como ninguém seus anseios, angústia e alegrias.
Noel de Medeiros Rosa.
Após entendermos como se realizou o projeto artístico do nosso compositor popular
indispensável para sua consagração tanto em seu tempo, quanto na posteridade. Por outro
lado, as discussões que seguem procuram entender o samba brasileiro através de análise das
composições de Noel Rosa, ou seja, aquilo de mais original.
15
CARVALHO, Herbert. Noel Rosa, o feitiço de Vila Isabel: centenário do poeta que não queria choro nem
vela.
Disponível
em:
http://www.capoeiravadiacao.org/attachments/211_Microsoft%20Word%20%20Noel%20Rosa,%20o%20feiti%C3%A7o%20de%20Vila%20Isabel.pdf. Acesso em:
41
2.3 Entendendo o Nosso Samba a Partir de Noel Rosa: as Composições.
Centramos nossa discussão na busca de entendermos nosso samba a partir das
composições de Noel Rosa, dessa forma, serão analisadas algumas de suas principais
composições na tentativa de compreendermos o diferencial noelino. Na perspectiva de
dialogar com as composições de Noel Rosa, primeiro é importante entender que, “ao longo de
sua curta carreira, perto de oito anos, produziu aproximadamente trezentas músicas, sozinho e
com parceiros, sendo a maioria das letras de sua autoria. Este número significativo de
composições inclui alguns clássicos, que somam para a formação da música popular
brasileira” (Monteiro, 2000).16
Os números já dizem tudo, ainda mais limitado num reduzido espaço de tempo, tempo
este suficiente para que Noel Rosa sozinho e com suas parcerias conseguisse compor uma
extensa obra, entre elas grandes clássicos de fundamental importância para formação da nossa
música popular.
Diante do exposto, uma vez que suas composições tiveram tanta repercussão no
cenário da música brasileira é por que em primeiro lugar, segundo Marcos Monteiro (2000),
Noel Rosa trouxe para música popular uma linguagem econômica, áspera e precisa.
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo de água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar a seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
“Conversa de botequim” (Noel Rosa e Vadico).17
Se observarmos com atenção na letra deste samba é notável duas das três
características de linguagem no samba de Noel Rosa abordadas acima pelo autor, áspera e
16
MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural.
Rio
de
Janeiro:
UFRJ,
Faculdade
de
Letras,
2000.
Disponível
em:
http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012.
17
CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco,
2007, p. 162.
42
precisa. Primeiro, são palavras dirigidas em primeira pessoa do singular ao um receptor, o
garçom, elas possuem um teor de ordem; como também diretas, sem rodeios e objetivas.
Um detalhe que chama bastante atenção é que a primeira estrofe rima com a terceira, e
a segunda rima com a quarta. Por exemplo, depressa com beça; requentada com gelada.
Qualidades inquestionáveis de um dos grandes clássicos de Noel Rosa.
Outro fator importante na composição deste samba é a parceria com Vadico, este por
sua vez foi um dos mais constantes e sofisticados parceiros musicais de Noel Rosa. Isso
demonstra “o espírito democrático de Noel, expresso nas suas parcerias, coloca sua obra numa
trajetória ímpar na música brasileira. Nenhum compositor destilou tanta experiência e
percepção nas trocas de linguagem com artistas de diferentes origens sociais.” (DINIZ, 2010,
p. 18).
A citação demonstra claramente que Noel Rosa vivia num Rio de Janeiro musical,
onde existia uma serie de compositores, músicos e cantores. Por exemplo, além de Vadico,
nomes como: Cartola, Ismael Silva e Ari Barroso18 entre outros tiveram parcerias com Noel
Rosa. Por outro lado, demonstra que nosso compositor não era um artista individualista e
egoísta, mantinha constante troca de experiência com artistas de diferentes classes sociais e
níveis musicais.
Se analisarmos o título do samba em destaque “Conversa de botequim” com as
experiências vividas por Noel Rosa em distintos locais do Rio de Janeiro, chegaremos a outro
ponto exclusivo do samba noelino. “O cotidiano se torna um tema importante na musica de
Noel, já um mestre do coloquial nas letras.” (CALDEIRA, 2007, p. 130).
Se analisarmos novamente a letra da música, é evidente que a narrativa dela mostra o
cotidiano de um bar. Os termos freguês, garçom e futebol por si só já revelam uma realidade
informal, uma relação entre amigos, colegas e vizinhos, uma prova clara que realmente o
coloquial e o cotidiano fazia parte de seus sambas.
Pelo o que já foi discutido até aqui, significa que com Noel Rosa o samba brasileiro
que segundo Diniz (2010) é o gênero que mais se identifica com nosso país, recebia
elementos novos para o conjunto de temas que poderia ser explorado, entre eles, os
defendidos por nosso compositor em seus sambas, tais como: o amor, a mulher, a vida
simples, todos eles é claro, pertencentes o cotidiano carioca como também brasileiro.
18
MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural.
Rio
de
Janeiro:
UFRJ,
Faculdade
de
Letras,
2000.
Disponível
em:
http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012.
43
Além dos pontos abordados por Noel Rosa para o samba brasileiro em suas
composições. Com certeza o mais emblemático e definitivo deles era sua concepção formada
de que “o samba era justamente um produto da cidade, não sendo exclusivamente de nenhuma
classe social, de nenhum bairro, de nenhuma parte.” (DINIZ, 2010, p. 144).
O samba, na realidade.
Não vem do morro nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce no coração.
“Feitio de oração” (Noel Rosa e Vadico).19
Percebemos ai uma semelhança entre o ponto de vista noelino e a letra de seu samba.
A originalidade de Noel Rosa fica bem explicita em “Feitio de oração”, em primeiro lugar ele
desconstrói a ideia de que o samba carioca nasceu no morro, no entanto, sendo um compositor
branco e de um bairro de classe média, nem tão pouco concede a patente do samba a elite
carioca, por saber que o samba na realidade não saiu de nenhum local ou classe social, mas
sim do coração e da genialidade do sambista.
Conheceremos a seguir características particulares acerca do compositor Noel Rosa,
tais como seus amores, cada um com sua intensidade distinta, sua vida boemia tão próxima de
suas relações amorosas e por fim analisaremos mais um samba seu, escrito em homenagem ao
seu grande amor Ceci.
2.4 Um Modo Único de Viver: a Vida e os Amores de Noel Rosa.
Dar-se a impressão que o subtítulo não coincide com a proposta de trabalho defendida,
no entanto, iremos compreender que a vida e os amores de Noel Rosa faziam parte de seu
cotidiano boêmio, ambiente responsável para o surgimento dos seus grandes clássicos como
também para conhecermos Noel Rosa como realmente ele foi.
Para inicio de conversa, as discussões até aqui já demonstraram o tanto que nosso
compositor era ligado a sua cidade natal, sua gente, os bairros mais afastados, a boemia e
principalmente os seus amores. “O passado amoroso do compositor manteve-se sempre em
19
CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco,
2007, p. 134.
44
brumas e confusões, principalmente devido aos nomes inexatos publicados por vários
cronistas do tempo.” (ALMIRANTE, 1963, p. 176).
A citação demonstra uma quantidade de nomes inexatos, tudo indica que foram muitos
amores, cada um com sua intensidade, menos, mais, nenhuma ou aquela inesquecível. Com
base nesse anunciado citaremos alguns nomes. Entre elas, segundo Almirante (1963), Clara,
Josefina ou “Fina”, Julinha, Ceci e Lindaura. Com exceção da ultima que foi esposa de Noel,
com Clara e Julinha foram relacionamentos breves, com Fina foi mais intenso mais nenhuma
delas marcou tanto a vida do nosso compositor quanto Ceci. Vejamos como aconteceu.
Em julho de 1934, o cabaré Apolo, na Lapa, se engalanava para receber e
homenagear Noel Rosa, devido aos marcantes sucessos de suas produções
musicais. Era véspera de São João e a presença do compositor constituía
uma das atrações que a casa prometia para aquela noite. À sua chegada, Noel
foi alvo de ruidosa manifestação. Sua atenção desviou-se, contudo, para
certa figura “mignon”. Formosa e acessível era uma das dançarinas mais
requestadas do Apolo. Noel também se deixou impressionar, e dela não mais
se afastou desde aquele instante. (ALMIRANTE, 1963, p. 180).
Embora já famoso por suas produções musicais, Noel Rosa conhece Ceci em seu
ambiente de trabalho, ela era dançarina do cabaré Apolo. Local reservado para recebê-lo e
presta-lhe homenagens. Contudo, apesar da euforia com sua presença, sua atenção voltou-se
exclusivamente para ela, certamente foi encanto a primeira vista devido sua aparência
agradável.
A partir daí a vida deles mudará e principalmente a de Noel Rosa, uma vez que, “é
com sintomática frequência que ele aparece no cabaré para vê-la. Puxa conversa, tira-a para
dançar, convida-a para saírem juntos depois do expediente. Ceci gosta de Noel, acha-o
simpático, divertido, muito inteligente, mas não envolver-se.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p.
313). Pelo o exposto é evidente o forte sentimento que Noel Rosa sentiu por Ceci, ao
contrário, tudo indica que não voltaria mais ao local que outrora a conheceu.
Por outro lado, desde garoto como vimos, Noel Rosa era bastante ligado ao ambiente
da rua, adulto, as coisas não mudaram, bebia, fumava, era um boêmio. Contudo, a partir do
momento que conheceu Ceci sua frequência no cabaré para vê-la aumentou, apesar de gostar
de Noel, e enxergar qualidades nele, não queria se envolver, segundo João Máximo e Carlos
Didier, ela gostava do seu trabalho, dos galanteios recebidos constantemente pelos clientes.
Vimos que apesar do encanto de Noel Rosa a Ceci, ela não correspondia à altura,
afinal, era uma profissional da noite. Enquanto isso:
45
Ceci e a dor, a dor e Ceci. Entre uma e outra, com um copo de cerveja gelada
à mão, passavam-se os dias que na terra lhe foram concedidos. De noite, a
amada no cabaré e Noel perambulando à espera de sua a saída. De vez em
quando, alguém o lembrava de que precisava se tratar e ouvia: “Prefiro viver
intensamente e não extensamente. (CALDEIRA, 2007, p. 166-167).
É importante ressaltarmos que neste contexto a tuberculose em Noel Rosa já estava
bastante agravada, nem por isso ele deixava de beber, passar a noite em claro a espera de
Ceci. Quanto à saúde, Noel Rosa não importava tanto, provavelmente sabia que iria morrer,
por isso fazia questão de viver intensamente, como realmente viveu. Com relação a sua
amada, “entregou a ela os versos de um samba dedicado a seu amor, que acabara de ser
musicado por Vadico:” (CALDEIRA, 2007, p. 174).
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão.
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar.
“Último desejo” (Noel Rosa e Vadico).
Antes de ser discutida a música, é importante dialogar com Diniz (2010), segundo ele,
este samba é considerado pelos críticos como a mais perfeita obra de Noel Rosa.
Inquestionável! Por meio deste samba ele faz uma declaração ao grande amor de sua vida,
retrata o local do encontro deles e principalmente o que ele sentia ao lado dela, “perto de você
me calo tudo penso e nada falo.” Certamente Noel Rosa tinha certeza que estava aproximando
o seu fim e embora tendo consciência que não viveria esse amor, compõe este samba para
demonstrar-lhe o quanto foi intenso seu sentimento por Ceci.
Portanto, o que chama mais atenção foi à inteligência e genialidade com que ele
descreve seus sentimentos em cada frase. Uma escrita sucinta, legível, com uma profundidade
poética e melódica inigualável. Características marcantes daquele que construiu em pouco
46
tempo de carreira uma trajetória musical incomparável, originalíssima e duradoura. Noel de
Medeiros Rosa. 11-12-1910 / 04-05-1937.
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A construção de um trabalho monográfico requer tempo, dedicação e principalmente
muita leitura, acompanhadas de fichamentos e seleções constantes do que deve ou não ficar na
conclusão final do texto. Assim se deu a elaboração dessa monografia. Primeiro acho
considerável justificar a minha escolha a cerca do objeto de pesquisa.
Confesso que tal escolha não foi fácil, uma vez que iniciei o curso certo de que no
final dele pesquisaria a respeito de um assunto relacionado ao samba, porém, minhas
pretensões era entender a relação do negro depois da chegada das gravadoras, o disco e o
rádio comercial na década de 30, ou seja, como ficou o negro neste processo de modernidade
da música popular brasileira.
É claro que, só ficaram claras essas ideias após leituras a respeito do assunto. Mas no
decorrer do curso mudei de ideia e cheguei a outras pretensões, ou seja, pesquisar sobre outros
assuntos, qual seria? Vieram tantas coisas em minha mente, mas eu precisava chegar uma
conclusão do que realmente me interessava, então surgiu à intenção de escrever sobre o
sertanejo nordestino, afinal, sou baiano, faria jus pesquisar sobre algo próximo de minha
realidade.
Para isso, li uma obra da Raquel de Queiróz, o Quinze, por meio dela era meu
propósito pesquisar a respeito da sensibilidade do sertanejo nordestino, ou seja, aquele
nordestino que ama sua terra natal e quando chega a sair é devido à seca e a miséria
provocada por ela, mas na maioria das vezes sonha em voltar para sua terra natal. Neste caso,
seria um trabalho que teria como fonte de pesquisa uma obra literária.
No entanto, com o passar do tempo, mudei de ideia mais uma vez, mas para escolher
um objeto definitivo. Noel de Medeiros Rosa e a sua contribuição para o samba na década de
1930. Portanto, considero necessário esclarecer como conheci meu objeto de pesquisa. Foi
exatamente através das leituras sobre o samba.
No entanto, foi no final do 3º ano do curso de História que veio a conclusão do que
realmente me interessava pesquisar, ou seja, era um momento decisivo, não havia mais tempo,
era tudo ou nada. Decidido finalmente meu objeto de pesquisa, o próximo passo foi à busca
de um referencial teórico condizente. De acordo que era ampliada as leituras sobre o Noel
48
Rosa, mas interessante ficava a pesquisa, e isso fazia com que o interesse em conhecer mais
sobre ele aumentava cada vez mais.
Devido a um limitado tempo de pesquisa, obrigaram-me a fazer duas coisas ao mesmo
tempo, leituras e escrita da monografia. Diante disso, me posiciono na tentativa de explicar
que desde inicio minhas pretensões foram de fazer um trabalho que apresentasse uma
discussão pertinente. Condizente com o problema a ser defendido, ou seja, a contribuição de
Noel Rosa para o samba brasileiro. Então, ao lerem o meu trabalho, espero que as discussões
contidas nele sejam capazes de ampliar o seu conhecimento acerca de Noel de Medeiros Rosa
e principalmente a cerca da temática defendida.
49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. 9ª ed. São Paulo: Paulo de Azevedo Ltda. 1963.
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidade e abordagens. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2004.
CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo:
Mameluco, 2007.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
DINIZ, André. Noel Rosa: o poeta do samba e da cidade. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2010.
DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil. – Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
FROTA, Wander Nunes. Auxílio Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa e
a Indústria cultural. São Paulo: Annablume, 2003.
LE GOF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1995.
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da
Universidade de Brasília: Linha Gráfica, 1990.
MATOS, Cláudia. Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio. – Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SIQUEIRA, Baptista. Origem do termo samba. São Paulo: IBRASA, 1978.
SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
50
Documentos eletrônicos:
CARVALHO, Herbert. Noel Rosa, o feitiço de Vila Isabel: centenário do poeta que não
queria
choro
nem
vela.
Disponível
em:
http://www.capoeiravadiacao.org/attachments/211_Microsoft%20Word%20%20Noel%20Rosa,%20o%20feiti%C3%A7o%20de%20Vila%20Isabel.pdf. Acesso em:
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Isabel. Acesso em: 17-06-12.
MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a
indústria cultural. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em:
http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-092012. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_de_S%C3%A3o_Bento.
Acesso em: 19-07-12.
Fontes documentais:
Dicionário Magno da Língua Portuguesa.
ROSA, Noel; ALMEIDA, Aracy de. Palpite infeliz. Rio de Janeiro: Continental, 1950, LP.
ROSA, Noel; ROSA, Noel c/ Bando Regional. Com que roupa? Rio de Janeiro: Parlophon,
1930, LP.
ROSA, Noel; VADICO, ROSA, Noel c/ Conjunto Regional. Conversa de botequim. Rio de
Janeiro: Odeon, 1935, LP.
ROSA, Noel; VADICO; ALMEIDA, Aracy de. C/ Boêmios da cidade. Último desejo. Rio de
Janeiro: RCA, 1937, LP.
ROSA, Noel; VADICO; ALMEIDA, Aracy de; c/ SERGI, Francisco e sua orquestra. Feitiço
de oração. Rio de Janeiro: Continental, 1950, LP.
ROSA, Noel; VADICO; ALVES, Francisco e BARBOSA, Castro c/ Orquestra Copacabana.
Feitio de oração. Rio de Janeiro: Odeon, 1934, LP.
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