0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA LICENCIATURA EM HISTÓRIA DILSON PEREIRA DA SILVA NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930 JUSSARA-GO 2012 1 DILSON PEREIRA DA SILVA NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930. Monografia apresentada ao departamento de História como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em História, da Universidade Estadual de Goiás: Unidade Universitária de Jussara – Goiás, sob orientação do professor Esp. Wilson de Sousa Gomes. JUSSARA-GO 2012 2 DILSON PEREIRA DA SILVA NOEL DE MEDEIROS ROSA: A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O SAMBA BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1930 Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em História na Universidade Estadual de Goiás – UEG, pela Banca Examinadora: _________________________________________ Orientador: Wilson de Sousa Gomes _________________________________________ Examinadora: Simone Luz da Silva _________________________________________ Examinador: Rodrigo Fernandes da Silva JUSSARA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012 3 Dedico este trabalho a toda minha família de modo geral, pela união, parceria e apoio nas minhas escolhas, particularmente aos meus pais, João José da Silva (em memória) e Augusta Lina Pereira Silva pelo amor, paciência e cuidados, minha irmã, Maria Lina da Silva pelo o amor, amizade e por sempre me incentivar a fazer um curso superior, meu sobrinho, Cristiano Pereira Fleury pelos diálogos significativos, respeito, carinho e também um grande apoiador em meus estudos. Dedico também aos amigos, colegas e todas as pessoas próximas que me incentivaram e incentivam a continuar firme nos meus estudos, como também pelo respeito e as boas relações. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a minha saúde, dedicação, força de vontade e principalmente querer esta sempre buscando novos conhecimentos por meio de leituras e pesquisas, e é claro, dentro das minhas limitações, e na maioria das vezes convivendo com as influências negativas ao conhecimento, tais como: trabalho e empecilhos cotidianos. Entre eles, duas mortes na família, meu pai e meu sobrinho, pessoas que tinham todo meu amor. Somando a isso, a todos os professores da UEG, Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária de Jussara, cada um com seu conhecimento particular, mas que de certa forma contribuíram significativamente para o meu aprendizado em história. De modo particular, aqueles que fomos mais próximos, como também maior admiração intelectual e pessoal, entre eles destaco, Hélio Feliciano, Jean Izidio, Rodolfo Belchior, Simone Luz, Rodrigo Fernandes e Aruanã Antônio, e principalmente meu orientador, Wilson de Sousa Gomes, entre as suas qualidades intelectuais e pessoais destaco: muita leitura, profundo conhecimento, facilidade de ensinar e sincero. Todos eles, sempre que surgia alguma dúvida, estiveram prontos a esclarecê-las. Por fim, seria injusto deixar de falar das pessoas que de forma direta ou indireta me ajudaram nos momentos que precisei para estar saindo para realização e orientações de estágio e monografia. Quanto aos colegas de sala, de todos guardarei lembranças, principalmente aqueles que tivemos maior proximidade, tais como: Adenisia, Pauliana, Patrícia, Emival, Tiego e Renata, esta última, além de colega, posso considerar uma amiga. 5 Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila ao abraçar o samba, que faz dançar os galhos, do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo. Lá em Vila Isabel quem é bacharel não tem medo de bamba. São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba. “Feitiço da Vila” (Noel Rosa e Vadico). 6 RESUMO Este trabalho monográfico tem por objetivo compreender a contribuição de Noel de Medeiros Rosa para o samba brasileiro na década de 1930. Nosso foco de análise se fixa no período de vida do autor e da sua produção cultural. Buscamos entender as experiências musicais e as suas composições para o samba brasileiro, percebendo a importância da produção de Noel Rosa em seu período e para a posteridade. PALAVRAS-CHAVE: Noel Rosa, Samba e Cultura Popular. 7 ABSTRACT This monograph aims to understand the contribution of Noel de Medeiros Rosa for the Brazilian samba in the 1930. Our analytical focus is fixed during the life of the author and its cultural production. We seek to understand their experiences and musical compositions for Brazilian samba, realizing the importance of production of Noel Rosa in his time and for posterity. KEYWORDS: Noel Rosa, Samba and Popular Culture. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 CAPITULO 1 - NOEL DE MEDEIROS ROSA E O SAMBA: A CULTURA BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1930 13 1.1 A Biografia de Noel Rosa: Entendendo o Nosso Objeto 13 1.2 A História Cultural: Noel Rosa e o Samba 18 1.3 Noel Rosa e o Brasil da Década de 30: as Mudanças 23 1.4 O Rio de Janeiro: a Particularidade do Samba 27 CAPITULO 2 - A CULTURA POPULAR, O SAMBA E NOEL ROSA: UMA MARCA EM NOSSA CULTURA 32 2.1 O Samba e a Cultura Popular: a Importância de Noel Rosa para o Nosso Samba 32 2.2 Noel Rosa, seu Projeto e a sua Projeção: uma Reflexão 38 2.3 Entendendo o Nosso Samba a Partir de Noel Rosa: as Composições 41 2.4 Um Modo Único de Viver: a Vida e os Amores de Noel Rosa 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS: 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49 9 INTRODUÇÃO Partindo do principio de que a função do historiador é interpretar, temos que essa Monografia parte por uma discussão interpretativa para compreender o compositor popular Noel de Medeiros Rosa e a sua contribuição para o samba brasileiro na década de 1930. Assim sendo, ela está composta por dois capítulos. Para entendê-los melhor serão descritos em ordem crescente. Iniciamos o primeiro capítulo apresentando a biografia do nosso objeto de pesquisa, Noel de Medeiros Rosa, demonstrando que ele nasceu no bairro de Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro em 1910 e falecendo em 1937 com vinte seis anos. Era filho de Manuel Garcia de Medeiros Rosa e Martha de Medeiros Rosa, o casal teve dois filhos, Noel Rosa e Hélio. Sendo de risco o nascimento de Noel Rosa, então, para salvar a vida da mãe e do bebê, os médicos foram obrigados utilizar um instrumento cirúrgico por nome de fórceps para forçar o nascimento da criança, porém, por um lado a saída foi correta pois salvou a vida de filho e mãe, por outro, a ação médica ocasionou uma deficiência no maxilar de Noel Rosa que não teve cura, mas não atrapalhou em nada para que se tornasse com o tempo um grande compositor popular. No entanto, não podemos deixar de elencar dois fatores indispensáveis para que essa realização se tornasse realidade, primeiro, a dedicação de seus pais e principalmente de sua mãe, com alimentação adequada à deficiência no rosto e outros cuidados, em segundo lugar, o contexto em que viveu nosso compositor “a década de 30”, bastante favorável a cantores, compositores e artistas de modo geral. Além disso, Noel Rosa foi criado num ambiente musical, onde tia e pais eram músicos, estes por sua vez reuniam aos domingos na casa dele para realização dos saraus, onde a participação dos garotos era mínima, o que obrigava Noel Rosa escondido de sua madrinha Arlinda destrancar o piano para executar as primeiras notas. Por outro lado, a relação de Noel Rosa com a rua e os colegas de sua idade foi à base de brincadeiras e alegrias, o que de certa forma desmistifica aquela ideia de “um pobre menino que o chamam de “Queixinho” esta longe de corresponder à realidade”. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 27). 10 A veracidade da afirmativa é demonstrada no Colégio São Bento, onde Noel Rosa se destaca não como um bom aluno nas disciplinas de exatas, biológicas e humanas, mas sim nas paródias feitas constantemente ao violão. Diante deste aspecto, é importante entendermos Noel Rosa como produtor de cultura onde dialogaremos com nossa lente teórica para chegarmos a algumas colocações pertinentes com relação à formação musical de nosso compositor popular. Noel Rosa aprende música basicamente de maneira informal, não chegou a frequentar escolas e nem conservatórios de música, ou seja, primeiro ele começa tocando o bandolim aprendido com sua mãe, Martha de Medeiros Rosa. Por outro lado, o violão aprende com seu pai, Manuel Garcia de Medeiros Rosa. O importante é, enquanto vai dominando o violão, o bandolim será definitivamente deixado de lado, no entanto, Noel Rosa será grato à experiência musical que adquiriu tocando o bandolim. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50). Além do aprendizado musical com seus pais, aprenderá também ouvindo e observando os grandes mestres da época, tais como: João Pernambuco e outros, mas foi sozinho, comprando métodos e pesquisando que Noel Rosa torna-se um seguro violonista. Compreende-se também aqui a origem do termo samba no sertão nordestino, as influências e permanências no Rio de Janeiro de Noel Rosa e sua relação com o samba carioca já na década de 30. Época da produção musical de nosso compositor. Por falar na década de 30, aqui ela será entendida com as particularidades que interessa para o nosso trabalho, tais como: as mudanças políticas e culturais, como também as mudanças na vida de Noel Rosa, sua entrada no Bando de Tangarás e na Faculdade de Medicina. A primeira delas acontece na política nacional quando Getúlio Vargas assume o poder, e entre suas ações governamentais foi o incentivo a cultura nacional, tais como: o rádio, o samba e o carnaval. (SKIDMORE, 1998, p. 168). Surgido na década de 20 com uma programação exclusiva para educação das massas. Em 30, o rádio passa por mudanças, entre as quais podemos elencar o aumento do número de emissoras, torna-se comercial e se consolida como um veículo de comunicação indispensável para divulgação do samba e adesão aos artistas da época. Inclusive Noel Rosa trabalhou no rádio exercendo as funções de contrarregra, fazendo correções de composições de sambistas menos experientes, e, nos momentos oportunos apresentavam seus números e com isso sua voz ia tornando conhecida no meio artístico carioca. 11 Além do rádio, Noel Rosa é convidado pelos os jovens do conjunto musical Flor do Tempo para fazer parte do grupo, uma vez que eles almejavam gravar e fazerem sucesso. Tendo Noel Rosa aceito o convite, o grupo passou a se chamar Bando de Tangarás. Sua marca registrada era a vergonha do contato com o público nas apresentações do grupo, mesmo assim eles conseguiram gravar seu primeiro disco, trazendo muita experiência musical para Noel Rosa. Na música Noel Rosa pertencia ao Tangarás, nos estudos consegue ser aprovado para a Faculdade de Medicina, trazendo muita felicidade para família Medeiros Rosa, maternalmente ligada à tradição médica. Aqui entenderemos que o samba carioca antes da década de 30 era restrito aos bairros pobres do Rio, isso porque sendo da cidade, mas, foi levado para morro por causa das pressões sociais aos negros. No morro, a partir de então, eles sentiram a vontade para tocarem e comporem seus sambas. Essa dinâmica vai ser mudada a partir da gravação elétrica de discos, chegada das gravadoras em 1929, oficialização do carnaval em 1932. Que somando ao rádio e o disco estava criado o ambiente ideal de reprodução, difusão e consumo do samba carioca, ou seja, da música popular brasileira. O contexto da indústria cultural trouxe mudanças para vida dos sambistas que sonhavam em ver seus sambas fazendo sucesso no carnaval. Um deles que sempre fez sucesso no carnaval, mas, não era um compositor exclusivo dessa época, foi Noel Rosa. Além do mais, ele será um sujeito ativo desse contexto. Iniciamos o segundo capítulo elencando que de início Noel Rosa começou compondo ritmos nordestinos devido ao Tangarás que também tocava esse ritmo. No entanto, o grupo se recusava tocar por dinheiro. Mas com o tempo, Noel Rosa adere ao samba por perceber que será por meio desse ritmo que chegará com maior facilidade ao grande público. Fazendo sucesso com a gravação do seu primeiro samba, isso obrigou Noel Rosa desligar do Tangarás e em seguida não suportando mais o curso de Medicina, o abandona para seguir exclusivamente ao samba. Demonstramos também que não foi fácil para Noel Rosa se consolidar como um compositor popular. Diante deste aspecto, discutimos sua rivalidade com o compositor Wilson Batista, rivalidade esta que resultou na composição de grandes clássicos de ambos os lados e principalmente compostos por Noel Rosa. Assim sendo, escolhemos dois sambas de sua autoria para entendê- los neles sua genialidade. 12 Já definido como um compositor popular, entende-se aqui como Rosa Rosa se insere de forma espetacular entre as instâncias de produção, reprodução e consumo da música popular. Percebendo o contexto favorável, Noel Rosa compõe sambas que vão de encontro aos anseios das gravadoras e o rádio. Assim sendo, demonstramos que Noel Rosa serviu como um mediador entre as instâncias de consagração e o público ouvinte. Discutimos também as homenagens póstumas recebidas por Noel Rosa, entre elas destacamos aqueles artistas que regravaram suas composições, tais como: Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Maria Betânia, entre outros. Além dessas regravações, ressaltamos a importância noelina para posteridade, principalmente para aquelas pessoas ligadas a música, pesquisadores e interessados em conhecê-lo melhor. Em seguida procuramos entender as composições de Noel Rosa. Para isso, analisamos mais dois sambas do compositor. Dialogando com nosso referencial entendemos que nosso compositor era um mestre do coloquial, dessa forma ele utilizava o cotidiano carioca como matéria – prima de suas composições. Assim sendo, ressaltamos o grande número de composições feitas pelo compositor, mas nem todas elas foram somente de sua autoria. Neste ponto, destacamos as principais parcerias de Noel Rosa, isso demonstra o quanto ele tinha uma personalidade musical democrática. Por fim, conheceremos a vida amorosa de Noel Rosa, nesta análise discutiremos os principais amores que passaram pela vida do nosso compositor. Uns com maior intensidade, outros com menos. Entendemos que sua vida desgarrada e amorosa estava intimamente ligada a boemia tão aproveitada e valorizada por Noel Rosa. Um exemplo disso vê que nos últimos dias da sua vida ele passava as noites bebendo e fumando. Analisamos também mais uma composição de Noel Rosa, ela foi feita em homenagem ao seu grande amor Ceci, nela entendemos o quanto que ele gostava dessa mulher, e mais uma vez a sua genialidade enquanto compositor popular. Em síntese, temos aí as principais abordagens concernentes a esta pesquisa, os detalhes deste trabalho serão conferidos após a leitura do mesmo, que terão muitas surpresas acerca do nosso objeto de pesquisa. Noel de Medeiros Rosa e sua contribuição para o samba na década de 1930. Boa Leitura. 13 CAPÍTULO 1 - NOEL DE MEDEIROS ROSA E O SAMBA: A CULTURA BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1930 Nesse primeiro capitulo discutiremos assuntos referentes à biografia do nosso objeto de pesquisa tais como: o nascimento, infância, adolescência, família, o primeiro contato com a música e formação escolar. Em seguida a relação de Noel Rosa com o samba carioca, origem do termo samba no sertão nordestino e formação musical de Noel Rosa. Entenderemos a década de 30 com suas mudanças, entre elas, conheceremos a importância do rádio comercial e o disco, entrada de Noel Rosa ao Bando Tangarás e na Faculdade de Medicina. Por último, a particularidade do samba carioca, o carnaval, gravação elétrica de discos, surgimento das gravadoras, ou seja, a definição dos meios de reprodução, difusão e consumo da música popular brasileira e a definição do samba de Noel Rosa serão os principais assuntos. 1.1 A Biografia de Noel Rosa: Entendendo o Nosso Objeto Para um melhor entendimento do objeto em questão, será desenvolvida uma narrativa de modo explicativo e que tem como função principal apresentar a biografia de Noel de Medeiros Rosa, cantor, compositor, poeta e músico. Com bastante ênfase ao Noel Rosa compositor. Assim sendo, o artista nasceu em 11 de dezembro de 1910, no pequeno chalé da Rua Teodoro da Silva, no Bairro de Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro e morre na mesma casa onde nasceu em 04 de maio de 1937. O nascimento de Noel Rosa foi complicado, motivo este que levou os médicos: Dr. José Rodrigues da Graça Melo e o Dr. Heleno da Costa Brandão a tomarem atitudes decisivas: “Não havia alternativa: caso não forçasse o nascimento, mãe e filho poderiam morrer. Uma alternativa a ser resolvida a fórceps1. Um pequeno acidente, a fratura e o afundamento do maxilar do bebê, a paralisia na face” (CALDEIRA, 2007, p. 110 - 111). 1 Instrumento cirúrgico, em forma de pinça, utilizado para prender e extrair corpos estranhos do organismo, muito empregado em Obstetrícia. (Dicionário Magno da Língua Portuguesa- consultado em 08-04-2012) 14 Segundo Jorge Caldeira (2007), a promessa médica era de que esse afundamento no maxilar de Noel Rosa seria recuperado em breve, no entanto, os anos se passaram e ele continuou com a deficiência. Aos seis anos de idade, submetera a primeira cirurgia, aos doze anos, a segunda, mas com o tempo, a deformidade óssea agravou. Problema este que lhe acompanhou durante seus vinte e seis anos de vida. Em outras palavras, segundo Almirante (1963) o que ocorreu na maxilar do recém-nascido, fora um desvio acentuado do queixo, com isso, acarretou uma irregularidade no processo de mastigação. Um problema que não foi solucionado devido. “A bisonha ortopedia do tempo não encontrou solução para o caso e mais seis anos se passaram, até que nova tentativa se levasse a efeito. Já, então, a consolidação da fratura era absoluta e de nada valeria os esforços dos bondosos pais.” (ALMIRANTE, 1963, p. 51). A veracidade de tal citação se concretiza diante do testemunho de Almirante. Ele que foi um homem do tempo de Noel Rosa, por isso se constitui como um elemento importante para entendermos que, devido à ineficiência ortopédica da época, a deficiência no rosto de Noel Rosa não foi solucionada. Por outro lado, como afirma o autor, todas as tentativas dos pais de Noel Rosa para este caso foram frustrantes. Mas nem por isso faltou-lhe carinho e dedicação. Desde pequeno até os últimos dias, enquanto estiver no chalé, à mãe cuidará pessoalmente de sua alimentação, dietas que o permitam usar menos possível a mandíbula, não forçar quase a articulação. Ovos cozidos, massas purês, mingaus, sopas. Ao contrário do que se dirá um dia, embora feio, marcado pelo defeito, não é um criança infeliz. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 27). Se analisarmos bem, todo cuidado que Noel Rosa recebeu de sua mãe Marta de Medeiro Rosa, tais como uma dieta especial à base de alimentos cozidos para não forçar a mastigação, a fim de evitar consequências mais grave, se deve ao fato de que em primeiro lugar o afeto, carinho e ternura, ou seja, amor de mãe, em segundo lugar, consciente do problema físico no rosto do filho, coube a sua mãe a tarefa de cuidar especialmente dele enquanto esteve no Chalé, independente talvez de sua desagradável aparência. Por outro lado, embora desprovido de beleza, como afirmaram os autores, o fator estético, não foi empecilho e nem tão pouco impediu para que Noel Rosa deixasse de ser um garoto feliz, afinal, companhias não lhe faltaram, pois. “No chalé sempre cabe mais um, ou mais quatro. Como Jocelyn da Encarnação e os irmãos Dulce e Sylvia e Mariozinho Brown, crianças com as quais Noel e Hélio vão dividir boa parte de sua infância, vivendo todos sob o mesmo teto como uma só família”. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 34). 15 Como podemos perceber, a citação demonstra o contexto familiar da residência de Noel Rosa, composta de muitas pessoas e sempre disposta a receber mais um ou até mais gente, isso significa que era um lar harmonioso e receptível. Assim sendo, não há dúvidas que Noel Rosa foi um garoto normal, rodeado de amigos, irmão e pais. Ou seja, ao lado de pessoas que conviveram com ele bons momentos, tais como: brincadeiras, brigas e reconciliações. Veja um exemplo semelhante: Noel ama a rua, os companheiros de algazarra, gosta de descalço a Pedreira dos Simões para de cima ele e os amigos gritarem a plenos pulmões: “Olêlê-oooooooooo...!” - O que é isso? - São os meninos da pedreira. Noel fica mesmo com a rua e seus apelos, a pipa, o pião, o futebol no chão de cimento. Será um irrepreensível soltador de balão (de resto, qualidade de toda garotada dessas ruas que vão até ao Andaraí). Andará pendurado em balaústres, deslizando pelos estribos, saltando como um trapezista para subir ou descer do veículo em movimento. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 27-2829). A citação deixa claro que Noel Rosa teve uma infância livre, divertida e em contato com outros garotos da sua idade, com oportunidade de soltar pipas, jogar futebol, pião, contemplar o ar livre, a natureza. Isso demonstra características marcantes da sua personalidade, ou seja, um garoto alegre, solto e em contato com seu mundo. Com isso, o jeito brincalhão de Noel Rosa está intimamente ligado ao seu primeiro contato com a música. Ele que fora criado num ambiente musical, onde “Arlinda no piano, Carmem no violino, Martha no bandolim, Neca no violão (...)” apresentavam-se os saraus da casa de Noel Rosa e “em geral aos domingos, a participação dos meninos ainda era mínima. Noel, quando muito olha para as mãos de Arlinda enquanto ele as faz passear pelo teclado.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 30). Logo, notamos que os saraus onde a família de Noel Rosa se reunia, havia encontros sempre acompanhados de música. Os músicos eram membros da sua família, Arlinda, sua madrinha e criada com a família, sua tia Carmem, sua mãe Marta e seu pai Neca, popularmente chamado entre eles. Entretanto, os garotos da casa pouco participavam destes saraus. Enquanto isso cabia a Noel Rosa ficar contemplando e observando atentamente as técnicas de sua madrinha Carmem, ao tocar as teclas do piano. Contudo, Noel Rosa não iria se contentar apenas em assistir de forma secundária as apresentações musicais da família. Criaria soluções para ter contato direto com os instrumentos. 16 No dia seguinte, escondido da avó, abre o piano e dá inicio ao seu sarau particular. É repreendido. A reincidência obriga Arlinda a trancar o instrumento. Mas Noel sempre descobre o esconderijo, pega a chave, volta ao sarau. Depois de tocar até se cansar, deixa sobre o tampo um bilhete para madrinha. “Minha Dinga...” começa ele. Em versos pede desculpas e diz que é tempo perdido esconder a chave: sempre será encontrada. Arlinda sorri convencida de uma travessura que acaba em poesia não merece castigo. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 30). Pelo o exposto não há dúvidas de que Noel Rosa desde garoto demonstrava interesse pela música, além disso, o que mais chama atenção foi à capacidade de escrever um bilhete para a madrinha em forma de poesia, ou seja, poderia muito bem escrever um bilhete normal ou talvez nem escrever, simplesmente tocar o instrumento e sair como se nada tivesse acontecido. No entanto, fez questão de demonstrar para sua madrinha que era tempo perdido esconder a chave, afinal, era esperto e encontraria novamente, para convencê-la ainda mais da sua inteligência, utiliza a poesia para se desculpar de um erro. Qualidades estas interpretada carinhosamente por sua madrinha como travessuras de Noel. Os pais de Noel Rosa, além de músicos, exerceram distintas profissões. Ele, Manoel Garcia de Medeiros Rosa, foi guarda-livros, agrimensor, e funcionário público municipal, tudo isso devido sua “inteligência e dotado de invulgar disposição, aprendeu sozinho a ler, a escrever e a falar corretamente, o francês e o inglês”. (ALMIRANTE, 1963, p.48). Sua mãe, Marta de Medeiros Rosa, segundo o mesmo autor, foi professora e “era filha de Eduardo Corrêa de Azevedo,2 médico, e de dona Rita de Cássia Freitas Pacheco, professora prendada, que fundou o Externato Santa Rita de Cássia.” Assim sendo, as “primeiras letras recebeu de sua mãe, e depois ingressou no Colégio Maisonette. A 28 de dezembro de 1923 efetuava sua matrícula, sob o nº. 175, no Colégio São Bento, permanecendo até o 5º ano, que cursou em 1928” (ALMIRANTE, 1963, p. 51). Pelo o exposto percebemos que Noel Rosa começou seus estudos com Marta de Medeiros Rosa, sua mãe. Ela, segundo os autores João Máximo e Carlos Didier, ministrava suas aulas no próprio Chalé, residência da família Medeiros Rosa. Dando continuidade a sua formação educacional, Noel Rosa estudou em mais dois colégios, permanecendo até o quinto ano no Colégio São Bento. Entretanto. 2 Um homem raro, especial, em torno de quem a família viveu unida e em paz. Os filhos cresceram entre música e poesia, o teatrinho e os brinquedos, os estudos e as amenidades. Crianças alegres, que de início zombavam do sotaque ilhéu de Vozinha e acabaram aprendendo com ela um antigo costume da Madeira: conversar por ditados. MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da Universidade de Brasília: Linha Gráfica, 1990. 17 Os tempos agora são outros, mais duros, menos de regalias do que de obrigações, mais de coisas sérias do que sorrisos. Pode ser. Mas não no caso de Noel. Tanto quanto possível, não será tão solene. E fará tudo para que continue a soprar para além dos muros do São Bento3 a brisa menina das ruas de seu bairro. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 45). Como podemos ver o tempo de estudo que Noel Rosa teve no Colégio São Bento foi diferente, no quesito de ter uma metodologia de ensino mais rígida, com maior cobrança dos alunos, mais pontualidade. Embora permanecendo até o quinto ano, Noel Rosa fez de tudo para quebrar a rotina e sempre que possível contemplar a brisa de Vila Isabel. Por outro lado, Noel Rosa deixou sua marca artística no São Bento. No final de 1926, quando Noel já é conhecido em toda a escola, um fato vem chamar atenção de todo colégio, quando ele faz uma prova de química corretíssima, incluindo todos os dados da matéria, mas em verso. O professor entre espantado e surpreso lê a prova para a turma e confere, um justo, grau dez para o aluno. (MONTEIRO, 2000).4 Fazendo uma relação entre as informações anteriores com estas da citação, podemos afirmar que, embora não sendo talvez por motivos de pouco interesse, um ótimo aluno, como veremos no decorrer do trabalho. Entretanto, demonstra mais uma vez sua capacidade poética e criativa ao fazer a avaliação de química utilizando em vez de fórmulas, versos. Contudo, que seja reconhecida a genialidade do aluno Noel, por outro lado isso já era de se esperar, afinal, “O que o jovem Noel mais gostava no Colégio era ficar com seu violão compondo, retocando, apurando músicas. Noel se formou na escola com muitas dificuldades. A sua opção pela música já havia amadurecido internamente”. (DINIZ, 2010, p. 105). Diante do exposto, e segundo as afirmações de André Diniz fica claro que, tendo Noel Rosa optado definitivamente pela música, a escola ficou em segundo plano. Por outro lado, embora conseguindo terminar os estudos, mas foi à custa de esforço e de constantes dificuldades. A final de contas, a música já fazia parte de seus planos futuros. Em síntese, podemos perceber que apesar de não ter conseguido uma saída para o problema físico no rosto, por outro lado, contemplou uma infância feliz ao lado dos pais, amigos, colegas, estudos e principalmente inserido no meio musical. Ou seja, o processo 3 Colégio de São Bento é um tradicional colégio particular localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. Começou suas atividades em 1858, sendo dirigido até os dias de hoje por monges beneditinos. É uma das grandes referências históricas da presença da Ordem de São Bento no Brasil. Apresenta, como característica singular, o fato de só aceitar alunos do sexo masculino. Além disso, o colégio é famoso por ser a instituição mais vezes líder do Exame Nacional do Ensino Médio, o que lhe rendeu o título de “Melhor Colégio do Brasil”. Disponível em: . Acesso em: 19-07-12.tp://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_de_S%C3%A3o_Bentoht 4 MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural. Dissertação de Mestrado em Semiologia. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em: http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012. 18 embrionário para o surgimento do compositor popular já estava construído, de que forma vai ser, veremos nos tópicos que se seguem. 1.2 A História Cultural: Noel Rosa e o Samba Tomando o que fora discutido acima, entendemos que se faz necessário apresentar os elementos teóricos que norteia o nosso trabalho. Sabendo que os historiadores tomam perspectivas teóricas na produção do conhecimento histórico, centramos nossas discussões na definição de nossa lente teórica para definirmos o nosso objeto e logo em seguida, apresentar as categorias necessárias para entendermos a relação entre Noel Rosa e o samba. Sendo assim, percebemos que a conceituação da História Cultural é uma tarefa complexa. Contudo, a tarefa do historiador é lidar com o complicado para justamente tornar elegíveis os elementos da nossa cultura e historia nacional. Logo, para entendermos em que sentido Noel Rosa fora um indivíduo produtor de cultura recorremos a teóricos que discutem essa temática enfatizando que: “ao existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual, ou um artesão” (BARROS, 2004, p. 57). Segundo José D’Assunção Barros, no simples fato da pessoa existir ele já é um produtor de cultura, ou seja, o ser humano é indivíduo que pensa, possui sentimentos, comunica, chora, tem alegrias. Pensando assim, temos na iniciação musical e nos primeiros versos Noel Rosa, a construção de uma cultura que abre espaço para varias possibilidades de interpretação. Correndo o risco de generalização, percebemos que Noel Rosa, assim como todas as pessoas, fora um sujeito histórico do seu tempo e espaço e isso significa que podemos situá-lo em uma abordagem que delimita os apontamentos da História Cultural. E essa por sua vez É particularmente rica no sentido de abrigar no seu seio diferentes possibilidades de tratamento, por vezes antagônicas. Apenas para antecipar algumas possibilidades de objetos, faremos notar que ela abre-se a estudos os mais variados, como a cultura popular, a cultura letrada, as representações, as práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, os sistemas educativos, a mediação cultural através de intelectuais, ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noção de “cultura”. (BARROS, 2004, p. 55). 19 Temos ai uma definição bastante significativa da História cultural, tal qual a abrangência do seu campo de pesquisa e estudos. Ou seja, como demonstra nosso referencial, a História Cultural é rica por atingir distintas atividades sociais, entre elas podemos citar a cultura letrada, praticada por um grupo social pertencente à elite, a cultura popular, as crenças religiosas, o modo de vida de uma comunidade a escrita e claro: a música. Segundo o nosso autor analisado, “mesmo em guri, minha grande fascinação era a música”, qualquer espécie de música, fosse qual fosse. E amava os instrumentos musicais, sentindo-me sonhar ante qualquer melodia.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50). A paixão de Noel Rosa pela música já era demonstrada desde sua adolescência, o gosto de ouvir os sons, o encantamento pelo os instrumentos, as melodias. Além disso, podemos perceber também sua indefinição na escolha de uma música ou som preferido, ou seja, ele gostava de todos. Indefinição clara da pouca idade, ainda estava por vir à identidade musical definida. Noel Rosa sendo criado entre uma família musical, não há dúvidas de que o meio havia influenciado bastante para que ele desde cedo tivesse preferência pela música. “Se foi Martha quem o ensinou a tocar bandolim, as primeiras posições no violão são apreendidas com o pai (...)” Temos que “à medida que for dominando a técnica deste instrumento, irá abandonando o outro. Mas será sempre grato ao bandolim.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50). Mais uma vez vemos a importância dos pais de Noel Rosa para sua formação musical, primeiro ele aprende as técnicas do bandolim com sua mãe, Martha de Medeiros Rosa, e depois ele começa descobrir os segredos dos primeiros acordes no violão com seu pai, Manuel Garcia de Medeiros Rosa. Entretanto, assim que vai aprimorando no violão, aos poucos o bandolim vai sendo abandonado. Suponhamos é óbvio, que ele gostou mais do violão que do bandolim, mas deve ter havido motivos para essa escolha. Verifiquei que era um instrumento mais completo de maior beleza comunicativa que o bandolim. O meu sonho absorvente passou a ser dominar amplamente o violão. Tanto me esforcei que, no fim de certo tempo, já tocava melodias varias. Ouvir o violão era como se ouvisse a mim mesmo, como se ouvisse a voz do coração, o lirismo que nasceu comigo. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 50). Sua escolha pelo violão esta explicada na citação acima, pelo o que vemos não foi uma decisão ingênua, de um garoto apaixonado pela música, pelo contrário, os dois principais motivos que levou Noel Rosa aderir definitivamente o violão foi por ele ser um instrumento mais completo e ter uma beleza harmônica e comunicativa superior a do bandolim. Por outro 20 lado, após escolher o violão e apaixonar-se por ele, seu maior objetivo era dominá-lo completamente, se tornar um grande violonista. Sendo assim, como se deu a formação musical de Noel Rosa? O mais provável, porém, é que depois das primeiras lições com o pai, dos rudimentos que lhe chegaram através das lições caseiras, seu interesse em aprimorar-se sempre mais, em realmente dominar o instrumento, o levará a outros mestres, mas nenhum deles por muito tempo. Aprender, mesmo, vai aprender sozinho. Será como a maioria dos violonistas de agora, um autoditada. Desses que tudo descobrem. Vendo, ouvindo, perguntando, experimentando, fazendo. Mais crescido, já nos últimos tempos do São Bento, frequentará com o irmão e o amigo Glauco Viana O Cavaquinho de Ouro, na Rua da Alfândega onde se reúne a melhor gente do violão brasileiro desta década. Frequentar talvez não seja bem exato, pois os três ficarão sempre meio da distância de Quincas Laranjeiras, que ali dá aulas de violão por música e de outros virtuoses como João Pernambuco, que todas as tardes aparece para tocar com Quincas. Ouvindo e vendo eis como Noel aprende. É mesmo um autodidata. Não se pode negar que foram úteis os primeiros ensinamentos do pai e da mãe. Muita útil também, a experiência com bandolim. Mas é por conta própria, pela persistente consulta aos métodos, pelo o ver e ouvir quem sabe mais, que se fará íntimo do violão. Aos dezesseis anos, solando ou acompanhando, já poderá considerar-se bom violonista. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 65). Noel Rosa como violonista não teve uma formação musical em escolas de música, conservatórios e outros mais, mas na convivência familiar onde aprendeu os primeiros acordes e depois no seu Bairro Vila Isabel vendo e ouvindo os músicos da época fazerem suas apresentações. Mais uma vez o meio no qual ele estava inserido serviu-lhe de estímulo. Neste caso, sem jamais deixar de frisar a importância que tiveram seus pais e mestres na sua formação musical. Sem nenhuma dúvida os méritos foram de Noel Rosa, afinal, como bem afirmou os autores, foi ele que correu atrás de métodos musicais, estudando, perguntando, descobrindo por ele mesmo os segredos do violão, como resultado, aos dezesseis anos tornava-se um bom violonista. Isso coloca Noel Rosa ligado à sua temática da cultura onde a produção artística representa sistemas da arte segundo Barros. Frente a isso, temos o samba como uma das mais importantes formas de manifestação cultural, por meio dele as pessoas podem expressar suas dores, sentimentos e crenças religiosas. Um exemplo claro disso é apresentado por Siqueira (1978) ao esclarecer que a origem ao termo samba esta situada em uma região especifica e “estuda-se aqui, com seriedade, o significado do termo Samba ligado às atividades rurais observadas no Nordeste brasileiro, já bastante nítidas no início do século XIX.” (SIQUEIRA, 1978, p. 16). 21 Dessa forma, Baptista Siqueira, diz que o samba não é carioca, mas é fato importante do folclore brasileiro, por isso, é que precisamos entender um pouco mais sobre essa afirmação do autor para compreendermos os resquícios culturais do sertão nordestino na cultura do sudeste do país, especificamente o Rio de Janeiro e consequentemente o contato de Noel Rosa com esse gênero musical. Analisando as rupturas e permanências da origem do termo samba no Rio de Janeiro na década de 1930 chegamos ao: O sertão do Nordeste, compreendida a área geográfica imensa que vai do Oeste baiano, passando pela Serra do Caracol, Riacho do Navio, Contraforte da Ibiapaba e Araripe, Boqueirão do Curema e Cariris-Novos, Velhos e de Fora, foi o maior repositório de incalculáveis tradições populares. Estava, também, cheio de informações, dados e contribuições folclóricas que falavam linguagem originalíssima. Pouca coisa, nesse sentido, aparecia na arte poética contemporânea, os trovadores locais preferiam registrar ocorrências mais oportunas. Esse aspecto negativo é, ainda hoje, observado sem dificuldades. Veja-se, inclusive, a literatura de cordel. (SIQUEIRA, 1978, p. 28). A afirmação do autor de que o samba não é carioca se encontra na citação acima. Nela, temos muito mais que um recorte espacial específico, mas sim a descrição de locais responsável por guardar um significativo acervo de tradições populares, tais como: dados e linguagem que é um aspecto da cultura ligada ao viés da História Cultural. Além disso, o autor nos informa que graças aos trovadores locais, essas tradições foram preservadas e se tornou um elemento imprescindível para conhecermos a origem do termo samba. Uma vez que, foi “neste ambiente, a atmosfera em que outrora surgiu nas Culturas Cariris, o termo samba”. (SIQUEIRA, 1978, p. 30). Como podemos notar, a origem do termo samba surgiu nas formas culturais da tribo Cariri5, onde as danças acompanhadas de canto praticadas por eles receberam o nome de samba, ou seja, era uma manifestação cultural praticada pelos os nativos no sertão nordestino. Com tal proposição, percebemos que a “tradição é mantida por razões que não são neutras, pela memória de pessoas que vivem em sociedade e que como tal se comportam” (LE GOFF; NORA, 1995, p. 102). As tribos indígenas preservaram tradições milenares, embora não temos informações concretas, podemos imaginar que os Cariris não foram diferentes de outros povos e por meio de sua língua, deram o nome de samba as suas danças e cantos. 5 (Etnol.) Tribo de silvícolas, brasileiros, que moravam na Serra de Borborema, quando o Brasil foi descoberto. Hoje estão extintos em quase sua totalidade. A designação cariri ou quiriri, em tupi, significa calado, quieto, triste; sinais esses psicológicos desses silvícolas. Quando os holandeses foram banidos, os cariris, aos quais se tinham unido, foram também pelos portugueses, mortos em grande quantidade e os restantes se dispersaram. Eles eram cultos como os tupis, pois fabricavam redes de algodão, cerâmicas rudimentares e tinha também, cultura agrícola. Retirado do Dicionário Magno da Língua Portuguesa. Pesquisado em: 23-07-12. 22 Diante do apresentado acima, analisamos que o contesto embrionário da origem do termo samba no sertão nordestino envolve uma multiplicidade cultural e nos possibilita através das definições do campo da historia cultural, entendermos regiões, tradições, cultura e produtor cultural. Assim, no Rio de Janeiro de Noel Rosa, o ambiente para o samba carioca se constitui podemos dizer de maneira inovadora e distinta, isso sim se observarmos o contexto dos. “Habitués” da casa da Tia Ciata, adeptos do partido alto e do samba rasgado, criaram uma produção musical, classificada por eles mesmos como samba. Cada um colaborara numa frase, dando um tema, uma ideia, um trecho. Donga (Ernesto do Santos), ótimo violonista, tomou logo a iniciativa de editar, como de sua autoria única, a composição do novo “gênero”, impressa no Instituto da Artes Gráficas, à rua 13 de maio n.º 43, Rio, registrando-a imediatamente na Biblioteca Nacional, sob o n.º 3295, à 16 de dezembro de 1916, Numa dessa edições constam (Peru do Pés Frios), conhecido repórter carnavalesco. E uma das gravações com “Bahiano” e coro, com a versalhada completa, também sem a citação do poeta: (SIQUEIRA, 1978, p. 17). Dando prosseguimento a questão levantada acima, em primeiro lugar o samba do Rio é gerado num ambiente urbano, um dos exemplos acima é a casa da baiana Tia Ciata, como podemos observar, local de encontro dos músicos e compositores da época, com também ambiente que foi composto o primeiro samba gravado no país, intitulado de “Pelo Telefone”, “com letra de Mauro de Almeida e melodia de Donga”. (CALDEIRA, 2007, p. 12). Embora escrito e registrado em 1916, mas foi em 1917 que ele foi gravado no disco. Dessa forma, para entendermos um pouco mais a respeito da Casa da Tia Ciata no Rio de Janeiro. Recorremos a Almirante (1963), segundo ele as festividades religiosas afrobaianas tiveram significativa importância no Rio de Janeiro e uma das principais representantes dessa religiosidade era a Tia Ciata. Isso significa que sua casa além de ter funcionado como um local onde os compositores na maioria negros, se reuniam para tocar, cantar e criar o primeiro samba. Supostamente o novo gênero teve uma certa influência da cultura afro-baiana. Assim sendo, as coisas se encaixaram: de um lado, mesmo adolescente Noel Rosa já era um seguro violonista, do outro, o ambiente propício para o crescimento do samba carioca já estava criado. “O samba gravado foi o grande culpado pela transformação”. (CALDEIRA, 2007, p. 11). Transformação está que terá como um dos principais responsáveis Noel Rosa. Como podemos perceber, por via do campo da historia cultural entendemos o nosso compositor popular como um produtor de cultura, ou seja, isso se deu por meio de sua aptidão musical, o violão e a poesia. Por outro lado, embora sendo gravado em 1917 o primeiro 23 samba, porém será em 1930 a grande explosão desse gênero, graças é lógico, segundo Frota (2003) aos meios de produção, reprodução e consumo da música popular. Noel Rosa, é claro, será um dos grandes contribuintes por tal façanha, como veremos a seguir na estrutura do trabalho. 1.3 Noel Rosa e o Brasil da Década de 30: as Mudanças Ancorando-nos nas perspectivas apontadas acima, centramos nossas discussões em um recorte que contempla nosso objeto de pesquisa no momento da sua produção artística. Diante de tais elementos, existentes nesse tópico, há a necessidade de abordar as mudanças ocorridas no Brasil na década de 30, tanto na política nacional, quanto na área cultural. Logo, existem mudanças nas emissoras de rádio, o disco e principalmente tratando do nosso objeto, a entrada de Noel Rosa ao Bando de Tangará e na Faculdade de Medicina. Assim sendo, “o ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país. A partir dessa data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas.” (Carvalho, 2001, p. 87). Na política, Vargas assume o poder e entre as mudanças criadas por ele em seu governo, interessa nos aqui destacar as ocorridas na área cultural, entre as quais destaco: o futebol, o carnaval e principalmente o samba. “Neste caso era o samba, uma forma de música e dança especificamente brasileira.” (SKIDMORE, 1998 p. 168). Embora o propósito do governo fosse utilizar a cultura como meio de construir a identidade nacional, para com isso ocultar as falhas e opressões de sua política ditatorial. José Murilo de Carvalho vem ratificando acima é que a partir dessa época o país passaria por transformações significativas, entre elas como já foi dito, o samba como música e dança exclusivamente brasileiro. Quanto isso, devemos deixar de lado as questões pretensiosas do governo, sem jamais desconsiderar a relevância deste fato e focarmos no ponto que nos interessa neste trabalho, entender as mudanças culturais na década de 30 e situar nosso objeto de pesquisa como um elemento ativo nesse contexto de mudanças. “O rádio nascera na década de 1920 no Rio, pensado como um instrumento de educação para as massas. Por isso, no início, as emissoras transmitiam conferências, óperas e outros que tais.” (CALDEIRA, 2007, p. 121). Surgido com a intenção de ser um veiculo de comunicação responsável por levar informações às pessoas, onde as estações de rádio eram mantidas por contribuintes. Ou seja, 24 nesta época o rádio tinha uma função social. Entretanto, a década de 30 marca o início de uma nova fase do rádio. “Em 1933, dez anos após a inauguração da primeira emissora no país, o Rio de Janeiro já contava com cinco emissoras. Eram elas: além da pioneira Rádio Sociedade, a Rádio Club do Brasil (1924), a Rádio Mayrink Veiga (1926), a Rádio Educadora (1927) e a Rádio Philips (1930).” (FROTA, 2003, p. 26). Diante disso, podemos perceber o crescimento que tivera este veiculo de comunicação na capital federal na década de 30, o que chama mais atenção neste caso é que as emissoras nesse período perdem a função educativa, tão marcante na década de 1920. Por outro lado, a partir desse momento o rádio passa ser comercial, um exemplo claro disso nos apresenta Caldeira (2007), segundo o autor, o veiculo de comunicação ganhou significativamente com a chegada dos compositores populares, programadores fixos e principalmente com a divulgação de propagandas. Contudo, isso só foi possível por meio do “Decreto nº 21. 111 do executivo Federal, datado de 1º de março de 1932, que legalizou a irradiação de propaganda e abriu um novo e incrível leque de oportunidades para alguns dos membros da geração Noel Rosa.”6 (FROTA, 2003, p. 26). Com aprovação da lei, o rádio estava livre para faturar com as propagandas e, consequentemente patrocinar artistas da geração Noel Rosa, inclusive o próprio Noel Rosa teve uma passagem por ele. Veja como aconteceu. “Ademar Casé conseguiu um programa na Rádio Philips e convidou o Noel para trabalhar como contrarregra. Lá, além de arranjar a ordem das apresentações, ele ainda corrigia letras de compositores menos dotados e apresentava seus próprios números. Noel pertencia definitivamente ao meio artístico.” (CALDEIRA, 2007, p. 121). Vimos nessa passagem à importância do nosso compositor popular Noel Rosa. No rádio ele exercia funções múltiplas, além de organizar as apresentações, com sua capacidade artística corrigia letras de compositores menos experientes, como também fazia suas apresentações cantando voz e violão. Diante mão, houve necessidades recíprocas, tanto os artistas precisavam do rádio para se tornar conhecidos, quanto o rádio precisava de suas composições para a programação ficar mais atraente. Noel Rosa era um deles, ou seja, graças ao rádio, sua voz tornava-se conhecida no meio artístico carioca. Segundo Frota (2003), o disco foi outro mecanismo de suma importância para consagração de artistas da geração Noel Rosa. Dessa forma, perceberemos que a entrada de 6 Francisco Alves, Carmem Miranda, Aracy de Almeida entre outros. FROTA, Wander Nunes. Auxilio Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa e indústria cultural. São Paulo: Annablume, 2003. 25 Noel Rosa no Bando Tangarás7 tem uma relação bem próxima com o avanço do disco na década de 30. No entanto, primeiro vamos entender como estava musicalmente Noel Rosa quando recebeu o convite para fazer parte do grupo em destaque. “Noel Rosa torna-se conhecido. Seu nome já corre pelo bairro: Só dezoito anos. E que violão! Triplicam os recados no Carvalho, repetem-se as solicitações para que atue em festas e serenatas.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 101). Os autores demonstram a musicalidade de Noel Rosa em nível elevado, graças a isso eram constantes os convites para shows, se tornando conhecido na região. Isso significa também que as pessoas gostavam dele enquanto cantor, evidências lógicas que estaria fazendo a coisa certa para se tornar um grande compositor popular. Embora jovem, se encontrava musicalmente preparado. Até que um dia é procurado por um grupo de jovens como ele. - Somos o Flor do Tempo.8 Os jovens que convidaram Noel estão convencidos de que algo de muito importante começa acontecer na música popular: o disco. É na verdade que desde 1902 fazem-se gravações no Brasil. E que nos últimos anos cresceram bastante a indústria e o comercio fonográficos no Rio de Janeiro. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 101). Sendo um bom violonista Noel Rosa foi convidado por jovens da sua faixa etária que tinha um grupo musical chamado Flor do Tempo. A citação deixa claro que eles estavam antenados com a realidade da época, ou seja, as mudanças na música popular, com a chegada do disco e a indústria fonográfica. Mais do que isso, o Flor do Tempo queria aproveitar essa boa fase mercadológica e incluir Noel Rosa no conjunto. Ou seja, o objetivo do grupo era gravar e tentar fazer sucesso. Diante da problemática, surge uma indagação: qual seria o verdadeiro motivo que os rapazes do Flor do Tempo convidaram Noel Rosa para fazer parte do conjunto? Na tentativa de dar uma resposta satisfatória, consideramos essa pertinente para o momento. “Vivendo em Vila Isabel, eu e Braguinha víamos, a esta altura constantemente Noel, conhecido já por suas habilidades no violão e bandolim.” (ALMIRANTE, 1963, p. 41). 7 Conjunto musical formado por: Carlos Alberto Ferreira Braga, ( Braguinha ou João de Barro ) Henrique Brito, Álvaro Miranda, Almirante e Noel Rosa – ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa, 9ª Ed, São Paulo: Paulo de Azevedo Ltda. 1963. 8 De início era um conjunto musical formado por vários violonistas, um bandolim, um cavaquinho, um pandeiro e alguns cantores. Em 1929 recebendo uma proposta para gravar, o conjunto diminuiu o número de componentes, ficando apenas com os mais destacados: Carlos Braga, Henrique Brito, Álvaro Miranda e Almirante. AMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. 9ª ed. São Paulo: Paulo de Azevedo Ltda. 1963, p 38-41. 26 Embora o autor acima não deixa claro que realmente foi este o motivo pelo o convite a Noel Rosa para aderir ao grupo, pelas evidências suponhamos que foi um conjunto de fatores, primeiro, devido os músicos já conhecerem Noel Rosa, segundo, aí sim pelas suas habilidades ao violão. De modo geral consideramos mais correto o segundo fator, afinal, para um grupo que desejava fazer sucesso, era óbvio que eles não queriam qualquer músico. Segundo Máximo e Didier (1990), antes o Flor do Tempo era formado por quatro músicos, com a entrada de Noel Rosa, será um quinteto em homenagem aos pássaros fandangueiros que sempre voam em grupos de cinco, e passará se chamar Tangarás. Isso significa que a presença de Noel Rosa trouxe mudança de nome para o grupo. Para conhecermos um pouco sobre o Tangarás após adesão de Noel Rosa, dialogaremos com Caldeira (2007), segundo ele, “a marca registrada era a vergonha do contato com a multidão. Este era um dos motivos que eles recusavam aceitar qualquer espécie de pagamento por suas apresentações.” (CALDEIRA, 2007, p. 111). Embora com o propósito de fazer sucesso, o autor descreve que o Bando Tangarás tinha vergonha do contato com o publico, sendo este o principal motivo da não aceitação de pagamento pelos shows. Além dessa característica bem particular dos músicos, para nosso compositor popular Noel Rosa foi uma experiência a mais, ou seja, além deles tocarem nos cafés de Vila Isabel, com o tempo o principal objetivo do grupo foi realizado. “Um estúdio de gravações era ainda, para nós, um segredo, verdadeiro tabu. O da Odeon9-Parlophon10 localizava-se na cúpula do Teatro Fênix.” (ALMIRANTE, 1936, p. 54). Segundo Máximo; Didier (1990), foi a Parlophon subsidiária da Odeon que concedeu uma chance aos rapazes do Tangarás gravar o primeiro disco. Independente da gravadora, o mais importante é que os jovens haviam realizado seu projeto. Diante desses acontecimentos, significa que Noel Rosa estava inserido na dinâmica artística do grupo, com apresentações constantes em publico e a gravação do primeiro disco, de certa forma, esses acontecimentos proporcionaram-lhe maior experiência musical e artística. Somando-se a isso, a década de 30 é responsável por trazer uma nova experiência à vida do nosso compositor popular. Noel é aprovado no vestibular. Tangenciando a média mínima exigida, consegue uma parcimoniosa 3,6. Mas que importância tem isso se o resultado leva alegria aos moradores do Chalé? É um acadêmico de medicina, um futuro doutor, um jovem caminhando para abraçar a profissão 9 Primeira fábrica brasileira de disco inaugurada no Rio de Janeiro em 1912. Wander, Nunes Frota. Auxílio Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa – São Paulo: Annablume, 2003, p. 17. 10 Subsidiária da Odeon. MÁXIMO; DIDIER. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da Universidade de Brasília: Linha Gráfica, 1990, p. 102. 27 do bisavô, do avô, do tio, uma tradição de família em torno da mais nobre de todas carreiras. A música acredita-se, passa agora a segundo plano. Como uma brincadeira de horas vagas, domingos e feriados. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 165-166). Podemos observar nessa citação que apesar de Noel Rosa esta tocando com o Bando de Tangarás, consegue ser aprovado para Faculdade de Medicina, com uma média baixa, mas o importante era ter um filho Doutor, assim pensaram a família Medeiros Rosa. Esta por sua vez estava gozando de muita felicidade, afinal, para seguir a tradição da família materna, o jovem Noel Rosa seguiria a mais nobre de todas as profissões. Fica bem visível na citação que os pais de Noel Rosa e principalmente a mãe Martha de Medeiros Rosa vinha de uma família de classe média, além do mais, seus antecedentes como avô, pai e irmão foram médicos, então não havia dúvidas que eles quisessem o Noel Rosa médico e não sambista, o que explica o motivo da felicidade familiar e principalmente acreditarem que a música para o compositor, a partir de então, ficaria em segundo plano, distração de finais de semana. Mas eis a questão! Será que Noel Rosa iria concordar com a concepção e vontade de sua família e deixaria realmente a música em segundo plano? A resposta será apresentada no decorrer do trabalho. A seguir, iremos conhecer um pouco mais a respeito das particularidades do samba carioca, as influências da indústria cultural e situar nosso objeto de pesquisa neste contexto histórico tão importante para o samba, como também conhecermos a particularidade do samba de Noel Rosa. 1.4 O Rio de Janeiro: a Particularidade do Samba Consciente de que o recorte espacial e temporal deste trabalho limita-se a cidade do Rio de Janeiro e a década de 30. Então, neste tópico discutiremos a particularidade do samba carioca, entendo-o no seu contexto periférico e depois na modernidade, ai sim situaremos Noel Rosa como um sambista deste contexto. Então, para entendermos a particularidade do samba carioca, será preciso retroceder um pouco para que possamos compreender as mudanças ocorridas no gênero antes e durante a década de 30. Para inicio de conversa vamos esclarecer algumas conclusões a respeito da origem do samba carioca. 28 O samba original não tinha, portanto, nenhuma ligação com os morros. Mas se no morro o samba não nasceu, foi aí que ele se desenvolveu paralelamente à criação e ao crescimento das favelas, que vieram a ser uma espécie de refúgio dos sambistas e do samba. João da Baiana, ao contestar também a origem do samba no morro, só faz ratificar a estreita ligação que havia entre os dois. “Tal ligação se dava justamente em função das fronteiras que pareciam existir entre morro e o “lá fora”, “lá embaixo”, de maneira que “cáem cima” e cá-dentro” se podia escapar às pressões sociais e policiais. Diz o velho sambista: “O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da policia e íamos para os morros fazer samba”. (MATOS, 1982, p. 28). Nesta citação Claudia Matos nos dar algumas informações pertinentes para entendermos melhor a origem do samba carioca. Em primeiro lugar ela esclarece que o samba não é originário do morro, porém, foi lá que ele desenvolveu e encontrou condições necessárias para permanecer enquanto gênero musical e cultural. O samba no Rio de Janeiro, nas suas origens é claro, esta intimamente ligado a questões sociais e raciais, uma vez que, como apresenta a autora, o desenvolvimento do samba esta relacionado ao crescimento das favelas, sendo este um local de aglomeração dos mais pobres e principalmente abrigo para os sambistas que fugiam das cidades para lá, vítimas das pressões sociais. De certa forma, os fatos acima demonstram o tanto que os sambistas negros eram discriminados pela sociedade da época, por isso a razão de existir uma fronteira entre a cidade e o morro, ou seja, a distinção entre o permitido e o proibido. Como afirma João da Baiana, o samba nasceu na cidade, mas foi para o morro devido à proibição de ser cantado e tocado na cidade. E por isso mesmo que lá no morro o samba se constituiu e representou a identidade do seu povo. A significação político-cultural do samba é sempre, de uma forma ou de outra, mais ou menos conscientemente, percebida pelo sambista e manifestada em seus versos, influindo em sua visão do mundo em que vive e do mundo que o cerca, seja esta visão crítica ou idealizante. (MATOS, 1982, p. 30). A autora nos apresenta que o samba no principio teve um significado político-cultural, em primeiro lugar isso quer dizer que era uma música de qualidade, afinal, ela representava as angústias e sofrimentos vividos pelos negros nos morros e favelas, e o sambista tinha consciência da realidade social que eles viviam, e como forma de contestação, desabafava por meio dos versos, fazendo sambas que, segundo Claudia Matos, significava como um meio de expressão da comunidade e também como fortalecimento do grupo. Demonstrando a união dos sambistas e a boa convivência que eles mantinham entre si, lembrado que, esta união foi um fator fundamental para o surgimento de bons sambas. No 29 entanto, o tempo traria modificações para o samba e principalmente à vida do sambista, é a década de 30 que chegou trazendo mudanças para o samba carioca. São elas: Em meados dos anos 30, o samba-canção ou samba-de-meio-de-ano fixa-se como modalidades diversa do samba carnavalesco. Através das emissões radiofônicas, o novo gênero rapidamente conquista grandes contingentes do público urbano. Na mesa época, surge o samba-choro, produto híbrido que não chegou a se constituir como um estilo definido e duradouro. E um pouco mais tarde, o samba “jogo proibido”, lançado em 1936 na voz de Moreira da Silva, inaugura o gênero que viria a ser conhecido como samba-de-breque. (MATOS, 1982, p. 45). Pelo o exposto ficam evidentes as mudanças ocorridas na década de 30. Embora o ambiente propício à evolução do samba tivesse começado anterior a 30, por exemplo como já foi dito, em 1917 com a gravação do primeiro samba. Por outro lado, os autores João Máximo e Carlos Didier refere que em 1929 já haviam sido instaladas cinco gravadoras no Brasil, uma delas a Parlophon subsidiária da Odeon, responsável por gravar o primeiro disco dos Tangarás, como vimos anteriormente. Somando a essas inovações, temos um pouco anterior essa data. “A mudança no sistema de gravação (mecânica para elétrica) – em julho de 1927, no caso brasileiro – marcou o enorme avanço da indústria fonográfica no Brasil e também possibilitou o surgimento de certa indústria de apoio àquela: uma publicação especializada nos lançamentos de disco.” (FROTA, 2003, p. 91). Nesta citação podemos observar que a gravação elétrica possibilitou o avanço da indústria fonográfica no Brasil, isso significa maior qualidade nas gravações do samba e possivelmente mais vendagem de discos. Como também uma inovação para o mercado brasileiro da musica popular e a industrial cultural de modo geral. Ou seja, diante dos fatores mercadológicos tais como o rádio e a gravadora em plena ascensão na década em destaque, tá explicado um dos motivos pelo qual surgiram variedades de sambas. Neste aspecto observamos necessidades recíprocas, de um lado gravadora e rádio precisando de compositores e sambas, do outro, estes mesmos precisando de alguém que gravasse e divulgasse suas obras. A relação entre os compositores de samba e os veículos de divulgação impôs uma dinâmica diferente à vida destes sambistas se comparado ao ambiente social do morro e das favelas. “Fazer música para o Carnaval nos anos 1930 mexia com os nervos dos compositores, ávidos para que suas marchinhas e seus sambas emplacassem no gosto dos 30 salões e das ruas, e para que fossem cantadas com euforia nas batalhas de confete pelos bairros.” (DINIZ, 2010, p. 35). Ou seja, antes suas composições eram tocadas apenas nas rodas de samba com os amigos e vizinhos de bairro, na base da informalidade. Em 30, a realidade era outra, os sambistas procuravam ascensão social, para isso era preciso que seus sambas fizessem sucesso e fossem aceitos. Neste contexto, Claudia Matos ao trazer a informação de que o carnaval foi oficializado em 1932. Ele veio para se tornar ao lado do rádio, disco e das gravadoras um veiculo forte para divulgação do samba carioca, e servir também como um meio indispensável de ascensão social de compositores e cantores, por isso, a avidez daqueles que faziam sambas exclusivamente para o carnaval e ficavam torcendo para que seus sambas e marchinhas conseguissem fazerem sucesso. Neste contexto histórico da década de 1930, um compositor popular que se deu bem no carnaval foi Noel Rosa. Entretanto. “Noel sempre fez sucesso nesse período, mas não era um típico compositor carnavalesco”. “Sua obra era para ser cantada em qualquer mês, em qualquer lugar, por qualquer pessoa e em qualquer estação”. (DINIZ, 2010, p. 35). Percebemos um diferencial no samba de Noel Rosa, enquanto à maioria dos compositores de sua época esperava o carnaval para divulgarem seus sambas, sendo esta talvez, uma oportunidade única para maioria destes sambistas. Por outro lado, embora tendo sempre feito sucesso no carnaval, (como veremos a seguir, no caso de com que roupa?), no entanto, seus sambas não eram exclusivamente para o este evento, mas, para ser ouvido o ano todo, certamente devido a qualidade das letras. Em outras palavras, quando André Diniz fala que o samba de Noel Rosa era para ser ouvido por qualquer pessoa e em qualquer estação. Ele ratifica a importância do samba de Noel Rosa, sendo uma obra que não teve fronteira e nem distinção, acessível a todos os públicos e diferentes gostos. Enquanto a década de 30 foi o momento também que surgiram outras modalidades de samba, tais como: samba-canção, samba-choro, samba de meio de ano e samba-breque, tendo como pioneiro o compositor Moreira da Silva. Por outro lado, atento as mudanças, Noel Rosa encontrou o caminho certo para tornar-se. Um sambista de mão-cheia. Um sambista branco – ou compositor, para os mais pudicos – que construiu a sua musicalidade reunindo referências diversas. Um mediador cultural que, nas trocas de linguagem e na experiência de mundo com os compositores de formação mais humilde, dos morros e do subúrbio, deu caminho definitivo de um samba que não é negro nem branco, mas mestiço: um samba que não nasceu no morro nem no 31 asfalto, mas com a obra de um individuo que soube aproveitar a influência dos ritmos europeus, africanos e americanos na formação de suas composições, mediando mundos culturais distintos, ultrapassando fronteiras delimitadas pela origem social, expressando a música de uma cidade. (DINIZ, 2010, p. 84). O autor define a característica de Noel Rosa enquanto sambista e compositor popular, em seguida ele aponta as múltiplas influências que tivera Noel Rosa, ou seja, desde os artistas mais humildes dos morros e subúrbios do Rio de Janeiro até os ritmos europeus, africanos e americanos, responsáveis segundo ele, para que Noel Rosa definisse um caminho para seu samba distinto, nem negro e nem branco, mas, mestiço e principalmente manifestando de forma única à musicalidade de sua cidade, o Rio de Janeiro. Com base nas discussões apresentadas até aqui, podemos afirmar como a particularidade do samba carioca foi formada, ou seja, de um lado, todo aparato tecnológico para época é claro, favorável à comercialização, divulgação e consumo do samba carioca construído e pronto para definitivamente expandir, do outro, temos Noel Rosa e demais compositores e cantores da sua época, prontos a inserirem e desfrutarem das possíveis vantagens da indústria fonográfica carioca. Apesar dos avanços nem todos conseguiram fazer sucesso nessa época, dos que conseguiram, interessa-nos para este trabalho especificar Noel de Medeiros Rosa. Contudo, de que forma isso aconteceu será trabalhado em detalhes no capítulo que se segue. 32 CAPITULO 2 - A CULTURA POPULAR, O SAMBA E NOEL ROSA: UMA MARCA EM NOSSA CULTURA. O segundo capítulo traz uma discussão demonstrando que Noel Rosa inicia compondo ritmos nordestinos, talvez por causa do Tangarás que também tocava este ritmo. Discute também a adesão de nosso compositor ao samba, em seguida o abandono do curso de Medicina e o bando de Tangarás. Já compositor profissional, discute a relação entre Noel Rosa e as instâncias de produção, difusão e consumo da música popular, sua rivalidade com o compositor Wilson Batista, suas parcerias, análise de suas músicas, homenagens póstumas e por fim apresenta uma discussão abordando os seus amores e vida boêmia. 2.1 O Samba e a Cultura Popular: a Importância de Noel Rosa para o Nosso Samba. Nossa pesquisa a partir daqui centra-se especificamente em nosso objeto de estudo. Contudo, para entendermos a importância dele para o samba brasileiro, primeiro serão discutidas as mudanças conscientemente tomadas por Noel Rosa, para seguir exclusivamente com sua carreira de compositor popular. Mesmo sendo um carioca de Vila Isabel11, Noel Rosa mantinha-se até então voltado para os ritmos nordestinos, um dos motivos que talvez possa explicar essa opção do artista compor canções sertanejas, fosse devido o repertório executado pelo o Bando de Tangarás do qual Noel Rosa era integrante, como: marchas, cateretês, toadas, emboladas, cocos, ou seja, ritmos nordestinos como também maxixi e o choro carioca. Segundo João Máximo e Carlos Didier, a moda do momento no Rio de Janeiro eram os ritmos dessa região, o motivo pelo o qual o Bando de Tangarás executava-os em suas apresentações. 11 É um bairro de classe média e média – alta da Zona Norte do Rio de Janeiro. Localiza-se na chamada Grande Tijuca. É cercado pelos bairros da Tijuca, Aldeia Campista, Grajaú, Andaraí, Maracanã e Riachuelo. É separado deste último pela serra do Engenho Novo, por onde passa o túnel Noel Rosa. Possui uma área de 321,71 hectares e uma população de 81.588 (segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apuradas no Censo Demográfico de 2000). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Isabel. Acesso em: 17-06-12. 33 Mas por que o Tangarás tocava praticamente estes ritmos? Essa adesão à música nordestina parece dever-se fundamentalmente, a dois fatores. O primeiro deles, o caráter nacionalista, regionalista do repertório. O segundo, o fato de não serem necessários muitos músicos e grandes vozes para forma um grupo desses. Dois ou três violonistas, um pandeiro, um recoreco, um ganzá. O resto são vozes em coro e improvisadores de versos. Portanto, é muito mais fácil formar um “regional nordestino” do que um jazz band. Geralmente composta de piano, piston, trombone, sax, clarinete, bateria, banjo. Daí o Flor do Tempo, daí o Tangarás. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 108). Ai esta os principais motivos do Bando de Tangarás ter aderido definitivamente à música nordestina. Primeiro, se esse ritmo estava tendo aceitação no Rio de Janeiro era óbvio que seria mais fácil eles fazerem sucesso com ele. Segundo, um conjunto regionalista composto de poucos músicos e instrumentos dariam menos trabalho e menos responsabilidade para Almirante, que era uma espécie de zelador do grupo, como também maior entrosamento dos músicos do Tangarás. Assim sendo, “em 1931 o Bando de Tangarás é convidado para cantar no Cine Eldorado a troco de dinheiro”. “Deu-se o Bode: alguns membros do grupo não aceitaram a ideia mercenária e se retiraram”. (CALDEIRA, 2007, p. 112). Neste exemplo fica bem evidente a recusa de alguns componentes do Bando de Tangarás aceitar pagamento por suas apresentações. Afinal, eles objetivavam chegar às multidões, desde que não fossem pagos pelos shows, usando apenas a elegância e a qualidade musical como marca registrada do grupo. Em meio a essa situação, podemos perguntar, e o Noel Rosa, irá concordar sempre como seus parceiros de música? Mas não era por essa via que Noel esperava eletrizá-las. Ao longo daquele ano, o jovem compositor começava a descobrir certas soluções para chegar a elas. Em primeiro lugar, abandonou de vez a embolada, gênero de tradição sertaneja no qual se arriscara suas primeiras composições, para se dedicar ao samba, nascido ali mesmo no Rio de Janeiro. (CALDEIRA, 2007, p. 112114). Caldeira nos apresenta um Noel Rosa audacioso, em primeiro lugar, ele descobre a maneira de como se chegar ao grande público, para isso abandona a embolada para se dedicar exclusivamente ao samba. Isso demonstra que Noel Rosa já tinha convicta certeza que através do samba seria a via mais correta, ou talvez, mais fácil de chegar à multidão e eletrizá-las com seu ritmo. “Acaba concluindo que é mesmo o samba o idioma em que melhor poderá expressar suas ideias e sentimentos, seu cotidiano, sua realidade”. (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 115). 34 Vimos nessa citação o Noel Rosa com um ideal já formado do que realmente queria para sua vida artística e profissional, ou seja, o samba. Por outro lado, o que chama bastante atenção na sua concepção, é que ele tinha certeza que por meio desse gênero poderia expressar com mais clareza e perfeição seus sentimentos e ideias, é obvio que, provavelmente tinha confiança no seu potencial. Um exemplo assertivo do pensamento de Noel Rosa pode ser observado na composição do seu primeiro samba, “com que roupa?” Que surge exatamente inspirado com base no contexto histórico social da época, veja como aconteceu. Um dia, fins de 1929, tio Eduardo surpreende Noel acompanhando-se ao violão numa cantiga que lhe soa de forma inteiramente original. - Que música é esta Noel? - Um samba que acabo de fazer. É sobre o Brasil. O Brasil de tanga. Noel explica que seus versos procuram retratar, ainda que metaforicamente, um país ilhado de pobreza, a fome e a miséria alastrando-se como praga. A vida já era difícil por aqui. Imagine agora, que o desmoronamento da Bolsa de Nova York ameaça mergulhar não só o Brasil, mas o mundo, numa dos diabos. É um país a beira da indigência, desnudado pela penúria, maltrapilho, de tanga que Noel fala em seu samba. A Tio Eduardo, contudo tranquiliza. - Mas eu que não sou bobo de ficar dizendo essas coisas por aí. E canta. Agora vou mudar minha conduta Eu vou pra luta Pois eu quero me arrumar Vou tratar você com força bruta Pra poder me reabilitar Pois esta vida não esta sopa E eu pergunto: Com que roupa? (Com que roupa). (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 116). Nota-se na citação de que forma Noel Rosa compôs seu primeiro samba, percebe como o compositor estava atento ao contexto histórico mundial da época, a crise de 1929 que estava acontecendo nos Estados Unidos. É de suma importância entender a sua capacidade racional e criativa. E transformar em samba o seu ponto de entendimento acerca dos efeitos da crise no mundo e principalmente no Brasil. Se observarmos com atenção no pequeno trecho do samba, a letra instiga a pensar numa atitude inquieta, “agora vou mudar minha conduta”. Supostamente o próprio Noel Rosa não agiria assim, mas talvez ele direcionava sua critica as autoridades competentes, ao Estado brasileiro em tomar uma atitude diante da crise. Por fim ele descreve a situação do povo brasileiro, e mais próximo a ele o povo carioca, ou seja, estava faltado até mesmo roupa para as pessoas. 35 O mais importante disso tudo, que foi a partir da composição do samba “Com que roupa?” segundo Máximo e Didier, que nascia o compositor popular Noel de Medeiros Rosa, que embora tivesse composto em 1930, mas em 1931 que seu samba foi lançado. No entanto. Havia apenas um problema. Como nosso compositor não sabia escrever música, era preciso recorrer a alguém para passá-la para o papel. O escolhido foi o pianista Homero Dornelas que, papel não, começou a escutar o primeiro verso: “Agora vou mudar minha conduta....” . Antes mesmo que Noel continuasse, pediu bis. Ouviu. Não havia dúvida: - Isso não é samba. É hino. O Hino Nacional. (CALDEIRA, 2007, p. 112). Embora sendo um bom violonista, Jorge Caldeira apresenta que Noel Rosa não sabia escrever música na partitura12, para isto procurou o pianista Homero Dornelas para que fizesse esse trabalho. Percebendo que havia uma coincidência melódica entre (Com que roupa?) e o Hino Nacional brasileiro. A primeira atitude do músico foi fazer a correção necessária para que não viesse atrapalhar a composição de Noel Rosa. Depois da correção, “Com que roupa?” tornou-se um grande sucesso no carnaval de 1931, foram mais de 15 mil copias vendida naquele ano, com isso. “O espaço para o contato entre Noel e as multidões aumentou bastante”. (CALDEIRA, 2007, p. 112). Isso significa que Noel Rosa ficou popularmente conhecido através do sucesso de “com que roupa?”, graças exclusivamente ao mérito dele por ter escrito uma obra prima, tendo como consequência positiva, a adesão e consumo das pessoas a seu samba. Por outro lado, Noel Rosa independentemente do Tangarás começa construir sua identidade enquanto compositor, pois seu samba o levou para mais próximo da grande massa. Embora fazendo sucesso com seu samba, na faculdade Noel Rosa não ia nada bem. “A medicina, positivamente, não era sua vocação. Procurava formar-se, unicamente visando corresponder aos desejos dos pais”. (ALMIRANTE, 1963, p. 98). Possivelmente, à tradição médica da família Medeiros Rosa não daria continuidade com o acadêmico Noel Rosa, suas pretensões eram outras. Afinal, “era muita coisa na cabeça de Noel: o sucesso no Carnaval, a entrada na faculdade, a multidão cantando seu samba e reconhecendo seu nome, a falta de paciência para Medicina.” (CALDEIRA, 2007, p. 112). Aqui o autor apresenta empecilhos que estava atrapalhando Noel Rosa conciliar a Faculdade de Medicina com a carreira de compositor popular. Em primeiro lugar ele não gostava do curso de medicina, sua paixão era a música, o samba. Então, pelo que conhecemos 12 Texto musical de uma composição, na qual se acha transcrita, total ou parcialmente, de modo a possibilitar ao compositor ou ao maestro os efeitos orquestrais ou corais. Disponível em: Dicionário Magno da Língua Portuguesa. Acesso em: 19-06-12. 36 do nosso compositor, audácia e coragem pareciam ser uma de suas maiores qualidades. “Prefiro ser um bom sambista a ser um mau médico” (ALMIRANTE, 1963, p. 99). Assim sendo, embora contrariando a vontade de seus pais, toma a decisão que para ele e para o Samba brasileiro foi a mais correta, abandona definitivamente a Faculdade de Medicina e entra para o samba. Significa que “Noel aderiu ao samba definitivamente ao perceber que esse gênero era o canal melhor para chegar à multidão. Não foi uma adesão ingênua de quem faz samba por que não pode fazer outra coisa” (CALDEIRA, 2007, p. 114). Ao dialogarmos com a citação fica evidente que Noel Rosa aderiu o samba devido o seu projeto de tornar um compositor popular, conquistar e tornar conhecido pelo grande público, ao contrário, poderia terminar a faculdade, ser médico e ter uma profissão promissora, segundo é claro, o desejo de sua família. Contudo, consciente de que o samba seria realmente o seu desejo e projeto de vida, uma vez que, levando em consideração questões econômicas, Noel Rosa não conseguiu ganhar dinheiro com suas composições. “Apesar de ficar conhecido na cidade e no país, o poeta do samba nunca conquistou tranquilidade financeira com a fama de suas composições.” (DINIZ, 2010, p. 138). Diante do exposto, fica claro que certamente a relação de Noel Rosa com o samba ia além de interesses econômicos, mas uma coisa era certa, ver o povo cantando suas obras primas e reconhecendo-o andando pela cidade do Rio de Janeiro, isso sim era seu principal objetivo. Segundo André Diniz, projeto realizado. Por outro lado, não foi tão fácil para Noel Rosa definir como um importante compositor popular, seu principal rival foi o sambista Wilson Batista. “Aos sambistas da roda, não era possível conceber um ideia de samba como essa de Noel.” (CALDEIRA, 2007, p. 132). A principal critica de Wilson Batista a Noel Rosa foi devido à composição do samba “Feitiço da Vila” em parceria com Vadico. Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila. Ao abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo. E faz a lua nascer mais cedo. “Feitiço da Vila”.13 (Noel Rosa e Vadico). 13 CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007, p. 131. 37 Para Wilson Batista, esse samba era uma afronta, pois apresentava poderes mágicos na sua letra e exaltava Vila Isabel e principalmente jogava por terra a concepção religiosa que o samba tinha para os negros, entre eles, o próprio autor da critica. O lado positivo dessa “briga” foi o surgimento de grandes composições de ambos os lados, a principal delas “Feitiço da Vila”, uma das obras primas de Noel Rosa. O fim do debate musical entre eles é marcado pela composição de “Palpite infeliz”. Quem é você que não sabe o que diz? Meu deus do céu, que palpite infeliz! Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Osvaldo Cruz e Matriz. Que sempre souberam muito bem, Que a Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também. “Palpite infeliz”.14 (Noel Rosa). Percebe-se que Noel Rosa na letra deste samba pede desculpa por ser interpretado mal, critica seu oponente considerando seu palpite infeliz, ou talvez, ingênuo, impensado, ressalta os bairros do Rio de Janeiro que também faz samba, e por último justifica que sua Vila Isabel não quer ser superior a ninguém, porém, possui compositores como ele que faz samba também. Segundo André Diniz, o samba “Palpite infeliz.” “é uma obra que mostra a maturidade do compositor, de um Noel que circulou pela cidade, que construiu parcerias pelos quatro cantos do Rio, ciente de que o samba não pertence a nenhum bairro, mas sim à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.” (DINIZ, 2010, p. 124). Ou seja, embora criticado por seu oponente, mas sabia o que estava compondo, conhecia muito bem a realidade da sua cidade natal, os versos de outros compositores, o morro, os bairros nobres, ou seja, sabia onde queria chegar e o legado que queria deixar. “Assim sendo, a importância de Noel na história brasileira da música popular fica tendo – para o público em geral – uma função comparável à de um museu.” (FROTA, 2003, p. 68). Diante de tal afirmação nos remete a pensar em primeiro lugar a quantidade de sambas compostos por ele, a qualidade e principalmente o significado deles para o entendimento da época vivida pelo compositor. Por outro lado, fazendo uma ligação entre as ideias supracitadas com as seguem, houve uma discussão acerca da originalidade noelina em 14 DINIZ, André. Noel Rosa: o poeta do samba e da cidade. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010, p. 124. 38 busca da compreensão dos fatores positivos e palpáveis de sua época, e em consequência a isso, produzindo suas obras de encontro com o momento. 2.2 Noel Rosa, seu Projeto e a sua Projeção: uma Reflexão. As discussões a seguir procura compreender a importância de Noel Rosa para as instâncias de produção, difusão e consumo da música popular brasileira. Neste contexto ele já está definido como um compositor popular, sendo assim, demonstra sua genialidade nas composições que vão de encontro aos anseios das gravadoras, o rádio e o público ouvinte. Traz também uma análise de suas principais composições, suas parcerias e homenagens póstumas. A produção artística de Noel Rosa é indissociáveis duas principais instâncias de consagração: a indústria fonográfica e as estações comerciais de rádio. “No processo de descobrimento do papel inovador que o disco e o rádio comercial dentro de pouco passariam a ter juntos, Noel Rosa serviu muitíssimo bem como um dos mais eficazes mediadores entre as duas instâncias e o público ouvinte em constante (trans)formação.” (FROTA, 2003, p. 63). Para entendermos melhor este processo, segundo Wander Nunes Frota, isso só foi possível quando os dirigentes de ambas as instâncias perceberam que uma precisava da outra para ter acesso o gosto musical dos ouvintes. Ou seja, a modo de exemplo, assim que um disco é gravado por uma gravadora qualquer, enquanto isso, para ele chegar até a grande massa precisava do rádio para fazer essa ligação entre o estúdio e a rua. No caso de Noel Rosa, foi ele quem fez esse papel mediador entre as instâncias de consagração e o publico ouvinte. É claro, méritos a ele de perceber o tipo de samba que o público queria ouvir, então não há dúvidas que sua produção artística ia de encontro com os anseios das instâncias de consagração. Portanto: Dentro do espaço de possibilidades, Noel teria sido também o primeiro de sua geração a compreender e a imediatamente traduzir essa situação em um modo particular de compor e interpretar sua música. Daí a completa originalidade noelina, que sem dúvida pegou a todos desprevenidos. (FROTA, 2003, p. 63). 39 Característica de quem estava atento às transformações e as possibilidades. Então, usando da sua sagacidade interpreta a realidade de modo favorável a ser o primeiro a compor e cantar sambas que foram de encontro com o gosto popular vigente. Diante do exposto podemos afirmar que seu projeto enquanto compositor popular realiza-se de forma definitiva e habilmente pensada, ao contrário, possivelmente não teria dado certo, de fato que, encaixar no gosto popular da época era para poucos. Isso se explica levando em consideração Frota (2003), a seu modo de pensar, a estética musical do cancioneiro Noel Rosa superava a todos de sua época. Assim sendo, e pelo o que já foi discutido até aqui, “não existe a mínima possibilidade de Noel ter sido um artista fabricado”. (FROTA, 2003, p. 68). Isso afirma com clareza que sua projeção enquanto artista popular foi graças às suas composições, a qualidade e a profundidade delas, não deve desconsiderar neste aspecto o papel do rádio e das gravadoras, se ele não fosse bom como compositor, certamente sua produção não teria continuidade, relevância e possivelmente cairia no esquecimento imediato. Falando em continuidade, o samba de Noel Rosa não se perdeu com o tempo, porém, antes de ser trabalhado este assunto e entendermos o porquê de tal duração é importante frisar que, após sua morte em 04 de maio de 1937 por causa da tuberculose, houve significativas homenagens póstumas. Segundo Máximo e Didier (1990), muitos artistas populares no Brasil embora sendo importantes para música ou outros segmentos artísticos, mas com o tempo caem no esquecimento, no caso de Noel Rosa parecia ser o mesmo, mas não foi bem assim. “Muitas e sempre tocantes às homenagens. A missa, os programas de rádio, as reportagens em jornais e revistas, os poemas, as canções dedicadas a Noel.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 476). As homenagens acima demonstram o quanto Noel Rosa era querido e respeitado em seu meio social. Segundo os autores, existiam programas de rádio dedicados a ele, artistas gravavam seus sambas. Ou seja, a mesma mídia que propagava seu nome e suas composições, reunia para anunciar sua morte e prestar-lhe merecidas homenagens. Por outro lado, ao consideramos que o samba de Noel Rosa não havia se perdido com o tempo, elencamos essa questão tendo por base aos fatos verídicos apresentados por autores como Frota (2003). Observe abaixo seu ponto de vista com relação à posteridade noelina. Penso que agora carece uma explicação minha, particular, do motivo pelo qual Noel Rosa seria tão importante hoje a ponto de ter seu nome batizando toda uma geração de artistas, de pessoal técnico do disco e do rádio, de agenciadores e etc. Acontece que de uns tempos para cá tem havido uma 40 tremenda curiosidade em torno deste artista e, em particular, de sua época. (FROTA, 2003, p. 62). Por meio da citação o autor procura mostrar o legado deixado por Noel Rosa às gerações posteriores, uma prova do reconhecimento demonstrado pelas pessoas ao seu trabalho, e principalmente aquelas ligada ao meio artístico, como também a busca incessante daqueles que procuram conhecer o trabalho de Noel Rosa e sua época. Com base no anunciado, comprova a afirmação de que “nenhum compositor popular brasileiro foi tão estudado.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 491). Ao compararmos as duas afirmações, percebe-se que elas se assemelham, de um lado, as repercussões noelina e a procura por conhecê-lo melhor, do outro, a comprovação de ser o compositor popular mais pesquisado da história da música popular brasileira. Isso demonstra a relevância de sua obra e principalmente seu potencial como compositor popular. Assim sendo, os sambas de Noel Rosa foram gravados por grandes artistas da nossa música popular, entre eles, nomes como: “Paulinho da Viola, Maria Bethânia e Beth Carvalho, além de citações em músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, João Nogueira e Martinho da Vila.” 15 Dentre estes artistas citados, destacam-se nomes ligados ao samba como também a MPB, uma prova de que a originalidade das letras de Noel Rosa ia de encontro a múltiplos gostos e estilos. De certa forma tentando reconstituir a grandeza do compositor e ajudando a preservar a memória daquele que “continuou a existir no imaginário carioca (e brasileiro) como um dos maiores poetas de nossa música popular em todos os tempos.” (FROTA, 2003, p. 68). Ou seja, a imagem, o nome e principalmente as músicas de Noel Rosa ultrapassaria fronteiras e gerações de um povo que, segundo DaMatta (1986) possui seu conjunto de valores, escolhas e ideais de vida. Como também responsável por manter viva em sua memória aquele que talvez representasse como ninguém seus anseios, angústia e alegrias. Noel de Medeiros Rosa. Após entendermos como se realizou o projeto artístico do nosso compositor popular indispensável para sua consagração tanto em seu tempo, quanto na posteridade. Por outro lado, as discussões que seguem procuram entender o samba brasileiro através de análise das composições de Noel Rosa, ou seja, aquilo de mais original. 15 CARVALHO, Herbert. Noel Rosa, o feitiço de Vila Isabel: centenário do poeta que não queria choro nem vela. Disponível em: http://www.capoeiravadiacao.org/attachments/211_Microsoft%20Word%20%20Noel%20Rosa,%20o%20feiti%C3%A7o%20de%20Vila%20Isabel.pdf. Acesso em: 41 2.3 Entendendo o Nosso Samba a Partir de Noel Rosa: as Composições. Centramos nossa discussão na busca de entendermos nosso samba a partir das composições de Noel Rosa, dessa forma, serão analisadas algumas de suas principais composições na tentativa de compreendermos o diferencial noelino. Na perspectiva de dialogar com as composições de Noel Rosa, primeiro é importante entender que, “ao longo de sua curta carreira, perto de oito anos, produziu aproximadamente trezentas músicas, sozinho e com parceiros, sendo a maioria das letras de sua autoria. Este número significativo de composições inclui alguns clássicos, que somam para a formação da música popular brasileira” (Monteiro, 2000).16 Os números já dizem tudo, ainda mais limitado num reduzido espaço de tempo, tempo este suficiente para que Noel Rosa sozinho e com suas parcerias conseguisse compor uma extensa obra, entre elas grandes clássicos de fundamental importância para formação da nossa música popular. Diante do exposto, uma vez que suas composições tiveram tanta repercussão no cenário da música brasileira é por que em primeiro lugar, segundo Marcos Monteiro (2000), Noel Rosa trouxe para música popular uma linguagem econômica, áspera e precisa. Seu garçom faça o favor de me trazer depressa Uma boa média que não seja requentada Um pão bem quente com manteiga à beça Um guardanapo e um copo de água bem gelada Feche a porta da direita com muito cuidado Que não estou disposto a ficar exposto ao sol Vá perguntar a seu freguês do lado Qual foi o resultado do futebol. “Conversa de botequim” (Noel Rosa e Vadico).17 Se observarmos com atenção na letra deste samba é notável duas das três características de linguagem no samba de Noel Rosa abordadas acima pelo autor, áspera e 16 MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em: http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012. 17 CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007, p. 162. 42 precisa. Primeiro, são palavras dirigidas em primeira pessoa do singular ao um receptor, o garçom, elas possuem um teor de ordem; como também diretas, sem rodeios e objetivas. Um detalhe que chama bastante atenção é que a primeira estrofe rima com a terceira, e a segunda rima com a quarta. Por exemplo, depressa com beça; requentada com gelada. Qualidades inquestionáveis de um dos grandes clássicos de Noel Rosa. Outro fator importante na composição deste samba é a parceria com Vadico, este por sua vez foi um dos mais constantes e sofisticados parceiros musicais de Noel Rosa. Isso demonstra “o espírito democrático de Noel, expresso nas suas parcerias, coloca sua obra numa trajetória ímpar na música brasileira. Nenhum compositor destilou tanta experiência e percepção nas trocas de linguagem com artistas de diferentes origens sociais.” (DINIZ, 2010, p. 18). A citação demonstra claramente que Noel Rosa vivia num Rio de Janeiro musical, onde existia uma serie de compositores, músicos e cantores. Por exemplo, além de Vadico, nomes como: Cartola, Ismael Silva e Ari Barroso18 entre outros tiveram parcerias com Noel Rosa. Por outro lado, demonstra que nosso compositor não era um artista individualista e egoísta, mantinha constante troca de experiência com artistas de diferentes classes sociais e níveis musicais. Se analisarmos o título do samba em destaque “Conversa de botequim” com as experiências vividas por Noel Rosa em distintos locais do Rio de Janeiro, chegaremos a outro ponto exclusivo do samba noelino. “O cotidiano se torna um tema importante na musica de Noel, já um mestre do coloquial nas letras.” (CALDEIRA, 2007, p. 130). Se analisarmos novamente a letra da música, é evidente que a narrativa dela mostra o cotidiano de um bar. Os termos freguês, garçom e futebol por si só já revelam uma realidade informal, uma relação entre amigos, colegas e vizinhos, uma prova clara que realmente o coloquial e o cotidiano fazia parte de seus sambas. Pelo o que já foi discutido até aqui, significa que com Noel Rosa o samba brasileiro que segundo Diniz (2010) é o gênero que mais se identifica com nosso país, recebia elementos novos para o conjunto de temas que poderia ser explorado, entre eles, os defendidos por nosso compositor em seus sambas, tais como: o amor, a mulher, a vida simples, todos eles é claro, pertencentes o cotidiano carioca como também brasileiro. 18 MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em: http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-09-2012. 43 Além dos pontos abordados por Noel Rosa para o samba brasileiro em suas composições. Com certeza o mais emblemático e definitivo deles era sua concepção formada de que “o samba era justamente um produto da cidade, não sendo exclusivamente de nenhuma classe social, de nenhum bairro, de nenhuma parte.” (DINIZ, 2010, p. 144). O samba, na realidade. Não vem do morro nem lá da cidade E quem suportar uma paixão Sentirá que o samba então Nasce no coração. “Feitio de oração” (Noel Rosa e Vadico).19 Percebemos ai uma semelhança entre o ponto de vista noelino e a letra de seu samba. A originalidade de Noel Rosa fica bem explicita em “Feitio de oração”, em primeiro lugar ele desconstrói a ideia de que o samba carioca nasceu no morro, no entanto, sendo um compositor branco e de um bairro de classe média, nem tão pouco concede a patente do samba a elite carioca, por saber que o samba na realidade não saiu de nenhum local ou classe social, mas sim do coração e da genialidade do sambista. Conheceremos a seguir características particulares acerca do compositor Noel Rosa, tais como seus amores, cada um com sua intensidade distinta, sua vida boemia tão próxima de suas relações amorosas e por fim analisaremos mais um samba seu, escrito em homenagem ao seu grande amor Ceci. 2.4 Um Modo Único de Viver: a Vida e os Amores de Noel Rosa. Dar-se a impressão que o subtítulo não coincide com a proposta de trabalho defendida, no entanto, iremos compreender que a vida e os amores de Noel Rosa faziam parte de seu cotidiano boêmio, ambiente responsável para o surgimento dos seus grandes clássicos como também para conhecermos Noel Rosa como realmente ele foi. Para inicio de conversa, as discussões até aqui já demonstraram o tanto que nosso compositor era ligado a sua cidade natal, sua gente, os bairros mais afastados, a boemia e principalmente os seus amores. “O passado amoroso do compositor manteve-se sempre em 19 CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007, p. 134. 44 brumas e confusões, principalmente devido aos nomes inexatos publicados por vários cronistas do tempo.” (ALMIRANTE, 1963, p. 176). A citação demonstra uma quantidade de nomes inexatos, tudo indica que foram muitos amores, cada um com sua intensidade, menos, mais, nenhuma ou aquela inesquecível. Com base nesse anunciado citaremos alguns nomes. Entre elas, segundo Almirante (1963), Clara, Josefina ou “Fina”, Julinha, Ceci e Lindaura. Com exceção da ultima que foi esposa de Noel, com Clara e Julinha foram relacionamentos breves, com Fina foi mais intenso mais nenhuma delas marcou tanto a vida do nosso compositor quanto Ceci. Vejamos como aconteceu. Em julho de 1934, o cabaré Apolo, na Lapa, se engalanava para receber e homenagear Noel Rosa, devido aos marcantes sucessos de suas produções musicais. Era véspera de São João e a presença do compositor constituía uma das atrações que a casa prometia para aquela noite. À sua chegada, Noel foi alvo de ruidosa manifestação. Sua atenção desviou-se, contudo, para certa figura “mignon”. Formosa e acessível era uma das dançarinas mais requestadas do Apolo. Noel também se deixou impressionar, e dela não mais se afastou desde aquele instante. (ALMIRANTE, 1963, p. 180). Embora já famoso por suas produções musicais, Noel Rosa conhece Ceci em seu ambiente de trabalho, ela era dançarina do cabaré Apolo. Local reservado para recebê-lo e presta-lhe homenagens. Contudo, apesar da euforia com sua presença, sua atenção voltou-se exclusivamente para ela, certamente foi encanto a primeira vista devido sua aparência agradável. A partir daí a vida deles mudará e principalmente a de Noel Rosa, uma vez que, “é com sintomática frequência que ele aparece no cabaré para vê-la. Puxa conversa, tira-a para dançar, convida-a para saírem juntos depois do expediente. Ceci gosta de Noel, acha-o simpático, divertido, muito inteligente, mas não envolver-se.” (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 313). Pelo o exposto é evidente o forte sentimento que Noel Rosa sentiu por Ceci, ao contrário, tudo indica que não voltaria mais ao local que outrora a conheceu. Por outro lado, desde garoto como vimos, Noel Rosa era bastante ligado ao ambiente da rua, adulto, as coisas não mudaram, bebia, fumava, era um boêmio. Contudo, a partir do momento que conheceu Ceci sua frequência no cabaré para vê-la aumentou, apesar de gostar de Noel, e enxergar qualidades nele, não queria se envolver, segundo João Máximo e Carlos Didier, ela gostava do seu trabalho, dos galanteios recebidos constantemente pelos clientes. Vimos que apesar do encanto de Noel Rosa a Ceci, ela não correspondia à altura, afinal, era uma profissional da noite. Enquanto isso: 45 Ceci e a dor, a dor e Ceci. Entre uma e outra, com um copo de cerveja gelada à mão, passavam-se os dias que na terra lhe foram concedidos. De noite, a amada no cabaré e Noel perambulando à espera de sua a saída. De vez em quando, alguém o lembrava de que precisava se tratar e ouvia: “Prefiro viver intensamente e não extensamente. (CALDEIRA, 2007, p. 166-167). É importante ressaltarmos que neste contexto a tuberculose em Noel Rosa já estava bastante agravada, nem por isso ele deixava de beber, passar a noite em claro a espera de Ceci. Quanto à saúde, Noel Rosa não importava tanto, provavelmente sabia que iria morrer, por isso fazia questão de viver intensamente, como realmente viveu. Com relação a sua amada, “entregou a ela os versos de um samba dedicado a seu amor, que acabara de ser musicado por Vadico:” (CALDEIRA, 2007, p. 174). Nosso amor que eu não esqueço E que teve seu começo Numa festa de São João Morre hoje sem foguete Sem retrato e sem bilhete Sem luar, sem violão. Perto de você me calo Tudo penso e nada falo Tenho medo de chorar Nunca mais quero seu beijo Mas meu último desejo Você não pode negar. “Último desejo” (Noel Rosa e Vadico). Antes de ser discutida a música, é importante dialogar com Diniz (2010), segundo ele, este samba é considerado pelos críticos como a mais perfeita obra de Noel Rosa. Inquestionável! Por meio deste samba ele faz uma declaração ao grande amor de sua vida, retrata o local do encontro deles e principalmente o que ele sentia ao lado dela, “perto de você me calo tudo penso e nada falo.” Certamente Noel Rosa tinha certeza que estava aproximando o seu fim e embora tendo consciência que não viveria esse amor, compõe este samba para demonstrar-lhe o quanto foi intenso seu sentimento por Ceci. Portanto, o que chama mais atenção foi à inteligência e genialidade com que ele descreve seus sentimentos em cada frase. Uma escrita sucinta, legível, com uma profundidade poética e melódica inigualável. Características marcantes daquele que construiu em pouco 46 tempo de carreira uma trajetória musical incomparável, originalíssima e duradoura. Noel de Medeiros Rosa. 11-12-1910 / 04-05-1937. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS. A construção de um trabalho monográfico requer tempo, dedicação e principalmente muita leitura, acompanhadas de fichamentos e seleções constantes do que deve ou não ficar na conclusão final do texto. Assim se deu a elaboração dessa monografia. Primeiro acho considerável justificar a minha escolha a cerca do objeto de pesquisa. Confesso que tal escolha não foi fácil, uma vez que iniciei o curso certo de que no final dele pesquisaria a respeito de um assunto relacionado ao samba, porém, minhas pretensões era entender a relação do negro depois da chegada das gravadoras, o disco e o rádio comercial na década de 30, ou seja, como ficou o negro neste processo de modernidade da música popular brasileira. É claro que, só ficaram claras essas ideias após leituras a respeito do assunto. Mas no decorrer do curso mudei de ideia e cheguei a outras pretensões, ou seja, pesquisar sobre outros assuntos, qual seria? Vieram tantas coisas em minha mente, mas eu precisava chegar uma conclusão do que realmente me interessava, então surgiu à intenção de escrever sobre o sertanejo nordestino, afinal, sou baiano, faria jus pesquisar sobre algo próximo de minha realidade. Para isso, li uma obra da Raquel de Queiróz, o Quinze, por meio dela era meu propósito pesquisar a respeito da sensibilidade do sertanejo nordestino, ou seja, aquele nordestino que ama sua terra natal e quando chega a sair é devido à seca e a miséria provocada por ela, mas na maioria das vezes sonha em voltar para sua terra natal. Neste caso, seria um trabalho que teria como fonte de pesquisa uma obra literária. No entanto, com o passar do tempo, mudei de ideia mais uma vez, mas para escolher um objeto definitivo. Noel de Medeiros Rosa e a sua contribuição para o samba na década de 1930. Portanto, considero necessário esclarecer como conheci meu objeto de pesquisa. Foi exatamente através das leituras sobre o samba. No entanto, foi no final do 3º ano do curso de História que veio a conclusão do que realmente me interessava pesquisar, ou seja, era um momento decisivo, não havia mais tempo, era tudo ou nada. Decidido finalmente meu objeto de pesquisa, o próximo passo foi à busca de um referencial teórico condizente. De acordo que era ampliada as leituras sobre o Noel 48 Rosa, mas interessante ficava a pesquisa, e isso fazia com que o interesse em conhecer mais sobre ele aumentava cada vez mais. Devido a um limitado tempo de pesquisa, obrigaram-me a fazer duas coisas ao mesmo tempo, leituras e escrita da monografia. Diante disso, me posiciono na tentativa de explicar que desde inicio minhas pretensões foram de fazer um trabalho que apresentasse uma discussão pertinente. Condizente com o problema a ser defendido, ou seja, a contribuição de Noel Rosa para o samba brasileiro. Então, ao lerem o meu trabalho, espero que as discussões contidas nele sejam capazes de ampliar o seu conhecimento acerca de Noel de Medeiros Rosa e principalmente a cerca da temática defendida. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. 9ª ed. São Paulo: Paulo de Azevedo Ltda. 1963. BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidade e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. CALDEIRA, Jorge. A construção do samba: Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. DINIZ, André. Noel Rosa: o poeta do samba e da cidade. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010. DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil. – Rio de Janeiro: Rocco, 1986. FROTA, Wander Nunes. Auxílio Luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa e a Indústria cultural. São Paulo: Annablume, 2003. LE GOF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. – Brasília: Editora da Universidade de Brasília: Linha Gráfica, 1990. MATOS, Cláudia. Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. SIQUEIRA, Baptista. Origem do termo samba. São Paulo: IBRASA, 1978. SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 50 Documentos eletrônicos: CARVALHO, Herbert. Noel Rosa, o feitiço de Vila Isabel: centenário do poeta que não queria choro nem vela. Disponível em: http://www.capoeiravadiacao.org/attachments/211_Microsoft%20Word%20%20Noel%20Rosa,%20o%20feiti%C3%A7o%20de%20Vila%20Isabel.pdf. Acesso em: Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Isabel. Acesso em: 17-06-12. MONTEIRO, Marcos Antônio de Azevedo. Noel Rosa: a modernidade, a crônica e a indústria cultural. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000. Disponível em: http://www.riototal.com.br/coojornal/marcos_azevedo_tese_noelrosa.pdf. Acesso em: 16-092012. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_de_S%C3%A3o_Bento. Acesso em: 19-07-12. Fontes documentais: Dicionário Magno da Língua Portuguesa. ROSA, Noel; ALMEIDA, Aracy de. Palpite infeliz. Rio de Janeiro: Continental, 1950, LP. ROSA, Noel; ROSA, Noel c/ Bando Regional. Com que roupa? Rio de Janeiro: Parlophon, 1930, LP. ROSA, Noel; VADICO, ROSA, Noel c/ Conjunto Regional. Conversa de botequim. Rio de Janeiro: Odeon, 1935, LP. ROSA, Noel; VADICO; ALMEIDA, Aracy de. C/ Boêmios da cidade. Último desejo. Rio de Janeiro: RCA, 1937, LP. ROSA, Noel; VADICO; ALMEIDA, Aracy de; c/ SERGI, Francisco e sua orquestra. Feitiço de oração. Rio de Janeiro: Continental, 1950, LP. ROSA, Noel; VADICO; ALVES, Francisco e BARBOSA, Castro c/ Orquestra Copacabana. Feitio de oração. Rio de Janeiro: Odeon, 1934, LP.