100 EXISTE UM GENE PARA A MATEMÁTICA?1 RESENHA DA OBRA: DEVLIN, K. J. O gene da matemática: o talento para lidar com números e a evolução do pensamento matemático. Trad. Sergio Moraes Rego. Rio de Janeiro: Record, 2004. Carlos Roberto Barbosa de Souza2 O livro O Gene da Matemática: o talento para lidar com números e a evolução do pensamento matemático, de Keith Devlin, publicado em 2004 pela editora Record, é uma obra com aproximadamente 350 páginas, agrupadas em 10 capítulos, em que Devlin defende não haver um gene da aprendizagem matemática, mas que o cérebro humano possui uma faculdade para a linguagem, adquirida com a evolução da espécie, que é a mesma utilizada para aprender matemática. No primeiro capítulo, o autor aponta que os primeiros rudimentos de conhecimento matemático tratavam basicamente de números. Porém, com o passar do tempo ele se expandiu para além do estudo dos números e passou a ser também conjunto de técnicas de importante utilidade. Com a descoberta do cálculo infinitesimal por Isaac Newton e Gottfriend, a matemática tornou-se, ainda mais, uma fonte para a compreensão do universo. O autor cita diversos atributos mentais e exemplifica cada um que contribui para a nossa capacidade de lidar com a matemática, e também relata sobre o enigma do tamanho do cérebro. No segundo capítulo, Devlin faz uma reflexão sobre o senso numérico. Afirma que nós temos um senso numérico inato e o possuímos desde poucos dias de idade, se já não nascemos com ele. Além disso, compartilhamos esse senso com outras “criaturas”. O autor não afirma que nós somos “bons em somas” ou que “sabemos a tabuada de multiplicação”, mas independente de nossas proezas nas aulas de matemática, nossa mente tem realmente um senso numérico. Ainda neste capítulo, o autor cita alguns experimentos feitos por estudiosos que analisaram várias espécies de animais e concluíram que estes também possuem senso numérico. Em se tratando de números, os humanos são muito diferentes de todos os outros animais, e a diferença se mostra numa idade bem precoce. De acordo com experimentos feitos em crianças, percebeu que a capacidade numérica é adquirida por meio dos sentidos, pois de acordo com os pesquisadores, bebês sabem contar, somar e têm estímulo auditivo. Por isso, fica claro, o senso numérico não é algo que possa aprender. No terceiro capítulo, intitulado “Todo mundo sabe contar”, Devlin exemplifica que, em se tratando de estimar a grandeza numérica de conjuntos e detectar diferenças na grandeza de conjuntos, os humanos adultos têm uma capacidade única de ampliar o seu senso numérico para muito além de Três. Segundo o autor, nós, adultos, temos a capacidade de contar e usar os símbolos para denotar números, enquanto crianças muito novinhas encaram a contagem e o número como coisas bem dissociadas. Por meio de alguns exemplos, ele menciona que os cientistas conseguiram medir o nível de atividade em diferentes partes do cérebro. Usamos um sistema numérico e, de acordo com o autor, este sistema atual foi desenvolvido pelos indianos. Na medida em que temos um sistema para representar qualquer número inteiro 1 Trabalho orientado pelo professor Ronaldo Barros Ripardo, Mestre em Educação em Ciências e Matemáticas / Educação Matemática. Professor assistente da Faculdade de Matemática da UNIFESSPA. E-mail: [email protected] 2 Graduando do curso de Licenciatura Plena em Matemática da UNIFESSPA, campus de Marabá. E-mail: [email protected] Ponto de Partida: Revista Acadêmica Discente do Campus de Marabá, nº 2/2013 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA 101 positivo, a coisa pode ser facilmente ampliada para quantidades fracionárias e negativas. Muitas vezes, pensamos que não somos uma “pessoa numérica”, mas as provas mostram o contrário. No capítulo quatro é feito um questionamento: O que é a Matemática? De acordo com o autor, para a maioria das pessoas, matemática é fazer cálculos com números. Para o propósito deste livro, podemos dizer que “matemática é a classificação e o estudo de todos os padrões possíveis”; a matemática é a ciência da ordem. E, também, uma definição um pouco mais ampla seria: matemática é a ciência da ordem, padrões, estruturas e suas relações lógicas. Este capítulo demonstra que a matemática não é algo que diz respeito apenas a números, mas sim à vida. Ela é algo que nasce do mundo em que vivemos e longe de ser entediante e estéril, como, muitas vezes, é retratada, ela é cheia de criatividade. Os matemáticos expressam suas ideias por meio da linguagem da matemática. Os matemáticos têm cérebros diferentes? Devlin faz este questionamento no quinto capítulo, e através de alguns exemplos nos mostra que podemos aprender facilmente conceitos matemáticos desde que estes sejam apresentados de uma maneira familiar. Compreender a matemática é como construir uma casa, e, daí por diante, saber se virar dentro dela. Aprender coisas novas em matemática é como construir uma casa mental em nossa mente. Assimilar coisas novas em matemática é como se familiarizar com o interior de nossa casa mental; e resolver um problema matemático é como arrumar os móveis. Pensar em matemática é como morar na casa. No sexto capítulo, “Nascido para falar”, é feita uma abordagem sobre linguagem e comunicação. Muitos pensam que linguagem e comunicação são a mesma coisa, só que na verdade não são. Elas estão interligadas, ou seja, a linguagem é realmente um mecanismo para a comunicação. Como exemplo sugerido, um automóvel é um instrumento para se dirigir, mas um automóvel não é a mesma coisa que dirigir. Uma é a atividade, outro, o meio. Assim também acontece com a linguagem e comunicação. Comunicação é algo que fazemos com a linguagem. “O cérebro que cresceu e aprendeu a falar” é o título do sétimo capítulo, em que o autor aborda o surgimento da linguagem e o crescimento do cérebro. A descrição mais conhecida de como o cérebro humano adquiriu a linguagem é a de que os benefícios de um meio de comunicação cada vez mais rico levaram, de um sistema de comunicação vocal bem primitivo passando por sistemas de crescente complexidade, até a emergência de uma linguagem plenamente desenvolvida. De acordo com essa teoria, o primeiro passo ao longo do caminho que levava à linguagem foi a sua aquisição gradual pelos primeiros hominídeos, nossos ancestrais, com um vocabulário cada vez mais rico (sem sintaxe). No capítulo anterior, foi citado que o crescimento espetacular do cérebro de nossos ancestrais foi estimulado pela necessidade de uma visão mais rica do mundo, um repertório maior de respostas a padrões particulares de estímulos e um meio mais eficaz de comunicação. No capítulo oito, “Fora de Nossas Mentes”, o autor dá alguns exemplos por meio de padrões, tipos e símbolos para explicar melhor o que quis dizer com as afirmações anteriores. Os cérebros simplesmente crescem para fazer mais do que eles faziam originalmente. Segundo Devlin, os cérebros cresceram em tamanho e complexidade por três milhões e meio de anos. Quando isso aconteceu, eles desenvolveram uma capacidade cada vez mais rica de diferenciar tipos de estímulos e estabelecem ligações entre esses tipos. A evolução dos cérebros começou com células isoladas ou pequenos grupos de células que podiam responder a um estímulo. Toda complexidade intermediária foi ampliada posteriormente à medida que a complexidade da vida cotidiana também foi se ampliando. No capítulo nove, “Onde os demônios espreitam e os matemáticos trabalham”, Devlin discute com profundidade e muitos exemplos sobre as dificuldades que a maioria das pessoas tem com a matemática, e procura mostrar que estas dificuldades podem ser superadas. Cita Ponto de Partida: Revista Acadêmica Discente do Campus de Marabá, nº 2/2013 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA 102 também uma pesquisa onde os pesquisadores mostram crianças da terceira série do ensino fundamental que trabalham em feiras livres e demonstram grande habilidade para lidar com números na feira e encontram muitas dificuldades na escola. Segundo o autor, mais do que ensinar matemática, é necessário despertar o interesse pela matemática. Ele não apresenta uma receita para isso, afirma apenas que seja o que for que cause o interesse é esse interesse em matemática que constitui a principal diferença entre os que podem lidar com o assunto e aqueles que alegam ser isto impossível. Em síntese, o livro atinge perfeitamente seu propósito de provar que a capacidade para aprendeer a matemática é inata. A leitura do livro é esclarecedora e relevante, especialmente para os estudantes de matemática, e, obviamente, para os matemáticos. A leitura também é muito interessante para professores e pessoas envolvidas com a formação em matemática, bem como interessados sobre o assunto em questão. Vale ainda ressaltar que a leitura é especialmente envolvente, em determinados momentos o modo como o texto foi escrito faz parecer que o leitor dialoga diretamente com o autor. Ponto de Partida: Revista Acadêmica Discente do Campus de Marabá, nº 2/2013 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA