FOSFORILAÇÃO DA ENZIMA SERINA RACEMASE POR PROTEÍNA CINASE C REGULA OS NÍVEIS DO NEUROMODULADOR D-SERINA Charles Vargas Lopes Tese de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Morfológicas, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Morfológicas. Orientador: Rogério Arena Panizzutti Rio de Janeiro Março de 2008 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. FOSFORILAÇÃO DA ENZIMA SERINA RACEMASE POR PROTEÍNA CINASE C REGULA OS NÍVEIS DO NEUROMODULADOR D-SERINA Charles Vargas Lopes Orientador: Rogério Arena Panizzutti Tese de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciências Morfológicas, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Morfológicas. _______________________________ Prof. João Ricardo Lacerda de Menezes (PCM - UFRJ) _______________________________ Prof. Ricardo Augusto de Melo Reis (IBCCF - UFRJ) _______________________________ Prof. Mário Alberto Cardoso da Silva Neto (IBqM - UFRJ) _______________________________ Profa. Flávia Carvalho Alcantara Gomes (Revisora e suplente interna; PCM - UFRJ) _______________________________ Profa. Maria Augusta Arruda (Suplente externa; IBRAG - UERJ) ii FICHA CATALOGRÁFICA Lopes, Charles Vargas Fosforilação da enzima serina racemase por proteína cinase C regula os níveis do neuromodulador D-serina - Lopes, Charles Vargas - Rio de Janeiro: UFRJ/ ICB, 2008. xii, 86f.: il.; 2 cm. Orientador: Rogério Arena Panizzutti Tese (mestrado) – UFRJ/ Instituto de Ciências Biomédicas/ Programa de Pós-graduação em Ciências Morfológicas, 2008. Referências Bibliográficas: f. 67-86 1. serina racemase. 2. proteína cinase C. 3. fosforilação. 4. d-serina. 5. comunicação neuro-glial. I. Panizzutti, Rogério Arena. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Biomédicas, Programa de Ciências Morfológicas. III. Título. iii Esta Tese foi realizada no Laboratório de Fronteiras em Neurociências, do Instituto de Ciências Biomédicas, UFRJ, sob a orientação do Professor Rogério Arena Panizzutti, com auxílios financeiros da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB) e do Committee for Aid and Education in Neurochemistry (CAEN) of the International Society for Neurochemistry. iv “A dúvida é o princípio da sabedoria”. (Aristóteles) v Agradecimentos A Deus e minha amada família. Ao meu pai, Edson Taveira Lopes, por seus sucintos, porém sábios conselhos de vida. À minha mãe, Maria Isabel Vargas Silva Lopes, pela insistência em me estruturar como ser humano. Ao meu segundo pai, Mauro Pestana Chidid, por cuidar de mim como um filho. Às minhas irmãs Sue Ellen e Cristina pelo exemplo de fibra e superação. Ao meu orientador, o professor Rogério Arena Panizzutti, pela oportunidade, ensinamentos e confiança. À professora Marta Sampaio de Freitas pela indicação para trabalhar com o professor Rogério. Ao professor Sérgio Teixeira Ferreira por permitir a utilização da estrutura de seu laboratório no desenvolvimento deste trabalho. Às minhas companheiras do dia-a-dia, Caroline e Ingrid, pelo trabalho cuidadoso e momentos de descontração. Aos companheiros, companheiras e afins do LDN, Jordano, Adriano, Marcelinho, Rodrigo, Leozinho, Fábio, Léo, Omar, Paulinho, Bernardo, professor Paulo Alves, Andrea, Samantha, Ana Paula, Mariangela, Dona Joana, Theresa, Helena, Sofia, professoras Fernanda e Margareth, pelo excelente ambiente de trabalho e momentos de lazer. À doutoranda Suzana Assad Kahn pela interação profissional e amizade. À professora Flávia Carvalho Alcantara Gomes pelos momentos de discussão junto ao trabalho, pela revisão da tese e compreensão. À mestranda Juliana Carvalho pelo apoio de sempre. À professora Georgia Correa Atella pela ajuda material em experimentos e discussão deste trabalho durante a defesa do projeto. Ao professor Jean Christophe Houzel pelo apoio e atenção na manipulação in vivo deste estudo e pela simpatia. vi À professora Maria Augusta Arruda por todo carinho, cuidado e proteção desde o começo desta carreira. Aos membros da Banca examinadora, Profs (as). João Menezes, Ricardo Reis, Mário Neto, Flávia Gomes e Maria Augusta Arruda, por terem aceitado o convite. Aos diferentes laboratórios do CCS que possibilitaram a continuidade desta tese. Aos meus amigos do peito Pedro Barcellos e Marcelo Mantuano pela amizade verdadeira e momentos de felicidade. À minha namorada Patrícia pela cumplicidade e equilíbrio. Ao PCM pela chance de desenvolver o mestrado. À CAPES pelo financiamento da bolsa ao longo do mestrado. vii Lista de Abreviaturas AMPA: ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico ASC-1: transportador de Alanina-Serina-Cisteína tipo 1 ASCT: transportador tipo alanina-serina-cisteína ATP: adenosina trifosfato BIM: bis-indolil-maleimida DAG: diacilglicerol DAO: D-aminoácido oxidase DMEM: Dulbecco's Modified Eagle’s Medium DPNH: dinitrofenil-hidrazina GRIP: proteína que interage com receptor de glutamato / glutamate receptor interacting protein GST: glutationa S-transferase [3H]D-serina: d-serina tritiada HEK 293: linhagem celular de rim embrionário humano / human embrionary kidney HPLC: cromatografia líquida de alta resolução / High Performance Liquid Chromatography LTP: potenciação de longa duração / long-term potentiation NMDA: N-metil-D-aspartato NO: óxido nítrico / nitric oxide PICK1: proteína que interage com cinase C 1 / protein interacting with C-kinase PKC: proteína cinase C / protein kinase C PLP: piridoxal fosfato PMA: forbol 12-miristato 13-acetato PS: fosfatidilserina SR: serina racemase TCA: ácido tricloroacético TNF-α: fator de necrose tumoral alfa viii Lista de Figuras Figura 1. Racemização de L-serina em D-serina pela serina racemase. 5 Figura 2. Imunohistoquímica mostrando a distribuição de D-serina, NR2A/B e 8 glicina em diferentes regiões do cérebro. Figura 3. Modelo bidirecional da sinalização de D-serina no cérebro. 12 Figura 4. Diferentes funções da serina racemase (SR) no metabolismo celular da D- 16 serina e possíveis destinos deste aminoácido. Figura 5. Seqüências da serina racemase de diferentes espécies (camundongo, 36 humano e rato) mostrando seis possíveis sítios para fosforilação por PKC. Figura 6. PKC inibe a atividade da serina racemase por fosforilação. 37 Figura 7. PKC proveniente de astrócitos reduz a atividade da serina racemase 39 através de fosforilação. Figura 8. Interação da serina racemase, PKC e PICK1 em astrócitos. 41 Figura 9. Fosforilação da serina racemase por PKC astrocitária diminui a produção 44 de D-serina. Figura 10. Serina racemase, PKC e PICK1 colocalizam em neurônios. 47 Figura 11. Fosforilação da serina racemase por PKC neuronal diminui a produção 50 de D-serina. Figura 12. Interação da serina racemase, PKC e PICK1 in vivo. 53 Figura 13. Regulação da disponibilidade de D-serina por PKC in vivo. 55 Figura 14. PKC regula a atividade da serina racemase. 65 ix RESUMO Serina racemase é uma enzima cerebral, que catalisa a conversão de L-serina em piruvato e D-serina, um co-agonista endógeno de receptores NMDA. Seqüenciamento da serina racemase mostrou sítios de consenso para fosforilação por proteína cinase C (PKC), uma serina-treonina cinase que participa de diferentes funções no cérebro, incluindo os processos de aprendizado, memória e plasticidade sináptica. O presente estudo analisou o efeito da PKC na regulação da atividade da serina racemase in vitro e in vivo. Utilizando serina racemase e PKC purificadas, nós observamos diminuição da formação de piruvato e D-serina pela racemase, e um aumento na fosforilação da serina racemase in vitro. Este efeito foi confirmado utilizando PKC imunoprecipitada de astrócitos de rato. O tratamento das culturas de astrócitos e neurônios com PMA, um ativador da PKC, aumentou o grau de fosforilação da serina racemase e reduziu a concentração de D-serina, enquanto a incubação com BIM, um inibidor da PKC, induziu efeitos opostos. Para avaliar se estas enzimas interagem in vitro e in vivo, foi realizada coimunoprecipitação a partir de astrócitos, neurônios e cérebro de rato. Em todos os casos, nós observamos que a serina racemase e a PKC coimunoprecipitam com a proteína PICK1, a qual interage com cinase C e direcina as funções da PKC na célula. Análises por imunocitoquímica mostraram colocalização da serina racemase, PKC e PICK1 em astrócitos e neurônios. Através de injeções de PMA e BIM diretamente no córtex frontal de ratos, nós mostramos, in vivo, que PKC regula a disponibilidade de D-serina e controla o estado de fosforilação da serina racemase. Em conjunto, os resultados sugerem que a serina racemase é uma molécula alvo para PKC, regulando ambas atividades, racemase e eliminase. Esta interação pode ser relevante para a modulação da atividade de receptores NMDA e comunicação neuro-glial. x ABSTRACT Serine racemase is a brain enzyme that catalyzes the conversion of L-serine to pyruvate and D-serine, an endogenous co-agonist of NMDA receptors. Sequencing of the serine racemase showed consensus sites for protein kinase C (PKC) phosphorylation, a serine-threonine kinase that participates in different brain functions, including learning, memoy and synaptic plasticity process. The present study analyzed the effect of PKC in regulating serine racemase activity in vitro e in vivo. Utilizing serine racemase and PKC purified we observed decrease in the formation of pyruvate and D-serine by racemase, and an increase in the phosphorylation of the serine racemase in vitro. This effect was confirmed utilizing immunoprecipitated PKC of rat astrocytes. The treatment of astrocyte and neuronal cultures with PMA, a PKC activator, increased the degree of phosphorylation of the serine racemase and reduced the D-serine concentration, whereas that incubation with BIM, a PKC inhibitor, induced opposite effects. To evaluate if these enzymes interact in vitro and in vivo, was realized coimmunoprecipitation from the astrocytes, neurons and rat brain. In all cases, we observed that serine racemase and PKC coimmunoprecitates with PICK1, wich interacts with kinase C and directs the functios of PKC in the cell. Analysis by immunocytochemistry shown colocalization of the serine racemase, PKC and PICK1 in astrocytes and neurons. Throught of PMA and BIM injections directly in the frontal cortex from rats, we showed, in vivo, that PKC regulates the availability of D-serine, and controls the phosphorylation state of serine racemase. Together, the results suggest that serine racemase is a target molecule for PKC, controlling both, racemase and eliminase activities. This interaction can be relevant for the modulation of NMDA receptors activity and neuroglial communication. xi Sumário Lista de Abreviaturas Lista de Figuras Resumo Abstract 1. Introdução 1.1- Sinapse tripartida 1.2- D-serina 1.2.1- D-serina e receptores NMDA 1.2.2- D-serina glial 1.2.3- D-serina neuronal 1.2.4- D-serina e desenvolvimento 1.2.5- Transporte de D-serina 1.3- Serina racemase 1.3.1- Função 1.3.2- Distribuição 1.3.3- Regulação da atividade 1.4- Proteína Cinase C (PKC) 1.5- Proteína que Interage com Cinase C 1 (PICK1) 2. Objetivo 3. Material e Métodos 3.1.- Purificação da SR recombinante 3.2.- Atividade bifuncional da serina racemase in vitro 3.3.- Cultura de astrócitos corticais 3.4.- Cultura primária de neurônios corticais 3.5.- Síntese de D-serina em cultura de células 3.6.- Autoradiografia 3.7.- Imunoprecipitação e imunodetecção 3.8.- Imunocitoquímica 3.9.- Coimunoprecipitação 3.10.- Injeção aguda de PMA e BIM no córtex frontal de ratos 3.11.- Estatística 3.12.- Processamento de imagens 4. Resultados 4.1.- PKC purificada diminui a atividade da serina racemase in vitro 4.2- PKC imunoprecipitada de astrócitos diminui a atividade da serina racemase in vitro 4.3.- Serina racemase, PKC e PICK1 interagem em astrócitos 4.4.- Fosforilação por PKC regula a atividade da serina racemase astrocítica 4.5.- Interação da serina racemase, PKC e PICK1 em neurônios 4.6.- PKC modula a atividade da serina racemase neuronal via fosforilação 4.7.- Interação da serina racemase, PKC e PICK1 in vivo 4.8.- PKC regula a disponibilidade de D-serina in vivo 5. Discussão 6. Conclusão 7. Referências Bibliográficas xii viii ix x xi 01 01 03 04 09 10 11 13 14 14 17 17 19 21 24 25 25 26 27 28 28 29 29 31 31 32 34 34 35 35 38 40 43 46 49 52 54 57 66 67 1 - Introdução 1.1 - Sinapse tripartida A transmissão de informações químicas entre as células do sistema nervoso nas sinapses é uma etapa crucial para a neurofisiologia, além de ser o alvo de grande parte das drogas disponíveis para o tratamento das patologias neuropsiquiátricas. O estudo da transmissão sináptica enfoca primariamente os neurotransmissores, moléculas sintetizadas e liberadas por neurônios que medeiam a neurotransmissão na fenda sináptica (Snyder e Ferris, 2000; Boehning e Snyder, 2003). Entretanto, mais recentemente o estudo de moléculas moduladoras da comunicação neuronal liberadas pelas células da glia tem ampliado a compreensão sobre o funcionamento do sistema nervoso, tanto em condições fisiológicas quanto patológicas. A partir destas descobertas, o conceito clássico de sinapse que inclui um neurônio pré-sináptico e um neurônio pós-sináptico tem sofrido alterações com a inclusão de um terceiro elemento: a célula glial (Halassa e cols, 2007). No sitema nervoso central, a glia está dividida em microglia e macroglia. A microglia é constituída basicamente por células com elevado poder fagocítico, enquanto a macroglia é representada, dentre outras células, pelos oligodendrócitos, essenciais para a mielinização dos axônios, e astrócitos. As células gliais foram originalmente descritas como células não neuronais que constituem um suporte aderente para os neurônios (Virchow, 1846). No entanto, desde o fim da década de 80 que o desenvolvimento e a aplicação de novas técnicas como eletrofisiologia, biologia molecular e microscopia confocal têm mudado a idéia clássica de que as células gliais, como os astrócitos, fornecem simplesmente suportes estrutural e metabólico para os neurônios (Perea e Araque, 2002). Em virtude deste avanço, vários trabalhos têm envolvido os astrócitos em funções cruciais no desenvolvimento e na 1 fisiologia do sistema nervoso central. Os astrócitos desempenham importante papel em aspectos chave da função neuronal como o suporte trófico (Tsacopoulos e Magistretti, 1996), sobrevivência neuronal (Raff e cols, 1993), diferenciação neuronal (Takeshima e cols, 1994), migração neuronal (Rakic, 1990), crescimento neurítico (LeRoux e Reh, 1994) e eficácia sináptica (Stevens e cols, 2007). Os astrócitos contribuem ainda para a homeostase cerebral por regular a concentração local de íons e de substâncias neuroativas (Largo e cols, 1996; Bergles e Jahr, 1997). Vem sendo descrito que os astrócitos participem da formação, manutenção e reconstituição das sinapses (Allen e Barres, 2005). Dentre os fatores derivados de astrócitos que estão envolvidos com a sinaptogênese têm-se o colesterol (lipídeo de membrana), as trombospondinas (proteínas secretadas da matrix extracelular de astrócitos) e o hormônio estrogênio (Barres e Smith, 2001; Christopherson e cols, 2005; Hu e cols, 2007). E ainda, recentemente foi demonstrado que o astrócito pode estimular o neurônio a expressar C1q, uma proteína constituinte do início da cascata do complemento (sistema imune inato), a qual interfere na função sináptica (Stevens e cols, 2007). Em roedores, estima-se que os processos de um astrócito façam contato com mais de 100 mil sinapses (Bushong e cols, 2002). Os astrócitos parecem ser importantes na regulação da transmissão sináptica, onde podem detectar a atividade neuronal e liberar transmissores químicos que ajudam a controlar a atividade sináptica (Fellin e cols, 2006). Recentes achados revelam que uma comunicação bidirecional ocorre entre os astrócitos e os elementos neuronais da sinapse. A liberação de um neurotransmissor a partir do terminal pré-sináptico que estimula o neurônio pós-sináptico, pode também ativar os astrócitos, que por sua vez, podem liberar transmissores químicos que estimulam diretamente o neurônio 2 pós-sináptico. Portanto, podemos considerar a sinapse como tripartida (Araque e cols, 1999). Com sua localização envolvendo as sinapses, os astrócitos têm sido descritos como participantes da comunicação interneuronal através, principalmente, da liberação de moduladores, que podem ser chamados gliomoduladores. Os astrócitos podem responder aos transmissores químicos e à atividade sináptica através da mobilização de Ca2+ intracelular. Esta sinalização de Ca2+ pode induzir a liberação de gliomoduladores. Esta gliotransmissão pode agir paracrinamente nos próprios astrócitos, através de sinalização por ondas de Ca2+ inter-astrocítica, ou atuar na sinalização dos neurônios para regular a excitabilidade neuronal e a transmissão sináptica (Guthrie e cols, 1999; Fellin e cols, 2004). Os astrócitos podem liberar vários gliomoduladores incluindo o glutamato (Parpura e cols, 1994), o ATP (Coco e cols, 2003), o ácido homocistéico (Benz e cols, 2004), o fator natriurético (Krzan e cols, 2003), o TNF-α (Fator de Necrose Tumoral alfa) (Stellwagen e Malenka, 2006), a taurina (Mongin e Kimelberg, 2005) e a D-serina (Mothet e cols, 2000). A D-serina, um D-aminoácido neutro, apresenta-se primeiramente em astrócitos, por ser um agonista endógeno dos receptores de glutamato do subtipo NMDA (N-Metil-D-Aspartato), tem recebido grande destaque como um protótipo de gliomodulador (Mothet e cols, 2000). 1.2 - D-serina Durante muito tempo, os D-aminoácidos estiveram esquecidos por não apresentar uma conformação considerada biologicamente ativa, embora a existência destas moléculas tenha se confirmado em bactérias e alguns invertebrados (Corrigan, 1969). Na maioria das bactérias, os D-aminoácidos são componentes dos peptideoglicanos da parede celular, conferindo a elas maior resistência contra antibióticos (Roper e cols, 2000). Em mamíferos, 3 o D-aspartato foi o primeiro D-aminoácido identificado na forma livre no cérebro e em outros tecidos, sendo sugerido um papel regulatório deste aminoácido no processo de desenvolvimento (Dunlop e cols, 1986). O segundo D-aminoácido descoberto em níveis consideráveis em mamíferos é a D-serina, sendo que sua concentração chega a corresponder um terço da serina total livre (Hashimoto e cols, 1992a). A serina é um dos únicos aminoácidos que tem ambas configurações (L- e D-) em quantidades significantes em mamíferos. Estes enantiômeros apresentam propriedades biológicas distintas e esta estereoespecificidade pode ter um aspecto fundamental na biologia, funcionando como um elemento de seletividade (Snyder e Kim, 2000). A forma L-serina pode ser obtida da dieta, do 3-fosfoglicerato, da conversão da glicina pela serina hidroxi-metil-transferase e da degradação de proteínas e fosfolipídeos (De Koning e cols, 2003). Já a D-serina, atuante no sistema nervoso central como co-agonista de receptores ionotrópicos de glutamato do subtipo NMDA, provém da racemização direta de L-serina em D-serina pela enzima serina racemase (Wolosker e cols, 1999b) (Figura 1). A outra enzima que participa do metabolismo da D-serina é a D-aminoácido oxidase (DAO), a qual degrada especificamente D-aminoácidos neutros (Krebs, 1935). 1.2.1 - D-serina e receptores NMDA A D-serina atua como ligante exclusivo de receptores NMDA. Os receptores NMDA são expressos largamente no sistema nervoso central, onde desempenham funções cruciais na transmissão sináptica excitatória. Estes receptores são complexos transmembrana heteroméricos (normalmente tetrâmeros com duas subunidades de cada tipo) que podem ser constituídos por três subunidades: NR1 (constitutiva; com oito variantes alternativas de um só gene), NR2 (A, B, C e D; codificadas por seis genes separados) e NR3 (A e B; expressas 4 Serina Racemase L-serina D-serina Figura 1: Racemização de L-serina em D-serina pela serina racemase. 5 por seis genes independentes). O receptor NMDA necessita da ligação simultânea do glutamato (sítio na subunidade NR2) e de um co-agonista (sítio nas subunidades NR1 e NR3) para sua ativação e subseqüente abertura do canal, permitindo o influxo de cátions, principalmente cálcio (Dingledine e cols, 1999; Yao e Mayer, 2006). A glicina foi primeiro descrita como o co-agonista capaz de ativar fisiologicamente os receptores NMDA. A ligação da glicina nestes receptores é feita de maneira insensível à estricnina, um alcalóide que inibe a sinalização nervosa por bloquear o influxo de ânions cloreto, sendo então a região de ligação denominada “sítio de glicina insensível à estricnina” (Johnson e Ascher, 1987). Em seguida observou-se que não só a glicina, mas também a D-serina, é capaz de ativar o referido sítio (Kleckner e Dingledine, 1988). Comparando seus efeitos, a D-serina mostra três vezes mais potência do que a glicina para ativar o sítio co-agonista de receptores NMDA do córtex frontal (Matsui e cols, 1995). E ainda, a D-serina é funcionalmente cem vezes mais efetiva do que a glicina em potencializar correntes espontâneas mediadas por receptor NMDA em motoneurônios hipoglossais (Berger e cols, 1998). Vários estudos mostraram que a D-serina e a glicina apresentam ação semelhante. Por exemplo, concentrações similares de D-serina e glicina foram capazes de potencializar respostas mediadas por agonistas do receptor NMDA e aumentar respostas sinápticas mediadas por este receptor (Watanabe e cols, 1992). Ainda na década de 90 surgiram evidências iniciais de que a D-serina deveria atuar como ligante endógeno de receptores de NMDA. A concentração extracelular de D-serina mensurada por microdiálise in vivo é similar ou maior que a de glicina em algumas regiões do cérebro (Hashimoto e cols, 1995). Em mamíferos, enquanto a glicina apresenta localização proeminente em áreas posteriores do sistema nervoso como o tronco encefálico e a medula espinhal (Schell e cols, 1997), a D-serina ocorre predominantemente em regiões 6 anteriores do cérebro como o córtex, hipocampo e corpo estriado, em distribuição muito similar a dos receptores de NMDA (Hashimoto e cols, 1993; Schell e cols, 1997) (Figura 2). A distribuição da D-serina é muito próxima a dos receptores NMDA também quando vista por microscopia eletrônica na região CA1 do hipocampo (Schell e cols, 1997). Nos útlimos anos, diversas evidências mostraram que a D-serina endógena é necessária para a ativação dos receptores de NMDA em diversas regiões do sistema nervoso. Em culturas de neurônios hipocampais a degradação enzimática específica de Dserina com a D-aminoácido oxidase reduziu as correntes, espontânea e estimulada por agonistas, mediadas pelo receptor NMDA (Mothet e cols, 2000). Da mesma forma, a indução da potenciação de longa duração (LTP), um tipo de plasticidade sináptica relacionada à formação de memória, promovida pelo receptor NMDA, foi diminuída após a degradação da D-serina pela D-aminoácido oxidase (Yang e cols, 2003). Também foi observado que a D-serina endógena, e não a glicina, medeia a morte neuronal causada pela ativação exacerbada do receptor NMDA em fatias organotípicas de hipocampo (Shleper e cols, 2005). De maneira análoga, um estudo realizado no núcleo supraóptico do hipotálamo demonstrou que a degradação de D-serina pela D-aminoácido oxidase inibe a resposta mediada pelo receptor NMDA, enquanto a remoção específica da glicina endógena não afeta a transmissão destes receptores (Panatier e cols, 2006). Ainda neste trabalho, em ratas lactantes com reduzida camada astrocítica envolvendo as sinapses, foi observada uma menor quantidade de D-serina para coativar os receptores NMDA, que se reflete em uma redução na capacidade do estímulo neuronal em induzir plasticidade sináptica, quando comparado com as ratas virgens. Nas grávidas, a plasticidade pode ser recuperada com a administração de D-serina exógena. Logo, o grau de coativação do receptor NMDA por 7 D-serina SB MB Hp CNV CPE Glicina Ht ME Ht Figura 2: Imunohistoquímica mostrando a distribuição de D-serina, NR2A/B e glicina em diferentes regiões do cérebro: amígdala (Am), claustrum (Cl), córtex (Cx), camada plexiforme externa (CPE), habênula (Hb), hipocampo (Hp), hipotálamo (Ht), ponte medular (PM), substância nigra (Sn), medula espinhal (ME), substância branca (SB), camada do nervo vomeronasal (CNV) (adaptado de Schell e cols, 1997). 8 D-serina fornecida pelos astrócitos parece contribuir para a metaplasticidade sináptica (Panatier e cols, 2006). 1.2.2 - D-serina glial A D-serina foi descrita primeiramente em astrócitos. O fato dos astrócitos envolverem a sinapse e a distribuição de D-serina ocorrer em paralela ontogenia com a do receptor NMDA, sugerem que a D-serina pode ser liberada da glia para ativar receptores NMDA neuronais. Esta informação propõe um modelo unidirecional, onde a D-serina tende a seguir um fluxo dos astrócitos para os neurônios. A novidade deste modelo é incumbir a glia da importante tarefa de regular a atividade neuronal através da liberação de um transmissor químico, a D-serina (Schell e cols, 1995; Schell e cols, 1997; Wolosker e cols, 1999b). Esta D-serina produzida e liberada pelos astrócitos tem sido importante na ativação de receptores NMDA presentes em diferentes regiões do cérebro. Através de marcações por imunohistoquímica, foi observado que tanto a D-serina quanto os receptores NMDA (NR2A/B) estão concentrados na substância cinzenta do telencéfalo. No córtex cerebral, a marcação para D-serina está presente em todas as camadas corticais, sendo que mostra considerável intensidade nos processos astrocíticos presentes ao redor dos vasos sanguíneos. Esta presença da D-serina no córtex mostra compatibilidade com NR2A/B principalmente nos lóbulos frontal e parietal. Esta similar localização de D-serina e NR2A/B também se faz presente na região da amígdala, estando a D-serina nos astrócitos e o NR2A/B em neurônios piramidais. Já no bulbo olfatório, a marcação para D-serina apresenta padrão menos intenso, porém mantendo paralela ontogenia com o NR2A/B. E ainda, por imunohistoquímica e microscopia eletrônica, observaram novamente uma localização compatível entre a D-serina e o NR2A/B na região CA1 do hipocampo, sendo 9 que a D-serina está distribuída pelo corpo celular e processos dos astrócitos e o NR2A/B ocorre ao redor da base dos dendritos de neurônios piramidais (Schell e cols, 1997). Através de microscopia eletrônica, foi observado em astrócitos que a D-serina também está localizada dentro de compartimentos tipo vesículas (Mothet e cols, 2005; Williams e cols, 2006). As células gliais de Müller da retina, assim como a glia de Bergmann, tipo glial específico do cerebelo, produzem D-serina (Kim e cols, 2005; Stevens e cols, 2003). Nas células da glia radial, tipo celular progenitor do sistema nervoso central, foi mostrado que a D-serina está distribuída uniformemente pelo citoplasma, e ainda, observa-se que microglia também contém D-serina (Williams e cols, 2006). Estudos com células de Schwann incluem a D-serina como uma molécula importante na transmissão glutamatérgica no sistema nervoso periférico (Wu e cols, 2004b; Wu e cols, 2005). 1.2.3 - D-serina neuronal Por outro lado, estudos imunocitoquímicos preliminares mostraram a presença de Dserina em algumas células neuronais, como neurônios piramidais situados no córtex cerebral (Yasuda e cols, 2001). Recentemente, um estudo em cultura de neurônios mostrou que a remoção específica da D-serina com uma deaminase causa uma diminuição significante da morte celular promovida por NMDA, sugerindo que o neurônio também seja uma importante fonte de D-serina, a qual pode estar envolvida na regulação autócrina e/ou parácrina do receptor NMDA. No mesmo, é verificado por imunomarcação a presença de serina racemase em culturas de neurônios e no córtex cerebral (Kartvelishvily e cols, 2006). A D-serina foi descrita também em neurônios do núcleo vestibular de ratos adultos (Puyal e cols, 2006) e em neurônios da retina (em diferentes estágios de desenvolvimento) de camundongos (Dun e cols, 2007). 10 A questão referente à importância da fisiologia da D-serina glial e da neuronal está em aberto (Figura 3). Postulou-se que a D-serina neuronal e a glial possam apresentar papéis distintos em funções mediadas pelo receptor NMDA em diferentes áreas do cérebro (Wolosker, 2006). Como visto no núcleo supraóptico do hipotálamo, o fornecimento de Dserina pela camada astrocítica parece ser essencial para a atividade sináptica mediada por receptor NMDA e a LTP (Panatier e cols, 2006). Por outro lado, foi observado no núcleo vestibular de mamíferos que ambas D-serina glial e neuronal podem coexistir em determinados momentos da vida, assim como terem função preponderante em uma determinada etapa do desenvolvimento (Puyal e cols, 2006). 1.2.4 - D-serina e desenvolvimento A relação entre a disponibilidade de D-serina e o desenvolvimento também tem sido discutida. Usando o cerebelo para avaliar o papel da D-serina no desenvolvimento do sistema nervoso central, foi mostrado que este aminoácido liberado pela glia de Bergmann ativa o receptor NMDA da célula granular, favorecendo a migração desta célula da camada granular externa para a camada granular interna, sendo este processo essencial no desenvolvimento cerebelar (Kim e cols, 2005). Em ratos, a análise em diferentes estágios de desenvolvimento pós-natal do núcleo vestibular mostrou níveis elevados de D-serina glial nas três semanas após o nascimento, relacionados à alta expressão de serina racemase e baixa de D-aminoácido oxidase. Já no núcleo vestibular maduro, devido ao aumento na expressão da D-aminoácido oxidase, a Dserina está diminuída e localizada principalmente nos neurônios (corpos e dendritos), sugerindo que este D-aminoássa ter papéis funcionais distintos dependendo do estágio de desenvolvimento (Puyal e cols, 2006). 11 Neurônio pré-sináptico Astrócito D-Ser Receptor AMPA/Cainato D-Ser Receptor NMDA D-Ser Transportador tipo Asc Neurônio pós-sináptico Figura 3: Modelo bidirecional da sinalização de D-serina no cérebro. Este esquema propõe ações parácrina e autócrina da D-serina astrocitária e D-serina neuronal, respectivamente. Tanto os astrócitos quanto os neurônios expressam serina racemase (SR) e podem converter L-serina (L-ser) em D-serina (D-ser). Nos astrócitos, a estimulação de receptores AMPA/cainato promove a liberação de D-serina, a qual pode atuar como coagonista de receptores NMDA pós-sinápticos. Nos neurônios, a ativação de receptores ionotrópicos de glutamato e a despolarização da membrana por KCl induzem a liberação de D-serina. Não é sabido se a D-serina neuronal atua no receptor NMDA sináptico, extrasináptico ou em ambos. Enquanto nos astrócitos a captação de D-serina pode ser feita por receptores tipo Asc, nos neurônios os receptores Asc-1 apresentam esta função (adaptado de Wolosker, 2006). 12 Estudos independentes utilizando fluido cérebro-espinhal de humanos saudáveis (recém nascidos e crianças) e células ganglionares da retina (diferentes estágios de retinas intactas) de camundongos fortaleceram a idéia de que a concentração de D-serina tende a diminuir no decorrer do desenvolvimento de vertebrados. No caso dos humanos, os altos níveis de D-serina presentes no fluido cérebro-espinhal logo após o nascimento estão bem reduzidos na infância (Fuchs e cols, 2006). De maneira semelhante, nas células ganglionares da retina foi mostrado, através de técnicas como hibridização in situ e imunohistoquímica, que os altos níveis de serina racemase e D-serina encontrados em retinas neonatas estão consideravelmente diminuídos em retinas maduras (Dun e cols, 2007). Também foi demonstrado que no envelhecimento o conteúdo de D-serina diminui significativamente no hipocampo (Mothet e cols, 2006; Junjaud e cols, 2006). A atividade sináptica mediada por receptor NMDA e a LTP, antes prejudicada em ratos idosos, pode ser recuperada administrando D-serina exógena, evidenciando a importância deste modulador na alteração dos mecanismos sinápticos de aprendizado e memória que ocorrem com o envelhecimento (Mothet e cols, 2006). 1.2.5 - Transporte de D-serina Os mecanismos responsáveis pelo transporte de D-serina permanecem parcialmente definidos. O transporte glial de D-serina pode ser mediado por transportadores de aminoácidos neutros do tipo alanina-serina-cisteína (ASCT) dependentes de Na+. Estes transportadores ASCT funcionam como trocadores, possibilitando a captação de D-serina como conseqüência do efluxo de outros aminoácidos neutros, principalmente a L-serina (Ribeiro e cols, 2002). Estudos em culturas de astrócitos carregados com D-serina marcada 13 mostraram que o tratamento destas culturas com agonistas de receptores ionotrópicos de glutamato do tipo não-NMDA induz a liberação de D-serina também de maneira dependente de Na+ (Schell e cols, 1995; Ribeiro e cols, 2002). Por outro lado, mesmo concentrações fisiológicas de L-serina são capazes de promover intensa liberação de Dserina (Ribeiro e cols, 2002). Embora na glia a D-serina majoritária seja encontrada livre no citoplasma, há indícios de que a liberação deste aminoácido ocorra via vesículas dependentes de cálcio (Mothet e cols, 2005). Já em neurônios, foi mostrado que a liberação de D-serina ocorre pela despolarização através de KCl e por estimulação dos receptores ionotrópicos de glutamato (NMDA, AMPA e Cainato) de maneira dependente de Na+ e Ca2+ (Kartvelishvily e cols, 2006). Este transporte neuronal de D-serina pode estar associado a um transportador independente de íons sódio, o ASC-1 (transportador de Alanina-Serina-Cisteína tipo 1). Este transportador tem alta afinidade para D-serina e foi localizado nos terminais pré-sinápticos, nos dendritos e corpos neuronais, indicando que os neurônios contribuam para o transporte e controle da concentração extracelular deste aminoácido (Helboe e cols, 2003; Matsuo e cols, 2004). Fortalecendo esta idéia, um trabalho recente mostrou que camundongos que não expressam o transportador ASC-1 apresentam reduzida capacidade de captar [3H]D-serina em regiões anteriores do cérebro e sinaptossomas do cerebelo (Rutter e cols, 2007). 1.3- Serina Racemase 1.3.1- Função As primeiras evidências da existência de uma racemização de serina no cérebro de mamíferos vieram com a observação de que a administração sistêmica de L-serina resulta 14 em um aumento no conteúdo de D-serina no cérebro, e que [3H] L-serina pode ser convertida em [3H]D-serina (Dunlop e Neidle, 1997; Takahashi e cols, 1997). Estes indícios da ocorrência de racemização direta de L- em D-serina no cérebro se confirmaram com a descoberta da enzima serina racemase (Wolosker e cols, 1999a). Em mamíferos, esta enzima apresenta na extremidade N-terminal um conservado sítio de consenso para ligação do cofator piridoxal-5`-fosfato (Wolosker e cols, 1999b, De Miranda e cols, 2000). A serina racemase, que é encontrada no citoplasma, apresenta peso molecular aproximado de 37 kDa e é capaz de converter diretamente L-serina em D-serina. Esta enzima também pode transformar D-serina em L-serina, mas com baixa afinidade (Wolosker e cols, 1999a,b). Também foi descrito que a serina racemase atua de maneira bifuncional, ou seja, além da função racemase, pode funcionar como uma eliminase produzindo piruvato a partir da L-serina (Figura 4). Utilizando uma ferramenta sintética, a L-serina O-sulfato, foi mostrado que este composto não endógeno funciona melhor como substrato para a serina racemase do que a L-serina. Partindo deste substrato, a enzima catalisa intensamente a reação de eliminação, mostrando ser 500 vezes mais rápida que a racemização fisiológica (Panizzutti e cols, 2001). Atuando como eliminase, a serina racemase promove eliminação de água do substrato L-serina para produzir piruvato e amônia. Mesmo a D-serina sendo um produto da reação de racemização feita pela serina racemase, este aminoácido pode ainda sofrer eliminação através da mesma enzima, gerando piruvato e amônia. A aparente contradição referente à eliminação do D-aminoácido pode ser explicada pelo fato da D-serina produzida pelas células se acumular no meio extracelular, como mostrado em culturas de células HEK 293 superexpressando serina racemase, de astrócitos primários e de fatias de tecido córticoestriatal (Foltyn e cols, 2005). 15 Intracelular L-serina D-serina Extracelular D-serina Receptor NMDA Transporte para fora do cérebro SR Captação Piruvato Figura 4: Diferentes funções da serina racemase (SR) no metabolismo celular da D-serina e possíveis destinos deste aminoácido. 16 1.3.2- Distribuição Inicialmente descoberta em astrócitos centrais, a serina racemase apresenta padrão de distribuição similar aos da D-serina e do receptor NMDA, com elevada expressão em regiões anteriores do cérebro como o hipocampo e corpo caloso (Wolosker e cols, 1999b). De maneira geral, no sistema nervoso central de vertebrados, além dos astrócitos, a serina racemase está localizada em microglia (quiescente e ativada) (Wu e cols, 2004a; Wu e cols, 2007), glia de Bergmann (Kim e cols, 2005), células gliais de Müller da retina (Stevens e cols, 2003), células suporte do epitélio sensorial vestibular (Dememes e cols, 2006) e neurônios (Kartvelishvily e cols, 2006; Yoshikawa e cols, 2006; Yoshikawa e cols, 2007). A expressão da serina racemase também foi descrita no sistema nervoso periférico, mais precisamente em culturas de nervo ciático contendo fibroblastos e células de Schwann (Wu e cols, 2004b). Há ainda evidências sobre a presença da serina racemase em tecidos periféricos fora do sistema nervoso. A distribuição do RNA mensageiro desta enzima revela a existência de transcritos com pelo menos três diferentes tamanhos em tecidos como coração, músculo esquelético, rim e fígado (De Miranda e cols, 2000; Wolosker e cols, 1999b; Xia e cols, 2004). 1.3.3- Regulação da atividade Além do piridoxal-5`-fosfato, outros compostos celulares podem regular, de maneira positiva ou negativa, a atividade da serina racemase. Neste sentido, foi mostrado que cátions (Ca2+ e Mg2+) e ATP são cofatores da serina racemase, levando a um aumento na síntese da D-serina (Cook e cols, 2002; De Miranda e cols, 2002). E ainda, a observação de que o Mg2+ potencializa a produção de D-serina estimulada por 1 mM de ATP, uma concentração bem abaixo da encontrada endogenamente (~ 30-40 mM), sugere que o 17 complexo Mg2+-ATP regule fisiologicamente a serina racemase. Interessantemente, na presença de Mg2+-ATP a serina racemase forma, a partir de L-serina, três moléculas de piruvato para cada molécula de D-serina (De Miranda e cols, 2002). Um trabalho recente demonstrou que o óxido nítrico (NO) diminui fisiologicamente a atividade catalítica da serina racemase. Este efeito na atividade parece envolver o mecanismo de S-nitrosilação, o qual interfere na ligação do cofator ATP com a serina racemase. Observou-se ainda, que a ativação fisiológica do receptor NMDA aumenta a Snitrosilação da serina racemase por ativar a enzima óxido nítrico sintase neuronal (nNOS). Com isso, o óxido nítrico formado por estimulação pós-sináptica pode se difundir para dentro de astrócitos e neurônios da vizinhança para S-nitrosilar a serina racemase (Mustafa e cols, 2007). A interação entre proteínas vem sendo estudada como um fator na regulação da atividade da serina racemase. Utilizando o sistema de duplo-híbrido em levedura, foi relatado que a serina racemase se liga à proteína que interage com receptor de glutamato (GRIP), a qual interage com receptores AMPA de forma a controlar o agrupamento dos mesmos nas sinapses (Kim e cols, 2005). A interação envolvendo estas proteínas ocorre entre a parte extrema da porção C-terminal da racemase e o domínio PDZ-6 da GRIP. O mesmo estudo mostra que a ativação de receptores AMPA (que fosforilados liberam a GRIP para interagir com a serina racemase) pode levar a um grande aumento da atividade da serina racemase e da formação de D-serina (Kim e cols, 2005). Foi mostrado também que uma proteína associada ao complexo de Golgi, a Golga-3, pode interagir com a serina racemase e regular sua expressão e conteúdo de D-serina (Dumin e cols, 2006). Através de ensaios in vitro e in vivo, foi evidenciado que a ubiquitilação da serina racemase direciona a mesma para a degradação pelo sistema 18 proteassoma dependente de ubiquitina, sendo este mecanismo modulado pela Golga-3 de maneira a aumentar significativamente o nível basal e a meia-vida da racemase (Dumin e cols, 2006). Além da GRIP, a serina racemase mostrou-se capaz de interagir com o domínio PDZ de outra proteína, a proteína que interage com cinase C 1 (PICK1) (Fujii e cols, 2006). Trabalho recente demonstrou que camundongos com sete dias de vida que não expressam PICK1 apresentam menos D-serina que os camundongos selvagens. Observou-se ainda, uma maior produção de D-serina em culturas de células superexpressando PICK1 junto com a serina racemase (Hikida e cols, 2008). 1.4- Proteína Cinase C (PKC) A identificação do fenômeno da fosforilação de proteínas, primeiramente descrito no início da década de 30, está entre os principais avanços para entender a regulação de processos celulares. A fosforilação de inúmeras proteínas celulares ocorre pela ação das proteínas cinases, as quais catalisam a transferência de um grupo fosfato (geralmente do ATP) para determinados resíduos de aminoácidos presentes na seqüência da molécula alvo. Esta fosforilação pode ser crucial na alteração da conformação e da função das proteínas envolvidas. No final da década de 70, pesquisadores japoneses encontraram um novo tipo de cinase no fígado (Takai e cols, 1977a) e citoplasma cerebral (Inoue e cols, 1977) de ratos e cerebelo bovino (Takai e cols, 1977b), sendo esta enzima dependente de Ca2+, e por isso denominada proteína cinase C (PKC) (revisado em Van Der Zee e Douma, 1997). Em mamíferos, são descritas até o momento 12 isoformas de PKC, das quais 10 divididem-se em três subfamílias: as clássicas ou convencionais - cPKCs (α, βI, βII e γ); as novas - nPKCs (δ, ε, η e θ); e as atípicas - aPKCs (λ e ζ). Estas PKCs apresentam uma 19 região catalítica conservada, que em condição basal parece estar autoinibida por um domínio pseudosubstrato, além de uma região regulatória com diferentes domínios modulatórios peculiares a cada subfamília, o que as classificam. As PKCs μ e ν completam os 12 membros, sendo que ainda não estão inseridas em um grupo específico pelo fato dos mecanismos regulatórios não estarem completamente estabelecidos (Parker e Murray-Rust, 2004). A proteína cinase C é composta por uma família de serina/treonina cinases que apresentam ampla expressão em diferentes tecidos, envolvidas com vários eventos biológicos como proliferação, diferenciação, sobrevivência, apoptose, angiogênese, inflamação e expressão gênica (Mackay e Twelves, 2007). No cérebro, tem sido detectado alto nível de atividade da PKC e expressão da maioria de suas isoformas (Tanaka e Nishizuka, 1994). Em células do sistema nervoso central, como neurônios e astrócitos, a ativação da PKC está associada com o controle de várias funções na comunicação neural como neurotransmissão, plasticidade sináptica, aprendizado e memória (Alkon e cols, 2005; Kleschevnikov e Routtenberg, 2001; Lan e cols, 2001). Há também dados mostrando o envolvimento de certas isoformas de PKC com a proliferação e sobrevivência de células nervosas (Hansel e cols, 2001; Weinreb e cols, 2005). Em contrapartida, alguns estudos sugerem o papel de determinadas isoformas de PKC na via apoptótica neuronal, tendo este efeito de particular relevância para doenças neurodegenerativas, onde a morte celular pode envolver os fenômenos de excitotoxicidade e apoptose (Dempsey e cols, 2000; Maher, 2001). Logo que sintetizada, a PKC é fosforilada na região catalítica como uma enzima associada à membrana, fosforilação esta promovida pela cinase-1 dependente de 3fosfoinositídeo (PDK-1). Esta fosforilação inicial da PKC por PDK-1 parece ser seguida de 20 sua autofosforilação e liberação da mesma para o citoplasma da célula. Esta PKC citosólica mostra-se inativa, mas agora competente cataliticamente para responder aos ativadores endógenos (Nishizuka, 2001; Parekh e cols, 2000). Fisiologicamente, as PKCs são influenciadas por diferentes cofatores, sendo que: as cPKCs são ativadas por Ca2+, fosfatidilserina (PS) e diacilglicerol (DAG); as nPKCs são moduladas por PS e DAG; as aPKCs são reguladas por PS e fofatidilinositol-3,4,5trifosfato; e as PKCs μ e ν podem ser induzidas por DAG e fosfatidilinositol-4,5-difosfato (Takai e cols, 1979; Battaini, 2001). Esta interação da PKC com seus cofatores permite a ativação da enzima através da abertura de sua estrutura enovelada, indicando que ocorre uma diminuição da afinidade do domínio pseudosubstrato pelo sítio catalítico, o qual exerce sua atividade de fosforilação. Este mecanismo de ativação está relacionado com a translocação de PKCs para distintas áreas intracelulares e subseqüente fosforilação de substratos específicos da enzima (Kraft e Anderson, 1983; Amadio e cols, 2006). O mecanismo de ativação e translocação de cada PKC de um compartimento celular para outro está correlacionado primeiramente com a interação entre PKC e lipídeos da membrana plasmática. No entanto, várias proteínas podem interagir com PKCs inativa e ativa, ditando a localização da enzima em diferentes condições funcionais da célula (Mochly-Rosen e cols, 1995; Jaken, 1996). Dentre estas proteínas envolvidas com a interação e o direcionamento da PKC para alvos celulares pertinentes tem-se a PICK1 (Jaken e Parker, 2000; Schechtman e Mochly-Rosen, 2001). 1.5- Proteína que Interage com Cinase C 1 (PICK1) A PICK1 foi descrita inicialmente como sendo uma proteína periférica de membrana que interage com PKC (Staudinger e cols, 1995). Esta proteína encontra-se conservada em 21 várias espécies, incluindo os humanos, onde a PICK1 contém 415 resíduos de aminoácidos. A mesma, apresenta dois domínios estruturais: o domínio PDZ (P95/Dlg/ZO-1), que participa do controle da interação entre proteínas; e o domínio BAR (Bin/Anfifisina/Rvs), que regula principalmente o processo de endocitose. Além destes domínios, a PICK1 é composta de mais três regiões: uma pequena região N-terminal rica em resíduos acídicos e anterior ao domínio PDZ; uma região de ligação entre os domínios; e uma região Cterminal caracterizada por um fragmento de resíduos acídicos (Xu e Xia, 2006). Tem sido mostrada a expressão de PICK1 em diferentes tecidos, principalmente no cérebro, onde esta proteína pode ser detectada com peso molecular de aproximadamente 55 kDa (Xia e cols, 1999). Na maioria das células, a PICK1 apresenta distribuição difusa, tendo uma certa predominância ao redor da região perinuclear (Staudinger e cols, 1995; Xia e cols, 1999; Torres e cols, 2001). Particularmente nos neurônios, a PICK1 está localizada preferencialmente na região das sinapses (Perez e cols, 2001; Xia e cols, 1999). A PICK1 tem sido relacionada com as propriedades funcionais de várias proteínas importantes do sistema nervoso. Pelo fato da PICK1 interagir com a PKC, a mesma pode regular a fosforilação de padrões moleculares de ligação desta cinase (Dev, 2004). É descrito que o domínio PDZ da PICK1 interage com regiões específicas na extremidade Cterminal dos receptores de glutamato dos tipos AMPA, Cainato e metabotrópicos, podendo regular a fosforilação destes receptores via PKC, de maneira a controlar o agrupamento e a expressão dos receptores nas sinapses (Hanley e Henley, 2006; Kim e Sheng, 2004; Xia e cols, 1999). 22 Pouco se sabe sobre os mecanismos moleculares capazes de regular a atividade da serina racemase. O controle da função de receptores NMDA é fundamental para vários processos fisiológicos e patológicos no sitema nervoso. Neste sentido, a modulação da atividade destes receptores pela D-serina tem recebido grande destaque ultimamente. Além de apresentar possíveis sítios para fosforilação por PKC, a serina racemase tem sua atividade regulada devido a interação com PICK1, uma proteína que participa da função da PKC em determinados compartimentos da célula. Tendo em vista a importância do contexto a cerca destas moléculas, o desenvolvimento deste trabalho buscou investigar se a PKC é capaz de modular a atividade da serina racemase, assim como mostrar a participação da PICK1 no complexo molecular. Este evento biológico, uma vez estando envolvido com o controle da disponibilidade de D-serina, pode ser relevante para a modulação da atividade de receptores NMDA e comunicação neuro-glial. 23 2 - Objetivo Este trabalho teve como objetivo geral avaliar o envolvimento da PKC sobre a atividade da serina racemase, assim como a participação da proteína que interage com cinase C (PICK1) nesta interação. 2.1 - Objetivos específicos - Investigar se a PKC é capaz de fosforilar a serina racemase in vitro e se esta fosforilação interfere sobre a atividade bifuncional da racemase; - Avaliar, em culturas de astrócitos e de neurônios, se o controle sobre a fosforilação da serina racemase por PKC regula a produção de D-serina; - Investigar o envolvimento de PICK1 na interação entre serina racemase e PKC in vitro e in vivo; - Estudar a regulação por PKC do estado de fosforilação e da atividade da serina racemase in vivo. 24 3 - Material e Métodos 3.1 - Purificação da serina racemase recombinante A seqüência completa da serina racemase de camundongo foi clonada em um vetor (pCMV-GST) contendo um promotor do citomegalovírus (CMV) e um gene para a glutationa S-transferase (GST) de Schistosoma Japonicum. Células HEK (embrionária de rim humano) 293 foram transfectadas com esta construção e puderam expressar estavelmente serina racemase fusionada a uma cauda de GST. Estas células foram expandidas em cultura na presença de DMEM suplementado com 10% de soro fetal bovino e geneticina (200 µg/ml). Após atingirem alta confluência, as células foram lisadas em meio contendo 20 mM de Tris-HCl (pH 7,4), 300 de mM cloreto de sódio (NaCl), 1% de Triton X-100, 0,2 mM fluoreto de fenil-metil-sulfonil (PMSF), 2 mM de ácido etilenodiamino-tetracético (EDTA) e 30 µM de piridoxal fosfato (PLP). O lisado foi centrifugado a 26.000 x g por 10 minutos à 4 °C para remover o material insolúvel. O sobrenadante foi incubado de um dia para o outro sob leve agitação à 4 °C com resina glutationa-agarose (Sigma, St. Louis, EUA) para ligar na cauda GST da proteína fusionada serina racemaseGST. Após incubação, a resina foi lavada seis vezes com tampão salina fosfato (PBS) acrescido com 1% de Triton X-100, 300 mM de NaCl e 30 µM de PLP. Na seqüência, a resina foi lavada quatro vezes com PBS contendo 30 µM de PLP para remoção do excesso de sal e detergente. Normalmente, sessenta placas de cultura de 10 cm de diâmetro confluentes com HEK 293 forneciam um rendimento entre 0,8-1 mg de serina racemaseGST. A proteína fusionada serina racemase-GST foi eluída da resina por incubação em tampão com excesso de glutationa reduzida (50 mM de Tris-HCl (pH 8), 10 mM de 25 glutationa reduzida e 30 µM de PLP). O material resultante da eluíção foi dialisado por toda noite diante de PBS com 30 µM de PLP. A porção GST foi clivada incubando a proteína fusionada serina racemase-GST com trombina biotinilada por 16 horas à 4 °C em PBS com 30 µM de PLP. A serina racemase purificada foi obtida após a cauda GST e a trombina biotinilada serem removidas com as resinas glutationa-agarose e estreptavidinaagarose, respectivamente. O elevado grau de pureza desta preparação já foi descrito (Panizzutti e cols, 2001). Em alguns experimentos, a serina racemase-GST foi usada mostrando resultados similares aos obtidos com a serina racemase purificada como descrito (De Miranda e cols, 2002). 3.2 - Atividade bifuncional da serina racemase in vitro Os ensaios cinéticos foram realizados em meio contendo 30 mM de Tris-HCl (pH 7,4), 30 µM de PLP, 10 mM de L-serina, 1 mM de cloreto de magnésio (MgCl2), 50 µM de adenosina-trifosfato (ATP), 200 µM de fosfatidilserina e 1 mM de cloreto de cálcio (CaCl2). A reação foi iniciada com a adição de serina racemase purificada recombinante (concentração final de 50 μg/ml) na presença ou ausência de PKC purificada (0,3 U/ml) (Sigma, St. Louis, EUA). Após 1 h à 37 °C a reação foi finalizada por incubação à 100°C por 5 minutos. Os ensaios usando as preparações de serina racemase-GST e PKC imunoprecipitada de astrócitos foram realizados nas mesmas condições. No final de todos os experimento, uma fração do meio de reação foi desproteinizada com 5% ácido tricloroacético (TCA). Após extrair o TCA por três vezes com uma solução saturada de éter, as amostras foram derivatizadas com Orto-ftaldialdeído (OPA) e N-tertbutiloxicarbonil-L-cisteína (Boc-L-Cys) e analisadas por cromatografia líquida de alta resolução (HPLC) (Shimadzu, Kyoto, Japão) utilizando uma coluna de fase reversa C18 26 (Perkin Elmer, New Orleans, USA) associada a um gradiente crescente de hidrofobicidade. Este gradiente durava 37 minutos e se baseia no aumento gradativo das concentrações de um tampão B (concentração elevada de acetonitrila) em relação a um tampão A (baixa concentração de acetonitrila). A detecção dos aminoácidos derivatizados foi feita por um detector de fluorescência com excitação em 344 nm e emissão em 443 nm. Esta técnica tem alta sensibilidade, podendo detectar e dosar aminoácidos em quantidades picomolares, inclusive separando os isômeros ópticos (Hashimoto e cols, 1992b). Outra parte do meio de reação foi usada para quantificar a formação de piruvato via ensaio colorimétrico utilizando 2,4 dinitrofenil-hidrazina (DPNH) como descrito (Katsuki e cols, 1971). As proteínas serina racemase e/ou PKC inativadas por calor serviram como branco. 3.3 - Cultura de astrócitos corticais Todos os experimentos com animais foram aprovados pelo comitê de ética desta instituição e foram feitos de acordo com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA para cuidado e manipulação com animais de laboratório. As culturas primárias de astrócitos foram preparadas a partir do encéfalo de ratos neonatos. Os hemisférios cerebrais foram dissecados e a meninge cuidadosamente removida. Durante a dissecção, as estruturas foram mantidas em PBS com 0,6% de glicose. Em seguida, as células foram dissociadas com pipeta Pasteur. Após decantação dos fragmentos não dissociados, o sobrenadante foi submetido à centrifugação, em centrífuga clínica, a 2000 x g por 5 minutos. O sobrenadante foi desprezado e o material depositado ressuspendido e plaqueado em garrafas de cultura contendo DMEM-F12 com 10% de soro fetal bovino. As garrafas foram mantidas em estufa à 37 °C e 5% de CO2 e o meio de cultura trocado em dias alternados. Quando as culturas astrocitárias atingiram semi-confluência, as mesmas foram lavadas com PBS e 27 removidas das garrafas de cultura utilizando-se uma solução de 0,25% de tripsina/EDTA, centrifugadas, ressuspendidas em meio sem soro e plaqueadas em meio DMEM-F12 com 10% de soro fetal bovino em densidades relativas aos diferente ensaios. 3.4 - Cultura primária de neurônios corticais Embriões Wistar de 14 dias (E14) foram usados para as culturas. O córtex cerebral foi dissecada e, após retirada das meninges, os neurônios foram cuidadosamente dissociados em PBS-glicose, centrifugados e ressuspendidos em meio Neurobasal suplementado com B27 como descrito (De Felice e cols, 2004). Neurônios corticais dissociados foram plaqueados em placas de 24 poços tratadas com polilisina e incubados à 37 °C em uma atmosfera umidificada com 5% de CO2. Todos os experimentos foram realizados após 18 dias em cultura. 3.5 - Síntese de D-serina em cultura de células Astrócitos e neurônios foram tratados por 24 h com o veículo (0,01% de dimetilsulfóxido (DMSO)), 100 nM de forbol 12-miristato 13-acetato (PMA) ou 1 μM de bisindolil-maleimida (BIM) sempre na presença de 10 mM de L-serina para maximizar a atividade de racemização. PMA e BIM foram preparados em DMSO e L-serina em água. Todas as soluções utilizadas nos experimentos com as culturas eram estéreis. Após incubação, o meio condicionado das células foi coletado e 5% de TCA foi adicionado. Para analisar D-serina intracelular, após retirada do sobrenadante e lavagem das células por duas vezes com PBS gelado, 5% de TCA foi colocado diretamente nas células. As amostras foram então processadas e o conteúdo de D-serina foi monitorado por HPLC. 28 3.6 – Autoradiografia As reações foram realizadas em meio contendo 30 mM de Tris-HCl (pH 7,4), 30 µM de PLP, 10 mM de L-serina, 1 mM de MgCl2, 50 µM de ATP, 200 µM de PS, 1 mM de CaCl2 e 1 μCi de [γ-32P]ATP. A reação foi iniciada com a adição de serina racemase purificada (concentração final de 50 μg/ml) na presença ou ausência de PKC purificada (0,3 U/ml). Após 1 h à 37 °C , o tampão de amostra (0,5 M de Tris-HCl (pH 7.4), 10% de glicerol, 10% de sódio dodecil-sulfato (SDS), 5% de β-mercaptoetanol e 0,001% de azul de bromofenol) foi imediatamente adicionado aos diferentes grupos, sendo as amostras fervidas por 5 minutos. As amostras foram submetidas à eletroforese (100 Volts/2 h) em gel desnaturante de poliacrilamida (SDS/PAGE 10%). Após separação eletroforética, as proteínas presentes no gel foram coradas com Coomassie. A fosforilação da serina racemase por PKC via incorporação de fosfato radioativo oriundo do [γ-32P]ATP foi observada após a secagem do gel, tendo na seqüência a radioatividade revelada por exposição em filmes de RX Kodak. PKC inativada por calor foi usada como branco. 3.7 - Imunoprecipitação e imunodetecção Astrócitos e neurônios corticais foram tratados com veículo (0,01% de DMSO), 100 nM de PMA ou 1 μM de BIM. Após 24 h, as células foram lavadas duas vezes com PBS gelado e lisadas em meio contendo 50 mM de Tris-Hcl (pH 7,4), 150 mM de NaCl, 1,5 mM de MgCl2, 1,5 mM de EDTA, 1% de Triton X-100, 10% de glicerol, inibidores de proteases (10 µg/ml de aprotinina, leupeptina e pepstatina), 1 mM de PMSF, 20 mM de NaF, 1mM de orto-vanadato de sódio (Na3VO4) e 1 mM de ácido ocadáico. Após dosar proteína 29 (Bradford, 1976), os lisados (0,5-1 mg/ml) foram incubados durante a noite à 4 °C com anticorpo anti-serina racemase policlonal de cabra (1:200, Santa Cruz Biotechnology). No dia seguinte, o material foi incubado com proteína A/G-agarose (1:20, Santa Cruz Biotechnology) por 2 h à 4 °C. Na seqüência, a resina foi lavada seis vezes com PBS contendo 1% de Triton X-100 e 300 mM de NaCl. A resina foi subseqüentemente lavada três vezes com PBS para remover o excesso de sal e detergente. Os imunoprecipitados foram submetidos à eletroforese (100 Volts/2 h) em gel SDS/PAGE (10%) e posteriormente as proteínas presentes no gel foram eletrotransferidas (250 mA/2 h) para uma membrana de nitrocelulose (Amersham Biosciences). Após a eletrotransferência, as membranas foram incubadas por no mínimo 1 h em solução de bloqueio contendo 5% de leite molico e 0,1% de Tween-20 (T-PBS). Após o bloqueio das membranas, estas foram incubadas durante a noite à 4 °C com anticorpo monoclonal antifosfoserina de camundongo (1:5000, Sigma). Após incubação e posterior lavagem extensiva com T-PBS, as membranas foram incubadas em temperatura ambiente por 1 hora com o anticorpo anti-IgG de camundongo conjugado com peroxidase (1:10000, Amersham Biosciences). Após nova lavagem extensiva com T-PBS, as bandas imunoreativas foram visualizadas usando detecção por quimioluminescência (ECL Plus, Amersham Biosciences). A mesma membrana de nitrocelulose foi incubada em solução ácida de 0,2 M de glicina (pH 2,5) por 1h à temperatura ambiente para desfazer as ligações dos anticorpos presentes nesta membrana. Feito isto, esta membrana foi incubada com anticorpo policlonal anti-serina racemase de coelho (1:500, purificado por afinidade), servindo de controle para o nível total de serina racemase. As avaliações densitométrica e quantitativa das bandas presentes nos filmes de RX foram feitas usando o programa computacional HAWGC (Holub e Ferreira, 2006). Em todos os experimentos, os resultados foram apresentados 30 como a razão entre a intensidade das bandas para anti-fosfoserina e a imunoreatividade para serina racemase. As mesmas etapas foram realizadas para imunoprecipitar PKC de cultura de astrócitos, porém utilizando anticorpo monoclonal anti-PKC de camundongo (1:200, Calbiochem). 3.8 - Imunocitoquímica Astrócitos e neurônios plaqueados em lamínulas foram fixados com paraformaldeído 4% por 20 minutos e permeabilizados com 0,2% de Triton X-100 em PBS por 5 min à temperatura ambiente. Posteriormente, as células foram bloqueadas com 5% de albumina bovina sérica (BSA). Após 30 minutos, as células foram incubadas com os seguintes anticorpos primários: anticorpo monoclonal anti-PKC de camundongo (1:300, Calbiochem), anticorpo policlonal anti-PICK1 de cabra (1:300, Santa Cruz Biotechnology) e anticorpo policlonal anti-serina racemase de coelho (1:300, purificado por afinidade) por 12 h à 4 °C. Então, as células foram lavadas com PBS e incubadas com os seguintes anticorpos secundários específicos (1:1000, Molecular Probes): Alexa 488, Alexa 555 e Alexa 647 por 1 h à temperatura ambiente. Em todas as imunomarcações, os controles negativos foram feitos incubando as células somente com os anticorpos secundários. Não foi observada imunoreatividade na ausência do anticorpo primário. As imagens foram capturadas através do microscópio confocal Zeiss Meta 510 laser. 3.9 - Coimunoprecipitação Astrócitos, neurônios ou cérebros de ratos (2-3 meses de vida) foram homogeneizados em tampão de imunoprecipitação (50 mM de Tris-Hcl (pH 7,4), 150 mM de NaCl, 1,5 mM 31 de MgCl2, 1,5 mM de EDTA, 1% de Triton X-100, 10% de glicerol, inibidores de proteases (10 µg/ml de aprotinina, leupeptina e pepstatina) e 1 mM de PMSF. O homogenato foi centrifugado a 26.000 x g por 10 minutos e o sobrenadante (1 mg/ml) foi incubado de um dia para o outro à 4 °C com anticorpos contra serina racemase, PKC ou PICK1. Após isto, proteína A/G-agarose foi adicionada ao material por 2 h à 4 °C. Posteriormente, a resina foi lavada seis vezes com PBS contendo 1% de Triton X-100 e 300 mM de NaCl, e três vezes com PBS para remover o excesso de sal e detergente. Os diferentes imunoprecipitados foram submetidos à eletroforese em gel SDS/PAGE (10%) seguida de transferência para uma membrana de nitrocelulose (Amersham Biosciences). Coimunoprecipitação das proteínas foi analisada por imunodetecção dos três imunoprecipitados com os anticorpos contra serina racemase, PKC ou PICK1. Lisados incubados com IGg irrelevante seguido de proteína A/G-agarose ou só a proteína A/Gagarose, nas mesmas condições experimentais anteriores, serviram de controle negativo. 3.10 - Injeção aguda de PMA e BIM no córtex frontal de ratos Ratos adultos (Wistar), com 300-400 g de peso, foram anestesiados com injeção intramuscular de Valium (1,5 mg/kg, ROCHE), cloridrato de cetamina (100 mg/kg, Ketalar, PARKER) e cloridrato de xilazina (5mg/kg, Rompum, BAYER), sendo adicionalmente medicados com sulfato de atropina (0,2mg/kg, i.m.). Após verificação da ausência de reflexos nociceptivos, o animal era colocado em um aparelho estereotáxico (INSIGHT), cujas barras de ouvido eram untadas com anestésico local (pomada de xilocaina, AstraZeneca). A temperatura corporal era mantida em 37 oC com uma superfície termoregulável (INSIGHT) e as freqüências respiratória e cardíaca eram monitoradas regularmente pelo experimentador, durante todo o procedimento cirúrgico, bem como o 32 nível dos reflexos palpebral (pingando uma gota de salina no olho do animal) e nociceptivo (pinçando levemente a pata com uma pinça). Quando necessário, doses adicionais de cloridrato de cetamina eram administradas por via intramuscular. Uma vez induzido um nível profundo de anestesia, o couro cabeludo era raspado, desinfetado com aplicação de peróxido de hidrogênio e uma incisão sagital era praticada com bisturi. Após reclinação da pele, o periósteo era levemente raspado para expor as suturas ósseas que permitem, de acordo com o atlas estereotáxico do rato (Zilles, 1944), a localização do córtex frontal. Uma pequena craniotomia (1 mm de diâmetro) era praticada bilateralmente nas coordenadas (anterior: 3 mm e lateral: 2 mm; em relação ao Bregma). As bordas das craniotomias eram cuidadosamente limpas com uma cureta dental, e uma micro-incisão era praticada na dura máter. Em dois hemisférios (igualmente operados), agulha de uma microseringa Hamilton (Sigma-Aldrich) era inserida 1,5 mm abaixo da superfície cortical e mantida por 10 minutos antes de injetar alguma solução. Feito isto, 1,5 µl de solução contendo PMA (1 µM) ou BIM (1 µM) eram injetados em 15 minutos (fluxo: 0,1 µl/min). A injeção do veículo (0,001% de DMSO) feita no hemisfério oposto do mesmo animal tratado serviu como controle. Após completar a injeção, a seringa era deixada no lugar por 10 minutos adicionais, e a seguir retirada lentamente. Após 1 hora, o animal, ainda anestesiado, era sacrificado por inalação de éter e decapitado. Imediatamente, o encéfalo era retirado da caixa craniana com a ajuda de um saca-bocado e colocado numa matriz de acrílico para cérebro de rato adulto. Uma fatia coronal de 4 mm de extensão ânteroposterior, centrada nas coordenadas do sítio de injeção, era separada com uma lâmina. As metades esquerda e direta eram separadas, as estruturas subcorticais eram rapidamente removidas com uma espátula. O processo de retirada das amostras demorava aproximadamente 30 segundos após a decapitação. As amostras de tecido cortical eram 33 colocadas em tampão para imunoprecipitação a 4 °C e o tecido era homogeneizado para verificar os níveis de D-serina e o estado de fosforilação em resíduos de serina da serina racemase imunoprecipitada, por procedimentos já mencionados. 3.11 - Estatística Todos os valores nas figuras deste estudo indicaram médias ± erro padrão. A determinação da significância estatística foi fornecida pela análise da variância (ANOVA), seguida pelo teste de comparação múltipla de Dunnet. 3.12 – Processamento de imagens De uma maneira geral, os filmes contendo as imunodetecções de diferentes proteínas foram trabalhados no programa computacional Adobe Photoshop CS para melhor visualização das bandas imunoreativas. 34 4. Resultados 4.1 - PKC purificada diminui a atividade da serina racemase in vitro A análise da seqüência da serina racemase indicou seis possíveis sítios de consenso para fosforilação por PKC (Figura 5), similares aos sítios de consenso presentes em outros alvos moleculares desta cinase (Kishimoto e cols, 1985; Plewczynski e cols, 2005). Para mostrar se a PKC poderia fosforilar a serina racemase in vitro, ensaios cinéticos foram realizados com ambas proteínas purificadas em meio de reação contendo ativadores específicos das mesmas. Nós observamos que a PKC inibe significativamente a atividade de racemização da serina racemase, resultando em uma menor produção de D-serina (Figura 6A). A PKC também inibiu significativamente a atividade de eliminação da serina racemase, resultando em uma menor formação de piruvato (Figura 6B). As reduções de Dserina e piruvato foram associadas a um aumento na fosforilação da serina racemase por PKC via incorporação de fosfato radioativo oriundo do [γ-32P]ATP, como mostrado por autoradiografia (Figura 6C). 35 Serina racemase - Mus musculus (camundongo) MCAQYCISFADVEKAHINIQDSIHLTPVLTSSILNQIAGRNLFFKCELFQKTGSFKIRGALNAIRGLIPDTPEEKPKAVVTHS SGNHGQALTYAAKLEGIPAYIVVPQTAPNCKKLAIQAYGASIVYCDPSDESREKVTQRIMQETEGILVHPNQEPAVIAGQG TIALEVLNQVPLVDALVVPVGGGGMVAGIAITIKALKPSVKVYAAEPSNADDCYQSKLKGELTPNLHPPETIADG KSSIGLNTWPIIRDLVDDVFTVTEDEIKYATQLVWGRMKLLIEPTAGVALAAVLSQHFQTVSPEVKNVCIVLSGGNVDLTS LNWVGQAERPAPYQTVSV Serina racemase - Homo sapiens (humano) MCAQYCISFADVEKAHINIRDSIHLTPVLTSSILNQLTGRNLFFKCELFQKTGSFKIRGALNAVRSLVPDALERKPKAVVTHS SGNHGQALTYAAKLEGIPAYIVVPQTAPDCKKLAIQAYGASIVYCEPSDESRENVAKRVTEETEGIMVHPNQEPAVIAGQGT IALEVLNQVPLVDALVVPVGGGGMLAGIAITVKALKPSVKVYAAEPSNADDCYQSKLKGKLMPNLYPPETIADGVSSIGLN TWPIIRDLVDDIFTVTEDEIKCATQLVWERMKLLIEPTAGVGVAAVLSQHFQTVSPEVKNICIVLSGGNVDLTSSITWVKQAE RPASYQSVSV Serina racemase - Rattus norvegicus (rato) MCAQYCISFADVEKAHLNIQDSVHLTPVLTSSILNQIAGRNLFFSFKIRGALNAIRGLIPDTLEGKPKAVVTHSS GNHGQALTYAAKLEGIPAYIVVPQTAPNCKKLAIQAYGASIVYSEPSDESRENVAQRIIQETEGILVHPNQEPAVIAGQGTIA LEVLNQVPLVDALVVPVGGGGMVAGIAITIKTLKPSVKVYAAEPSNADDCYQSKLKGELTPNLHPPETIADGVSSIGLNTW PIIRDLVDDVFTVTEDEIKYATQLVWERMKLLIEPTAGVGLAAVLSQHFQTVSPEVKNICIVLSGGNVDLTSLSWVKQAERP AP Figura 5: Seqüências da serina racemase de diferentes espécies (camundongo, humano e rato) mostrando seis possíveis sítios para fosforilação por PKC. Destes sítios, dois são para fosforilação em resíduos de treonina (verde) e quatro, bem conservados entre as espécies, são para fosforilação em resíduos de serina (laranja). 36 A B Eliminação Piruvato (% do controle) D-serina (% do controle) Racemização 100 * 50 100 * 50 0 0 SR SR+PKC SR SR+PKC inativa SR+PKC SR+PKC inativa C Autoradiografia SR SR + PKC SR + PKC inativa PKC 181,1 kDa 115,5 kDa PKC 82,2 kDa 64,2 kDa 48,8 kDa SR 37,1 kDa 25,9 kDa Figura 6: PKC inibe a atividade da serina racemase por fosforilação. Atividade bifuncional da serina racemase (SR) recombinante purificada (50 μg/ml) foi avaliada na presença ou ausência da PKC purificada (0,3 U/ml) à 37 oC por 1 h. Os resultados foram representados como percentual em relação ao controle (serina racemase). PKC inativada por calor foi usada como controle negativo. Serina racemase inativada por calor foi usada como branco. (A) Produção de D-serina foi monitorada por HPLC. (B) Formação de piruvato foi quantificada via ensaio colorimétrico usando 2,4 DPNH. As barras nos gráficos representam a média ± erro padrão de três experimentos independentes, cada um realizado em duplicata com três diferentes preparações da racemase. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,01. (C) Fosforilação da serina racemase por PKC (SR + PKC) via incorporação de fosfato radioativo oriundo do [γ-32P]ATP, como mostrado por autoradiografia. A autofosforilação da PKC (SR + PKC, PKC) também foi observada. Em diferentes grupos, a PKC inativada por calor foi usada tanto como controle negativo (SR + PKC inativa) quanto como branco (PKC). Experimento representativo. 37 4.2 - PKC imunoprecipitada de astrócitos diminui a atividade da serina racemase in vitro Para confirmar os resultados obtidos usando a PKC purificada comercial, nós analisamos a atividade bifuncional da serina racemase na presença de PKC imunoprecipitada de cultura de astrócitos. Nós mostramos que a PKC de astrócitos reduz ambas atividades, racemase e eliminase, da serina racemase (Figuras 7A e 7B). Análises por imunodetecção mostraram que a PKC inibe a serina racemase concomitantemente a um aumento no grau de fosforilação da racemase em resíduos de serina (Figura 7C). 38 B Racemização Eliminação Piruvato (% do controle) D-serina (% do controle) A 100 * 50 100 * 50 0 0 SR SR+PKCip SR+PKCip inativa SR SR+PKCip SR+PKCip inativa C PKCip inativa - - - - + + - + PKCip - - + + - - + - SR-GST + + + + + + - - WB : P-ser 64 kDa Figura 7. PKC proveniente de astrócitos reduz a atividade da serina racemase através de fosforilação. Atividade da enzima serina racemase (SR) foi determinada a partir de preparações da serina racemase fusionada a uma cauda de GST (SR-GST, concentração final de 50 μg/ml) na presença ou ausência PKC imunoprecipitada (PKCip) de astrócitos à 37 oC por 1 h. Os resultados foram representados como percentual em relação ao controle (serina racemase). PKCip inativada por calor foi usada como controle negativo. Serina racemase inativada por calor foi usada como branco. (A) Formação de D-serina foi monitorada por HPLC. (B) Produção de piruvato foi quantificada via ensaio colorimétrico usando 2,4 DPNH. As barras nos gráficos representam a médias ± erro padrão de quatro experimentos independentes, cada um realizado em duplicata com quatro diferentes preparações da racemase. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,01. (C) Fosforilação da serina racemase (SR-GST + PKCip) em resíduos de serina como mostrado por imunodetecção (WB) usando anticorpo anti-fosfoserina (P-ser). Em diferentes grupos, a PKCip inativada por calor foi usada tanto como controle negativo (SR-GST + PKCip inativa) quanto como branco (PKCip inativa). Experimento representativo. 39 4.3 - Serina racemase, PKC e PICK1 interagem em astrócitos A PICK1 apresenta elevada expressão no cérebro, onde modula várias funções da PKC (Xia e cols, 1999), além de interagir diretamente com a serina racemase (Fujii e cols, 2006). Entretanto, a interação entre PKC e serina racemase, assim como a formação de um complexo molecular envolvendo a serina racemase, PKC e PICK1, ainda não foi mostrado em nenhum modelo experimental. Com isso, nós fomos avaliar se as proteínas serina racemase, PKC e PICK1 teriam uma distribuição similar em culturas de astrócitos. Análises imunocitoquímicas por microscopia confocal evidenciaram um padrão de marcação semelhante destas proteínas, que culminou na colocalização das mesmas (Figura 8A). Para confirmar e fortalecer esta interação que ocorre em astrócitos, nós fomos avaliar este evento através do ensaio de coimunoprecipitação. Nós observamos que a imunoprecipitação da serina racemase, PKC ou PICK1 acarreta a precipitação das outras duas proteínas, mostrando que estas três proteínas podem interagir e formar um complexo molecular nestas células.(Figura 8B). 40 A DAPI SR PICK1 a b c d e f PKC GFAP Colocalização B a b c d e IP: SR IP: PKC IP: PICK1 IGg resina 82,2 kDa WB: PKC 1 WB: PICK1 2 WB: SR 3 64,2 kDa 48,8 kDa 37,1 kDa Figura 8. Interação da serina racemase, PKC e PICK1 em astrócitos. (A) Análises de imunomarcação para serina racemase, PICK1 e PKC foram realizadas em culturas de astrócitos e visualizadas por microscopia confocal. (a) DAPI. (b) serina racemase. (c) 41 PICK1. (d) PKC. (e) Setas indicando algumas áreas nas quais a serina racemase, PKC e PICK1 colocalizam em astrócitos. (f) Presença de células positivas para GFAP, um marcador de astrócitos maduros. (B) As proteínas serina racemase (SR) (a), PKC (b) ou PICK1 (c) foram imunoprecipitadas (IP) a partir de homogenato de cultura de astrócitos usando anticorpos específicos. Imunodetecção (WB) da PCK (1), PICK1 (2) e serina racemase (3) revelou que ocorre coimunoprecipitação destas proteínas. A imunoprecipitação de cada proteína também foi demonstrada. Os controles negativos foram feitos com uma IGg irrelevante (d) ou somente a resina (e). 42 4.4 - Fosforilação por PKC regula a atividade da serina racemase astrocitária Para observar se a PKC regula os níveis de D-serina produzida pela serina racemase, nós tratamos culturas de astrócitos com 100 nM de PMA, um ativador de PKC, ou 1 μM de BIM, um inibidor de PKC, em meio sem soro. Análise do meio extracelular por HPLC indicou que o PMA diminui a produção de D-serina pelas células, enquanto o BIM aumenta a produção de D-serina pelas células (Figura 9A). Já a D-serina intracelular aumentou significativamente na presença do BIM, mas a aparente diminuição com o PMA não teve significância estatística (Figura 9B). Análises por imunodetecção mostraram que o PMA aumenta o nível basal de fosforilação em resíduos de serina da serina racemase imunoprecipitada, enquanto o BIM promove efeito oposto (Figura 9C). Com estes resultados nós sugerimos que a PKC regule fisiologicamente a atividade da serina racemase astrocitária por controlar o estado de fosforilação desta racemase. 43 A Racemização D-serina extracelular (% do controle) 200 C * 150 Veículo 100 * 50 PMA BIM IP : SR 37 kDa WB : P-ser 37 kDa WB : SR 0 Veículo PMA BIM B Racemização * 400 D-serina intracelular (% do controle) SR fosforilada (P-ser/SR) 2.0 350 ** 1.5 1.0 ** 0.5 0.0 Veículo PMA BIM 300 250 200 150 100 50 0 Veículo PMA BIM Figura 9. Fosforilação da serina racemase por PKC astrocitária diminui a produção de D-serina. Culturas de astrócitos foram tratadas com veículo (0,01% de DMSO), PMA (100 nM) ou BIM (1 μM) e L-serina (10 mM) por 24 h. Os resultados foram representados como percentual em relação ao controle (veículo). (A) D-serina extracelular monitorada por HPLC. As barras nos gráficos representam as médias ± erro padrão de cinco experimentos independentes, cada um realizado em duplicata. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,01. (B) D-serina intracelular monitorada por HPLC. As barras nos gráficos representam as médias ± erro padrão das médias de dois experimentos independentes, cada um realizado em duplicata. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,01. (C) Fosforilação da serina racemase imunoprecipitada (IP) em resíduos de serina como mostrado por imunodetecção (WB) usando anticorpo antifosfoserina (P-ser). Após tratamento com glicina ácida da mesma membrana marcada com anti-fosfoserina para retirada deste anticorpo, o controle de carregamento foi feito com 44 marcação com anticorpo anti-serina racemase (SR). Experimento representativo. As barras nos gráficos abaixo representam as médias ± erro padrão da razão entre imunoreatividade relativa para fosfoserina e intensidades das bandas para serina racemase de três experimentos diferentes. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,05. 45 4.5 - Interação da serina racemase, PKC e PICK1 em neurônios Os neurônios expressam serina racemase (Kartvelishvily e cols, 2006). A expressão de PKC e PICK1 também foi descrita em neurônios (Tanaka and Nishizuka, 1994; Xia et al, 1999). No entanto, assim como nos astrócitos, não há relatos sobre a interação em conjunto destas três proteínas. Então, novamente nós fizemos análises imunocitoquímicas utilizando microscopia confocal e observamos que a serina racemase, PKC e PICK1 colocalizam em neurônios (Figura 10A). Nós confirmamos esta interação entre as proteínas através de ensaios de coimunoprecipitação, onde mostramos que a imunoprecipitação da serina racemase, PKC ou PICK1 acarreta a precipitação das outras duas proteínas, mostrando que estas três proteínas podem interagir e formar um complexo molecular também em neurônios (Figura 10B). 46 A SR PKC DAPI a b c d e f 20 μm Colocalização PICK1 β-tubulina III B a b c d e IP: SR IP: PKC IP: PICK1 IGg Resina 82,2 kDa WB: PKC 1 48,8 kDa WB: PICK1 2 37,1 kDa WB: SR 3 64,2 kDa 47 Figura 10. Serina racemase, PKC e PICK1 colocalizam em neurônios. (A) Análises de imunomarcação tripla foram realizadas em culturas de neurônios através de microscopia confocal. Para tripla marcação, anticorpo policlonal anti-serina racemase de coelho foi usado junto com anticorpo monoclonal anti-PKC de camundongo e anticorpo policlonal anti-PICK1 de cabra. (a) DAPI. (b) PKC. (c) serina racemase. (d) PICK1. (e) Setas indicando áreas nas quais a serina racemase, PKC e PICK1 colocalizam em neurônios. (f) Presença de células positivas para β-tubulina III, um marcador de neurônios. (B) As proteínas serina racemase (SR) (a), PKC (b) ou PICK1 (c) foram imunoprecipitadas (IP) a partir de homogenato de cultura de neurônios usando anticorpos específicos. Imunodetecção (WB) da PCK (1), PICK1 (2) e serina racemase (3) revelou que ocorre coimunoprecipitação destas proteínas. A imunoprecipitação de cada proteína também foi demonstrada. Os controles negativos foram feitos com uma IGg irrelevante (d) ou somente a resina (e). 48 4.6 - PKC modula a atividade da serina racemase neuronal via fosforilação Sendo a serina racemase expressa pelos neurônios (Kartvelishvily e cols, 2006), nós investigamos a regulação da serina racemase neuronal por PKC. Para isso, nós tratamos culturas de neurônios com 100 nM de PMA, um ativador de PKC, ou 1 μM de BIM, um inibidor de PKC, em meio sem soro. Análise do meio extracelular por HPLC indicou que o PMA diminui a produção de D-serina pelos neurônios, enquanto o BIM aumenta a produção de D-serina pelas células (Figura 11A). Já a D-serina intracelular aumentou significativamente na presença do BIM, mas a aparente diminuição com o PMA não teve significância estatística (Figura 11B). Análises por imunodetecção mostraram que o PMA aumentar o nível basal de fosforilação em resíduos de serina da serina racemase imunoprecipitada, enquanto o BIM promove efeito oposto (Figura 11C). Os controles foram tratados com a mesma concentração de DMSO (veículo de ambos PMA e BIM). Com estes resultados nós sugerimos que a PKC também regule fisiologicamente a atividade da serina racemase neuronal por controlar o estado de fosforilação desta racemase. 49 Racemização D-serina extracelular (% do controle) A * 100 C * Veículo 50 0 Veículo PMA WB : SR 37 kDa BIM D-serina intracelular (% do controle) * 150 SR fosforilada (P-ser/SR) Racemização 200 BIM 37 kDa ** 2.0 B PMA IP : SR WB : P-ser 1.5 1.0 ** 0.5 0.0 Veículo PMA BIM 100 50 0 Veículo PMA BIM Figura 11. Fosforilação da serina racemase por PKC neuronal diminui a produção de Dserina. Culturas de neurônios foram tratadas com veículo (0,01% de DMSO), PMA (100 nM) ou BIM (1 μM) e L-serina (10 mM) por 24 h. Os resultados foram representados como percentual em relação ao controle (veículo). (A) D-serina extracelular monitorada por HPLC. As barras nos gráficos representam as médias ± erro padrão de três experimentos independentes, cada um realizado em duplicata. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,01. (B) D-serina intracelular monitorada por HPLC. As barras nos gráficos representam as médias ± erro padrão das médias de dois experimentos independentes, cada um realizado em duplicata. * Diferença estatística em relação ao 50 controle com P < 0,01. (C) Fosforilação da serina racemase imunoprecipitada (IP) em resíduos de serina como mostrado por imunodetecção (WB) usando anticorpo antifosfoserina (P-ser). Após tratamento com glicina ácida da mesma membrana marcada com anti-fosfoserina para retirada deste anticorpo, o controle de carregamento foi feito com marcação com anticorpo anti-serina racemase (SR). Experimento representativo. As barras nos gráficos abaixo representam as médias ± erro padrão da razão entre imunoreatividade relativa para fosfoserina e intensidades das bandas para serina racemase de três experimentos diferentes. * Diferença estatística em relação ao controle com P < 0,05. 51 4.7 - Interação da serina racemase, PKC e PICK1 in vivo Para estudar a interação envolvendo a serina racemase, PKC e PICK1 in vivo, nós analisamos por imunodetecção os imunoprecipitados de cada uma destas proteínas, oriundos de homogenatos de cérebro de rato. Através do ensaio de coimunoprecipitação, assim como em astrócitos e neurônios in vitro, nós observamos que a serina racemase, PKC e PICK1 também precipitam juntas in vivo, indicando que a interação destas três proteínas possa ter uma importância fisiológica (Figura 12). 52 a b c IP: PKC IP: SR IP: PICK1 97 kDa _ 66 kDa _ WB: PKC 1 WB: PICK1 2 WB: SR 3 55 kDa _ 45 kDa _ 45 kDa _ Rac 6 36 kDa _ Figura 12. Interação da serina racemase, PKC e PICK1 in vivo. Os diferentes imunoprecipitados de cérebro de rato foram analisados por imunodetecção, mostrando a coimunoprecipitação. As proteínas PKC (a), serina racemase (SR) (b) ou PICK1 (c) foram imunoprecipitadas (IP) a partir de homogenato de cérebro de rato usando anticorpos específicos. Imunodetecção (WB) da PCK (1), PICK1 (2) e serina racemase (3) revelou que ocorre coimunoprecipitação destas proteínas. A imunoprecipitação de cada proteína também foi demonstrada. A rac 6 (linhagem que superexpressa serina racemase) serviu como controle positivo para a imunodetecção da serina racemase. Os controles negativos foram feitos com uma IGg irrelevante (dado não mostrado). 53 4.8 - PKC regula a disponibilidade de D-serina in vivo Para estudar a regulação da produção de D-serina por PKC in vivo, nós injetamos, em um dos hemisférios cerebrais de ratos, PMA, um ativador de PKC, ou BIM, um inibidor de PKC, diretamente no córtex frontal. A injeção do veículo (DMSO) de ambos, PMA e BIM, na mesma concentração foi usada como controle. Análises por HPLC mostraram que o PMA diminui a concentração de D-serina presente nos homogenatos desta região, enquanto o BIM aumenta o conteúdo de D-serina na mesma região do cérebro do animal (Figura 13A). Avaliando o grau de fosforilação da serina racemase imunoprecipitada do homogenato deste tecido, nós observamos que o PMA aumenta a fosforilação basal da racemase em resíduos de serina, enquanto o BIM diminui esta fosforilação (Figura 13B). Estes resultados sugerem que a PKC regule in vivo a atividade fisiológica da serina racemase no córtex frontal por controlar o estado de fosforilação desta racemase. 54 A Homogenato de córtex frontal de rato 150 D-serina (% do controle) 125 100 75 50 25 0 Veículo PMA Animal 1 Veículo BIM Animal 2 B IP: SR WB: P-ser 37 kDa WB: SR 37 kDa SR fosforilada (P-ser/SR) 1.5 1.0 0.5 0.0 Veículo PMA Animal 1 Veículo BIM Animal 2 55 Figura 13. Regulação da disponibilidade de D-serina por PKC in vivo. PMA (animal 1) ou BIM (animal 2), ambos 1 µM, foram injetados diretamente no córtex frontal de ratos. Após 1 h, parte do tecido do córtex frontal foi dissecada e homogeneizada em tampão para imunoprecipitação. (A) Parte do homogenato foi tratada com 5% de TCA para posterior análise dos níveis de D-serina por HPLC. A injeção com o veículo (0,001 % de DMSO) no córtex frontal do hemisfério oposto ao tratado com PMA ou BIM no mesmo animal serviu como controle. (B) Outra parte deste homogenato foi usada para imunoprecipitar (IP) a serina racemase (SR) utilizando anticorpo específico. O estado de fosforilação desta serina racemase imunoprecipitada foi avaliado por imunodetecção (WB) usando anticorpo antifosfoserina (P-ser). Após tratamento com glicina ácida da mesma membrana marcada com anti-fosfoserina para retirada deste anticorpo, o controle de carregamento foi feito com anticorpo anti-serina racemase. O gráfico representa a razão entre a imunoreatividade relativa para fosfoserina e intensidades das bandas para serina racemase. 56 5. Discussão No sistema nervoso, tem sido mostrado que a interação entre proteínas controla diversos eventos biológicos (Kim e Sheng, 2004). Neste trabalho, nós demonstramos que a serina racemase tem sua capacidade de formar D-serina reduzida como decorrência da interação com a PKC. Um dos mecanismos que regula a atividade de uma enzima é a fosforilação. Nós observamos que a PKC regula negativamente a atividade da serina racemase e fosforila a racemase. Observamos que a serina racemase possui seis sítios consenso para fosforilação por PKC, dentre eles quatro em resíduos de serina e dois em resíduos de treonina. Além da imunodetecção com anticorpo contra resíduos de serina fosforilados, nós também realizamos ensaios autoradiográficos que permitiram visualizar a incorporação de fosfato radioativo na estrutura da serina racemase após a fosforilação induzida por PKC. Considerando a autoradiografia, não podemos descartar que os resíduos de treonina presentes na serina racemase também sejam fosforilados por PKC, podendo também participar da regulação desta racemase. Nosso estudo demonstra que a regulação da atividade da serina racemase através de fosforilação mediada por PKC parece controlar a disponibilidade de D-serina. Utilizando a serina racemase recombinante, nós mostramos que ambas PKCs, purificada e imunoprecipitada de astrócitos, são capazes de inibir a atividade bifuncional da serina racemase. Usando anticorpo anti-fosfoserina nós observamos que a fosforilação da serina racemase em resíduos de serina ocorre de forma concomitante a uma queda na produção de piruvato e D-serina. Em culturas de astrócitos e neurônios, nós mostramos que o PMA (ativador de PKC) diminui o nível extracelular de D-serina e aumenta a fosforilação basal 57 da serina racemase em resíduos de serina, enquanto o BIM (inibidor de PKC) apresenta efeitos opostos. Evidenciamos também que a serina racemase e a PKC interagem nestas culturas e em encéfalo de ratos adultos. Nosso resultado in vivo mostra que a regulação da atividade da serina racemase por PKC parece controlar a disponibilidade de D-serina no córtex frontal de ratos. Assim como nas culturas, ocorre uma diminuição e um aumento do conteúdo de D-serina proporcionados pelo PMA e pelo BIM, respectivamente. Todas estas evidências sugerem que o controle dos níveis de D-serina parece estar correlacionado com a regulação da atividade da serina racemase via fosforilação por PKC. Analogamente, a fosforilação em resíduos de serina de receptores cinase acoplados à proteína G também promove uma diminuição da atividade enzimática destas proteínas (Horner e cols, 2005). Observamos tanto em astrócitos como em neurônios que enquanto o inibidor da PKC (BIM) aumenta os níveis de D-serina intra e extracelulares, o ativador da PKC (PMA) diminui a concentração de D-serina extracelular, mas não a de D-serina intracelular. Uma possibilidade é que o PMA esteja interferindo no transporte celular de D-serina. Interessantemente, a ativação da PKC por PMA em linhagens celulares de mamíferos que expressam diferentes transportadores de aminoácidos, foi capaz de inibir a função dos sistemas sensível e insensível à leucina (Rotmann e cols, 2007). Além disso, a ativação da PKC α (alfa) por PMA mostrou associação com a redistribuição de transportadores de glutamato neuronais, como o transportador de aminoácidos excitatórios 1 (EAAC1), podendo assim influenciar na atividade destes transportadores (González e cols, 2003). Neste sentido, utilizando co-culturas de astrócitos e neurônios e células C6 superexpressando o transportador de glutamato subtipo 1 (GLT-1), foi mostrado que a ativação da PKC com PMA causa redistribuição e redução da expressão destes receptores, podendo isto interferir no transporte de glutamato (Kalandadze e cols, 2002). Considerando 58 as evidências, é possível que no nosso caso o PMA possa interferir também com o transporte de D-serina através da membrana plasmática. É importante ressaltar que o BIM inibe todas as isoformas de PKC por bloquear o sítio para ligação de ATP destas cinases. Já o PMA, que atua mimetizando o efeito do diacilglicerol na célula, não ativa todas as isoformas de PKC, e sim, as clássicas e novas. De uma maneira geral, todas as isoformas de PKC são expressas no sistema nervoso central e desempenham importante papel na regulação de funções neuronais (Tanaka e Nishizuka, 1994). Estas isoformas de PKC mostram propriedades enzimáticas distintas, expressão diferencial nos tecidos e localização intracelular específica. Cada isoforma de PKC pode mediar diferentes processos biológicos na célula. No córtex cerebral, região estudada em nosso trabalho, predomina a presença das isoformas clássicas de PKC, seguida das novas e atípicas, respectivamente (Nishizuka, 1992; Hasegawa e cols, 2006). Dentre as PKCs clássicas, a PKC α tem chamado bastante atenção por participar de importantes funções na sinalização neuro-glial relacionadas a interação entre proteínas (Lu e Ziff, 2005). O anticorpo que nós utilizamos para os experimentos de imunoprecipitação, imunodetecção e imunofluorescência apresenta especificidade para um epítopo conservado entre as PKCs clássicas. Portanto, torna-se necessário que novas abordagens sejam realizadas para investigar o envolvimento de isoformas específicas de PKC. A hipofunção de receptores NMDA pode apresentar envolvimento em patologias neuropsiquiátricas. Evidências sugerem que a esquizofrenia esteja relacionada com a hipofunção do sistema neurotransmissor glutamatérgico em regiões anteriores do cérebro e na área límbica (Goff e Coyle, 2001). Estudo com camundongos transgênicos com baixa expressão de receptor NMDA mostra que estes animais exibem comportamento semelhante à esquizofrenia, que é revertido por drogas anti-esquizofrenia (Mohn e cols, 1999). Foi 59 mostrado que pacientes esquizofrênicos apresentam níveis séricos de D-serina menores do que pacientes saudáveis (Hashimoto e cols, 2003). Similarmente, a análise do fluido cerebroespinhal de pacientes esquizofrênicos evidenciou uma redução dos níveis de Dserina quando comparada aos pacientes saudáveis (Hashimoto e cols, 2005; Bendikov e cols, 2007). Na esquizofrenia, tem sido evidenciada uma hiperatividade da sinalização por PKC tanto no sangue (plaquetas) quanto no SNC (cérebros de biópsia e pós-morto) (Wang e Friedman, 1996; Coull e cols, 2000; Mcnamara e cols, 2006). Nós mostramos que a ativação da PKC reduz os níveis de D-serina in vitro e in vivo. Nosso resultado mostra ainda que esta regulação está associada a um aumento da fosforilação basal em resíduos de serina da serina racemase. Desta maneira, a fosforilação da racemase mediada por PKC pode também ter papel na hipofunção de receptores NMDA na esquizofrenia. Neste sentido, estudos adicionais serão necessários para elucidar esta relação e potencial envolvimento. Além do envolvimento da PKC na esquizofrenia, tem sido estudada a participação da PICK1 nesta doença (Staudinger e cols, 1995). O gene da PICK1 está localizado no cromossomo 22q13.1, o qual é um locus genético que freqüentemente tem ligação com a esquizofrenia. De fato, há indícios sobre a existência de três regiões polimórficas no gene da PICK1 que estão fortemente associadas com a doença em questão (Moises e cols, 2002; Hong e cols, 2004; Dracheva e cols, 2005). Um estudo comparando pacientes esquizofrênicos idosos com pacientes considerados normais não mostra diferença nos níveis de RNA mensageiro para PICK1 no córtex occipital (Dracheva e cols, 2005). Por outro lado, recentemente foi mostrado que a presença da PICK1 aumenta os níveis de Dserina (Hikida e cols, 2008). Nossos resultados mostram que a PICK1 interage com a serina 60 racemase e a PKC in vitro e in vivo, podendo estar envolvida com a fosforilação da serina racemase por PKC. A serina racemase pode se ligar à PICK1 (Fujii e cols, 2006). É sugerido que a PICK1 atue como uma chaperona que direciona a PKC para seus alvos na célula (Staudinger e cols, 1995; Staudinger e cols, 1997). Este mecanismo é bem exemplificado em um trabalho que mostra o papel chave da PICK1 em carregar a PKCα até os receptores AMPA, onde a cinase é capaz de fosforilar a serina 880 destes receptores de maneira a controlar o tráfego celular dos mesmos (Lu e Ziff, 2005). Nós mostramos, por microscopia confocal e coimunoprecipitação, a interação da PICK1 com ambas proteínas, serina racemase e PKC. Este complexo molecular pode ter importância na regulação da serina racemase, podendo assim influenciar na alteração dos níveis do neuromodulador D-serina e conseqüentemente na ativação de receptores NMDA. Em contraste, foi mostrado que a PICK1 pode aumentar os níveis de D-serina por interagir com a serina racemase (Hikida e cols, 2008). Este trabalho mostrou que camundongos transgênicos que não expressam PICK1 com uma semana de vida apresentam menos D-serina que os camundongos selvagens. Esta diferença nos níveis de D-serina não ocorre entre os camundongos adultos. Observou-se ainda, uma maior produção de D-serina em cultura de linhagem que superexpressa ambas PICK1 e serina racemase (Hikida e cols, 2008). Tendo em vista que nós observamos uma regulação negativa da serina racemase por PKC, torna-se aparentemente contraditório pensar que a PICK1 esteja trabalhando no sentido de direcionar a PKC para fosforilar a serina racemase. No entanto, estas proteínas podem ter uma função diferenciada dentro de uma relação espacial e/ou temporal. Há a possibilidade destas proteínas agirem em momentos distintos em um mesmo complexo compartimentalizado. Por outro lado, a PICK1 além de direcionar 61 a PKC para os padrões moleculares desta cinase, também pode estar atuando como alvo da PKC no complexo molecular, podendo esta fosforilação acarretar diferentes destinos da PICK1, até mesmo a degradação na via do proteassoma. No entanto, outras abordagens experimentais terão que ser realizadas para melhor entender a funcionalidade deste complexo protéico formado pela SR/PKC/PICK1. Há indícios de que a D-serina possa participar na neuroinflamação e na excitotoxicidade, contribuindo para doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer e a esclerose lateral amiotrófica (Wu e cols, 2004a; Wu e cols, 2007; Sasabe e cols, 2007). Foi mostrado um aumento da expressão da serina racemase no hipocampo de pacientes com doença de Alzheimer (Wu e cols, 2004a). O mesmo grupo mostrou que tanto o peptídeo beta amilóide (principal componente das placas neuríticas presentes na doença de Alzheimer) quanto a proteína precursora amilóide secretada (sAPP) pode estimular, in vitro, a síntese e a liberação pela microglia de níveis neurotóxicos de D-serina (Wu e cols, 2004a; Wu e cols, 2007). Estes resultados in vitro reforçam a observação de que ocorre um aumento de D-serina no fluido cérebro-espinhal de pacientes com doença de Alzheimer (Fisher e cols, 1998). A PKC por sua vez apresenta atividade diminuída em extratos de hipocampo e córtex (temporal e frontal) de pacientes com Alzheimer (Wang e cols, 1994). Tem-se ainda que no córtex temporal de cérebros com Alzheimer ocorre uma diminuição, em ambas expressão e atividade, de determinadas isoformas de PKC (Matsushima e cols, 1996). Os referidos achados fortalecem a idéia de que o aumento da disponibilidade de Dserina e a diminuição da sinalização mediada por PKC podem estar relacionados com o processo de neurodegeneração envolvido com a doenca de Alzheimer. Nós demonstramos que a diminuição da atividade da PKC leva a um aumento dos níveis de D-serina in vitro e in vivo. Nosso resultado mostra ainda que esta regulação é acompanhada por uma redução 62 da fosforilação basal em resíduos de serina da racemase. Desta forma, este mecanismo de fosforilação da serina racemase controlado pela PKC pode ter relevância na hiperfunção de receptores NMDA relacionada à doença de Alzheimer. Em um modelo de camundongos com esclerose lateral amiotrófica, foi mostrado que os neurônios da medula espinhal destes camundongos apresentam maior vulnerabilidade em relação à D-serina do que os neurônios de camundongos controle (Sasabe e cols, 2007). Foi observado ainda, que na medula espinhal destes camundongos com a doença ocorre uma elevação da expressão de serina racemase e um aumento de D-serina pela glia. Um aumento de D-serina também foi evidenciado na medula espinhal de pacientes com caso familiar de esclerose lateral amiotrófica esporádica. Esta elevação na concentração de Dserina aumenta a toxicidade dos motoneurônios induzida por glutamato via receptores NMDA (Sasabe e cols, 2007). Também utilizando pacientes com esclerose lateral amiotrófica esporádica, a análise imunohistoquímica aponta para uma redução na quantidade de PKC em neurônios motores espinhais (Nagao e cols, 1998). Como mencionado, os efeitos que observamos com a inibição da PKC relacionam o aumento dos níveis de D-serina com a redução da fosforilação basal da serina racemase. Portanto, tendo em vista que a atividade da serina racemase parece controlar a disponibilidade de D-serina, torna-se importante investir em estudos que busquem avaliar o estado de fosforilação da serina racemase nas doenças neurodegenerativas. Neste trabalho, nós propomos que a serina racemase seja um alvo molecular para a PKC. Esta interação controla a disponibilidade do neuromodulador D-serina através, aparentemente, da fosforilação da serina racemase pela PKC. Esta regulação dos níveis endógenos de D-serina no cérebro pode ter importância na modulação da neurotransmissão 63 glutamatérgica via receptores NMDA e na sinalização molecular envolvida com diferentes distúrbios neuropsiquiátricos (Figura 14). 64 A Célula L-serina Ativação de receptores NMDA PICK 1 PK C P SR P P P Condição fisiológica lul ce t ra In Fosforilação ar D-serina Extracelular B L-serina PICK 1 PS PP R P PK C PP P P Sinalização por PKC Hipofunção de receptores NMDA D-serina C L-serina PICK 1 SR P PK C Hiperfunção de receptores NMDA Sinalização por PKC D-serina Figura 14: PKC regula a atividade da serina racemase. Esquema do complexo molecular SR/PKC/PICK1 propondo um possível mecanismo de regulação da atividade da serina racemase (SR) via fosforilação mediada por PKC. (A) Suposta condição fisiológica, onde a PKC controlaria o estado de fosforilação basal da serina racemase e a disponibilidade de Dserina para ativar os receptores NMDA. (B) Aumento da atividade da PKC acarretaria em um aumento na fosforilação da serina racemase e diminuição dos níveis de D-serina provocando hipofunção de receptores NMDA. (C) Redução da atividade da PKC provocaria uma diminuição na fosforilação da serina racemase e aumento dos níveis de D-serina que pode culminar na hiperfunção de receptores NMDA. 65 6. Conclusões No presente estudo, sugerimos que: 9 In vitro, a PKC modula negativamente a atividade bifuncional da SR recombinante; 9 A diminuição desta atividade ocorre concomitantemente a um aumento no grau de fosforilação da racemase em resíduos de serina; 9 A atividade das PKCs astrocitária e neuronal controla a disponibilidade de D-serina; 9 As proteínas SR, PKC e PICK1 interagem em ambas culturas de astrócitos e neurônios; 9 SR, PKC e PICK1 interagem in vivo; 9 A disponibilidade de D-serina parece ser regula por PKC in vivo. 66 7. Referências Bibliográficas • Alkon DL, Epstein H, Kuzirian A, Bennett MC, Nelson TJ (2005). 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Durante o mestrado, além de estudar mecanismos moleculares envolvidos com a regulação da atividade serina racemase, tive a oportunidade de ajudar o grupo em outras frentes. Um dos projetos que participei era desenvolvido pela aluna Caroline Madeira e tinha como objetivo avaliar se a atividade da D-aminoácido oxidade estaria alterada na esquizofrenia. Nós demonstramos um aumento na atividade de degradação de D-aminoácidos no córtex cerebral de pacientes esquizofrênicos. O aumento da atividade pode ser responsável pela diminuição de D-serina extracelular local, contribuindo para a hipofunção de receptores NMDA que ocorre na esquizofrenia. Este é o primeiro estudo que avalia diretamente a atividade da D-aminoácido oxidase no tecido de cérebro postmortem de pacientes esquizofrênicos. Este trabalho foi aceito recentemente para publicação na revista Schizophrenia Research. Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo