psiquiatria REVISTA Ano 2 • n°4 • Jul/Ago 2012 ISSN 2236-918X DEBATES EM Publicação destinada exclusivamente à classe médica www.abp.org.br ARTIGOS Estimulação Magnética Transcraniana em Psiquiatria Doença Mental e Cultura: Uma Perspectiva Antropológica Farmacogenômica e transtornos afetivos: origens, fundamentos e aplicabilidade clínica Neuroinfecções e Psiquiatria Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 1 1 16/08/12 17:16 OPINIÃO Conhecimento psiquiátrico a favor da universalização da informação É com muita satisfação que assistimos à consolidação da Revista Debates em Psiquiatria (RDP), como difusora especializada de conhecimento psiquiátrico. Esse feito deve-se à insistência com a qual os editores da RDB insistem em terem artigos escritos por médicos com experiência clínica escrevendo para leitores ávidos desses conhecimentos para emprego imediato no cotidiano profissional. Cremos com isso, termos cumprido nossas promessas iniciais. No número atual, equipe de especialistas liderada por Marco Antonio Marcolin discorre sobre a experiência clínica acumulada com o emprego clínico de EMT - dentro de postulados éticos e que respeitam as resoluções do CFM. É feita uma exposição didática do histórico e dos princípios gerais que norteiam a utilização de EMT . Nossa revista traz o debate meio esquecido entre doença e cultur, em uma perspectiva antropológica. No estudo, César Augusto Trinta Weber, do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP- São Paulo, trata das questões ligadas à saúde, especialmente, a doença e a cura, compreendidas enquanto resultantes de fenômenos biológicos, psico­ lógicos, sociais e culturais . As contribuições da Antropologia aplicada à saúde, abordando as questões do fato social e da compreensão dos fenômenos que envolvem o homem e seu modo de vida. Copyright © Lundbeck | Material destinado exclusivamente à classe médica. | Impresso em Janeiro/2012 8 o s: 0 g r e a a. e o. e r r r e s s a, a o e g a a. a 0 M ////////////// EDITORIAL ANTONIO GERALDO DA SILVA EDITOR Em outro artigo, Vitor de Mello Netto discute a possibilidade de um tratamento personalizado: a adaptação das terapias com base no perfil genético de cada paciente. Um dos aspectos promissores da Farmacoterapia dos Transtornos Afetivos. A identificação da relação entre genótipo e resposta antidepressivos, incluindo aí, tanto o efeito terapêutico como o perfil de efeitos adversos que, de acordo com o professor, pode vir a alterar profundamente a prática médica. E ainda nesta edição, as Neuroinfecções na psiquiatria. Fernando Portella Câmara, da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, discute as neuroinfecções em seu âmbito geral, neuropatológico e, no particular, como uma possível origem de doença mental como causa primária. E apresenta evidências epidemiológicas que sugerem um modelo infeccioso de transtorno afetivo, implicando os vírus Nipah e Borna, como um dos causadores prováveis da doença mental. Uma boa leitura a todos e lembramos que o espaço está aberto para seus artigos e discussões. Esta é a razão da existência da Revista Debates em Psiquiatria. E alguns lembretes dos editores: Já está no site da ABP mais conhecimento para nossos associados, com o PEC 2012, o Programa de Educação Continuada. Uma das principais ferramentas de atualização, com novo programa de oito aulas, no sistema e-learning. Acesse www.abp.org.br. E por falar em conhecimento, a ABP em parceria com a Artmed Panamericana apresenta o Programa de Atualização em Psiquiatria – PROPSIQ. O grande diferencial do Programa é ser composto por livros-texto com temas variados. Os inscritos têm acesso ao ambiente virtual de aprendizagem e após o curso, são certificados pelas 120 horas/aula, além de acumular pontos para a revalidação de título de especialista. Para saber mais acesse o site www.semcad.com.br. JOÃO ROMILDO BUENO EDITOR E não se esqueça. Você tem um compromisso no próximo mês de outubro: Em Natal no Rio Grande do Norte, o XXX Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Durante três dias, algumas das maiores autoridades em psiquiatria do país e do exterior vão discutir temas relevantes para a formação profissional. Mais informações no site www.abp.org.br/ congresso. Os editores Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria m revista debates-10.indd 3 3 16/08/12 17:16 //////////// EXPEDIENTE EDITORES Antônio Geraldo da Silva João Romildo Bueno DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Antonio Geraldo da Silva - DF Vice-Presidente: Itiro Shirakawa - SP 1º Secretário: Luiz Illafont Coronel - RS 2º Secretário: Mauricio Leão - MG 1º Tesoureiro: João Romildo Bueno - RJ 2º Tesoureiro: Alfredo Minervino - PB SECRETÁRIOS REGIONAIS Norte: Paulo Leão - PA Nordeste: José Hamilton Maciel Silva Filho - SE Centro-Oeste: Salomão Rodrigues Filho - GO Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Sul: Cláudio Meneghello Martins - RS CONSELHO FISCAL Titulares: Emmanuel Fortes - AL Francisco Assumpção Júnior - SP Helio Lauar de Barros - MG Suplentes: Geder Ghros - SC Fausto Amarante - ES Sérgio Tamai - SP ABP - Rio de Janeiro Secretaria Geral e Tesouraria Av. Rio Branco, 257 – 13º andar salas 1310/15 –Centro CEP: 20040-009 – Rio de Janeiro - RJ Telefax: (21) 2199.7500 Rio de Janeiro - RJ E-mail: [email protected] Publicidade: [email protected] 4 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 4 EDITORES ASSOCIADOS Itiro Shirakawa Alfredo Minervino Luiz Carlos Illafont Coronel Maurício Leão Fernando Portela Camara CONSELHO EDITORIAL Almir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SP Analice de Paula Gigliotti - RJ Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros - RS Carmita Helena Najjar Abdo - SP Cássio Machado de Campos Bottino - SP César de Moraes - SP Elias Abdalla Filho - DF Érico de Castro e Costa - MG Eugenio Horácio Grevet - RS Fausto Amarante - ES Fernando Portela Câmara - RJ Flávio Roithmann - RS Francisco Baptista Assumpção Junior - SP Helena Maria Calil - SP Humberto Corrêa da Silva Filho - MG Irismar Reis de Oliveira - BA Jair Segal - RS João Luciano de Quevedo - SC José Alexandre de Souza Crippa - SP José Cássio do Nascimento Pitta - SP José Geraldo Vernet Taborda - RS Josimar Mata de Farias França - AL Marco Antonio Marcolin - SP Marco Aurélio Romano Silva - MG Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Maria Alice de Vilhena Toledo - DF Maria Dilma Alves Teodoro - DF Maria Tavares Cavalcanti - RJ Mário Francisco Pereira Juruena - SP Paulo Belmonte de Abreu - RS Paulo Cesar Geraldes - RJ Sergio Tamai - SP Valentim Gentil Filho - SP Valéria Barreto Novais e Souza - CE William Azevedo Dunningham - BA CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL Antonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela) Jornalista Responsável: Lucia Fernandes Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Ilustração: Lavinia Góes Produção Editorial: Luan Comunicação Impressão: Gráfica Editora Pallotti 16/08/12 17:16 //////////////////// ÍNDICE JUL/AGO 2012 6/artigo Estimulação Magnética Transcraniana em Psiquiatria por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI 16/artigo Doença Mental e Cultura: Uma Perspectiva Antropológica por CÉSAR AUGUSTO TRINTA WEBER 26/artigo Farmacogenômica e transtornos afetivos: origens, fundamentos e aplicabilidade clínica por VITOR DE MELLO NETTO 38/artigo Neuroinfecções e Psiquiatria por FERNANDO PORTELA CÂMARA * As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 5 5 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA EM PSIQUIATRIA Resumo: Objetivo: O objetivo deste artigo foi retratar a experiência com Estimulação Magnética Transcraniana no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Medicina USP (HC-FMUSP), e sua aplicação na prática clínica psiquiátrica. Métodos: Foi feita uma descrição geral dos princípios e histórico da Estimulação Magnética Transcraniana (EMT). E ainda, foram compilados os principais resultados de pesquisa por nós realizadas ao longo de 13 anos em áreas como depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo compulsivo, dependência química, comprometimento cognitivo, infância (autismo), entre outros. São abordadas também questões relativas à segurança e efeitos colaterais de importância para a prática clínica. Resultados: São abordados junto com os principais estudos apresentados no corpo do texto. Conclusão: A EMT é um procedimento de múltiplas indicações terapêuticas em transtornos psiquiátricos e neurológicos, além de ter potencial diagnóstico e utilidade no planejamento neurocirúrgico. Atualmente, tem aprovação pelo Conselho Federal de Medicina para tratamento de depressões e alucinações auditivas independentemente de protocolos de pesquisa. É um método inovador em seus aspectos técnicos: não invasivo, estímulo focal e indolor, simples de ser aplicado e com baixo risco para pesquisas em seres humanos, além de perfil benigno de feitos colaterais. Palavras chaves: Estimulação Magnética Transcraniana, estimulação cerebral, aplicações clínicas, efeitos adversos. Introdução O s procedimentos de estimulação cerebral não invasivos têm sido utilizados em medicina há longo tempo. A estimulação cerebral através de corrente elétrica tem sido aplicada há séculos A Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) trouxe uma nova mudança para 6 esse cenário, pois, pela primeira vez, conseguiu-se oferecer uma estimulação cerebral não invasiva de modo indolor e com um perfil benigno de efeitos colaterais. Adicionalmente, este método apresenta uma característica que as outras terapias elétricas falharam em demonstrar: ação focal no córtex cerebral e mais recentemente em regiões profundas do cérebro. Anthony Barker foi o primeiro a ousar estimular o sistema ner­oso central num voluntário sadio, em fevereiro de 1985 e confirmou a possibilidade de ativar o córtex humano sem dor ou grandes desconfortos. E foi ele quem encontrou o ponto do Limiar Motor (LM) estimulando área motora primária. Este parâmetro se utiliza até hoje como padrão fundamental na EMT. Logo após a publicação dos primeiros estudos, na década de 90, confirmando os dados iniciais e demonstrando o papel da EMT influenciando modulação da atividade cerebral, houve um grande interesse em se usar essa técnica no tratamento dos trans­tornos psiquiátricos e neurológicos, além de outras áreas de interesse como a otorrinolaringologia, a oftalmologia e de forma consistente a neuropsicologia. Simultaneamente, a melhora do entendimento da fisiopatologia dos distúrbios psiquiátricos e neurológicos através das novas técnicas de neuroimagem aju­dou a orientar melhor o tratamento com EMT em termos de parâ­ metros diversos, especialmente do local-alvo. Vários grupos de pesquisadores passaram a utilizar a EMT sobre o córtex humano, um grupo em especial na “Medical University of South Carolina USA (George et al.,1994 1) explorando o córtex pré-frontal dorso lateral E. O procedimento tem sido proposto não só para uso terapêutico, mas também no diagnóstico de diversos transtornos psiquiátricos, bem como afecções neurológicas; e mais recentemente como importante ferramenta no planejamento neurocirúrgico. (abor­ daremos essas indicações de forma mais detalhada adiante). Notese que a recente aprovação da EMT pelo Conselho Federal de Medicina, contempla não só o tratamento das depressões e das alucinações auditivas, mas também o planejamento neurocirúrgico. revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 6 16/08/12 17:16 por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI Transcranial Magnetic Stimulation Nucleus, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina USP, São Paulo (SP), Brazil. Não é demais ressaltar que esta técnica promissora e inovadora apresenta algumas vantagens sobre as demais técnicas já existentes. A EMT é não invasiva e focal, indolor, simples de ser aplicada e considerada de baixo risco para pesquisas em seres humanos, além da multiplicidade de aplicações em diversas especialidades médicas. Princípios básicos da EMT A estimulação magnética baseia-se em um princípio físico des­crito por Michael Faraday para a Royal Society (Londres) em 1831. Suas experiências permitiram a observação do que se con­ vencionou chamar de indução magnética. Segundo este princípio ocorre geração de corrente elétrica em um circuito colocado sob efeito de um campo magnético variável. Na EMT, uma bobina pequena recebe uma corrente elétrica alternada extremamente potente, logo, um campo magnético é gerado e oscila rapidamente; a bobina posicionada sobre o couro cabeludo transmite este estímulo para o córtex que o converte novamente em corrente elétrica (Marcolin e DaCosta 1999 2). O campo magnético atravessa vários materiais relativamente isolantes como a pele e os ossos com uma atenuação praticamente inexistente, ou seja, não sofre a impedância como no método de Eletroconvulsoterapia (ECT). Quando a EMT é aplicada sobre o córtex motor, uma corrente elétrica é induzida nessa região, produzindo uma resposta mus­ cular. Analogamente, quando a EMT é aplicada sobre outras re­ giões do córtex cerebral, os resultados irão depender da função da área escolhida, logo, efeitos cognitivos e emocionais são possíveis. As únicas regiões do cérebro que ao serem estimuladas provocam um efeito imediato e facilmente observável são: o córtex motor primário, que provoca contrações nos grupos musculares corres­ pondentes à região estimulada que podem ser observadas ou medidas em um aparelho de eletromiografia (EMG), e o córtex visual primário, sendo que, nesse caso, o paciente refere fosfenas e escotomas. Formas de Estimulação Magnética Transcraniana e seus Parâmetros Existem várias formas de se aplicar o estímulo gerado pelo campo magnético ao córtex cerebral, sendo que as três seguintes são as mais comumente utilizadas: pulso simples, pulso pareado e estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr). Pulsos simples podem ser usados para mapeamento do córtex motor e estudo do tempo de condução do estímulo, assim como para mapeamentos cerebrais de regiões responsáveis por dores crônicas como, por exemplo, dor em membro fantasma ou para mapeamentos de tumores justapostos a regiões motoras. Já os pulsos pareados, são utilizados basicamente para realizar medidas de avaliação neurofisiológica (sobretudo na avaliação da fisiologia cerebral após acidente vascular cerebral, em pacientes com dor crônica e fibromialgia) (Mhalla et al.3). É provável, que num futuro próximo, essas medidas de excitabilidade cortical venham a fazer parte do diagnóstico e da escolha terapêutica de transtornos psiquiátricos (Greenberg et al.4). Chamamos EMTr de alta frequência, quando os pulsos repetitivos ocorrem numa frequência superior a 1Hz; e de baixa frequência ou lenta, quando igual ou inferior a 1Hz. Tal classificação baseiase nas diferenças fisiológicas encontradas entre os dois tipos de estimulação: em que altas frequências possuem efeito, em geral, excitatório, enquanto as de menor valor possuem efeito inibitório (Rossi et al.5). Os pulsos repetidos têm algumas vantagens em relação aos pulsos únicos: os neurônios que são estimulados por essa técnica repetitiva apresentam descargas frequentes, gerando, subse­quen­­ temente, um aumento no tempo de refratariedade desses neu­ rônios. Tal efeito pode gerar uma mudança na atividade cortical da área estimulada por um período prolongado e, por­tanto ocasionar efeitos comportamentais (Pascual-Leone et al., 1992 6; PascualLeone et al., 1999 7). Há uma forma bastante nova de se utilizar a Estimulação por repetição chamada de EMTr com Theta-Burst. Trata-se de uma mo­dalidade de tratamento na qual são aplicadas frequências com­binadas (por ex: 50Hz com 5Hz). Ainda em fase recente de estudos. Em relação à duração dos efeitos da EMTr, os estudos mostram que há uma relação direta com o tempo de tratamento por EMTr. Enquanto que uma sessão de EMTr modula a atividade cortical por minutos (Romero et al., 2002 8), sessões repetidas de EMTr podem ter um efeito prolongado de meses (Dannon et al., 2002 9 ). O parâmetro intensidade é determinado a partir do Limiar Motor (LM) individual. Este parâmetro por definição corresponde a menor intensidade de estímulo (pulso simples) capaz de provocar potencial evocado motor (PEM) de amplitude mínima de 50 mV, no EMG (ou leves contrações involuntárias observáveis a olho nu), em 5 dentre 10 tentativas com pulsos magnéticos administrados quando o músculo-alvo está em repouso. O músculo observado é o Abdutor Curto do polegar que promove leve flexão do polegar. A excitabilidade cortical pode ser influenciada por diversos Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 7 7 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI fatores, dentre eles, o uso de medicamentos psicotrópicos. Des­ ta forma, o Limiar Motor pode se alterar e a intensidade de esti­ mulação deverá ser adequada de acordo com a terapêutica farma­ cológica em uso. A correta determinação do alvo é essencial para a eficácia do tratamento. Existe uma forma de localização dos pontos em tempo real chamada neuronavegação, semelhante à usada em neurocirurgia, desenvolvida especificamente para a EMT. Com está técnica usa-se uma imagem tridimensional do cérebro do paciente, reconstruída por um programa específico usando imagens de ressonância nuclear magnética volumétrica, previamente realizada. Desta forma, à medida que se manipula a bobina sobre o escalpe o sistema transmite a posição desta para o computador e mostra sua localização sobre o córtex. Algumas vantagens dessa técnica são aumentar muito a precisão de localização do alvo, além de permitir a monitorização da posição da bobina durante a sessão; caso está se desloque, imediatamente pode-se observar pelo monitor e proceder ao ajuste de posicionamento. Estimulação Magnética Transcraniana EMTP Profunda Este desdobramento da EMT vem ganhando terreno a cada dia, desenvolvendo-se em alguns (ainda poucos) lugares do mundo, mas será uma técnica promissora de EMT tanto para tratamento de doenças neuropsiquiátricas quanto para pesquisa avançada em regiões até então inatingíveis de forma não cruenta. As bobinas que vem sendo desenvolvidas tem formato diferente dessas convencionais, parecem mais um capacete sobre o crânio, têm um formato de H. Na estimulação repetitiva convencional o estímulo não se aprofunda diretamente mais de 3 a 4 cm de encéfalo; os demais efeitos se dão por propagação do estímulo por conexões inter­ neurais. Na estimulação profunda o estímulo será dado diretamente no alvo profundo e é claro que os cuidados com esta técnica serão outros, em virtude do maior risco de efeitos colaterais. A utilização deste método estará em breve em pesquisa no Brasil. O grupo de Estimulação Magnética Transcraniana do Instituto de Psiquiatria da USP está em fase de importação de dois sistemas de EMT profunda, estes serão inicialmente utilizados em dois projetos de pesquisa: 1–No tratamento de depressões bipolares para avaliarmos eficácia, alterações neuropsicológicas e efeitos colaterais 2–No tratamento da dor central com o objetivo principal de 8 estimular áreas do córtex pré-frontal e das fibras que ligam o giro do cíngulo com o núcleo accumbens e a área tegmental ventral. A EMTr na prática clínica e literatura Estudos de neuroimagem têm demonstrado que alguns trans­ tornos psiquiátricos cursam com alterações focais da fun­ ção cerebral, por exemplo, na depressão pode ocorrer uma hipo­ atividade frontal e na esquizofrenia uma hiperatividade da região temporal, abrindo um interessante campo de tratamento, visando normalizar a atividade destas e de outras áreas cerebrais. Os primeiros estudos foram realizados na depressão, poste­ riormente com pacientes esquizofrênicos. Recentemente, tenta­ tivas de tratamento de outros transtornos psiquiátricos têm sido realizadas, tais como: transtorno obsessivo-compulsivo, mania, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos alimentares, dependência química, alterações cognitivas, etc...; além de aplicações em neurologia. • Depressão O potencial da EMTr para o tratamento da depressão é o mais intensamente explorado nas pesquisas, sendo que mais da metade da literatura em EMT se refere à depressão. Centenas de estudos já foram realizados até o presente. Inicialmente foram controversos, pela diversidade de parâmetros utilizados e/ou limitações metodológicas. Atualmente não resta dúvida sobre a eficácia de EMTr no tratamento deste transtorno; comprovada por estudos mais recentes, além de várias meta-análises (ex. Loo et al, 2005 10). Para esta indicação há inclusive liberação para realização do procedimento fora de projetos de pesquisa, segundo determinação do Conselho Federal de Medicina. No início houve grande interesse em comparar a eficácia da EMT com a da Eletroconvulsoterapia (ECT), o que ficou comprovado em diversos artigos, para citar um clássico: Lisanby et al., 2000 (11). Além do efeito antidepressivo próprio da EMTr, observou-se num estudo pioneiro, realizado neste serviço, que a técnica acelerou e potencializou de forma significativa a resposta antidepressiva da amitriptilina em relação ao grupo placebo (sham) já a partir da primeira semana de tratamento. A diferença de resposta entre os grupos manteve-se até a quarta semana. (Rumi et al, 2005 12). Existem duas possibilidades de aplicação da EMTr no tratamento da depressão. Alta frequência aplicada sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, com intuito de aumentar a atividade revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 8 16/08/12 17:16 daquela área que estaria hipofuncionante na depressão (PascualLeone et al.,1996 13). Posteriormente, Menkes et al. (199914) sugeriam que a depressão maior deva ser resultado de uma diminuição da função do lobo frontal esquerdo em relação ao direito. Baseados nesta hipótese propuseram o tratamento com a EMTr de baixa frequência (à 1 Hz) sobre o córtex pré-frontal dorsolateral direito, com intuito de diminuição da atividade naquela área. Manutenção Há poucos trabalhos que abordem especificamente a duração do efeito antidepressivo da EMTr ou sua utilização como tratamento de manutenção. Apesar da necessidade de outros estudos que explorem esta questão, tem-se notado resultados promissores. Um trabalho, com pacientes sem uso de medicação, revela que os benefícios foram mantidos por cerca de 5 meses (Demirtas et al.15). Outro mostra uma duração média de remissão de 119 dias (cerca de 4 meses) e chama a atenção para duas variáveis associadas com uma longa duração do tempo de remissão: idade jovem e um maior número de sessões de EMT seriam fatores para menor chance de uma recidiva precoce (Cohen et al.16). Alguns estudos mostram uma boa resposta dos pacientes quando tratados com EMT e seguidos com tratamento farmacológico (antidepressivos), provavelmente, por uma melhora da neurotransmissão, alteração de sensibilidade/população de receptores e de outros mecanismos. Portanto, a farmacoterapia poderia estabilizar o curso clínico após a EMTr (Schüle et al.17). Gestação e Depressão Pós Parto (DPP) O tratamento farmacológico é uma das possibilidades, no entanto sempre oferece algum risco, visto que todos os antide­ pressivos atravessam a placenta e podem levar a malfor­mações ou, mais tardiamente, a alterações comportamentais ou de de­ sen­­volvimento nos filhos das pacientes tratadas com esta mo­ da­ lidade de terapia. Nenhuma droga psicotrópica, incluindo os antidepressivos, foi aprovada pela FDA (Food and Drug Administration) para ser utilizada durante a gestação. A EMT é localizada, portanto não atinge o feto, podendo ser uma alternativa eficaz e segura para o tratamento farmacológico; que já começa a ser testada em diversos centros no mundo. O primeiro relato na literatura de utilização de EMT na gestação foi de Nahas et al. (1999 18), com a descrição de um caso de paciente depressiva no segundo trimestre da gravidez, tratada com EMTr de baixa frequência, em região pré-frontal direita com sucesso. Quando comparada à ECT, a EMT poderia ser mais segura, visto que a primeira tem alguns inconvenientes, como a necessidade do uso de anestésicos e aparato hospitalar, o maior risco de ocor– rerem convulsões, o déficit cognitivo posterior às aplicações e a necessidade do jejum, que pode trazer prejuízos à mulher grávida e ao feto em desenvolvimento. Um estudo aponta a EMT como uma alternativa possível para a depressão na gestação como alter­nativa à ECT, apesar dos poucos relatos de casos publicados (Klirova et al., 2008 19), sendo que a ECT poderia ser indicada às pacientes que não respondessem à EMT. Em nosso serviço iniciamos protocolo de pesquisa, randomizado, duplo-cego para o tratamento da depressão na gestação. No tratamento da depressão pós- parto (DPP), nosso grupo tem um estudo já concluído, em fase de publicação. Os principais resul­tados mostram que a EMTr tem potencial para melhorar tanto sintomas depressivos quanto função cognitiva e social das pacientes com DPP. Os efeitos na esfera cognitiva/social são particularmente interessantes, devido ao aumento das demandas sociais associadas com as mudanças na organização familiar que ocorrem neste período. Se corroborados por outros estudos, estes resultados poderão indicar a EMTr como o tratamento de escolha para DPP. • Esquizofrenia Na fisiopatologia da alucinação auditiva existe um possível aumento da atividade cerebral no lobo temporal. Se a hipe­ ratividade desses circuitos está relacionada com o quadro clínico das alucinações nesses pacientes, então, uma estimulação do tipo inibitória sobre essa área temporal com EMTr poderia diminuir a atividade desse circuito e resultar em uma melhora do quadro clínico dos pacientes. Por isso, na maioria dos trabalhos, foram feitas aplicações na região do córtex temporo-parietal (Burt et al., 200220). Hoffman e al. em 1999 (21) realizaram um estudo duplo cego, crossover em três pacientes esquizofrênicos com alucinações auditivas persistentes. Utilizaram EMTr de baixa frequência (1 Hz) na área temporoparietal esquerda (80% do limiar motor). Os três pacientes demonstraram grande melhora na intensidade das alucinações. Vários estudos semelhantes e bem controlados chegaram a resultados semelhantes, sendo que a EMT figura em algoritmos de tratamento de esquizofrenia e foi recentemente aprovada pelo Conselho Federal de Medicina como método para o tratamento de alucinações auditivas em esquizofrenia. A eficácia da EMT nos sintomas negativos permanece incerta. • Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) O tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 9 9 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI com EMT ainda está em franca investigação experimental. Uma vez que a fisiopatogia do transtorno aparentemente está ligada a hiperatividade de circuitos profundos, envolvendo o sistema límbico e núcleos da base, o emprego da EMT é particularmente desafiante. Alguns estudos controlados demonstraram resposta positiva mas igual ao placebo, mesmo aplicando diferentes técnicas. Um deles, realizado em nosso serviço, utilizou alta frequência aplicada ao CPFDL-D de pacientes com TOC resistente, resultando em importante efeito placebo. Isso demonstra a importância de realizar estudos controlados, apesar da crença de que pacientes com TOC apresentem pobre resposta placebo (Mansur et al.,201122). Até o momento, os resultados mais interessantes foram obtidos por Mantovani e colaboradores (Mantovani et al.,201023) utilizando frequências inibitórias aplicadas à área motora suplementar. Estes dados carecem ainda de replicação para sua aplicação clínica. • Dependência química O uso continuado de substâncias psicoativas alteram vários processos de neuromodulação, que tendem a cristalizar e manter o usuário em um ciclo de uso - abstinência- uso (Volkow and Li, 2004 24). A neuromodulação proporcionada pela EMTr vem sendo estudada por vários grupos de pesquisa, podendo vir a tornarse técnica importante, quando associada a outras técnicas nos múltiplos comprometimentos destes pacientes. Embora, os estu­ dos atuais ainda apresentem limitações metodológicas impor­ tantes, podemos citar os seguintes, que usaram alta frequência para redução de fissura em diferentes dependências: Johann et al. (2003 25) usando uma única sessão na dependência de nicotina; Politi et al. (2008 26) com 10 sessões na dependência de cocaína; e Mishra et al. (2010 27) para dependência alcoólica. Nosso grupo, (Ribeiro et al, 2011 28) num estudo duplo cego randomizado, tem resultados muito animadores no tratamento da dependência de cocaína. A estimulação magnética profunda, pode se tornar técnica promissora nessa área. • Idoso: comprometimento cognitivo leve e demência O período de transição entre o envelhecimento normal e o diagnóstico de Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) ou de De­mência de Alzheimer (DA) muito inicial provável não tem, até o momento, abordagem específica de tratamento, deixando uma lacuna no arsenal terapêutico. A EMTr tem potencial para melhorar a cognição de idosos ativando redes neurais que atuam 10 sobre a memória. Em recente metanálise, Guse et al. (2010 29) avaliou a resposta cognitiva da EMTr de alta frequência sobre córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo de pacientes com doenças psiquiátricas/ neurológicas e em voluntários saudáveis. Ficou evidenciada me­ lhora cognitiva seletiva em memória, funções executivas e apren­ dizado. Os parâmetros da EMTr que levaram a efeitos cog­nitivos mais significantes foram: frequências mais altas (entre 10 e 20 Hz), com 10 a 15 sessões consecutivas e intensidade entre 80-110% do limiar motor. Notou-se que a melhora foi maior nos pacientes do que nos indivíduos saudáveis. Outro recente estudo avaliou o sinergismo da associação da EMTr ao treino cognitivo (TCog) sobre a cognição pacientes com doença de Alzheimer (DA) leve a moderada em uso de anticolinesterásico (Bentwich et al., 2011 30). A EMTr foi aplicada em dife­rentes áreas cerebrais (Broca e Wernicke, CPFDL esquerdo e direito, parietal direito e esquerdo). Porém, trata-se ainda de um estudo aberto com pequena amostra (n=8). Há um estudo realizado em pacientes idosos com CCL (amnéstico) em que foi aplicada uma única sessão de EMTr no CPFDLE, levando a melhora transitória imediata da memória associativa (Solé-Padulles et al., 2006 31). Nardone et al., (2010 32), em artigo de revisão, comparou a eficácia a longo prazo da EMTr de alta frequência versus baixa frequência, aplicada bilateralmente sobre os CPFDL direito e esquerdo em pacientes com DA leve a moderada, assim como seus efeitos sobre a excitabilidade cerebral. Houve melhora significativa do grupo da EMTr de alta frequência sobre os grupos sham e EMTr de baixa frequência ao mini exame do estado mental, escala de depressão geriátrica e escala de atividades instrumentais de vida diária. Nosso grupo, num ensaio clínico duplo-cego randomizado, com 30 pacientes obteve melhora da memória em teste ecológico (Rivermead Behavioural Memory Test) e atenção (Stroop) após 10 sessões de EMTr. A melhora da memória persistiu após seguimento de um mês. INFÂNCIA Técnica não-invasiva, a estimulação cerebral pode trazer grandes benefícios nesta população talvez mais do que a plasticidade já bem conhecida em adultos. Embora a sua utilização continue a ser limitada em crianças, existem dados suficientes para estimular o uso racional e seguro. (Rubio-Morell et al., 201133). • Autismo Até hoje, três trabalho foram publicados com a técnica de EMT para tratamento de indivíduos com o diagnóstico de Autismo. revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 10 16/08/12 17:16 Os protocolos envolveram o mesmo grupo de pesquisadores, coordenados por Manuel F. Casanova, da Universidade de Louisville (EUA). A partir da teoria proposta de uma disfunção do sistema inibitório local, sugerindo uma disfunção eletrofisiológica, Sokhadze et. al. (2009 34) experimentaram protocolos de EMTr inibitótios (de 0,5 a 1.0 Hz) com uma a duas sessões por semana por 21 dias, no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo. Foram usados indivíduos adolescentes e adultos jovens com autismo de alto funcionamento. Avaliou-se a melhora do comportamento restrito, repetitivo e hiperatividade, além de algumas funções executivas. Outro trabalho continuou com uma fase de seguimento, foi feita por 21 dias em córtex pré-frontal dorsolateral direito com uma melhora na função executiva de análise imediata de erros. (Sokhadze E. M. et al. 2012 35). Novos protocolos, técnicas e regiões do sistema nervoso central devem ser testados para melhor entendimento dos possíveis benefícios da EMT nos indivíduos com transtorno invasivo do desenvolvimento, inclusive um em curso no nosso grupo. Crises isoladas descritas posteriormente utilizaram parâmetros que excediam as recomendações internacionais. O efeito colateral mais comum é a cefaléia de origem tensional (5 a 20% dos pacientes), que cede com uso de analgésico comum e tem curta duração. Desconforto leve no escalpe durante os pulsos também pode ser relatado. Além disso, poucos pacientes queixam-se do click (ruído) durante a sessão, o que pode ser resolvido com uso de protetores auriculares. Alguns pacientes sentem contrações faciais leves homolaterais ao estímulo que é resultante de estimulação de nervos periféricos, e também é extremamente bem tolerada. Há relatos de indução hipomaníaca com o uso de EMTr de alta frequência em pacientes com transtorno bipolar durante estimulação da região cortical pré-frontal E. Quanto à segurança para o aplicador, apenas um estudo foi realizado (Karlström et al, 2006 37). Neste sugere-se que uma distância segura seria de 70 cm a partir do centro da bobina até a mão do aplicador. • Outras pesquisas em EMT na infância/Adolescência Estudos atuais com EMTr em adolescentes têm focado principalmente na depressão Outras áreas de interesse tem sido o tratamento de atenção e hiperatividade (TDAH) e esquizofrenia. Outros transtornos Psiquiátricos A eficácia da EMTr para o tratamento deste outros transtorno ansiosos como TEPT, fobias, TAG, Transtornos alimentares e Síndrome do Pânico encontra-se ainda em fase inicial de investigação. Efeitos adversos/Segurança Até 1996 havia o relato de 6 casos de crises convulsivas, sem sequelas clínicas tardias, induzidas pela EMTr de alta frequência. Em função deste risco, pesquisadores de diversos centros mundiais reuniram-se em Bethesda (EUA) em 1996 para a Conferência do NIH (National Institute of Health) e estabeleceram os limites de parâmetros de estimulação considerados seguros, tais como inten­sidade do pulso, frequência utilizada, número de estímulos e tempo da sessão. Após a adoção destas regras internacionais não houve nenhum relato de crise induzida pela EMTr. Posteriormente a essa conferência a posição adotada foi publi­ cada em um artigo de consenso por Eric Wassermann (1998 36). Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 11 11 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por MARCO ANTONIO MARCOLIN, HELLEN LÍVIA DRUMOND MARRA, CAIO ABUJADI, CARLOS GUSTAVO SARDINHA MANSUR, MARTIN LUIZ MYCZKOWSKI, PHILIP LEITE RIBEIRO, RODRIGO LANCELOTE ALBERTO, BIANCA BOURA BELLINI Referências 1 - George MS, Wassermann EM. Rapid-rate transcranial magnetic stimulation and ECT. Convuls Ther 1994;10:251-254. 2 - Marcolin MA, Da Costa CA. Estimulação Magnética Transcraniana - Uma propedêutica neurológica e uma terapêutica psiquiátrica. Psiquiatria Biológica, 1999; 7: 69-75. 3 - Mhalla A, de Andrade DC, Baudic S, Perrot S, Bouhassira D. Alteration of cortical excitability in patients with fibromyalgia. Pain., 2010; 149: 495-500. 4 - Greenberg BD, Ziemann U, Cora-Locatelli G, Harmon A, Murphy DL, Keel JC, Wassermann EM. Altered cortical excitability in obsessive-compulsive disorder. 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Resultados, Discussão e Conclusões: Os estudos evidenciam as contribuições da Antropologia aplicada à Saúde, tanto pelo empréstimo de seu método e técnicas próprios de pesquisa, quanto por todo suporte teórico que a caracteriza como uma disciplina científica de apreensão do fato social e de compreensão dos fenômenos que envolvem o homem e seu modo de vida. Palavras Chave: Antropologia, Cultura, Doença Mental, Psiquiatria Social. INTRODUÇÃO A s questões ligadas à saúde, especialmente, a doença e a cura, compreendidas enquanto resultantes de fenô­me­ nos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, são ex­ plicadas diferentemente pelos paradigmas das Ciências Biomédicas e das Ciências Sociais. De um lado, observa-se uma dissonância entre esses dois para­ digmas tanto na prática clínica quanto na prestação de cuidados, dando a impressão da existência de um permanente desencontro na compreensão dos fenômenos que envolvem o adoecimento, quando agem de maneira individualizada. De outro, percebe-se que o paradigma biomédico tem se 16 mostrado insuficiente para abordar toda a problemática da doen­ ça mental, e muito mais ainda para as formas de assisti-la, fato que tem levado muitos profissionais de saúde a interessarem-se pelas dimensões sociais, culturais e, em alguns casos, até mesmo espirituais implicadas na saúde, na doença e nos próprios processos de cura. Este artigo tem como base parte dos estudos de Weber1 onde foi realizado, para este texto, uma revisão bibliográfica não exaustiva nas bases de dados SciELO - Scientific Electronic Library Online e LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe e, Ciências da Saúde, com destaque para os principais trabalhos abordando as questões relacionadas as contribuições antropológicas para a com­preensão da experiência do adoecimento relativo a saúde/ doença mental, como significam e como simbolizam aqueles que se encontram envolvidos direta ou indiretamente com esse fenômeno, sob a influência da cultura. O conceito de cultura utilizado neste texto é o cunhado por Geertz2, para quem a cultura é definida como um sistema de sím­ bolos que fornece um modelo “de” e um modelo “para” a rea­lidade, e é mais bem compreendida se a vemos como um contexto, um sistema simbólico. É importante não se perder de vista na apreensão do fato sociala de que fala Mauss3 a noção de etnocentrismo que obedece à lógica de “não se pensar o mundo por meio de um referencial único, ou seja, tendo como referência a cultura, os valores e os costumes de uma sociedade em detrimento da outra”4, o que dá o tom da complexidade do tema proposto para este artigo. a Para Mauss o fato social compreende: “1) diferentes modalidades do social (jurídica, econômica, estética, religiosa, etc.); 2) diferentes momentos de uma história individual (nascimento, infância, educação, adolescência, casamento, etc.); 3) diferentes formas de expressão, desde fenômenos fisiológicos como reflexos, secreções, desacelerações e acelerações, até categorias inconscientes e representações conscientes, individuais ou coletivas”. [...] “O fato social não significa apenas que tudo o que é observado faz parte da observação; mas também e, sobretudo, que, numa ciência em que o observador é da mesma natureza que seu objeto, o observador é ele próprio uma parte de sua observação”. revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 16 16/08/12 17:16 CÉSAR AUGUSTO TRINTA WEBER Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil. DISCUSSÃO E RESULTADOS Langdon5 sugere que não só na Antropologia, mas também as próprias ciências médicas reconhecem que a divisão cartesiana entre o corpo e a mente não é um modelo satisfatório para en­ ten­der os processos psicofisiológicos de saúde. Nessa direção, a autora afirma que os novos paradigmas sobre a doença e saúde são construídos a partir de uma abordagem com importantes mu­ danças de ênfase e enfoque no conceito de cultura, na direção da doença como um processo sociocultural e no entendimento da doença como experiência. A Antropologia, dessa forma, vem contribuindo juntamente com as disciplinas da área da Saúde, para uma melhor compreensão e melhor resposta aos problemas de saúde, ao adotar uma visão mais próxima da realidade de vida das pessoas, dos grupos, que muitas vezes desaparecem atrás da denominação genérica de populações. SAÚDE, DOENÇA E CULTURA Trostle e Sommerfeld6 identificam que a colaboração entre antro­ pólogos e epidemiologistas vem possibilitando que as respectivas acumulações desses campos do conhecimento, sejam associadas simultaneamente para uma ação coordenada para lidarem com al­guns fatores como a mudança cultural e estresse, estratificação social, a natureza do risco e da vulnerabilidade, metodologia e me­ didas, classificação de doenças, estudos comportamentais des­cri­tivos e de intervenção, análise social usando epidemiologia e doença como um atributo individual ou populacional, entre outras variáveis sociais e culturais. Raynaut7 defende que a Antropologia empresta ao campo da saúde noções que conduzem ao reconhecimento de duas feições essenciais do social. Em primeiro lugar, o fato de os seres humanos e as sociedades que eles constituem serem produtores de sentido. Em segundo, o fato de as populações serem sempre constituídas de atores, de sujeitos que, por pior que seja sua situação, estão sempre procurando soluções. Para o autor qualquer política que aborda as populações como simples consumidores de cuidados, que privilegia a eficácia técnica, sem levar em conta as questões do significado dado às realidades materiais, ao próprio corpo humano, à saúde e à doença, corre grande risco de fracasso. Assim, a doença é melhor entendida como um processo subjetivo construído através de contextos socioculturais e viven­ ciado pelos atores. Não é mais um conjunto de sintomas físicos universais observados numa realidade empírica, mas é um processo subjetivo no qual a experiência corporal é mediada pela cultura.5 Nessa direção, a Antropologia aplicada à Saúde, considerada um ramo da Antropologia Social e Cultural, vem se consolidando desde o início do século XX – sobretudo, a partir dos anos 70, especialmente com os trabalhos da América Anglo-Saxônica de­ sen­volvidos pelo Grupo de Harvard -, como uma disciplina ca­paz de fornecer os elementos-chave de um quadro teórico e meto­ dológico para análise dos fatores culturais que intervêm no campo da saúde.8 Esses trabalhos estavam interessados na aplicação de técnicas e métodos da investigação antropológica, no sentido de encon­ trarem respostas para a universalidade das doenças e muito par­ ticularmente dos transtornos mentais. Ressaltaram a importância de considerar que as desordens, sejam elas orgânicas ou psi­ cológicas, só nos são acessíveis por meio da mediação cultural; a desordem é sempre interpretada pelo doente, pelo médico e pelas famílias.9 Desse modo, a Antropologia ao se aproximar das ciências mé­ dicas acabou por receber a denominação de Antropologia Mé­ dica. Sua importante contribuição se efetiva ao emprestar todo o seu suporte científico (teórico e metodológico) para o estudo sistemático das maneiras culturais de pensar e agir relacionadas ao binômio saúde/doença, para entre outros resultados, colaborar para uma maior humanização dos cuidados de saúde prestados às populações. Essa integração permite, ainda, que se examinem as relações entre os modelos de intervenção, que sustentam a organização dos serviços de saúde para a promoção, prevenção, assistência e reabilitação da saúde e os modelos culturais do grupo social usu­ ário observado. Para Uchoa e Vidal8, a Antropologia da Saúde for­ nece parâmetros para a reformulação da questão da adequação sócio-cultural dos diferentes programas de saúde. Todavia, Corin10 chama a atenção ao fato de que os estudos et­ no­gráficos se constituem em um eixo de investigação ainda pouco explorado, mas, não por isso, menos fundamental para o campo da saúde mental. De acordo com Villares et al.11 a abordagem antropológica, ao propor formulações que sugerem a investigação da articulação cultural da doença no contexto familiar e social, alia-se aos estudos epi­ demiológicos e psicodinâmicos, possibilitando uma relação enri­quecedora de pontos de vista complementares. Brislin et al.12, Fabrega13,14, Hooper15, Kleinman16,17, Kleinman e Good9, Marsella18, Mezzich e Berganza19, Triandis e Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 17 17 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por CÉSAR AUGUSTO TRINTA WEBER Berry20, Triandis e Draguns21 demonstraram em suas pesquisas as numerosas variações etnoculturais observadas nas manifestações psicopatológicas. Para esses autores, os fatores socioculturais es­ tão presentes em quaisquer indivíduos que manifestam sinais e sintomas psiquiátricos e não apenas naqueles vivendo em culturas tidas como exóticas para nossos padrões ocidentais. Devereux22, Laplantine23,24, Kleinman25,26, Good27, Helman28, Eisen­berg29, Quartilho30,31, são alguns autores que estudaram a for­ ma como os aspectos socioculturais influenciam a saúde, a doença e os processos de cura. Esses trabalhos chamam a atenção para o fato de que, em todas as sociedades humanas, as crenças, atitudes e práticas relacionadas com problemas de saúde são características fundamentais de uma cultura, do complexo cultural dos indivíduos e das populações. Smith et al.32 sustentam que fatores como vieses do médico, crenças e expectativas dos pacientes, efeito placebo e adesão ao tratamento, com freqüência, se mostram mais determinantes do efeito clínico de agentes psicotrópicos e de outros medicamentos do que as suas propriedades farmacológicas. A influência da raça e da cultura na farmacologia da maioria dos medicamentos psicotrópicos foi demonstrada por Lin et al.33 e Rudorfer. 34 Para Desjarlais et al.35 a avaliação dos sistemas locais de saúde men­ tal, com destaque para os estudos etnográficos focais, tem sido recomendada como estratégia inicial de pesquisa em saúde mental, para levantar mapas descritivos de problemas, perspectivas, realidades sociais e recursos locais. As conclusões desses estudos (nacionais e internacionais) eviden­ ciam e reforçam as importantes contribuições da Antropologia apli­cada ao campo da Saúde, tanto pelo empréstimo de seu mé­ todo e técnicas próprios de pesquisa, quanto por todo suporte teórico que a caracteriza como uma disciplina científica de apreensão do fato social total e de compreensão dos fenômenos que envolvem o homem, seu modo de vida e as influências da cultura no próprio homem e no meio social em que participa. UMA DISCUSSÃO CLÁSSICA NA ANTROPOLOGIA Com efeito, as contribuições da Antropologia aplicada à saúde, especialmente a saúde mental, são o resultado de como esta disciplina trata os aspectos conceituais e a elaboração cultural das doenças. Alguns autores fazem uma distinção conceitual precisa entre os termos disease e illness, uma vez que a concepção de illness como culturalmente construída promove um realinhamento das 18 questões de diagnóstico, etiologia, curso, prognóstico e terapêutica do fenômeno da doença.11 Disease (distúrbio) e Illness (doença) são temas conceituais clás­sicos na Antropologia. Kleimann et al.36 inicialmente defi­niu distúrbio (disease) como sendo a representação das altera­ções, disfunções ou patologias dos processos biológicos e psicofi­sio­ lógicos do organismo e doença (illness) como representação do conjunto de reações e experiências pessoais e sociais relativas ao processo vivido. Villares et al.11 chamam a atenção ao fato de que distúrbio (disease) e doença (illness) seriam, então, componentes conceituais de um fenômeno maior denominado sickness, cuja melhor tra­ dução nesse contexto seria enfermidade. Entretanto, ressalta a generalidade do termo sickness - empregado frequentemente para significar mal-estar e -, enfermidade, por sua vez, se tratar de um termo anacrônico em desuso na literatura clínica atual. Posteriormente, Kleinman e Hahn37, Kleinman38 propuseram uma nova hermenêutica para o termo distúrbio (disease) tornando mais amplo a sua abrangência ultrapassando a perspectiva biomé­ dica anterior, incluindo, então, toda a interpretação técnica da doença por qualquer indivíduo imbuído de uma abordagem terapêutica. Nesse novo contexto, a compreensão da doença por um médico ou outro profissional da saúde e também a in­ ter­pretação do mesmo fenômeno por um religioso ou por um curandeiro tradicional estavam contempladas. O entendimento de que todas as interpretações das doenças são socialmente construídas, independente de uma posição teó­ rica ou ideológica, foi o argumento utilizado por Kleinman e Hahn37 e Kleinman38 para sustentar a sua mudança conceitual, o que não exclui os determinantes culturais que também sustentam o modelo biomédico das doenças.11 Para Rodrigues39 as doenças, suas causas, as práticas curativas e os diagnósticos, são partes integrantes dos universos sociais e, por isso, indissociáveis das concepções mágicas, das cosmologias e das religiões. Quem reflete sobre os crucifixos, sempre presentes, nos nossos hospitais, na especialização dos hospitais segundo classes de pessoas, na cruz simbolizando hospital, nas muletas e nos órgãos de cera que enchem as salas de milagres de muitas igrejas, não pode deixar de constatar essa associação, mesmo que sustentemos que possuímos uma medicina ‘científica’.39 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 18 16/08/12 17:16 PSIQUIATRIA E CULTURA Fabrega40 investigou os desafios à psiquiatria emanados das contribuições das ciências sociais ao estudo das diferenças culturais entre as doenças mentais, que apresentam efeitos negativos e positivos à chamada psiquiatria cultural. Entre alguns efeitos negativos, o questionamento à autenticidade médica da tarefa psiquiátricab, a intervenção preventiva primária da psiquiatria comu­nitária norte-americana e a proposta de universalização dos critérios diagnósticos em psiquiatria. Entre os positivos, a natu­ ra­lização médica das doenças mentais, através da inclusão do estudo de seus aspectos culturais nos currículos da graduação e da residência médica, humanizando o cuidado aos doentes mentais e, assim, contribuindo para diminuir o estigma com que tradicio­nal­ mente são tratados. Contudo, o resultado final favorecia a visão de que as variáveis culturais representavam um ruído na forma como transtornos psiquiátricos, ditos, reais manifestam-se e distribuemse na população. Outro desafio colocado pelas ciências culturais, particularmente, a partir de meados dos anos 80, implicava na consideração do contexto étnico e cultural da pessoa quando da formulação diagnóstica e terapêutica relativa a ela, não somente em países distantes e exóticos, mas onde quer que a tarefa psi­ quiátrica se realize. Esse desafio, posteriormente, acabou sendo contemplado no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disor­ders (DSM), publicado pela American Psychiatric Association, em que pese não ter conseguido dar conta da complexidade que envolve a tentativa de classificação sistematizada de todos os critérios concorrentes para um diagnóstico em saúde mental. Davis e Herdt41, Lewis-Fernández e Kleinman42, Nuckolls43, Riten­ baugh et al.44, sustentam que sendo tão marcante o impacto de fatores culturais na definição de caso em psiquiatria, certas clas­­ses diagnósticas do DSM, tais como as dos transtornos da perso­nalidade, alimentares e sexuais, são tão padronizadas por determinantes culturais ocidentais que não poderiam ter suas categorias diagnósticas, como atualmente formuladas, com­pa­ radas em diferentes culturas. No diagnóstico e prevalência dos transtornos mentais, por exemplo, o impacto da cultura se mostra mais evidente e ganha importância maior ao ser considerado separadamente da influência b Na década de 60 a chamada autenticidade médica foi posta à prova pela influência das idéias de Szasz (mito da doença mental) e Laing (modo de vida alternativo). de fatores culturais da influência dos fatores sócio-demográficos e o impacto da cultura no processo de busca de ajuda profissional. Mesmo que fossem investigados indivíduos de um mesmo país, esses mesmos indivíduos, dependendo como são significadas as suas experiências com o adoecimento, apresentariam formas particulares de comunicação e compreensão dos problemas de saúde em geral e à saúde mental em particular, nem sempre percebido pelos seus observadores. Geertz (2008)2 esclarece que o conceito de cultura tem o seu impacto no conceito de homem quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informações extra-somáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um. Portanto há um relativismo culturalc a ser considerado para a compreensão da forma com que a existência humana é impac­ tada pela cultura e como reage, a partir dos efeitos desta, aos acontecimentos da doença (mental). Canesqui46 realizou uma revisão sistemática da produção bra­ sileira, durante a década de 1990, dos estudos antropológicos e qualitativos sobre as dimensões socioculturais da saúde/doença, englobando os seus subtemas, conceitos e metodologias adotadas a partir de diferentes vocações intelectuais. Concluiu esta autora que os estudos examinados se ocuparam menos da doença em si e mais de sua articulação simbólica na construção das identidades sociais, relações de gênero e inserção nos parâmetros simbólicos estruturantes da cultura e que não é mais invisível a Antropologia da Saúde/doença no Brasil, e os esforços nesta direção parecem bem-sucedidos, se forem permanentes, apesar das diferentes vocações intelectuais, cujo convívio mais indica a vitalidade da nova especialidade do que a sua inviabilidade. Fabrega47 sugere que o enfoque antropológico do estudo do self, da emoção e das etnopsicologias aplicado à esquizofrenia poderá auxiliar a compreensão de questões básicas da doença e do papel dos fatores socioculturais em seu curso. Nessa perspectiva, alguns pesquisadores como Corin10,48 e, mais recentemente, Mateus et al.49 investigaram os fatores de articulação cultural da experiência pessoal na esquizofrenia. É importante ressaltar a dimensão que assume o quadro psi­ có­tico característico da doença para dar destaque aos com­ c A expressão relativismo cultural está sendo utilizada no sentido atribuído por Geertz45 onde o autor sugere ser necessário se perguntar se nas próprias particularidades da cada cultura não haveria algo que se pode dizer, de modo geral, sobre a espécie humana como um todo. Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 19 19 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por CÉSAR AUGUSTO TRINTA WEBER por­­ tamentos anti-sociais dele decorrente e as consequentes implicações socioculturais, objeto de investigação desta pesquisa na perspectiva da inclusão sociais desses pacientes. Os transtornos esquizofrênicos se caracterizam, de acordo com a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças/ CID-10, em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a per­ cepção delirante, idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos. A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser contínua, episódica com ocorrência de um déficit progressivo ou estável, ou comportar um ou vários episódios seguidos de uma remissão completa ou incompleta (OMS, 1997).50 Mari e Leitão51 estudaram a epidemiologia da esquizofrenia e concluíram que os estudos de prevalência realizados nos últimos anos sugerem uma prevalência aproximada de esquizofrenia na ordem de 1%. A incidência real deve estar entre 1 e 7 casos novos para 10.000 habitantes por ano, dependendo do critério diagnóstico adotado na estimativa. Os estudos epidemiológicos realizados no Brasil originam estimativas de incidência e prevalência compatíveis com as observadas em outros países. Casos novos são raros antes da puberdade e depois dos 50 anos. A esquizofrenia é uma doença crônica, freqüentemente inca­ pacitante, e aos familiares cabe cuidar ou administrar, de alguma maneira, o membro da família que sofre, fica dependente e desorganizado.11 A perda do contato com a realidade implica em uma violação de valor social, isto é, uma pessoa irá agir de uma forma so­ cial­ mente inaceitável ou de uma forma que está além da compreensão de outras pessoas. Além disso, o indivíduo doente será influenciado por seu ambiente sociocultural, mesmo em seu estado desordenado, ou seja, ele está dentro da sociedade, com uma leitura ou compreensão diferente.52 O modo como a Antropologia da Saúde vem tratando a doença mental no contexto cultural em que é significada amplia o espectro de compreensão da experiência do adoecimento, fundando-se como substrato teórico para a interpretação do processo subjetivo construído por todos aqueles que se vem envolvidos pelo episódio da doença, a partir do entendimento que eles próprios possuem sobre a loucura e aqueles que dela sofrem. CONCLUSÕES Entender a doença mental no contexto da cultura permite contextualizar como os indivíduos integrantes de um grupo social atribuem valores e significados a esse tipo específico de adoecimento. 20 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 20 16/08/12 17:16 Referências 1. Weber CAT. 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C A C 0 w revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 22 16/08/12 17:16 AF_ ARTIGO /////////////////// por VITOR DE MELLO NETTO FARMACOGENÔMICA E TRANSTORNOS AFETIVOS: ORIGENS, FUNDAMENTOS E APLICABILIDADE CLÍNICA Resumo A possibilidade de um tratamento personalizado (a adaptação das terapias com base no perfil genético de cada paciente) é um dos aspectos promissores da farmacoterapia dos transtornos afetivos. A identificação da relação entre genótipo e resposta a antidepressivos, incluindo tanto o efeito terapêutico como o perfil de efeitos adversos, pode vir a alterar profundamente a prática médica. No presente artigo de atualização, procuramos rever os fundamentos desse campo de pesquisa chamado de farmacogenética ou farmacogenômica aplicado aos transtornos afetivos, partindo dos fundamentos genéticos dos transtornos afetivos, passando pelo conhecimento atual a respeito dos genes associados à resposta a antidepressivos, e sinalizando possíveis razões para os achados ainda inconsistentes dos estudos nesse campo. Palavras-chave: transtornos afetivos, farmacogenética, farmacogenômica. transtornos mentais graves. Ainda não é possível prever a resposta clínica de um paciente a um AD específico e a escolha do tratamento é governada pela experiência do médico. Um importante fator a guiar a escolha de um AD é a ocorrência de efeitos colaterais, dos quais alguns podem ser desejados, como o aumento do sono, e outros podem ser indesejados, como o ganho ponderal. Pelo menos 10% dos pacientes não respondem a múltiplos ensaios terapêuticos, e a recaída é regra e não exceção. É uma observação clínica comum o fato de haver um padrão de resposta a ADs similar em familiares, o que reforça o papel da variação genética na resposta aos ADs, embora o grau dessa herança genética ainda seja desconhecido. (3,4) Essa informação acerca do padrão de resposta em familiares é utilizada por muitos clínicos na escolha de um AD para um paciente. farmacoterapia é um tratamento eficaz para os transtornos afetivos, e desde a descoberta do primeiro antidepressivo (AD), a imipramina, um número crescente de ADs está em uso clínico. Embora os ADs sejam o tratamento mais eficaz para os transtornos afetivos, ainda há a necessidade de uma melhora substancial. Uma resposta adequada ao tratamento, ou seja, remissão completa, com um único AD só é observada em cerca de 30% dos pacientes, utilizando-se doses suficientemente altas e por até seis semanas. (1) Até 30% dos pacientes não apresentam sequer resposta clínica. Além disso, uma parcela dos pacientes desenvolve efeitos adversos induzidos pelos medicamentos, que vão do incômodo ao potencialmente letal e, quando há uma resposta eficaz, ela pode surgir apenas semanas após o início do tratamento. Assim, o período no qual o médico determina a ineficácia de um tratamento específico e considera alternativas terapêuticas pode ser bastante demorado. (2) A variação na resposta clínica individual ao tratamento com psicofármacos é um ponto crítico no manejo dos pacientes com A ideia de que existe um componente hereditário nas doenças mentais é antiga, mas a genética psiquiátrica, como a genética de modo geral, só surgiu como um ramo da ciência no início do século XX. (5) A primeira abordagem científica do estudo da herança de comportamentos é creditada a Francis Galton, na segunda metade do século XIX. Estimulado pela teoria da seleção natural proposta por seu primo Charles Darwin, Galton estudou a influência hereditária sobre o comportamento, realizou estudos de famílias e publicou o influente livro Hereditary Genius, (6) sobre homens de alta capacidade e suas famílias, em 1869. Embora a publicação das leis da hereditariedade de Mendel tenha ocorrido três anos antes, Galton, assim como a maioria dos biólogos de seu tempo, desconhecia o trabalho de Mendel. Os escritos de Mendel e a veracidade de suas leis foram “redescobertos” mais de 30 anos depois, em 1900, e logo reconhecidos como fundamentais para explicar os padrões da hereditariedade. No entanto, Mendel estudou características dicotômicas (presente/ausente), enquanto o trabalho de Galton enfatizava o fato de que os seres humanos diferem en- A 26 A genética e a psiquiatria revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 26 16/08/12 17:16 VITOR DE MELLO NETTO Médico psiquiatra. Professor Assistente da Universidade do Oeste de Santa Catarina e da Universidade Comunitária da Região de Chapecó. tre si em traços quantitativos como altura, peso ou capacidade intelectual. Consequentemente, muitos biólogos questionaram se as leis mendelianas teriam alguma relevância geral, até que o estatístico Ronald Fisher demonstrou que a herança de variação contínua pode ser prontamente explicada pelos efeitos combinados de múltiplos genes, cada um deles herdado de forma mendeliana. (5) A descoberta de uma base teórica para a herança genética, coincidindo com o desenvolvimento de um sistema de classificação das principais doenças mentais sob influência do trabalho de Emil Kraepelin em Heidelberg, permitiu o início da genética psiquiátrica. Kraepelin mudou-se para Munique em 1904, onde estabeleceu o primeiro instituto de pesquisa em psiquiatria. Ali, pesquisadores como Bruno Schultz, Ernst Rudin e Hans Luxemburger desenvolveram pesquisas em genética psiquiátrica ao longo dos anos 1920 e 1930. Com a ascensão do nazismo e a introdução de leis baseadas na eugenia, como esterilização compulsória e o extermínio de indivíduos que supostamente sofriam de doenças hereditárias, a genética psiquiátrica esteve associada às maiores atrocidades cometidas pelo regime de Adolf Hitler. Luxemburger e Schultz se opuseram às políticas eugênicas, tanto do ponto de vista moral como científico, e Luxemburger foi banido da Universidade. Rudin, por sua vez, apoiou as políticas nazistas e tornou-se uma eminência médica sob o regime de Hitler. Após o fim da segunda guerra mundial, a pesquisa em genética psiquiátrica praticamente cessou na Alemanha. No entanto, ela continuou a progredir, embora em pequena escala, no restante da Europa. Nos Estados Unidos, a pesquisa nesse campo não foi interrompida, e seu destaque foi Franz Kallmann, psiquiatra nascido na Alemanha e que trabalhou em Munique, onde foi aluno de Rudin. Judeu, migrou para os Estados Unidos em 1936, onde desenvolveu estudos de família e de gêmeos para uma variedade de traços e distúrbios. Ao final dos anos 1960, os dados dos estudos de famílias e de gêmeos acerca da esquizofrenia começavam a evidenciar um componente genético. Apesar das evidências, a genética psiquiátrica manteve-se impopular até os anos 1970, quando passou a haver um interesse crescente na psiquiatria biológica tanto na Europa como nos Estados Unidos. Esse fato, combinado com o impacto da “nova genética” do DNA recombinante, levou a genética psiquiátrica novamente para um campo de destaque na pesquisa dos transtornos mentais. Ao mesmo tempo, os últimos anos do século XX e estes primeiros 12 anos do século XXI têm visto um aumento dramático no interesse público em tudo que é genético ou possivelmente influenciado por genes. Não raro, somos surpreendidos por notícias na mídia com relatos de que cientistas descobriram “o gene de” características como agressividade, inteligência, criminalidade, homossexualidade e até mesmo da intuição feminina! (7) Tais reportagens costumam sugerir uma correspondência direta entre carregar o gene e manifestar o traço ou o distúrbio, e raramente mencionam que traços complicados que envolvem comportamentos provavelmente têm uma base genética mais complexa. Modelos de herança Uma evidente conclusão a partir da observação dos padrões de herança dos transtornos afetivos é a de que não estamos lidando com traços mendelianos simples. Os padrões de segregação em famílias e a concordância abaixo de 100% em gêmeos monozigóticos mostram que esses transtornos requerem explicações mais complexas para seu modo de herança. Embora os critérios diagnósticos padronizados, como a CID-10 e o DSM-IV, definam categorias discretas e mutuamente exclusivas, na “vida real” há uma tendência de os pacientes apresentarem sintomas de mais de um transtorno ou mesmo de preencher os critérios diagnósticos para dois ou mais transtornos. Vale destacar que os genes conhecidos que contribuem para transtornos de ansiedade e depressão são em maior parte os mesmos e as diferentes manifestações fenotípicas são fortemente influenciadas pelo ambiente. (8) A identificação dos genes e dos produtos dos genes envolvidos nos transtornos mentais deve ter implicações muito importantes para a farmacoterapia de duas formas. A primeira delas é no direcionamento da descoberta de novos fármacos. (9) Atualmente, os fármacos usados no tratamento dos transtornos mentais agem num limitado número de sítios alvo, que incluem receptores de membrana celular, receptores nucleares, canais iônicos e enzimas. É provável que a detecção de genes envolvidos na patogênese dos transtornos mentais leve à identificação de novos alvos, alguns deles pertencentes a categorias ainda não consideradas sítios de ação de medicamentos. Além de direcionar tratamentos, os avanços da genômica almejam proporcionar a personalização do tratamento. A genética dos transtornos afetivos A sequência usual para o estabelecimento de uma base genética para uma condição médica começa com estudos de famílias para o estabelecimento de agregação familiar, passa por estudos de gêmeos para determinar a hereditariedade e chega aos estudos de genética molecular para a identificação de potenciais loci Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 27 27 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por VITOR DE MELLO NETTO de suscetibilidade. (10) Estudos de famílias trazem evidências de que a depressão maior compartilha pelo menos parte de seu risco familiar com o transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e possivelmente com o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e com o transtorno de pânico (TP), enquanto os dados disponíveis sugerem uma transmissão familiar independente entre depressão maior e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). (10) Estudos de gêmeos mostram que fatores genéticos tipicamente contribuem com cerca de 40% a 70% do risco de desenvolver depressão unipolar, e estudos de adoção confirmaram o importante papel dos fatores de risco genéticos no desenvolvimento dos transtornos afetivos. (11) Entretanto, em função do complexo modo de herança, os métodos tradicionais ainda não tiveram êxito na identificação de genes de risco. Um fenótipo (neste caso, um transtorno afetivo) pode ser definido como a expressão observável de um genótipo subjacente, influenciado pelo ambiente. Por esse motivo, a correta avaliação do fenótipo é fundamental para a pesquisa genética. Como as medidas qualitativas dos critérios diagnósticos (como o DSM IV ou a CID 10) não correspondem bem à etiologia de transtornos complexos, e como não são adequadas para detectar variabilidade genética, há um esforço para o uso de medidas quantitativas de traços relacionados aos transtornos afetivos como um complemento da avaliação diagnóstica, para propósitos de investigação genética. O objetivo é encontrar um traço que seja mais comum nos sujeitos afetados do que na população geral, mas que também sejam observados em familiares não afetados, o que os torna possíveis portadores de alelos predisponentes. Tal traço deve ser herdável, frequente em sujeitos de “alto risco” (pais, irmãos, filhos) e estável ao longo da vida. Ou seja, tem as características de um endofenótipo. O neuroticismo ou instabilidade emocional (considerado um fator de personalidade) parece preencher os critérios para um bom traço quantitativo para transtornos de humor e de ansiedade, (10,11) uma vez que é altamente hereditário (consistentemente 70% herdável) e se correlaciona fortemente com depressão e transtornos de ansiedade. A ideia é que a medida desse traço torne possível a decomposição da base genética da depressão e da ansiedade de uma forma mais simples, o que pode resultar numa análise genética mais direta e bem sucedida. A identificação de genes candidatos associados a transtornos afetivos tem sido difícil devido à probabilidade de os transtornos mentais estarem sob influência poligênica e à associação entre variantes genéticas e exposição a fatores ambientais. Uma abordagem tem sido a busca por associação genética além do foco 28 convencional nas monoaminas. Por exemplo, a depressão maior parece estar associada a polimorfismos no gene de receptor glicocorticóide NR3C1, no gene da monoamina oxidase A, no gene da glicogênio sintase quinase-3β (que tem um papel chave na fosforilação e regulação de enzimas metabólicas e de muitos fatores de transcrição), e no gene do receptor metabotrópico de glutamato (GRM3). O sucesso tem sido maior na identificação de genes que são associados a mecanismos biológicos e vias metabólicas conhecidos para ADs e que, por sua vez, podem ajudar a prever a resposta ao tratamento com AD. O polimorfismo funcional na região de controle transcricional do gene do transportador de serotonina (SLC6A4 ou SERT ou 5HTT), conhecido por 5HTTLPR (região polimórfica ligada ao transportador de serotonina), tem sido o mais estudado na genética psiquiátrica por suas importantes consequências clínicas. Farmacogenômica nos transtornos afetivos A grande variabilidade interindividual na resposta clínica aos ADs é influenciada por uma variedade de fatores genéticos, fisiopatológicos e ambientais. A base para essa variabilidade tão intensa na resposta clínica ainda não está clara. Os esforços iniciais para a identificação de preditores de resposta a psicofármacos voltaram-se para o estudo de variáveis clínicas, com pouco sucesso. Esforços recentes com variáveis biológicas como níveis plasmáticos e liquóricos de neurotransmissores, níveis de neurohormônios e medidas de neuroimagem alcançaram alguns resultados promissores, mas sem dados ainda consistentes. (2) Uma desvantagem dessas abordagens é a considerável variação na variável biológica usada como medida independente, o que reduz o poder dessas medidas de predizer ou correlacionar-se com medidas de resposta a tratamento. Abordagens de genética molecular proporcionam um novo método de dissecar a heterogeneidade da resposta a psicofármacos. Esse campo de pesquisa, tradicionalmente chamado de farmacogenética ou farmacogenômica, traz algumas vantagens na busca por correlatos informativos da resposta a psicofármacos: (1) o genótipo de um indivíduo é essencialmente invariável, e, dessa forma, a coleta da medida independente para análise versus tratamento pode ser realizada a qualquer tempo do tratamento, ou mesmo após o tratamento; (2) as atuais técnicas de biologia molecular permitem uma análise precisa do genótipo de um indivíduo, e erros de medida têm pouca ou nenhuma importância nessas análises; (3) a crescente disponibilidade pública de informação genética proporciona atualmente os dados necessários para a condução de revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 28 16/08/12 17:16 estudos de genes individuais e de todo o genoma; (4) o fácil acesso à informação do genótipo, através da coleta de amostras de sangue periférico, aliado aos avanços das técnicas moleculares, tornou factível a coleta de DNA e a genotipagem de rotina em ensaios clínicos de larga escala. Assim, as abordagens farmacogenômicas proporcionam uma nova oportunidade para a identificação de preditores biológicos da resposta a psicofármacos. Talvez mais importante que isso, elas podem ser um meio para a determinação dos reais substratos moleculares da eficácia farmacológica (2). Estudos de genes candidatos associados a outros mecanismos biológicos enfatizaram associações entre genes glutamatérgicos (GRIK4) e resposta e efeitos adversos ao citalopram; entre o alelo Met do polimorfismo funcional Val/Met (rs6265) do brain-derived neurotrophic fator (BDNF) e resposta aos ADs inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS); e entre diversos outros SNPs ligados ao BDNF e a resposta à desipramina. Variações genéticas na FKBP5 – uma proteína que ajuda a regular a ligação do cortisol ao receptor glicocorticóide – estão associadas à resposta a ADs. Variações genéticas no TREK1 – um canal de potássio que media a ação dos ISRS – estão associadas à ausência de resposta a vários ADs. Estudos de análise de SNPs englobando todo o genoma (genome-wide association studies, GWAS) sugerem que a eficácia de ADs pode ser predita por outros marcadores genéticos além dos genes candidatos tradicionais. O gene da proteína de ligação ao fator de liberação da corticotropina (CRHBP) e o gene do receptor-1 do CRH (CRHR1) predizem a resposta a ISRS na “depressão ansiosa”. Os genes da uronil-2 sulfotransferase e da interleucina-11 (IL-11) predizem a resposta à nortriptilina e ao escitalopram, respectivamente (12). No entanto, em todo o mundo, não mais do que 14 genes podem ser atualmente testados rotineiramente pelo psiquiatra clínico. Os catorze genes Atualmente, são 14 os genes que sabidamente influenciam o padrão de resposta dos pacientes a psicofármacos específicos, e que podem ser genotipados rotineiramente nos países desenvolvidos. No Brasil, pelo menos dois deles (CYP2D6 e CYP2C19) podem ser genotipados rotineiramente. Uma vez que um número crescente de pacientes tem sido testado para a identificação de variações nesses genes, torna-se importante para o psiquiatra entender quais são as implicações dessas variações para a resposta terapêutica de seus pacientes. Tabela 1. Nomes, abreviaturas e localização cromossômica dos 14 genes. Nomes Abreviatura Gene do citocromo P450 2D6 Gene do citocromo P450 2C19 Gene do citocromo P450 2C9 Gene do citocromo P450 1A2 Gene da catecolamina-O-metiltransferase Gene do transportador de noradrenalina Gene do transportador de dopamina Gene do transportador de serotonina Gene do receptor 5HT 1A Gene do receptor 5HT 2A Gene do receptor 5HT 2C Gene do receptor D2 Gene do receptor D3 Gene do receptor D4 CYP2D6 CYP2C19 CYP2C9 CYP1A2 COMT SLC6A2 SLC6A3 SLC6A4 HTR1A HTR2A HTR2C DRD2 DRD3 DRD4 Localização cromossômica 22q13.1 10q24.1-q24.3 10q24 15q24 22q11.21 16q12.2 5p15.3 17q11.1-q12 5q11.2-q13 13q14-q21 Xq24 11q23 3q13.3 11p15.5 Adaptado de Mrazek (2010). Os genes de enzimas metabolizadoras de fármacos O gene do citocromo P450 2D6 As proteínas citocromo P450 são organizadas em famílias e subfamílias. Essas proteínas contêm um grupo heme e, consequentemente, são chamadas de hemoproteínas. A designação “citocromo P450” se deve ao fato de serem coloridas (cromo), pois contêm pigmento que absorve a luz com comprimento de onda de aproximadamente 450nm. O citocromo P450 2D6 é uma enzima envolvida no metabolismo de mais de 70 fármacos disponíveis atualmente. Além dos alelos normais para a enzima 2D6 funcional, existem muitas formas inativas do CYP2D6. Essas formas inativas são chamadas de alelos inativos ou alelos nulos. Algumas formas do gene CYP2D6 também produzem uma proteína de atividade enzimática limitada. Essas formas parcialmente ativas do CYP2D6 são chamadas de alelos deficientes. Pacientes que possuam apenas alelos inativos não produzem nenhuma enzima 2D6 funcional e consequentemente não metabolizam adequadamente os fármacos substratos da 2D6. Por outro lado, pacientes com três ou mais alelos ativos provavelmente não obtêm benefício com o tratamento com fármacos substratos da 2D6, uma vez que eles produzem uma quantidade tão aumentada da enzima que o fármaco sequer atinge níveis sériJul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 29 29 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por VITOR DE MELLO NETTO cos adequados, se usado nas doses convencionais. A maioria das pessoas tem duas cópias do CYP2D6, e seu genótipo é definido por esses dois alelos, mas pode haver deleção de uma ou das duas cópias. Não é necessário possuir uma cópia do CYP2D6 para a sobrevivência. Além disso, é possível ter duas ou mais cópias do CYP2D6 num único cromossomo. Por exemplo, um paciente pode ter duas cópias num cromossomo 22 e uma cópia no outro cromossomo 22, ou ainda ter múltiplas cópias em cada um dos cromossomos 22. Devido ao grande número de alelos do CYP2D6, há milhares de possíveis genótipos como resultado das várias possibilidades de pareamento nos dois cromossomos 22. Entretanto, por tradição, essa enorme variabilidade é contornada pela classificação dos pacientes em quatro fenótipos de metabolismo CYP2D6: (1) metabolizadores lentos, (2) metabolizadores intermediários, (3) metabolizadores extensivos ou normais e (4) metabolizadores ultrarrápidos. Fenocópias diários necessitam de uma pequena diminuição na dosagem. Os metabolizadores extensivos ou normais devem receber as doses usuais. Já para os metabolizadores ultrarrápidos, fármacos substratos da 2D6 devem ser evitados. Ainda que uma alternativa seja a prescrição de doses mais elevadas com o objetivo de atingir níveis séricos terapêuticos, essa estratégia requer uma cuidadosa monitorização do paciente, já que metabólitos intermediários podem acumular-se e levar a efeitos potencialmente perigosos. Os potenciais benefícios da genotipagem do CYP2D6 no tratamento dos transtornos afetivos com ADs são conhecidos há muito tempo. (14,15) Entretanto, a extensão desses benefícios para pacientes sem sintomas psicóticos, em uso de ISRS, tem sido questionada. (16) A indicação mais clara para o exame é para evitar reações adversas por meio da identificação de pacientes metabolizadores lentos. O gene do citocromo P450 2C19 Mais de 50 fármacos disponíveis atualmente são metabolizados primariamente pela enzima 2C19. Assim como o CYP2D6, o CYP2C19 é um gene altamente variável, e até o momento 21 alelos são reconhecidos. Cada indivíduo possui apenas duas cópias do gene. Para os pacientes com o fenótipo de metabolizador lento, deve-se evitar o uso de fármacos substratos da 2C19 ou utilizá-los em doses inferiores às recomendadas e avaliar cuidadosamente o surgimento de efeitos colaterais. Para os pacientes com o fenótipo de metabolizado intermediário, devem ser prescritas doses inferiores às padronizadas. Para pacientes com o fenótipo de metabolizador ultrarrápido, devem-se evitar os fármacos substratos da 2C19 ou usá-los em doses elevadas, desde que o paciente seja monitorado para que se identifiquem reações adversas que possam resultar dos níveis elevados de metabólitos secundários. O termo fenocópia refere-se à identificação, num indivíduo, de características fenotípicas que são resultados de um fator ambiental e não de uma variação genética. Essa característica pode ser muito similar ao fenótipo que é o resultado da expressão gênica. Uma fenocópia farmacogenômica do CYP2D6 ocorre quando um fator ambiental influencia a expressão do gene ou a função da enzima, resultando num paciente que metaboliza fármacos pela 2D6 de uma forma diversa daquela predita por seu genótipo. Isso ocorre com frequência devido a interações medicamentosas. Um importante exemplo clínico é o uso de medicamentos que são fortes inibidores da enzima 2D6. Fluoxetina e paroxetina são dois ISRS que são forte inibidores da enzima 2D6. A paroxetina é de particular interesse por ser quase exclusivamente metabolizada pela 2D6. A bupropiona é outro potente iniTabela 2. Medicamentos antidepressivos metabolizados pela enzima 2D6 bidor da 2D6. (13) A inibição enzimática é particularmente Antidepressivos metabolizados Antidepressivos substancialmente Antidepressivos minimamente importante em pacientes metabolizadores primariamente pela 2D6 metabolizados pela 2D6 metabolizados pela 2D6 intermediários, pois mesmo doses moderadas Desipramina Amitriptilina Citalopram de fluoxetina ou paroxetina podem torná-los Doxepina Bupropiona Escitalopram fenocópias de metabolizadores lentos. Pacien- Fluoxetina Duloxetina Fluvoxamina tes com o fenótipo de metabolizador lento Nortriptilina Imipramina Sertralina vão necessitar da prescrição de um fármaco Paroxetina Mirtazapina que não seja substrato da 2D6 ou, no caso da Venlafaxina Trazodona prescrição de um substrato dessa enzima, de doses mais baixas. Metabolizadores interme- Adaptado de Mrazek (2010). 30 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 30 16/08/12 17:16 Tabela 3. Medicamentos antidepressivos metabolizados pela enzima 2C19 Antidepressivos metabolizados primariamente pela 2C19 Amitriptilina Citalopram Clomipramina Escitalopram Antidepressivos substancialmente metabolizados pela 2C19 Doxepina Imipramina Moclobemida Nortriptilina Sertralina Antidepressivos minimamente metabolizados pela 2C19 Venlafaxina Adaptado de Mrazek (2010). O gene do citocromo P450 2C9 Esse gene codifica uma enzima que catalisa a oxidação de cerca de 100 fármacos. Amitriptilina, fluoxetina e sertralina são substancialmente metabolizadas pela enzima 2C9, que pode exercer um importante papel na depuração desses ADs se a via metabólica primária for disfuncional. A genotipagem do P4502C9 é raramente utilizada em psiquiatria. Entretanto, ela pode ser importante naqueles pacientes que são metabolizadores lentos de CYP2D6, CYP2C19 ou CYP1A2. O gene do citocromo P450 1A2 Mais de 40 fármacos disponíveis atualmente são metabolizados pela enzima 1A2, incluindo alguns ADs. A absoluta maioria dos indivíduos possui duas cópias do P4501A2, e como há 14 alelos identificados, são muitos os possíveis genótipos. Efeitos adversos ocorrem com mais intensidade em pacientes metabolizadores lentos. Tabela 4. Medicamentos antidepressivos metabolizados pela enzima 2C9 Antidepressivos metabolizados primariamente pela 2C9 Nenhum Antidepressivos substancialmente metabolizados pela 2C9 Amitriptilina Fluoxetina Antidepressivos minimamente metabolizados pela 2C9 Sertralina Adaptado de Mrazek (2010). Um gene associado ao metabolismo de neurotransmissores: o gene da COMT A catecol-O-metiltransferase (COMT) é responsável pela O-metilação das catecolaminas. Pacientes homozigotos para o alelo Met podem ter maior probabilidade de responder à bupropiona. Os genes dos transportadores de neurotransmissores O gene do transportador de noradrenalina (SLC6A2) A proteína transportadora de noradrenalina promove a recaptação da noradrenalina da fenda sináptica de volta para o neurônio pré-sináptico, bem como tem um papel secundário na recaptação de dopamina. Pacientes homozigóticos para o alelo guanina ou rs5569 são mais propensos a responder aos Tabela 5. Medicamentos antidepressivos metabolizados pela enzima 1A2 ADs tricíclicos e ao metilfenidato se comparados aos homozigóticos para o alelo adenina. Antidepressivos metabolizados Antidepressivos substancialmente primariamente pela 1A2 metabolizados pela 1A2 Fluvoxamina Duloxetina Clomipramina Imipramina Adaptado de Mrazek (2010). Antidepressivos minimamente metabolizados pela 1A2 Mirtazapina Amitriptilina O gene do transportador de dopamina (SLC63A) Embora existam muitas variantes desse gene, apenas uma delas (chamada rs28363170) tem sido estudada como um potencial preditor de resposta ao tratamento com psicoestiJul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 31 31 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por VITOR DE MELLO NETTO mulantes. Ainda assim, os resultados dos múltiplos estudos são de difícil interpretação e os resultados ainda aplicam-se a populações específicas. O gene do transportador de serotonina (SLC64A) O transportador de serotonina (também conhecido como 5HTT ou SERT) é responsável pela recaptação de serotonina da fenda sináptica de volta para o neurônio pré-sináptico. A variação genética mais amplamente estudada é o polimorfismo funcional na região de controle transcricional, conhecido por 5HTTLPR. Suas variantes são geralmente classificadas em duas categorias: o alelo “longo” e o alelo “curto”. O alelo curto é associado a uma menor eficiência transcricional, o que resulta numa menor expressão do transportador de serotonina. (17) Nos pacientes de origem europeia, os que são homozigotos para o alelo longo tendem a responder melhor aos ISRS. Uma meta-análise (18) dos polimorfismos ligados ao gene do 32 transportador de serotonina mostrou duas associações, a primeira entre o alelo longo do 5HTTLPR e uma resposta aumentada aos ISRS, mas não à nortriptilina, e menos efeitos colaterais dos ISRS. A segunda associação é entre o alelo curto do 5HTTLPR e um aumento nos efeitos adversos induzidos pela paroxetina, mas com diminuição dos efeitos adversos induzidos pela mirtazapina. Vários polimorfismos de nucleotídeo simples (single nucleotide polymorphism, SNP) no gene do receptor 5-HT2A estão associados a desfechos no tratamento com ISRS (19). Algumas variantes parecem aumentar a probabilidade de resposta ao citalopram e ao escitalopram. Os genes dos receptores de serotonina O gene do receptor 5HT1A Variações no gene HTR1A estão associadas a transtornos afetivos, comportamento suicida e resposta a ADs. Pacientes homozigotos para o alelo rs6295 tendem a responder melhor a ADs se revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 32 16/08/12 17:16 comparados a pacientes com uma ou mais cópias do alelo guanina. Atualmente, a utilidade fundamental da genotipagem do HTR1A é a de clarificar a probabilidade de benefício com um psicofármaco específico. O gene do receptor 5HT2A Variações no gene HTR2A têm sido estudadas com o objetivo principal de prever a resposta de pacientes a ADs e a antipsicóticos atípicos. Variações no gene têm sido associadas a padrões de resposta a ADs serotoninérgicos, embora haja inconsistências nos achados dos estudos. (13) O gene do receptor 5HT2C Variações no gene HTR2C estão associadas à resposta a antipsicóticos e ao ganho de peso que ocorre em alguns pacientes que fazem uso de antipsicóticos atípicos. Apesar do receptor 5HT2C ser um importante receptor de serotonina no sistema nervoso central, variações nesse gene ainda não foram associadas a respostas variáveis a ADs. A principal indicação para a genotipagem do HTR2C é a identificação de pacientes com risco aumentado de ganho ponderal com antipsicóticos atípicos, para os quais a prescrição de medicamentos dessa classe deve ser muito cuidadosa. Os genes dos receptores de dopamina Os genes dos receptores D2 (DRD2), D3 (DRD3) e D4 (DRD4) têm variações associadas a padrões de resposta e de efeitos colaterais a antipsicóticos em populações específicas. Discussão A testagem farmacogenômica em psiquiatria não serve ao propósito de identificar indivíduos que irão desenvolver uma doença grave com prognóstico ruim. Bem ao contrário, os resultados da testagem devem fornecer informação médica útil que pode ser usada para proteger os pacientes de efeitos adversos potenciais de medicamentos. À medida que a testagem farmacogenômica se torna mais acurada, e mais genes são incluídos no painel de exames, melhor a relação custo-benefício para a utilização dessa testagem como ferramenta auxiliar na escolha do tratamento psicofarmacológico. Além disso, à medida que os benefícios da testagem farmacogenômica se tornem mais amplamente reconhecidos, ela aos poucos se tornará parte da rotina. A era da seleção de medicamentos psicotrópicos através de um processo de “tentativa e erro” pode estar caminhando para um fim. No entanto, ainda resta um longo caminho para que esse novo cenário se torne realidade. Todas as mutações em genes estudadas até o presente não atingem a suposta variação de 50% explicada por fatores genéticos na resposta a ADs (20). Ainda há uma preocupação com o risco de resultados falso-positivos, uma vez que muitos estudos falham em controlar o efeito placebo. Além disso, vários fatores de confusão precisam ser levados em conta nos estudos, na tentativa de esclarecer achados controversos. Uma droga é metabolizada por enzimas específicas, mas o produto resultante pode ser uma molécula ativa que pode por sua vez ser metabolizada por uma enzima diferente. Interações medicamentosas podem influenciar profundamente a atividade dos citocromos de um modo que pode ser dependente de fatores genéticos, mas de tal forma que ainda é difícil definir. Por fim, os fármacos podem ser metabolizados por um grupo de citocromos. Portanto, ainda são necessários estudos que considerem esses fatores de confusão para que se encontrem resultados mais úteis e definitivos acerca das variantes genéticas envolvidas na resposta terapêutica a ADs. Há necessidade de replicação de grandes estudos, levando-se em conta as variabilidades genéticas das diferentes populações. No caso da população brasileira, a heterogeneidade e a intensa miscigenação têm importantes implicações para a farmacogenômica, pois não se pode claramente aplicar uma extrapolação dos dados derivados de grupos étnicos bem definidos para a maioria dos brasileiros (21). Ainda assim, as crescentes evidências acerca da influência genética na suscetibilidade a transtornos afetivos e na resposta aos tratamentos (em conjunção com fatores ambientais ainda pouco conhecidos) sinalizam que pode estar se aproximando o dia em que o uso de perfis genéticos para fundamentar um tratamento individualizado será uma realidade clínica. Agradecimentos O autor agradece ao Prof. Joseph Zohar, seu orientador, por sua valiosa contribuição especialmente ao sugerir caminhos originais de pensamento e investigação. Ao Prof. Fernando Portela Câmara, por sua fundamental contribuição, pelo estímulo intelectual e pela disponibilidade para ensinar sempre. Conflito de interesse O autor declara não haver conflito de interesses em relação a este trabalho. Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 33 33 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por VITOR DE MELLO NETTO Referências 1. 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Smit “Venlaf nondep Depres seroton with ve Neurop revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 34 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por FERNANDO PORTELA CÂMARA NEUROINFECÇÕES E PSIQUIATRIA Resumo Os grandes transtornos psiquiátricos não possuem uma causa definida, dada a peculiar complexidade da formação dos sintomas mentais e sua sensibilidade a impactos mínimos sobre o fluxo de neurotransmissores nas vias neurais. Neste trabalho discutimos as neuroinfecções em seu âmbito geral, neuropatológico, e, no particular, como uma possível origem de doença mental como causa primária. Neste particular, apresentamos evidências epidemiológicas que sugerem um modelo infeccioso de transtorno afetivo, implicando os vírus Nipah e Borna como uma das causalidades prováveis de doença mental. Palavras chaves: neuroinfecções, vírus Nipah, Bornavírus, transtornos mentais e do comportamento. A s doenças mentais e do comportamento são respostas cerebrais a um evento agressor que pode ser de natureza variada (1), e entre os possíveis agressores contam-se agentes infecciosos que invadem o sistema nervoso central causando primariamente alterações mentais. As infecções do sistema nervoso vêm tendo uma crescente importância em saúde pública, e já ocupa posição de interesse na epidemiologia e clínica psiquiátricas. O crescimento das populações expostas, sua mobilidade, e, por outro lado, a invasão de ecossistemas até então não habitados dão visibilidade a doenças antes raras e fazem emergir infecções desconhecidas (2), algumas com potencial neurotrópico. Essas doenças vêm alcançando limiares de prevalências suficientes para serem detectáveis ocasionalmente no hospital geral e na população. A maioria das neuroinfecções causa encefalites ou meningoencefalites agudas sem interesse para o psiquiatra, como é o caso da raiva, formas graves da febre amarela, e outras arboviroses causadoras de encefalite, entre elas a febre do Oeste do Nilo que ampliou consideravelmente seus limites geográficos no últimos 20 anos. A dengue, atualmente a arbovirose mais disseminada no 38 planeta, apresenta também formas neurológicas graves entre suas formas complicadas, como tivemos a oportunidade de ver em nosso país por ocasião da introdução do sorotipo 3 do vírus da dengue em 2001-2002 (3). Entretanto, manifestações neuropsíquicas, tais como irritabilidade, inquietação, insônia, delírio e depressão, esta última na convalescença, já eram conhecidas na dengue (4, 5). A neuroinfecção mais disseminada no planeta, contudo, é a malária cerebral causada pelo Plasmodium falciparum, o mais agressivo dos plasmódios, sendo hoje a principal causa de mortalidade infantil na África subsaárica. No Brasil, essa doença persiste nas áreas endêmicas e vem se agravando desde 1999, quando se registrou um aumento surpreendente de malária na região amazônica (acima de 600 mil notificações). A malária cerebral também é encontrada no Brasil, embora em menor proporção (6). A doença tende a se expandir com a disseminação do vetor a partir da construção de hidrelétricas e de rodovias, crescimento do agronegócio e da mineração. Metade dos casos de malária falciparum na África já tem envolvimento do sistema nervoso central (7), e a mortalidade é maior nesses casos. Os sintomas são sonolência e convulsões seguidas de coma, devidos ao dano do tecido cerebral causado por uma cascata de interleucinas após a liberação de glicosilfosfatidil-inositol pelos parasitas maláricos no interior de hemácias circulando no cérebro (8). Neuroinfecções de interesse psiquiátrico Desde Clérambault, a etiologia infecciosa de alguns transtornos mentais sem etiologia conhecida vem sendo questionada. Ele considerava o “automatismo mental”, base das “psicoses alucinatórias crônicas”, como sequelas de infecções agudas longínquas, parte das quais subclínicas (9), mas suas observações eram meramente hipotéticas. Como em sua época não existiam ainda os antibióticos e o programas de vacinas, e as infecções tinham um curso diferente do que hoje estamos acostumados a ver, Clérambault tinha um farto material para pensar em correlações infecciosas, embora revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 38 16/08/12 17:16 FERNANDO PORTELA CÂMARA Prof. Associado UFRJ e Coordenador do Depto. Informática da ABP nunca tenha enveredado numa tentativa de isolar e provar uma etiologia infecciosa para uma condição psiquiátrica específica. De fato, ele considerava certos transtornos mentais como sequelas de infecções adquiridas na infância, ou ainda possíveis “focos ocultos” de infecções. A participação de processos infecciosos como desencadeadores de alterações mentais é uma questão complexa, pois, não seguem uma relação direta preconizada nos Postulados de Koch e muitas vezes o evento infeccioso já não está presente. Um exemplo dessa dificuldade de precisão pode ser ilustrado na formulação da hipótese de PANDAS, que muito se assemelha ao pensamento de Clérambault. A autoimunidade decorrente de infecções estreptocócicas na infância foi sugerida como causa provável de TOC e transtorno de tics, sugerindo-se um grupo de doenças neuropsiquiátricas rotuladas como PANDAS (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorder Associated with Streptococcus). Isso resultou de evidências epidemiológicas para o risco aumentado de transtorno obsessivo-compulsivo e síndrome de Tourette em crianças, após infecções estreptocócicas (10, 11, 12). Foi sugerido que o antígeno D8/17 de linfócitos B humanos, um marcador para susceptibilidade de doença cardíaca reumática pós-estreptocócica, poderia servir de marcador para risco de doença psiquiátrica em crianças, mas isso não foi confirmado por outros autores e permanece em aberto (12). Ainda no rastro de Clérambault, de tempos em tempos pesquisadores encontram achados fortemente sugestivos de associação entre infecções e doenças mentais. Recentemente foi sugerida uma correlação entre infecção por Toxoplasma gondii e manifestação de sintomas psicóticos, sugerindo associação com esquizofrenia e transtornos afetivos (13, 14), ou ainda correlação entre neuroinfecção por Herpesvírus e esquizofrenia (15), risco aumentado de filhos esquizofrênicos em mães com níveis elevados e interleucina-8 (16) ou histórico de infecções genitais (17), a lista é ampla mas faltam demonstrações consistentes. Entretanto, a associação entre certas infecções e transtornos psiquiátricos já está hoje bem documentadas. A associação entre leptospirose e sintomas psiquiátricos pós-infecciosos, incluindo depressão, demência e psicose, é um fato bem documentado (18): “Uma parte dos pacientes exibe sintomas mentais prolongados após a leptospirose, que vão desde alterações de humor, irritabilidade e pensamentos irracionais, à psicose, demência e depressão grave. Incapacidade de concentração ou para realizar tarefas especializadas podem afetar a capacidade laboral. A condição pode persistir por vários meses a dois anos ou mais, ou se tornar permanente. A relação entre tais alterações e efeito direto da leptos- pirose, incluindo a arterite cerebral … não foi ainda confirmada. A fim de incriminar a leptospirose como causa da condição mental, o diagnóstico inicial deve ser confirmado, e os sintomas devem aparecer claramente após a recuperação da doença” (19). Algumas doenças infecciosas podem causar dano neurológico significativo e manifestar sintomas demenciais tais como confusão mental, delirium e perda de memória, entre outros. No passado, a sífilis era a maior causa de dano cerebral (neurosífilis), causando paralisia, demência e morte (ainda há casos esporádicos dessa forma luética em países do terceiro mundo). Em nossa época a demência mais comum associada a infecção é aquela causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), cujo risco diminui com o uso da zidovudina (AZT), um análogo da timidina (inibidor da síntese de DNA), particularmente quando usada nos estágios iniciais dessa complicação (20). Entretanto, ainda vemos casos de alterações cognitivas e comportamentais dessa infecção numa prevalência de 15% entre os casos de Aids. Essa condição é conhecida como demência associada ao HIV ou transtorno neurocognitivo associado ao HIV, e pode ocorrer tanto no inicio da infecção quanto tardiamente. Ela difere das outras pelo tipo de dano, que nesses casos decorrem de alterações sináptico-dendríticas em motoneurônios e interneurônios corticais (21), levando à apoptose. Nos indivíduos não tratados, a morte sobrevém cerca de seis meses após a instalação do quadro demencial, e constitui uma das causas mais comuns de mortalidade pelo HIV. A toxoplasmose cerebral é uma complicação comum em pacientes com AIDS (22), uma infecção que deve ser monitorada com freqüência nesses pacientes (juntamente com a infecção pelo Cryptosporidium sp e micobactérias). Por outro lado, a associação entre AIDS e doença de Chagas pode levar a uma meningo-encefalite pelo Trypanosoma cruzi, parasita que habitualmente não provoca neuroinfecções, condição observada no Brasil, onde essa parasitose é endêmica (23, 24). Vírus Nipah As viroses emergentes estão ganhando uma importância muito grande no mundo atual globalizado, uma vez que podem se espalhar rapidamente de seus locais de origem para centros urbanos distantes através de hospedeiros virêmicos, humanos ou animais, na complexa rede do tráfego aéreo internacional. A aparição destes vírus traz um rastro de mortes, mas é possível que eles circulem silenciosamente causando distúrbios diferentes daqueles que são vistos quando emergem explosivamente em surtos zoonóticos. Esses vírus são algumas vezes informalmente chamados de “vírus Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 39 39 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por FERNANDO PORTELA CÂMARA exóticos” por estarem aparentemente restritos a nichos tropicais e subtropicais. Os vírus Hendra e Nipah, são da mesma família (Paramyxoviridae) dos vírus do sarampo, da caxumba e da doença respiratória sincicial aguda. O vírus Hendra (isolado pela primeira vez em cavalos, em Hendra, um subúrbio de Brisbane, Austrália, 1994) tem um alto poder patogênico e letal (50%) para equinos (26). O cavalo infectado assume um comportamento maníaco e perigoso, e logo em seguida sucumbe numa infecção respiratória grave, semelhante à pneumonia da influenza, e nos seres humanos acidentalmente infectados o quadro é semelhante e freqüentemente fatal (27). O reservatório deste vírus é o morcego frutívoro conhecido na região como “raposa voadora”. A saliva e urina deste animal infectam a relva que é comida pelos cavalos, fechando o ciclo infeccioso. A busca por este vírus no mundo revelou sua provável endemicidade em morcegos na Nova Guiné, Madagascar e Camboja (27). O vírus Nipah foi isolado em Sundai Nipah, província da Malá- 40 sia, durante uma epidemia que se originou em porcos e infectou 265 pessoas com 105 casos fatais, em 1998-1999 (28, 29). Isolou-se um vírus até então desconhecido, que foi chamado de Nipah (25), da mesma família do vírus Hendra. Este vírus também tem um morcego frutívoro como reservatório, que infecta porcos por um mecanismo semelhante ao vírus Hendra (27). A ruptura de ecossistemas com a introdução do agronegócio e grandes criações de animais de corte aumentou a possibilidade de transmissão desses vírus do morcego ao homem, ou do morcego a animais de fazenda e desses ao homem. O alerta para essas cadeias de infecções gravíssimas foi efetivamente confirmado com a emergência dos vírus Hendra e Nipah, sendo este último mais agressivo para o homem. Em Bangladesh houve pelo menos nove surtos do vírus Nipah desde 2001 com mortalidade entre 40 e 75%, em cadeias infecciosas do morcego ao homem e de pessoa a pessoa (25). No Brasil, onde morcegos são importantes transmissores de raiva e convivem com humanos em áreas rurais, não existem estudos soro revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 40 16/08/12 17:16 epidemiológicos para rastrear esse vírus. A infecção pelo vírus Nipah causa uma depressão importante em humanos, clinicamente indistinguível da depressão maior, e embora alterações nos lobos frontal e temporal e na ganglia basal (especialmente o núcleo caudado), estejam fortemente correlacionadas à depressão (30), no caso do Nipah as lesões multifocais na substancia branca e, em menor extensão, nas estruturas profundas, pode direcionar o diagnóstico de uma depressão com uma etiologia infecciosa específica. De fato, a encefalite humana do vírus Nipah difere dos outros vírus neurotrópicos por essas lesões múltiplas na substância branca do cérebro, que corroboram no diagnóstico (31, 32). Um estudo em 13 casos humanos em Singapura permitiu estabelecer a clínica dessa virose, bem como as alterações cerebrais por RNM (33). Mais da metade dos casos apresentou depressão importante, tanto cognitiva quanto emocionalmente (desesperança, sentimento de desvalia, pensamentos suicidas, etc.). A depressão aparecia logo ao deixar o hospital ou cerca de um ano após a infecção. Déficit de memória, especialmente da memória verbal estava presente, e alguns ficaram incapacitados neurológica e mnemicamente para o trabalho. Outras sequelas observadas foram a síndrome da fadiga crônica e alterações de personalidade. Em nenhum caso se observou sintomas obsessivo-compulsivos ou psicóticos. A depressão causada pelo vírus Nipah era indistinguível da forma idiopática, tanto clinicamente, quanto pelas pontuações nas escalas de depressão. Melancolia, anedonia, astenia, perda de peso, agitação ou retardo psicomotor, sentimentos de desesperança ou desvalia, dificuldade de concentração e pensamentos de morte ou suicídio, torna o doença pelo vírus Nipah indistinguível da depressão (33). Essas depressões clínicas pós-infecciosas podem passar despercebidas pelo psiquiatra, que vê o paciente freqüentemente após o evento infeccioso. Por essa razão, estudos epidemiológicos são necessários para esclarecer a prevalência dessa etiologia nos transtornos depressivos. Bornavirus Os bornavírus são vírus exóticos que também emergem da ecologia tropical e podem causar infecção em humanos acidentalmente expostos. No mundo atual globalizado, vírus emergentes têm o potencial de se espalhar para centros urbanos distantes, levados por hospedeiros virêmicos, humanos ou animais, na complexa rede de tráfego internacional que une centros urbanos distantes. Este grupo de vírus causa infecções letais, mas também são implicados na origem de depressão maior nas áreas onde é endêmico. Os bornavírus são vírus com RNA genômico cuja sequência de genes é parecida com a do vírus da raiva. É agente de uma encefalite progressiva não purulenta, quase sempre fatal, em cavalos, conhecida como “doença do cavalo triste”. Esta doença foi descrita pela primeira vez em Borna, Alemanha, no ano de 1766, e recentemente foi demonstrada no gado bovino, ovino e caprino, bem como em gatos, avestruzes e macacos. O espectro zoonótico deste vírus e sua adaptação a humanos talvez seja devido à facilidade de adaptação de sua polimerase de RNA a variados hospedeiros (34). A via de infecção é intranasal ou hematogênica. No primeiro caso, o vírus migra através do nervo olfativo para o sistema límbico, especialmente hipocampo. Como o sistema límbico está relacionado à regulação da memória, comportamento e emoções, ele participa em muitos transtornos psiquiátricos. A partir daí, o vírus se dissemina centrifugamente para os nervos periféricos, provavelmente por transporte axonal, e então infecta as células associadas com o sistema nervoso periférico: astrócitos, oligodendrócitos e células de Schwann. Se esta disseminação perdura, tecidos e órgãos poderão vir a ser infectados. Note-se que se trata de um mecanismo semelhante ao do vírus da raiva. No animal, os sintomas da doença de Borna manifestam-se proeminentemente como distúrbio comportamental: agitação e hiperatividade, o animal joga-se violentamente contra obstáculos (um forma de tentativa de suicídio?), ou depressão e ataxia. O início destes sintomas coincide com o aparecimento de uma reação inflamatória no cérebro (meningoencefalite) que progride para degeneração neuronal. A inflamação é especialmente grave no núcleo caudado, giro dentado e hipocampo. Em humanos, a infecção pelo bornavírus segue uma fenomenologia diferente da observada nos eqüinos, produzindo alterações na esfera mental e comportamental. Anticorpos reativos em alta prevalência para este vírus foram encontrados em amostras de pacientes esquizofrênicos (35, 36) e também em transtornos afetivos (34, 38, 39, 40, 41), em associação estatisticamente significativa. Outros estudos revelaram uma alta correlação entre depressão, bem como sua gravidade, e níveis de antigenemia nos pacientes (41, 42). Também há um estudo no Brasil (43). Um estudo (41) encontrou uma prevalência de 10-15% de anticorpos em pacientes contra 1-3% no grupo controle (saudáveis). Contudo, quando os pacientes eram monitorados por um longo tempo, esta prevalência aumentava para 30%, sugerindo possível reativação de infecção latente. Isto explicaria a cronicidade e as recorrências dos transtorJul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 41 41 16/08/12 17:16 ARTIGO /////////////////// por FERNANDO PORTELA CÂMARA nos mentais referidos, o que foi reforçado com o isolamento em 3 de 23 pacientes (dois com transtorno bipolar e um com transtorno obsessivo-compulsivo), de uma linhagem supostamente humana de bornavírus. Aparentemente, os surtos coincidiam com o aumento da carga viral. Ao mesmo tempo, bornavírus isolados de pacientes humanos reproduziram sintomas de alterações comportamentais (agressividade, hiperatividade) quando inoculados em ratos (41, 42). Este trabalho foi a primeira pista sólida de uma associação direta entre um agente infeccioso e uma doença psiquiátrica, e também sugere a possibilidade de existir uma linhagem de bornavírus diferente da equina, ao menos circulando na população germânica da qual saíram os sujeitos de estudo. Um estudo interessante também corrobora no complexo sintomático de bornavírus humanos. A amantadina e a ribavirina têm atividade contra esse vírus, e a amantadina, considerada um antiviral, é também um antagonista de receptores glutamatérgicos, e assim talvez seu real efeito seja de modulador da depressão, do que propriamente um inibidor viral (44). O isolamento viral e a detecção de antígenos virais mostram que a participação de bornavírus como uma causa de transtornos mentais é cada vez mais evidente, e que o bornavírus humano poderia ter uma ampla disseminação, contrariamente às cepas zoonóticas. É possível que as infecções humanas decorram de exposição ocupacional a animais, por exemplo, em fazendas, e estaria associada ao suicídio e depressão em áreas rurais, cujas taxas são mas altas que no ambiente urbano. Como nota pitoresca, a imaginação de escritores e roteiristas criaram a partir dos relatos de casos em epidemias e bornavírus a lenda de zumbis humanos que ora povoam seriados de TV e filmes de sucesso. é de curso limitado, e as alterações de humor e cognitivas são, via de regra, breves. Só podemos pensar em transtorno mental associado a um agente infeccioso se o quadro for exclusivamente primário e correlacionado com a presença de genes ou antígenos do patógeno ou ele próprio. Se a essa correlação houver também uma associação epidemiológica forte, então uma causalidade provável pode ser estabelecida (46). Nesse sentido, os estudos com os vírus Borna e Nipah são promissores. Os transtornos psiquiátricos estão entre as 20 causas principais de incapacitação listadas pela Organização Mundial da Saúde (47), e a causa primária das grandes síndromes psiquiátricas ainda é um mistério. Agentes infecciosos podem estar relacionados a algumas destas doenças como possível agressor (1). Esclarecer possíveis associações com agentes infecciosos pode não apenas racionalizar o tratamento, como também estabelecer protocolos de prevenção, contribuindo para a redução do grau de incapacitação e do estigma ligados às doenças mentais. Declaração de conflito de interesse O autor declara não haver conflito de interesse relativo ao trabalho aqui apresentado. Conclusão Muitas infecções exibem alterações de humor e cognitivas como quadro secundário, como, por exemplo, o herpes genital, o herpes zoster, a hepatite B, a gripe, para citar as mais comuns. Isso decorre do efeito de certas interleucinas, que são importantes depressores do sistema nervoso central, cujos sintomas acompanham a curva de produção desses mediadores na infecção. Observa-se isso bem claramente durante a administração de interferon no tratamento da hepatite C, uma interleucina que causa depressão grave em parte dos pacientes tratados (45). Em todos esses casos, as alterações mentais não são primárias, e por isso o tratamento de acordo não é necessário na maioria das vezes, já que a maioria das infecções 42 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2012 revista debates-10.indd 42 16/08/12 17:16 Referências 1. Lishman WA. Organic Psychiatry: The Psychological Consequences of Cerebral Disorder, Oxford: Blackwell Scientific, 1998. 2. Lashley FR. Emerging infectious diseases: vulnerabilities, contributing factors and approaches. Expert review of anti-infective therapy, 2004;2: 299–316. 3. Ferreira MLM, Cavalcanti CG, Coelho CA, Mesquita SD. Neurological manifestations of dengue: study of 41 cases, Arq. Neuro-Psiquiatr. 2005; 63: 488-93. 4. Gubler DJ, Kuno G, Watermen SH. Neurologic disorders associated with dengue infection. International conference on dengue/dengue haemorrhagic fever. Kuala Lumpur, 1983. 5. Hendarto SK, Hadinegoro SR. Dengue encephalopathy. Acta Paediatr Jpn 1992;34: 350-7. 6. 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Bressan (SP) • C11: Sexualidade humana e seus transtornos Coordenador: Carmita Abdo (SP) • Paulo Knapp (RS) Como eu faço terapia cognitivocomportamental (TCC) • Sergio Paulo Rigonatti (SP) • C12: Tecnologia da informação na saúde Coordenador: Dirceu Amilton Muller (PR) Como eu faço eletroconvulsoterapia (ECT) • C13: A psicopatologia e o diagnóstico diferencial na psiquiatria Coordenador: Elie Cheniaux (RJ) • C14: Como escrever e publicar um trabalho científico Coordenador: Wagner Gattaz (SP) • C15: O uso do Medline/Pubmed na produção de estudos científicos Coordenador: Nathalia Carvalho de Andrada (SP) www.cbpabp.org.br53 Jul/Ago 2012 - revista debates em psiquiatria revista debates-10.indd 53 16/08/12 17:16 RDP/////////////////// PUBLIQUE SEU ARTIGO NA RDP Além de ser feita para você ela também pode ser feita por você! A REVISTA DEBATES EM PSIQUIATRIA – RDP (revista debates em psiquiatria) –, ISSN 2236-918X, é uma publicação bimensal da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP - com a finalidade de publicar artigos de qualidade com foco principal nos aspectos clínicos da Psiquiatria e nas áreas de epidemiologia clínica, saúde pública, intervenção psiquiátrica em desastres e problemas relevantes de saúde mental. Visando oferecer aos associados da ABP, residentes, pós-graduandos e especializandos, informação de qualidade que complementem sua atualização e educação continuada. Serão aceitos para apreciação apenas trabalhos originais, em português, que não tenham sido anteriormente publicados, nem que estejam em processo de análise por outra revista. Podem ser encaminhados: editorial, artigos originais de pesquisa, comunicações breves, artigos de revisão, artigos de atualização, carta aos editores, conferências clínicas de alta relevância, casos clínicos e resenhas de livros. 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