SEXO E GÊNERO GRAMATICAL - Gladstone Chaves de MeIo - átempos, num dos países do primeiro-mundo Gá notaram que o segundo acabou?), num desses países privilegiados, um grupo de senhoras cultas levantou a bandeira da revolta contra a "teologia machista", denunciando a Bíblia e a Teologia como discriminadoras da mulher. E resolveram fundar a Teologia Feminina (ou feminista), que já tem cátedras em universidades famosas, como a de Nimega, na Holanda. E aqui, nos trópicos, um pobre teólogo jornalista, que parece fazer questão de estar na moda, já escreveu um livro sobre O Rosto Materno de Deus. Por mais respeitável que seja o ressentimento das damas, o brado reivindicatório assenta num grave equívoco: o de pensar que o gênero gramatical tem a ver com o sexo. Não! O gênero constitui um quadro, um esquema, um critério sem critério, no qual as línguas (melhor, os falantes das diversas línguas) distribuem seus substantivos, à base das terminações, das impressões e, às vezes, até do sexo. Existirá alguma coisa mais masculina, mais mae o sol? E alguma coisa mais docemente e mais e a lua? Então, é óbvio, ·0 sol, a . cam os franceses, sempre tão H inteligentes e tão lógicos, porque "ce qui n'est pas clair n'est pas français". Por isso, os alemães são tão burros que trocam, e fazem o sol feminino e a lua masculina: Die Sonne, Der Mond. E cavalo, macho, alto, bonito, luzidio, marchador, crina penteada, bem arreado - é neutro: das Plerd. É claro que boca é feminino e nariz, quase sempre tão feio, é masculino. Mas os alemães insistem na asneira, dizendo o boca e a nariz: der Mund, die Nase. Mulher, feminino por excelência, a se opor - aliás em tantas coisas! a homem, é neutro: das Weib!!! Positivamente: é preciso reformar essa língua de doidos e, enquanto tal não acontece, recusar-se a estudá-Ia. E se, por desgraça já a conhecemos, então nada ler escrito nela!. Como o sol, algo haverá mais masculino que o mar? "O mar bramia / E, erguendo o dorso altivo, sacudia / A branca escuma para o céu sereno"; sabemo10 de cor desde os oito anos, com saudades do meigo Casimiro. Pois não é que os franceses - os franceses! fazem feminino o mar? Dizem Ia mer! Porém, neste caso, impõe-se um ato de humildade: em português antigo também se perpetrou esse dislate, de que há vestígios na língua atual, como se vê em prea-mar (preavem de plena, latino, portanto: mar-cheia) e baixa-mar. Os franceses também penduram no cabide feminino a palavra fim - Ia fino E - muito esquisito - os nossos maiores cometeram a mesma falta: "Filharon sendie de1eitaçon en algíias cousas com pecado, sem esperando boa nem virtuosa fim". Na Demanda do Santo Graal, o mais importante e mais longo texto em prosa da língua propriamente arcaica, topamos nove vezes com a palavra, e sempre feminina, como, u.g., "muito falaron da vossa fim" . Devem ter notado que o falecido, ingênuo e bom Ministro Funaro, que insistia em que não comprássemos dólares, "porque o cruzado é tão bom como o dólar", devem ter notado que o saudoso Dilson Funaro dizia sempre "o alface". E, na minha feira dos sábados, encontro discípulos do malogrado reformador. Quantos ignaros dizem "uma telefonema", "uma tapa", "o cólera" ... Qualquer um de nós sabe que "aleijão" é masculino, mas nem todos sabem que já foi feminino e que, a rigor, é uma palavra aleijada. Sim, porque sua origem é laesione, a que corresponde no português "lesão", forma esta tomada diretamente à língua-mãe, sem, portanto, evolução fonética. Mas, como resultado da dita evolução fonética, tivemos leijon, feminino: portanto "a leijon". Aconteceu, porém, que o "a", artigo feminino, aglutinou à palavra, que passou a trissilábica - aleijon. E mudou de gênero, tornando-se masculina, talvez porque o aleijão seja feio. Então: o "a" inicial da palavra era o artigo feminino ... ( Mas há pior, nesta ordem de coisas. O inglês, língua hoje universal desterradora do falido esperanto, língua de Shakespeare e de Milton, língua de Byron e de Walter Scott, língua de Newman e de Chesterton, de Bernard Shaw e de Oscar Wilde, língua opulentíssima, a mais bem dicionarizada do mundo, esse inglês - pasmen! - não tem gênero gramatical, não distingue homem de mulher, dizendo, por exemplo, "a good man", "agood woman". E aqui para nós, que ninguém nos ouça: este woman, "mulher" é a continuação histórica do anglo-saxão wifman, ou seja, "wife-man" (= "mulher-homem"). E, para complicar ainda mais: este man outrora se aplicava tanto ao varão como à mulher. Daí, a necessidade de especificar. Para maior confusão: em escala indo-européia, woman do inglês atual corresponde exatamente ao latim homo, de cujo acusativo hominem descende do português homem. Por falar em homem: a palavra significa necessariamente "varão", "macho", ou simplesmente "ser humano", como está na moda dizer com ares de profundo e requintado? Quando digo que Cristo morreu por todos os homens estarei excluindo as mulheres? Quando digo que todos os homens são mortais, estarei pondo todas as mulheres na Academia Brasileira de Letras, sob a regência de Austregésilo de Ataíde? E o inglês não é a única língua sem caráter, isto é, sem gênero gramatical: muitas outras, também importantes, o são. E o gênero neutro, que coisa será? Por que corpo, coração, cabeça e tantíssimos outros, masculinos e femininos "evidentes", são neutros em latim? Poderíamos concluir dizendo, como os franceses, que "il y a trois sexes, le sexe masculin, le sexe féminin et le sexagénaire". Melhor, porém, é concluir que as damas complexadas do primeiro-mundo não têm razão na proposta de reforma da Bíblia e da Teologia Católica, tornando uma e outra feministas. * A Revista da DI RENG é nossa! 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