INFECÇÃO VIRAL E OS ESTUDOS MOLECULARES DOS CARCINOMAS ASSOCIADOS AO PAPILOMAVÍRUS HUMANO* estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. ângela adamski da s. reis, leonardo b. de paula, caroline d. monteiro, rodrigo da s. santos, vera aparecida saddi, aparecido d. da cruz Resumo: os HPVs são capazes de transformar e imortalizar uma célula. Portanto, o vírus pode agir como um fator de iniciação do processo neoplásico. Atualmente são conhecidos mais de 100 tipos virais, classificados em dois grupos de acordo com a categoria de risco para o desenvolvimento de neoplasias: HPVs de baixo risco oncogênico, indeterminado ou desconhecido e de alto risco oncogênico Palavras-chave: HPV. p53. pRb (gene supressor de tumor) e carcinogênese. O papilomavírus humano (HPV) tem sido associado a um largo espectro de lesões muco-cutâneas, incluindo verrugas na pele, verrugas genitais, papilomas e câncer (BOCCARDO; VILLA, 2004; CASTELLSAGUÉ et al., 2002). Dos mais de 100 tipos virais molecularmente genotipados, cerca de 40 tipos tem sido demonstrados em infecções da mucosa genital, dos quais 15 tipos são considerados carcinogênicos para o epitélio da cérvice uterina (MUÑOZ et al., 2003). Os estudos moleculares têm fornecido evidências de que o HPV causa alterações no genoma e na fisiologia das 607 608 estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. células hospedeiras. Tais modificações são a causa subjacente à iniciação e à promoção dos tumores (ZUR HAUSEN, 2002). Em cerca de 99,7% dos casos de carcinoma cervical, a infecção do epitélio por HPV tem sido observada, sendo os HPVs 16, 18, 31 e 33 os tipos mais frequentemente encontrados (BURD, 2003; MUÑOZ et al., 2003; WHO, 2002, CASTELLSAGUÉ et al., 2002; Pornthanakasem et al., 2001), conferindo a esta particular neoplasia o segundo tipo de câncer feminino mais prevalente no mundo. Assim, o HPV é considerado como o agente etiológico do carcinoma de cérvix uterina (YU et al., 2005; BOCCARDO, VILLA, 2004; MUÑOZ et al., 2003; CASTELLSAGUÉ et al., 2003; IARC, 1995). A infecção genital ocasionada pelo HPV é uma doença sexualmente transmissível (DST) que acomete homens e mulheres (BURD, 2003; HO et al., 1998). A disseminação do HPV tende a ser universal entre os indivíduos sexualmente ativos, sendo o homem um importante fator propagador deste vírus entre as mulheres (TEIXEIRA et al., 2002; WALBOOMERS et al., 1999). No entanto, o câncer de pênis constitui uma neoplasia rara, sendo pouco comum em países desenvolvidos. Em geral a incidência anual dos carcinomas penianos é de 0,29 por 100.000 habitantes. Todavia, nos países da África e da América do Sul, a sua incidência pode chegar até 4,4 casos por 100.000 habitantes (RUBIN et al., 2001; PICCONI et al., 2000). No Brasil, a incidência dos tumores penianos varia conforme a região estudada. Nas regiões Norte e Nordeste observam-se índices de 5,5% a 16% e para as regiões Sul e Sudeste de 1 a 4%, respectivamente (GIL et al., 2001). Alguns estudos recentes têm descrito a associação de câncer de pênis com HPV baseados na evidência de que o genoma viral é identificado no epitélio tumoral com frequências variando de 30 a 50%. (WHO, 2002; BEZERRA et al., 2001; PICCONI et al., 2000). O avanço contínuo das técnicas de detecção molecular tem possibilitado a identificação de genoma do HPV em associação com diversos tecidos, incluindo as células neoplásicas malignas (VILLA, 1998). A presença do HPV em carcinomas de pênis foi demonstrada pela primeira vez no início da década de 80 (DURST et al., 1983). No Brasil, os primeiros relatos são de 1986, demonstrando a presença de HPV em 44,4% e 50,9% dos pacientes com tumores penianos (MCCANCE et al.,1986; VILLA, LOPES,1986). HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA A História Natural da Doença (HND) compreende todas as inter-relações entre o hospedeiro, o agente etiológico e o meio ambiente. Em desequilíbrio, os três elementos interagem, resultando na patologia (ROUQUAYROL; GOLDBAUM, 2003). O conhecimento da HND na carcinogênese dos tumores penianos proporciona a compreensão da patogênese e fornece embasamento para a prevenção da doença em nível coletivo, com respaldo nas tendências epidemiológicas observadas para esta patologia. estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. O Agente Etiológico Os HPVs, membros da família Papilomaviridae (MENZO et al., 2001), são vírus relativamente pequenos, não envelopados e com cerca de 55 nm de diâmetro. Os papilomavírus possuem genoma circular de DNA de fita dupla, contendo aproximadamente 8.000 pb (Figura 1), são mucoepiteliotrópicos e espécie-específicos (BOCCARDO; VILLA, 2004). Com o avanço das técnicas moleculares, já foram genotipados mais de uma centena de tipos de HPVs. Atualmente, os HPVs são classificados em baixo risco, de risco intermediário ou desconhecido e alto risco oncogênico. A Tabela I, relaciona os tipos de HPVs mais frequentemente citados conforme o risco oncogênico associado a sua infecção (DE VILLIERS et al., 2004; BOCCARDO, VILLA, 2004; VILLA, 2003; BURD, 2003; MUÑOZ, 2003; SILVA et al., 2003). Tabela 1: Classificação dos HPVs quanto a categoria de risco oncogênico Risco Oncogênico Inespecífico ou indeterminado Baixo risco Alto Risco Tipo viral HPV 30, 34, 53, 57, 62, 64, 67 e 69. 6*, 11*, 26, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72, 73 e 81. 16*, 18*, 31*, 33*, 35, 39, 45, 51, 52, 55, 56, 58, 59, 66 68 e 82. Nota: tipos virais associados a diferentes graus de lesões escamosas intraepiteliais carcinomas cervicais e pênis (BOCCARDO, VILLA, 2004; SILVA et al., 2003). 609 O genoma do vírus HPV codifica em geral de 9 a 10 genes, sendo de 7 a 8 encontrados na região precoce E (do inglês, Early) e dois na região tardia L (do inglês, Late). A função atribuída aos produtos dos genes está descrita na Tabela II. Tabela 2: Funções das proteínas expressas a partir de genes das regiões precoce E e tardia L contidos no genoma do HPV (SILVA et al., 2003; ZUR HAUSEN, 2002; VILLA, 1998). Genes Função E1 E2 Precoce E4 Tardio L1 L2 Replicação do DNA viral Controle da Transcrição Maturação do vírus e alteração da matriz intracelular E5, E6 e E7 Estímulo da proliferação e transformação celular Os principais genes dos HPVs envolvidos na oncogênese vírus-induzida dos tumores epiteliais são E5, E6 e E7. Os produtos protéicos originados mediante a expressão destes genes são capazes de imortalizar e transformar as células da camada basal dos epitélios mucosos (Burd, 2003; Silva et al., 2003; Villa, 1998). A expressão contínua das proteínas virais é essencial para o desenvolvimento e evolução da neoplasia maligna, a exemplo do carcinoma da cérvix uterina (BURD, 2003; SCHIFFMAN, CASTLE, 2003; VILLA, 1998). 610 Figura 1: Mapa genético do Papilomavírus Humano 16 (HPV 16). Esquema do genoma de HPV linearizado, mostrando organização e localização dos quadros abertos de leitura das regiões tardias (Late: L) e regiões precoces (Early:E). LCR: Longa Região de Controle. estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. Codificação da proteína principal do capsídeo Codificação da proteína secundária do capsídeo estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. A região codificadora do gene E1 leva à produção de uma fosfoproteína de 68 KDa com alta afinidade pelo DNA. O complexo protéico formado pelas proteínas E1 e E2, as quais são de extrema importância nos mecanismos de replicação viral. Já a proteína codificada pelo gene E2, além de controlar a transcrição de outros genes como E6 e E7, parece possuir atividade estimuladora da função da proteína supressora tumoral p53. Estudos moleculares indicam que a expressão de E2 pode resultar em apoptose (BRENNA; SYJÄNEN, 2003; SILVA et al., 2003; VILLA, 2003). Quando ocorre a integração viral, a região dos genes E1/E2, sofre uma interrupção do controle transcricional, resultando na perda da função controladora de E2, gerando a expressão descontrolada da região precoce do genoma viral, levando a síntese continua das proteínas E6 e E7 (Figura 2) (VILLA, 1998). Os genes E6 e E7 desempenham papel importante no processo que culmina a transformação celular neoplásica, tendo a expressão dos genes aumentada pela perda do gene E2, o que proporciona a imortalização celular (BURD, 2003; SILVA et al., 2003). Figura 2: Organização de DNA circular do HPV e sua integração no DNA da célula hospedeira 611 612 A infecção por HPV está associada ao desenvolvimento de processos neoplásicos da cérvix uterina, vulva, pênis e ânus e à formação de verrugas na pele. Assim, os HPVs anogenitais do tipo 6, 11 e 42 causam lesões benignas, como os condilomas. Os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 45 e 58 causam lesões malignas. Em consequência da presença de HPV nas mucosas anogenitais, o vírus é mais comumente transmitido durante as relações sexuais (YU et al., 2005; SCHIFFMAN, CASTLE, 2003; MUÑOZ et al. 2003), sendo esta via considerada como a principal maneira de transmissão do HPV entre humanos (ELUF-NETO, 1998; VILLA, SCHLEGEL, 1991). As infecções genitais pelo HPV são transmitidas presumivelmente através da superfície do epitélio genital durante o ato sexual, tanto em casais heterossexuais quanto em homossexuais (SCHIFFMAN, CASTLE, 2003, KJAER et al., 2001, FRISCH et al., 1999; FRISCH et al., 1997; WICKENDEN et al., 1988). Há poucos estudos relacionados à transmissão do HPV por vias não sexuais, tais como fômites, provavelmente devido a sua pouca importância quando comparada a transmissão sexual. No entanto, a transmissão vertical tem merecido destaque na literatura, pois esta via de transmissão é particularmente importante na infecção do recém nascido por HPV (SILVA et al., 2003). Diversos estudos epidemiológicos demonstram que o número de parceiros sexuais é um importante fator de risco na infecção e disseminação de HPV, sobretudo para as infecções anogenitais (KJAER et al., 2001). A existência de diferentes formas quanto ao comportamento sexual dos indivíduos seria uma explicação para a acentuada prevalência de infecção por HPV encontrada nos diferentes países (VILLA, 1998; VILLA, SCHLEGEL, 1991). Comumente, o homem é avaliado após sua parceira apresentar lesões genitais causadas por HPV. No entanto, devido ao alto potencial oncogênico desta DST, é fundamentalmente necessário pesquisar a presença de HPV nos homens, mesmo na ausência de lesões clínicas aparentes, tal conduta diminuiria consideravelmente o risco de recidivas da infecção na mulher (TEIXEIRA et al., 2002), além de possibilitar o diagnóstico precoce de infecção e consequentemente atuar como medida preventiva para os tumores epiteliais anogenitais. Em seu estudo, Castellsagué e estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. TRANSMISSÃO colaboradores (2002) concluíram que a circuncisão em homens está associada com a redução da infecção genital masculina por HPV e, consequentemente a redução do risco de câncer cervical em suas parceiras sexuais. A circuncisão pode ser considerada um importante co-fator na história natural da redução das infecções por HPV, bem como nos carcinomas cervical e peniano, visto que o homem pode ser considerado um elo importante na cadeia de disseminação do vírus na população (TEIXEIRA et al., 2002; BOSCH et al., 1996). estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. INFECÇÃO E PERSISTÊNCIA O HPV infecta células epiteliais do tecido epitelial pavimentoso estratificado da pele e mucosas, produzindo vírions durante a diferenciação das células. A infecção inicial pelo HPV provavelmente ocorre em células epiteliais tronco e basais ou células que estão transitoriamente em divisão, localizadas nas camadas mais baixas do epitélio estratificado. Após sua entrada na célula, o genoma do HPV é estabilizado na forma de elementos extracromossômicos nos núcleos e o número de cópias desta unidade replicativa aumenta para aproximadamente 50 a 100 cópias por célula. Ao se dividirem, as células infectadas distribuem equitativamente o DNA do genoma viral entre as células filhas. As células que migram da camada basal após sucessivas divisões, iniciam um processo contínuo de diferenciação, enquanto as células que permanecem na camada basal fazem parte do contingente de células de manutenção e reposição do epitélio. Assim, as células basais indiferenciadas constituem o reservatório de DNA viral (Figura 3) (ZUR HAUSEN, 2002; SILVA et al., 2003). Apesar da infecção pelo HPV acontecer nas camadas basais, a produção do vírus é restrita às células da camada suprabasais, pois as células da camada basal não são lisadas pela produção dos vírions, mas continuam as proliferações. Consequentemente, por apresentar um ciclo dependente da diferenciação epitelial a infecção ocasionada por HPV promove sua manutenção e persistência nas camadas basais do epitélio infectado por um período de até vários anos (SILVA et al., 2003; STUBENRAUCH, LAIMINS, 1999). A maioria das infecções por HPV é transitória, sendo que apenas um pequeno número de indivíduos infectados tende a mantê-la 613 Figura 3: Ciclo de Vida HPV Nota: as células infectadas ao se dividirem equitativamente o DNA viral entre as células filhas. Uma das células filha migra da camada basal inicia o processo de diferenciação. A outra célula filha continua indiferenciada, sofrendo divisões para fornecer células para a diferenciação e células para a manutenção da camada basal. A célula infectada corresponde a um reservatório de DNA viral. 614 Não é possível estabelecer o intervalo mínimo entre a infecção por HPV e o desenvolvimento de lesões epiteliais. O vírus pode permanecer por muitos anos no estado latente e, assim, a recidiva das lesões pode estar relacionada à ativação de reservatórios próprios ou a reinfecção pelos parceiros sexuais, sintomáticos ou não. Na infecção latente, para a qual não existe lesão identificável, a estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. de forma persistente. Além disso, a persistência da infecção é maior em pacientes infectados com os HPVs de alto risco oncogênico. Estes achados sugerem que as infecções persistentes são as que efetivamente contribuem para a tumorigênese peniana. De fato, estudos epidemiológicos recentes indicam que mulheres persistentemente infectadas com HPVs de alto risco oncogênico tem maior probabilidade de desenvolver lesões neoplásicas cervicais quando comparadas a mulheres com infecções transientes (BURD, 2003; WARD, 2002; STUBENRAUCH, LAIMINS, 1999). detecção do vírus é possível mediante o uso das técnicas moleculares e, mesmo assim, é detectável apenas o DNA genômico do HPV (BURD, 2003; MS, 2004). Os protocolos técnicos de Southern Blotting e Hibridização in situ têm sido descritos em estudos moleculares para a identificação e genotipagem de HPV. No entanto, os dois métodos possuem os parâmetros de sensibilidade e de especificidade reduzidos para a detecção viral. Atualmente, a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR do inglês, Polymerase Chain Reaction), que usa primers específicos para amplificação de DNA viral, é a técnica de escolha para a detecção e genotipagem do genoma do HPV. A PCR é uma técnica bastante sensível e específica, que aliada à facilidade de sua metodologia, torna-se ideal para o diagnóstico e detecção viral (IFTNER, VILLA, 2003; FRANCO, 2003; SZUHAI et al., 2001). estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. IMUNIDADE A infecção natural pelo HPV é seguida por uma resposta imune humoral e celular contra as proteínas virais. Anticorpos contra proteínas do capsídeo de HPV são formados no decorrer da infecção. No entanto, a detecção de IgG e IgA específicas para L1 de HPV 16 não se correlaciona com a eliminação viral. De fato, as respostas sistêmicas de IgG são mais frequentes em pacientes com detecção persistente do DNA viral. Além disso, anticorpos contra as proteínas precoces E6 e E7 dos HPVs 16 e 18 ocorrem com mais frequência e, em títulos maiores, em pacientes com carcinoma de colo de útero do que em mulheres normais (BOCCARDO; VILLA, 2004). A resposta imune celular mediada por linfócitos T CD4+ (auxiliar) e CD8+ (citotóxico) parece ser a mais importante na eliminação de infecções genitais pelo HPV. Condilomas em regressão espontânea apresentam um infiltrado celular composto essencialmente de linfócitos T e macrófagos. Em pacientes com imunodeficiência celular, seja iatrogênica ou adquirida, há aumento da prevalência de lesões associadas ao HPV, além de maior chance de progressão para lesões pré-invasivas mais graves (ALCAMI; KOSZINOWSKI, 2000). Entretanto, os mecanismos que controlam a resposta imune contra o HPV são pouco conhecidos. Uma resposta ineficiente 615 pode implicar a persistência da infecção, especialmente por tipos oncogênicos de HPV, que é considerado o principal fator de risco para o desenvolvimento de lesões neoplásicas do colo uterino (BOCCARDO; VILLA, 2004). 616 O HPV é capaz de transformar e imortalizar uma célula, iniciando assim o processo maligno. Os produtos dos genes E6 e E7 são importantes para a transformação e imortalização celular. O produto do gene E6, a proteína E6, tem uma grande afinidade pelo DNA e é encontrada tanto no núcleo como na membrana plasmática. Já o produto do gene E7, a proteína E7, é uma fosfoproteína encontrada no citoplasma e, provavelmente, no núcleo (LEWIN, 2001;GARCIA-CARRANCÁ, GARIGLIO, 1993). Os produtos dos genes supressores de tumores presentes nas células como as proteínas pRb e p53 são alvo da ação dos produtos dos genes dos HPVs. Em geral a atividade de pRb é inibida pela proteína viral E7, por outro lado, a p53 é degradada subsequentemente à ligação com a proteína E6. A perda da função de ambas as proteínas responsáveis pela supressão tumoral contribui para a progressão de tumores (BRENNA, SYJÄNEN, 2003; SILVA et al., 2003; zUR HUSEN, 2002; VOUSDEN, 1993). Geralmente, o genoma viral encontra-se em estado epissomal no núcleo das células de tecido com alterações benignas ou prémalignas o aumento da expressão dos genes E6 e E7 em lesões malignas pode ser associado pela integração do DNA viral no genoma celular ao longo do progresso tumoral. A integração acontece ao acaso no DNA celular, mas invariavelmente interrompe a região E1-E2 do genoma viral. Isto altera o controle negativo exercido pela proteína E2 na expressão dos genes E6 e E7 (BOCCARDO, VILLA, 2004; BECHTOLD et al., 2003; LUKASZUK et al., 2003). Inúmeras funções têm sido descritas para E6 e E7. Os produtos desses genes interagem bloqueando os supressores de tumores. Certamente, das funções proeminentes da proteína E6 é a degradação de p53, resultando na resistência a apoptose e no aumento da instabilidade cromossomal. Tem sido especulado que a estabilização de formas ativadas de membros específicos da família SRC poderia contribuir para a transformação do fenótipo celular – HPV (ZUR HAUSEN, 2002). estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. TRANSFORMAÇÃO CELULAR estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. O gene Rb é um supressor de tumor localizado no cromossomo 13q14, que tem como produto à proteína celular pRb, de aproximadamente 105 kDa. A pRb tem a função de inibir a progressão do ciclo celular, pois é capaz de sequestrar o fator de transcrição E2F e impedi-lo de promover a transcrição de genes necessários para a replicação do DNA na fase S. Assim, a pRb exerce uma regulação negativa do ciclo celular através da sua fosforilação específica ciclo-dependente. A associação da pRb com a proteína viral E7 causa uma perturbação no controle normal do ciclo celular, resultando em um estímulo excessivo para a proliferação das células infectadas (SILVA et al., 2003; ZUR HAUSEN, 2002). A proteína E7 de HPVs de alto risco está associada a degradação das proteínas da família Rb, incluindo a p107, a p130 e a própria pRb. A E7 é reconhecidamente eficiente na formação de complexos com ciclinas A e E. No entanto, estudos recentes sugerem essa mesma eficiência quando E7 forma complexos estáveis com as proteínas p21 e p27. Com a degradação da pRb o fator de transcrição E2F não pode ser reprimido, em consequência, a célula perde o controle do ciclo celular (SILVA et al., 2003; STUBENRAUCH, LAIMINS, 1999). O gene p53 é um supressor de tumor localizado no cromossomo 17p13, cujo produto é a proteína p53. Esta proteína é responsável por monitorar os danos ocorridos nas moléculas de DNA. O ciclo celular é impedido de prosseguir até que o dano no DNA seja restaurado (LEWIN, 2001). A proteína E6 de HPVs de alto risco se associa a proteína p53, que é responsável pela regulação da passagem da fase G1 para S e da fase G2 para M, no ciclo celular. A proteína E6 recruta a proteína celular E6AP, que funciona como uma ubiquitina-ligase para o complexo contendo p53. Este recrutamento resulta na ubiquitinação de p53 seguido de sua rápida degradação (BRENNA, SYJÄNEN, 2003; ZUR HAUSEN, 2002; SILVA et al., 2003; STUBENRAUCH, LAIMINS, 1999; BROWN, PAGANO, 1997). Sem a proteína p53 a célula perde a capacidade de perceber e reparar possíveis danos no DNA, assim a divisão celular passa a ocorrer sem reparo. Consequentemente, aumenta-se a frequência das mutações, dos rearranjos cromossômicos e das aneuploidias. O acúmulo de eventos mutacionais é a causa subjacente ao desenvolvimento de um fenótipo neoplásico e, consequentemente do câncer (BRENNA, SYJÄNEN, 2003; 617 VOGEL, MOTULSKY, 2000; GRIFFITHS et al., 1999; VOUSDEN, 1993). A elucidação da história natural da infecção por HPV em pênis possibilitará uma melhor compreensão da etiologia e da patogênese viral e seu papel na carcinogênese dos tumores de pênis. Infecções por HPV e sua detecção em homens não seguem a rotina diagnóstica aplicada às mulheres, em parte porque a mucosa epitelial das mulheres é abundantes em células, o que facilita a coleta e o diagnóstico. Nos homens, no entanto, a escassez de células epiteliais da mucosa peniana dificulta o diagnóstico. Diversos estudos epidemiológicos demonstram a presença do HPV como um elemento obrigatório nos processos neoplásicos malignos nos carcinomas cervicais (99,7%), tornando o homem um fator importante associado à disseminação do vírus. O homem é um importante agente disseminador do HPV entre as mulheres e a disseminação do vírus tende a ser universal entre os indivíduos sexualmente ativos (TEIXEIRA et al., 2002). Castellsangué e colaboradores (2002) demonstraram a alta prevalência de infecções por HPV e a variabilidade dos tipos virais em homens está relacionada ao comportamento sexual. Os autores sugeriram que a infecção masculina poderia ser a causa subjacente ao aumento da carcinogênese cervical em suas parceiras sexuais, sendo a promiscuidade o principal fator de risco. As infecções por HPV em homens não parecem ter as consequências observadas na infecção feminina, nas quais os co-fatores, como os hormônios femininos e o uso contínuo de contraceptivos hormonais, participam de forma combinada no processo de múltiplas etapas da oncogênese cervical (VILLA, 2003; MORENO et al., 2002; VILLA, 1998). As proteínas oncogênicas E6 e E7 são capazes de imortalizar e transformar as células, promovendo o descontrole do ciclo celular na célula hospedeira. A expressão contínua das proteínas virais desencadeia o processo neoplásico. A progressão tumoral, subsequente a infecção em células normais, também está sujeita 618 estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. CONCLUSÃO Quadro 2: Distribuição temática dos trabalhos publicados pelas entrevistadas do estudo O Cuidar e a Produção do Conhecimento dos Enfermeiros em Oncologia, Goiânia (GO) – 2008 estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. a fatores ambientais, como carcinógenos químicos presentes no tabaco, ou restrito ao hospedeiro, tais como resposta imune, herança genética e hábitos sexuais. O HPV é capaz de alterar o ciclo celular pela expressão das proteínas virais E6 e E7 na inativação e eliminação dos produtos de genes supressores de tumor. Em geral a atividade de Rb é inibida pela proteína viral E7, por outro lado, a p53 é degradada subsequentemente à ligação com a proteína E6. A perda das funções de ambas as proteínas responsáveis pela supressão tumoral contribui para a progressão de tumores (VOUSDEN, 1993). O processo de interação entre as proteínas virais e as proteínas celulares, altera o controle do ciclo celular, fazendo da infecção por HPV um potente fator de iniciação e promoção de tumores, que deve ser avaliado em conjunto com todas as variáveis envolvidas na carcinogênese para estabelecer os riscos relativos e os prognósticos individuais. VIRAL INFECTION AND MOLECULAR STUDIES OF CARCINOMAS ASSOCIATED WITH HUMAN PAPILLOMA Abstract: HPVs are capable of transforming and immortalizing a cell and, therefore they can act as initiation factors for the neoplasic process. At the present time, 100 types have been described, which are classified in two groups according with the category of risk for the development of neoplasia, HPVs of low and high oncogenic risks. Keywords: HPV, p53, pRb (tumor suppressor gene) and carcinogenesis Referências ALCAMI, A.; KOSZINOWSKI, U.H. Viral mechanism of immune evasion. Molecular Medicine Today, v. 6, p. 365-372, 2000. BECHTOLD, V.; BEARD, P. ;RAJ, K. Human papillomavirus type 16 E2 protein has no effect on transcription from episomal viral DNA. Journal of Virology, v. 619 77, n. 3, p. 2021-2028, 2000. BEZERRA, A.L. et al. Human papillomavirus as a prognostic factor in carcinoma of the penis: analysis of 82 pacients treated with amputation and bilateral lymphadenectomy. Cancer, v. 91, p. 12, p. 2315-2321, 2001. BOCCARDO, E.; VILLA, L.L. Vírus e Câncer. In: FERREIRA, C. G.; DA ROCHA, J. C. C. Oncologia Molecular. São Paulo: Atheneu, 2004. BOSCH, F. X. et al. 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Goiânia, Goiás, Brasil. 623 VERA APARECIDA SADDI Professora Doutora dos Departamentos de Biologia, Biomedicina, Medicina e do Núcleo de Pesquisas Replicon, Universidade Católica de Goiás e Pesquisadora do Setor de Anatomia Patológica do Hospital Araújo Jorge, Associação de Combate ao Câncer em Goiás. Goiânia, Goiás, Brasil. estudos, Goiânia, v. 37, n. 7/8, p. 607-624, jul./ago. 2010. APARECIDO DIVINO DA CRUZ PhD em Biologia Molecular pela University of Victoria, Canadá, Professor Titular no Departamento de Biologia da Universidade Católica de Goiás, Coordenador do Núcleo de Pesquisas Replicon da Universidade Católica de Goiás e Biomédico Geneticista da Superintendência de Ciência e Tecnologia em Saúde - Leide das Neves Ferreira, LaGene Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular do Estado de Goiás. Goiânia, Goiás, Brasil. 624