VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA Rio de Janeiro / 2007 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. História da Lingüística. – Rio de Janeiro: UCB, 2007. 28 p. ISBN 978-85-86912-40-5 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenador do Curso de Graduação Denilson P. Matos - Letras Conteudista Denilson P. Matos Supervisor do Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os conteúdos das Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático..............................................................................................................9 Contextualização da disciplina.............................................................................................................................. 10 UNIDADE I GRAMÁTICA 1.1 – Conceituação: o que é gramática?.........................................................................................................................11 1.2 – Gramática natural................................................................................................................................................11 1.3 – Gramática teorética................................................................................................................................................12 1.4 – Gramática descritiva, normativa (descrição e normatização)............................................................................13 UNIDADE II LINGÜÍSTICA 2.1 – Conceituação...................................................................................................................................................17 2.2 – Lingüística e outras áreas de estudo sobre linguagem........................................................................................17 UNIDADE III HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA 3.1 – A tese religiosa.................................................................................................................................................19 3.2 - Período helênico, período helenístico, a Idade Média e o Renascimento...............................................20 Glossário ......................................................................................................................................................................24 Gabarito ............................................................................................................................................................................ 25 Referências bibliográficas ................................................................................................................................................27 Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS I - GRAMÁTICA 1.1 – Conceituação: o que é gramática 1.2 – Gramática natural 1.3 – Gramática teorética 1.4 – Gramática descritiva, normativa (descrição e normatização) • Conceituar gramática; • Distinguir gramática teorética de gramática natural; • Apresentar algumas questões relacionadas ao ensino de gramática, nas aulas de língua portuguesa; • Discutir a questão sobre o que é a língua e o que deveria ser. II - LINGÜÍSTICA 2.1 – Conceituação 2.2 – Lingüística e outras áreas de estudo sobre linguagem • Conceituar Lingüística; • Apresentar algumas interações da Lingüística com outras ciências. III - HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA 3.1 – A tese religiosa 3.2 – Período helênico, período helenístico, a Idade Média e o Renascimento • Apresentar um panorama histórico dos estudos lingüísticos anteriores ao século XX. 9 10 Contextualização da Disciplina O estudo da lingüística é extremamente importante para qualquer pessoa que deseje enveredar-se pelos caminhos da compreensão da língua. Nela, podemos encontrar muitas respostas para as várias dúvidas que se têm desde o surgimento da escrita ou mesmo da fala. Neste sentido, tal conteúdo é imprescindível a quaisquer estudantes da área de Letras que desejem mergulhar nas questões da língua sob uma perspectiva científica, exploratória, descritiva. Assim, toda tentativa no sentido de compreender a língua perpassa pelo estudo lingüístico. Neste material, o que se pretende apresentar, de forma panorâmica, são alguns fundamentos gerais, alguns princípios de estudo que vão nortear todo o caminho do aluno na compreensão do que seria a lingüística e, automaticamente, a língua, porque, afinal, qualquer falante que pretenda compreender a língua, seja a língua pátria, seja qualquer língua no mundo, vai percorrer um estudo lingüístico. A lingüística, então, é a ciência que pretende compreender e entender os movimentos que a língua faz. O estudo pode ser feito através de um recorte no tempo, o que chamamos de sincronia, ou ao longo do tempo, o que chamamos de procedimento diacrônico. Do mesmo modo, através da disciplina História da Lingüística, podemos apresentar, de forma sucinta, quais os estudos determinantes para a compreensão da importância do estudo lingüístico em nossa área de atuação profissional. Esta disciplina, enfim, busca dar uma noção geral do que seria a lingüística em termos históricos, mostrando seus conceitos fundamentais e a iniciação dos estudos lingüísticos. UNIDADE I 11 GRAMÁTICA 1.1 – Conceituação: O que é Gramática? Antes de entrarmos no mérito da discussão sobre a lingüística em si, convém que nesta primeira unidade trabalhemos um tema extremamente recorrente na maioria dos debates sobre a língua: a gramática. Primeiro, precisamos entender que o termo gramática, por si só, já suscita uma série de questionamentos, afinal, a partir de um falante da língua, ou mesmo de um estudioso, podemos ouvir várias definições para esse termo, inclusive aquela que está presente no dicionário: Gra.má.ti.ca s.f. 9ª) 1. Parte do estudo da língua que trata das formas e estruturas das palavras (morfologia), de sua disposição nas frases (sintaxe) e de cada um dos sons elementares da fala (fonologia): quem é contra a gramática, é contra a ordem, contra o bom senso. 2. Sistema de estrutura e arranjo de palavras numa língua num dado tempo: a gramática inglesa é diferente da gramática portuguesa. 3. Sistema de regras para falar e escrever numa dada língua, baseado no estudo da sua gramática (2): Volta e meia tenho de lhe corrigir a gramática. 4. Livro que traz essas regras: ter uma boa gramática na biblioteca (SACONNI, Luiz Antonio. Dicionário Essencial, 2001). Todavia, aqui, a nossa preocupação em abordar a gramática é para entender o seguinte: o que seria a gramática para um estudioso de língua portuguesa, que é o nosso caso? A gramática, para o senso comum, é o conjunto de regras de uma determinada língua, assim, temos a gramática da língua portuguesa, do alemão, do inglês, etc. Efetivamente, ela é concebida por muitos como uma espécie de Bíblia Sagrada, como se fosse o grande livro da linguagem. Muitos acreditam que através dela somos capazes de resolver todos os problemas que dizem respeito à língua. Esse, certamente, é o primeiro grande mito sobre a interpretação da função da gramática, que é muito mais do que um conjunto de regras. Muitos estudantes acreditam ou têm a expectativa de encontrar na gramática todas as regras previstas numa língua. No entanto, devido a todos os momentos em que nos deparamos com um fenômeno novo de nossa língua, afirmar que todas as respostas para as nossas dúvidas sobre a língua encontram-se na gramática é, no mínimo, uma falácia, um engodo, um engano. Por quê? Porque a gramática, pela sua própria natureza, é um livro que traz um conjunto de regras de uma língua concebida estaticamente, ela não tem como dar conta da língua em uso, na sua mais plena funcionalidade, ou seja, a gramática tenta registrar o que seria o uso da língua. Vale ressaltar que a gramática a qual nos referimos é aquela que está na sala de aula, que está na tradição e traz, conforme Bechara (2001:51), “a forma eleita entre as várias formas de falar que constitui a língua histórica”. Assim, essa gramática, que é normativa, colabora para manter o registro exemplar de uma língua, repelindo variações não previstas. Porém o uso, representado pela língua funcional, permite que a comunicação continue acontecendo – emissor e receptor em franca interação –, independentemente do registro padrão. Convém esclarecer que, embora questionemos a gramática tradicional, não pretendemos desprezar seu papel e utilidade. Vale recordar Mattoso Câmara (1976: 15), que afirma: A gramática normativa tem o seu lugar e não se anula (...). Mas é um lugar à parte, imposto por injunções de ordem prática dentro da sociedade. Resumindo: Gramática é, na sua concepção primária, um livro que traz as regras para escrever bem. A que estamos acostumados a tratar é a normativa: nela estão as regras concebidas, consagradas, admitidas, exemplares. 1.2 - Gramática Natural Diante do exposto em 1.2, podemos afirmar que o falante se relaciona e estabelece contato comunicandose indistintamente, e nem por isso pode-se dizer que um analfabeto, por exemplo, se comunica pior do que um letrado só porque não domina as regras gramaticais. Então, o primeiro desejo que temos aqui é o de desmistificar essa concepção do que seria a gramática. Vamos tentar entender a gramática sob outro prisma, entendê-la como um estudioso da língua. Inicialmente, 12 precisamos saber que há uma gramática que é natural, isto é, qualquer língua possui um conjunto de regras gerais de como estruturar as palavras para que estas tenham algum sentido. Essas regras acontecem em diversos níveis. Não podemos, em português, por exemplo, considerar possível a frase: “Alegre comprou menino bola o”. Do mesmo modo, não podemos terminar palavras com a letra P. Ou ainda dizermos, em linguagem denotativa, “Preciso por livro com estudar”, desconsiderando que tais palavras (por e com) não estão previstas na ligação das outras (preciso, livro e estudar). É provável que a maioria das pessoas corrija essa combinação estranha e diga que o correto deve ser: “Preciso de um livro para estudar”, para manter a gramaticalidade. Segundo Garcia (2003: 33): Dentro da liberdade de combinações que é própria da fala ou discurso – liberdade que permite a cada qual expressar seu pensamento de maneira pessoal, sem ter de repetir sempre, servilmente pela gramática, limites que impedem invenção de uma nova língua cada vez que se fala. Nossa liberdade de construir frases está, assim, condicionada a um mínimo de gramaticalidade – que não significa apenas nem necessariamente correção (há frases que, apesar de, até certo ponto, incorretas, são plenamente inteligíveis). Carentes da articulação sintática necessária, as palavras se atropelam, não fazem sentido – e, quando não há nenhum sentido possível, não há frase mas apenas um ajuntamento de palavras. “Cada qual é livre para dizer o que quer, mas sob a condição de ser compreendido por aquele a quem se dirija. A linguagem é comunicação, e nada é comunicado se o discurso não é compreendido. Toda mensagem deve ser inteligível”, diz Jean Conhen (Structure du langage poétique, p.105-6). Assim, a escolha, a seleção e a combinação de palavras ocorrem de forma natural. Porque é da natureza do falante, o qual é capaz de produzir textos legíveis, compreensíveis graças a sua competência lingüística, isto é, a partir de sua gramática natural. Para reforçar o conceito, imaginemos os exemplos: Uma criança abre a porta de casa, ao retornar do colégio, e diz para sua mãe: – Mamãe, eu “di” meu boneco. Mesmo não conhecendo os paradigmas do verbo (pretérito perfeito do indicativo), a criança sabe que está falando de algo no passado, e, certamente, sua mãe vai entender que o boneco que ela comprou para ele com todo o carinho não está mais com ele, porque ele deu para algum colega de classe. Do mesmo modo, quando uma criança diz: - Fulano é “roubador”. Embora tal palavra não esteja dicionarizada, mesmo assim todos vão entender que “roubador” é aquele que rouba. Os dois exemplos acima servem para demonstrar que: se por um lado temos um problema de correção gramatical ou problema no uso do registro padrão, em termos de gramática normativa, de forma alguma isso se dá em termos de gramática natural. Resumindo: Regras de gramaticalidade, inerentes a qualquer língua, são dominadas pelos seus falantes e isso se dá de forma natural, logo esse conjunto de regras é chamado de gramática natural. É natural por quê? 1.3 - Gramática Teorética Junto à gramática natural, num patamar inferior, vem o que chamamos de gramática teorética. O que seria isso? A gramática teorética é exatamente o que o próprio nome diz, é uma gramática teórica, ou seja, é uma tentativa de entender o que seria a gramática natural. Assim, toda vez que tentamos, por exemplo, compreender por que vem uma preposição antes e não outra, por que colocamos o verbo conjugado dessa maneira e não de outra, num modo e não em outro, é porque se está buscando teorizar o que acontece na gramática natural. A gramática teorética seria, na verdade, o próprio procedimento teórico gerado a partir da gramática natural. Poderíamos dividi-la em três grandes grupos: • Gramática descritiva • Gramática normativa • Gramática produtiva Gramática Natural Gramática Teórica Gramática Prescritiva Gramática Descritiva Não vamos tratar da gramática produtiva agora, pois ela está muito voltada à questão da gramática gerativa, a qual pertence a outras discussões que faremos em momentos posteriores, quando já tivermos aprofundado nossos conhecimentos sobre a lingüística. Há quem proponha uma divisão da gramática normativa, por incursão metodológica, a saber: teórica e pedagógica. Finalmente, como complemento dessa última exposição, pode-se afirmar que, sobretudo no que concerne ao conceito de gramática normativa, é possível ainda arriscar um desdobramento que resulte na ocorrência de dois outros tipos de gramática: a normativa pedagógica, que não são senão os célebres manuais didáticos, isto é, livros preparados com a clara intenção de adoção em sala de aula, por isso mesmo com apresentação de exercícios após a lição teórica; e a normativa teórica, aquela que, sem uma explícita intenção didática, procura registrar regras e preceitos voltados para o uso supostamente correto de um determinado idioma, a partir de uma variante culta que se constitui, assim, na norma padrão da língua (SILVA, 2006:04). 1.4 - Gramática Descritiva, Normativa (Descrição e Normatização) Concentrar-nos-emos na gramática normativa e na gramática descritiva, que poderiam ser resumidas em duas frases básicas: 1- A gramática descritiva diz ou demonstra ou apresenta a língua como ela é. 2- A gramática normativa, também chamada de prescritiva, diz como a língua deveria ser. Vejamos o que se pode falar e/ou exemplificar sobre tais frases: Para entender a primeira, podemos apresentar o seguinte exemplo: Ao registrar a fala de duas pessoas que moram no interior do Brasil, no nordeste ou sertão da Paraíba, somos capazes de perceber e identificar o registro que está sendo usado ali. Não apenas o sotaque, mas os diversos usos que são feitos pelos falantes, verificando que estruturas participam desta frase e não daquela, que verbos são normalmente usados neste caso e que em outro são usados diferentemente, etc. Essa é a tarefa da gramática descritiva, ela vai descrever efetivamente como a linguagem é produzida, não importando a questão do certo ou do errado. E por quê? Porque o que importa é o uso, é a realidade, é o que está de fato acontecendo. Por outro lado, nós temos a gramática prescritiva, o próprio nome já diz: prescreve, então é uma gramática em que se prescreve como o uso deveria ser. Ora, essa tentativa de tentar entender a gramática, registrar e estabelecer moldes é da natureza da gramática normativa, com a qual lidamos na sala de aula. Foi essa gramática que chegou até nós no colégio, por causa dela disseram que não podemos fazer usos do tipo: “agente vamos”, “nois mermo” ou “houveram reclamações na assembléia”. Porque isso seria um erro, seria uma prova do desconhecimento da língua. Todavia Evanildo Bechara (2001) diz algo muito importante na sua última versão da gramática, da editora Lucerna: existe aquilo que é exemplar, aquilo que é aceito, aquilo que é admitido. Há de distinguir-se cuidadosamente o exemplar do correto, porque pertencem a planos conceituais diferentes. Quando se fala do exemplar, fala-se de uma forma eleita entre as várias formas de falar que constitui a língua histórica, razão por que o eleito não é nem correto nem incorreto.(...) modo exemplar pertence à arquitetura da língua histórica, enquanto o correto (ou incorreto) se situa no plano da estrutura da língua funcional. Cada língua funcional tem sua própria correção à medida que se trata de um modo de falar que existe historicamente (BECHARA, 2001: 51-52). Ainda segundo Bechara (2001: 38), “o sucesso da educação lingüística é transformar [o falante] num poliglota dentro de sua própria língua nacional”. Essa frase expressa exatamente nossa discussão principal na introdução dos estudos da lingüística, isto é, até que ponto importa apenas o conhecimento das regras da gramática normativa para se viver em sociedade. Por outro lado, nós temos uma gramática teorética, que identifica, entende, compreende, registra e descreve o que seria a gramática natural. É óbvio que qualquer exercício teórico que se faça em direção a algo que está em pleno funcionamento e é dinâmico ficará aquém do elemento primeiro: o natural. 13 14 Por isso é ingenuidade achar que o domínio, mesmo que pleno, de uma gramática normativa, por exemplo, possa resolver todas as nossas necessidades lingüísticas e sociais. do mesmo modo, também não iríamos a um casamento vestidos de biquíni (pelo menos por enquanto). Um professor desavisado, iniciante, que coloca debaixo do braço uma gramática (Celso Cunha, Rocha Lima ou mesmo a do Evanildo Bechara), com todas as regras decoradas, e sai pela rua ou vai para sala de aula achando que sabe tudo de língua, está redondamente enganado. Essa consciência do engano também seria, entre tantas outras, uma grande contribuição para os estudos lingüísticos. Por quê? Dois amigos, andando pela rua, conversando, distraídos. A poucos metros, dois buracos da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) de aproximadamente 2 metros, sem tampa. Cada buraco na direção de cada um dos amigos. Como estão distraídos, não percebem os buracos e caem dentro deles. O primeiro, grita: - Alguém poder-me-ia salvar!!!! O segundo grita: - Socorro!!!!! Porque começamos a entender que o domínio da língua necessariamente não está associado à compreensão do domínio de uma regra. Se você não tem consciência do uso e da importância da regra de uma língua, não adianta conhecer ou decorar essa regra, pois ela não será suficiente para dar conta de todas as suas necessidades comunicativas, sociais e lingüísticas. Assim, a gramática normativa é apenas uma tentativa de registrar, de forma estática, algo que está em pleno funcionamento: a língua. A língua está sempre em funcionamento porque enquanto está em uso, está funcionando e enquanto está funcionando, é quase que impossível amarrar o seu movimento. E esse não deve ser o desejo de um professor de língua portuguesa. Então qual deve ser nosso principal desejo como profissionais de língua portuguesa? Apresentar ao aluno a língua como ela é. Cada aluno que chega a um colégio, a uma escola, traz consigo a sua realidade lingüística. Nós, professores, devemos entender que cada um tem a sua própria gramática, sua própria competência lingüística, a sua própria maneira de se comunicar, e que o fato de usar gíria, ou uma concordância errada não faz com que o aluno deixe de ser um falante eficiente de sua língua. O que não podemos perder de vista, e Evanildo Bechara diz isso magistralmente, é que devemos ser poliglotas em nossa própria língua, ou seja, devemos ser capazes de lidar com as realidades lingüísticas, sejam elas quais forem, conforme o momento social, o contexto social. Bechara (2001), em suas palestras, exemplifica dizendo que não iríamos à praia de terno e gravata para tomar banho de sol numa cadeira, numa espreguiçadeira, Outro exemplo: Pergunta: • Quem será atendido? Provavelmente, a resposta será o segundo. E por quê? Porque tudo depende do momento, devemos estar prontos para fazer o uso lingüístico adequado a cada situação social. Afinal, qual a utilidade da mesóclise numa situação como essa? Por outro lado, numa entrevista para emprego ou algo parecido, talvez o uso da mesóclise dê mais certo. Certas situações esperam um tipo de registro lingüístico mais formal. Num outro extremo, como um falante não nativo poderia aprender a língua de outra pátria senão através da modalidade padrão? Como se poderia estudar, aprender uma língua se não tivéssemos um parâmetro? Por isso em nossa perspectiva, não abandonamos a gramática normativa, só não a consideramos única, a melhor, ou a forma exclusiva de se comunicar bem. Ela não trata de certas questões do discurso, certas questões do uso, não é esse o seu papel. O erro, na verdade, não está na gramática em si, o problema está em como é ensinada. Resumindo: Devemos ser poliglotas em nossa própria língua, ou seja, conhecer o registro padrão, o exemplar e ter conta da importância de conhecer também a maior quantidade possível de registros. Texto Complementar Com o intuito de auxiliar a leitura do tema central desta unidade, segue um recorte da obra Pequeno manual de lingüística geral e aplicada, de Senna (1991, passim: 7, 8 e 9): “Existem alguns termos que qualquer ser humano ocidental já deve ter pronunciado pelo menos umas mil vezes. Considere, por exemplo, palavras como ‘coca-cola’, ‘macarronada’, ‘lâmpada’, ‘carro’, ‘sapato’. Não existe quem não saiba o que significam estas palavras ou a que o falante se refere ao empregálas como essas outras já citadas, mas cujo significado nem sempre é igualmente transparente e comum a todos os falantes. É o caso, por exemplo, de ‘síndrome’, ‘utopia’, ‘instituição’, ‘engajamento’ ou, até mesmo, ‘gramática’. Experimente reunir um grupo de estudantes, professores de língua portuguesa e pesquisadores de lingüística e, em seguida, perguntarlhes o que cada um entende por ‘gramática’. Você vai observar tantas e tão diferentes respostas, que acabará por concluir que se trata de alguma coisa próxima do indefinível. Mais do que isso: vai se perguntar como é que as pessoas conseguem entender quando falam de gramática, já que cada uma considera um objeto tão diferente. Nem sempre a ambigüidade do termo ‘gramática’ é evitável e, por esta razão, achei conveniente abrir este manual com a apresentação dos objetos que são representáveis através da mesma palavra: GRAMÁTICA. São basicamente cinco as possibilidades de emprego desse. Vou apresentá-las comentando algumas das definições mais comuns entre diferentes autores que representam, respectivamente, diferentes linhas de abordagem da questão gramatical. A primeira e mais concreta das definições de ‘gramática’ é a que a tomo como ‘livro onde se expõem as regras da linguagem,’ (FERREIRA, 1986: 862). Todos nós temos esta interpretação de gramática internalizada no léxico e a manifestamos através de sentenças como ‘comprei uma gramática nova’ ou ‘preciso encapar esta gramática, porque ela está toda despencada’. Nem todo livro que trata de fatos da língua ou de sua descrição é chamado de gramática. Este livro, por exemplo, trata destes assuntos, mas nem eu nem ninguém mais o chamaria de gramática, porque ele não apresenta certas características específicas. É muito vaga a consciência que temos acerca destas características. Talvez, o próprio Aurélio Buarque de Holanda Ferreira nos esclareça estas características em uma segunda definição, que diz: ‘estudo ou tratado dos fatos da linguagem falada e escrita, e das leis naturais que regulam’ (FERREIRA, Id: Ibd). Esta definição já introduz um argumento novo à gramática: a noção de que se refere a um tipo de estudo ou ciência. A gramática enquanto ciência tem duas leituras possíveis, que não devem se confundir. A primeira delas foi predominante durante séculos e, ainda hoje, pode ser encontrada na fala de muitos professores. Enéas de Barros assim a resume: ‘considerados os seus étimos, gramática é a ciência da escrita que abrange, com suas regras, todos os que usam as letras para ler e escrever’ (BARROS, 1985: 24). Esta definição coloca em evidência o caráter prescritivo, dominante nas gramáticas destinadas ao ensino. Outra concepção da gramática enquanto ciência deriva de Saussure, já no início deste século. Para Saussure, a gramática tinha uma abrangência muito maior do que a que seus seguidores lhe concederam a partir de então. A definição apresentada por ele é muito simples: ‘estudo de uma língua examinada como sistema de expressão’, (SAUSSURE, 1922: 156). A esta definição, que já não mais trata de ‘língua escrita’ e ‘regras normativas’, seguiram-se muitas outras. A maioria delas, porém, deixa de enfatizar a relação entre realizado e a análise da língua como ‘sistema de expressão’. Vejamos algumas: I- ‘Estudo de uma língua, em particular das estruturas morfológicas e sintáticas’ (DUBOIS, 1980: 581). II- ‘... é o estudo dos morfemas, ou morfologia, e dos processos de estruturação do sintagma’ (CÂMARA JR., 1977: 130). III- ‘Gramática é... o estudo das estruturas lingüísticas em plano sincrônico’ (AZEVEDO F., 1975: 16). Nestas três definições a gramática assume que seu objetivo são fatos gramaticais da língua (morfológico e sintáticos), distanciando-se assim da amplitude designada por Saussure quando fala de ‘sistema de expressão’. Verifica-se em (III), acima, uma proposição derivada de Saussure, acerca da impossibilidade conceitual de existirem gramáticas históricas ipso facto. Estudos diacrônicos são leitura de diversos estágios sincrônicos de uma mesma língua. Portanto, estas gramáticas são, na realidade, compostas por comparações de diversas gramáticas da língua, cada qual relacionada a um determinado estágio de seu desenvolvimento. Seguem-se estas definições que apresentam a gramática como um tipo de estudo, outras definições que a tornam como um objeto em si mesmo. Nestas concepções a gramática ganha vida própria e autônoma do lingüista que a analisa, constituindo, assim, um objeto de investigação e não o produto dela. Exemplo disto é a definição de Francisco Borba: ‘em sentido amplo, sistema finito de regras que determina uma língua, isto é, conjunto de princípios responsáveis pela sua organização’ (BORBA, 1976: 56). Proponho, então, que um quarto tipo de definição de gramática seja aquele em que se admitam duas das definições mais comuns e sujeitas à ambigüidade. É o que se vê em ‘usamos o termo gramática com uma ambigüidade sistemática. De um lado, o termo se refere à teoria explícita construída pelo lingüista e proposta como uma descrição da competência do falante. Do outro lado, usamos o termo para referir à própria competência’ (CHOMSKY et HALLE, 1968:03).” 15 16 Desta feita, esta unidade pretendeu acabar com o mito de que a gramática não deve ser ensinada, muito pelo contrário, a gramática deve ser ensinada, o que não se pode é achar que o domínio de uma regra gramatical vá determinar o domínio de uma língua, ou seja, domínio da capacidade de se comunicar eficientemente em sociedade. Exercícios 1 - Defina o que é gramática natural. 2 - Defina o que é gramática teorética. 3 - Distinga, em poucas palavras, a gramática descritiva da gramática normativa. 4 - O que fazer com um aluno que chega à sala de aula cometendo vários erros de ortografia, de concordância, de vocabulário? A partir do que foi exposto nesta unidade, devemos entender que esse aluno fala errado, que esse aluno precisa aprender a falar corretamente ou que sugestão você daria como professor de língua portuguesa? Atividade Complementar Fazer uma pesquisa na Internet ou em bibliotecas e escolher um dos livros sugeridos a seguir. Escolhida a obra, fazer fichamento. Sugestões bibliográficas para o fichamento: SENNA, Luís A. G. Pequeno manual de lingüística geral e aplicada. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1991. ROBINS, R. H. Pequena história da lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Princípios de lingüística geral. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1973. COSERIU, Eugênio. Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. Ou quaisquer obras que versem sobre a “história da lingüística” ou “a evolução do pensamento lingüístico.” UNIDADE II 17 LINGÜÍSTICA 2.1 – Conceituação Pode-se defini-la como: • Ciência da linguagem verbal que tem no lingüista aquele que se dedica a esse estudo. Podemos dizer que a lingüística é uma ciência nova que data do século XX, mais precisamente com o surgimento dos estudos de Ferdinand Saussure. Foi nesse período que a lingüística passou a ser reconhecida como uma ciência, principalmente a partir da obra Curso da Lingüística Geral que data do ano de 1916. Diz-se que essa obra foi, na verdade, resultado de uma série de anotações dos alunos de Ferdinand Saussure, conforme Pimenta-Bueno (2004:113), “o Cours de Linguistic Générale não foi escrito de próprio punho, mas sim por três ex-alunos seus: Albert Riedlinge (1870-1946), Albert Sechehaye (1865-1947) e Charles Bally (1865-1947).” Há uma discussão a respeito dessa afirmação, vários estudos têm sido feitos e há algumas contestações. Certos estudiosos concordam, outros não, mas independente da autoria em si, a motivação veio de Ferdinand Saussure, e isso não se discute. O que se discute, às vezes, é: até que ponto Saussure participou ou não de tudo o que está escrito no Curso de Lingüística Geral. Todavia isso realmente não tem muita importância para nossos estudos, pois o que importa é o valor científico de tudo que se gerou a partir dele, “nas palavras de Lepschy (1998:01) foi talvez o texto mais influente em lingüística, pelo menos até a publicação da obra de Chomsky (1967)” ( PIMENTA-BUENO, 2004:119). Assim, estabeleceu-se a lingüística como ciência, mas, conforme veremos na unidade III, os estudos lingüísticos já aconteciam há muito tempo, bem anterior à sua consagração como ciência. 2.2 – Lingüística e Outras Áreas de Estudo Sobre Linguagem De fato, a lingüística, logo após seu estabelecimento como ciência, começou a alçar vôos a partir de vários estudos que foram feitos desde então. No começo, seja por uma frente européia, seja por uma frente americana, os estudos lingüísticos foram seguindo até o ponto em que chegamos hoje, passando pelo préestruturalismo saussureano ou Escola Estrutural Norte-Americana de Bloomfield (1933), ou pelo Círculo Lingüístico de Praga (CLP), ou pela teoria gerativa de Chomsky, e por tantos outros estudos importantes, inclusive os mais recentes sobre o funcionalismo, demonstrando o tamanho e da importância dessa ciência tão nova. Vemos a lingüística se estabelecendo como um estudo extremamente importante, acessível, interessante e utilizado por outras ciências, como a psicolingüística, a neurolingüística, a p r ó p r i a so c i o l i n g ü í s t i c a e a so c i o l o g i a d a linguagem. Estas duas últimas perpassam pela concepção da língua em uso, da linguagem em sociedade. E tantas outras que já vêm trabalhando com os conceitos da lingüística ou dos estudos lingüísticos para a formulação das teorias de outras ciências num processo que a Pedagogia chama de interdisciplinaridade. A pesquisa lingüística é feita por muitos especialistas que, geralmente, não concordam harmoniosamente sobre o seu conteúdo. Russ Rymer disse, ironicamente, que: A lingüística é a parte do conhecimento mais fortemente debatida no mundo acadêmico. Ela está encharcada com o sangue de poetas, teólogos, filósofos, filólogos, psicólogos, biólogos e neurologistas além de também ter um pouco de sangue proveniente de gramáticos (RYMER, apud FAUCONNIER & TURNER, 2002: 353). Podemos afirmar com tranqüilidade que a lingüística tem papel preponderante numa série de estudos que ocorrem hoje sobre língua/linguagem. Por exemplo, as pesquisas lingüísticas que vão desde o próprio estudo da forma, da palavra, do sentido e vão até as relações sociais através dos aspectos da conversação, do discurso; das questões com texto escrito e falado. Em suma, a lingüística hoje é um espaço aberto para vários estudos sobre a linguagem, seja a partir de nossa língua ou a de quaisquer nações do mundo. 18 Na atualidade, um profissional das Letras não pode, em hipótese alguma, desconsiderar a importância da lingüística para suas pesquisas e sua formação profissional. Exercícios Responda às questões a seguir: 1 - Quem foi Ferdinand Saussure? 2 - Defina o que é lingüística. 3 - Cite duas ciências que estejam relacionadas à lingüística. 4 - Em sua opinião, qual a importância da lingüística para o professor de língua portuguesa? Atividade Complementar Faça a leitura do livro Curso da Lingüística Geral, de Ferdinand Saussure, com o objetivo de começar a entender os estudos lingüísticos a partir desse autor. UNIDADE III 19 HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA A partir de todas as discussões que já foram feitas até aqui, vamos mais pontualmente tratar da História da Lingüística propriamente dita, ou seja, vamos ver desde o surgimento das primeiras análises e pesquisas sobre o estudo da língua até o que há de mais moderno. Convém salientar, entretanto, que nossa perspectiva é panorâmica, vamos apenas apontar os caminhos para que, posteriormente, você possa aprofundarse no estudo. 3.1 – A Tese Religiosa Vale dizer que um dos pontos mais interessantes desse estudo é entender que a lingüística (os estudos lingüísticos) se sustentou, inicialmente, pelo que chamamos de Tese Religiosa I. Embora essa concepção tenha sua origem na antiguidade, ainda se vê hoje algumas conotações religiosas impregnando certas culturas, no que se refere à língua/linguagem. Por exemplo, quando se fala de Bíblia Sagrada, diz-se que é a palavra de Deus, ou seja, a concepção de que a língua está associada ao divino1 ou a algo supremo maior de que o próprio homem não foi totalmente perdida. Desde o mito até as mais elaboradas especulações filosóficas, levantou-se, sempre, o problema da origem da língua (...). As crenças e as religiões atribuem essa origem a uma força divina, aos animais e a seres fantásticos que o homem teria imitado (KRISTEVA,1969:61). Vejamos especificamente a Tese Religiosa no que consideramos interessante: esse é o período em que o domínio de uma determinada língua, a capacidade de se conhecer a língua, dava àquele que tinha esse domínio uma espécie de pureza, uma espécie de capacidade superior aos outros, e isso desde os Hindus. Os indianos, muito tempo antes de Cristo, tentavam explicar o funcionamento da sua língua – o sânscrito. Os Vedas (os quatro textos em sânscrito que formam a base do extenso sistema de escrituras sagradas do hinduísmo, que representam a mais antiga literatura de qualquer língua indo-européia) e os Bramanas (compreendem tratados que se reportam ao sacrifício e justificam-lhe as complicadas minúcias, quer pela etimologia, quer por lendas sobre os deuses. Devem ter sido compostos entre os anos 800 e 600 antes da era cristã) são textos que confirmam como os estudos lingüísticos são antigos. Toda a cultura era repassada oralmente de geração em geração através dos sacerdotes, os quais detinham o domínio sobre tais escrituras sagradas. Todavia, com o passar dos anos, 1 por uma questão inerente à modalidade oral, alguns sons vocais foram perdidos, o que representava um problema, pois os religiosos acreditavam que a utilização incorreta dos sons poderia provocar a insatisfação dos deuses e toda a cerimônia seria invalidada. Em conseqüência, os sacerdotes, por uma motivação totalmente religiosa, começaram a estudar os sons vocais e as formas do sânscrito, objetivando reconstruir a língua desde os tempos mais remotos. Esse procedimento de tentar remontar um determinado dialeto ou língua, seguindo um percurso através do tempo, historicamente, já denunciava um procedimento de pesquisa lingüística que se faz atualmente. Veja o que diz Maurice Leroy (1971: 17): Os Hindus Foi por motivos religiosos que os antigos hindus foram inicialmente levados a estudar sua língua. Importava, com efeito, que os textos sagrados, reunidos no Veda, não sofressem alteração alguma no momento de serem cantados ou recitados durante os sacrifícios, de onde o esforço feito para conserválos na sua pureza primitiva. Depois, os gramáticos hindus – dos quais célebre é Pãnini (cerca do século IV a.C.) – dedicaram-se ao estudo do valor e do emprego das palavras e fizeram de sua língua, com precisão e minúcia admiráveis, descrições fonéticas e gramaticais que são modelares no gêneros; por muito tempo esquecidas, foram elas descobertas pelos sábios ocidentais nos fins do século XVIII e constituíram o ponto de partida indispensável à criação da gramática comparada. É interessante conceber esse aspecto porque muito tempo se passou e muitos ainda hoje consideram a língua algo que vem de Deus. Ninguém pretende aqui estabelecer uma discussão religiosa a respeito de nossas crenças sobre a origem da língua, todavia para uma ciência esta perspectiva seria insustentável. 20 Mas eram estudos puramente estáticos, relativos apenas ao sânscrito, efetuados, ademais, por homens totalmente desprovidos de senso histórico, de acordo com o gênero próprio da Índia, pelo que se limitavam a classificar os fatos sem procurar-lhes a explicação. 3.2 - Período Helênico, Período Helenístico, a Idade Média e o Renascimento Ao longo de todo o percurso dos estudos lingüísticos, passando pelos gregos, pela Idade Média, vemos que, por vezes, os estudos vão transitar pelo mote filosófico ou mesmo religioso. Entretanto, na Idade Média, conseguimos perceber uma concepção mais próxima da pesquisa lingüística que temos hoje. Não desconsideramos, é claro, que todo estudo, inclusive o do período da Tese Religiosa, é importante para que possamos entender a evolução do pensamento lingüístico. Assim, prosseguindo com a nossa visão panorâmica sobre os estudos lingüísticos, abordaremos o período dos estudos realizados pelos gregos. Esse período pode ser dividido em duas fases: o período helênico e o helenístico. “Esses dois períodos são, respectivamente, associados ao apogeu e ao declínio da civilização grega” (SENNA, 1991: 16). Podemos dizer que se avançou pouco no que diz respeito às línguas não gregas, tidas por eles como bárbaras, sem importância. Isso fez com que os estudos lingüísticos desse período se concentrassem especialmente na língua grega. Dessa forma, o período helênico caracteriza-se por privilegiar a questão da significação no interior da linguagem: o que é significativo na linguagem e como a significação se dá. Veja o que diz Maurice Leroy (1971:18) sobre os estudos lingüísticos a partir dos gregos: Os gregos não deixaram de sua língua nenhuma descrição comparável à dos Hindus e, por outro lado, pode parecer estranho que este povo tão amante da História, tão apreciador de anedotas, não nos tenha quase legado informações válidas sobre os falares das populações com as quais esteve em contato; Heródoto, que nos transmitiu tantos pormenores preciosos sobre os numerosos países por onde viajou, não achou necessário fornecer a mínima observação acerca da língua de seus habitantes. E, entretanto, grande número de gregos – marinheiros, colonos, soldados – tiveram de aprender línguas estrangeiras, mas os conhecimentos transmitidos pelos intérpretes se perderam: sobreviveram apenas algumas mesquinhas indicações, recolhidas sem ordem nem método, por um outro lado escoliasta ou lexicógrafo. É que, na realidade, os helenos, imbuídos de suas tradições e convencidos, não sem razão, de sua superioridade intelectual, consideravam com desprezo essas línguas estrangeiras, que só consistiam em estudar por motivos práticos; o termo “bárbaro” – palavra imitativa que designava, originalmente, o pipilar dos pássaros –, que aplicavam indistintamente a toda língua estrangeira, por que lhes era tão inelegível quanto o gorjeio dos alados, adquiriu rapidamente, entre os gregos, valor pejorativo; a antítese heleno/bárbaro, que se tornou uma das constantes do pensamento grego, fez passar despercebidas as semelhanças evidentes que certos idiomas vizinhos apresentavam com o grego, e o exército de Alexandre Magno voltou das fronteiras da Índia sem trazer consigo a revelação do sânscrito. Vale ressaltar a importância de Aristóteles, pois suas pesquisas dariam margem a reflexões sobre a linguagem, na direção da constituição da gramática. Durante muito tempo se concebeu que a linguagem ou a língua grega era uma marca de poder, uma marca de identidade2, o que hoje não é muito diferente, mas naquela época isso era levado às últimas conseqüências. Qualquer realização da língua grega que representasse uma variação era tida como deformação, principalmente no período helenístico. Para o grego, no período helenístico, que é o período mais expressivo para representar esse momento histórico, em que a língua grega deveria ser perfeita, correta, de acordo com os cânones da Grécia, podemos afirmar que a noção de correto é tão forte que qualquer uso diferente, qualquer variação, qualquer mudança era tida como defeito, como algo que deveria ser expurgado, expelido do convívio social. 2 Um país que respeita a língua e entende que ela é marca da sua identidade constrói uma cultura muito mais forte. Por isso, talvez no nosso país a língua portuguesa, cada vez menos prestigiada, demonstre o valor e a importância da identidade do nosso país. Se observarmos os norte-americanos, veremos que o inglês é uma língua respeitada e talvez seja isso esteja faltando para o nosso povo. Não é por acaso que a dificuldade com a língua portuguesa tem sido para nós algo crônico, algo que está sempre presente nas nossas aulas, sejam elas para alunos de Letras, para alunos da área da saúde, para área de ciências sociais, etc. Essa característica, que a nossa gramática normativa herdou, ainda hoje pode ser verificada, pois o que é correto sempre é aquilo que está previsto nos cânones, desvalorizando o aspecto da variação, que é com certeza a forma mais produtiva de observar a língua e suas mudanças. No que diz respeito à Idade Média e ao Renascimento, Pimenta–Bueno (2004) resume de forma bastante eficiente o que de mais urgente precisamos saber sobre esses dois momentos, no que diz respeito aos estudos lingüísticos: Ao longo da Idade Média, os estudos lingüísticos continuam a ser realizados sob a dominância das concepções da Antigüidade Clássica. A influência do alexandrino Dionysius da Trácia e do quadro gramatical por ele elaborado perdura nos estudos acerca da linguagem, não apenas por toda a Idade Média, mas também durante a Renascença (séculos XIV a XVI) e até mesmo depois desta. Contudo, a influência de Dionysius da Trácia se faz sentir não diretamente, mas sim por meio das gramáticas didáticas elaboradas pelos latinos Donatus e Priscianus, que retomaram os estudos de Dionysius da Trácia como modelo. As gramáticas elaboradas na Idade Média, via de regra, seguiram as gramáticas de Donatus e Priscianus, embora tenha havido, na época, a elaboração de gramáticas simplificadas, especificamente destinadas a facilitar o aprendizado do latim por parte de principiantes. Ainda em Pimenta–Bueno: Os estudos lingüísticos realizados na Renascença eram nitidamente subsidiários ao propósito pragmático maior que se tinha, na época, de tornar a literatura clássica acessível, o que, novamente, dava um cunho utilitarista, didático às gramáticas então elaboradas. Seu objetivo era o de facilitar o aprendizado do latim clássico, de modo a possibilitar o acesso à leitura clássica. Sob esse aspecto, então, vemos repetir-se, aí, o que já havia dado com o grego na fase alexandrina dos estudos lingüísticos: a elaboração da gramática do latim não visava tanto o conhecimento científico da estrutura dessa língua, mas sim a facilitação de seu aprendizado, como uma segunda língua, de modo a possibilitar o acesso à literatura clássica a nãofalantes nativos do latim (na Idade Média), como ocorrera antes com o grego (na época helênica). Contudo, há uma novidade marcante nos estudos lingüísticos empreendidos na Renascença: o interesse e o nacionalismo emergente, decorrente da recente formação dos estados monárquicos de cunho nacional e, ainda, entre tal interesse e o deslocamento das pretensões imperiais das elites dominantes européias para o âmbito das colônias recém-descobertas, sobretudo no novo mundo, com sua riqueza lingüística própria (...). No que tange ao português, a primeira gramática publicada foi a de Fernão de Oliveira, entitulada Gramática de Linguagem Portuguesa (1536). Logo após, publicou-se a gramática de João de Barros (1540) (IBIDEM: passim 52 - 54). Ao longo de toda a Idade Média, o latim clássico, mesmo sendo uma língua estrangeira, a ser aprendida como segunda língua na escola, era a língua do ensino, da erudição, além de ser a língua das relações diplomáticas e a língua usada pela Igreja em suas atividades, no que concerne à Europa Ocidental. Já na Europa Oriental, a influência da língua grega era absolutamente dominante. Com efeito, o fervor religioso estimulado pela Reforma Protestante provoca a tradução de livros sagrados para vários dialetos, aliás, deve-se salientar a própria impulsão nos estudos sobre a língua, provocada pela invenção da imprensa e seu desenvolvimento. Por conta disso, os estudos lingüísticos começam a transcender o limite do latim, tendo fim o período de desvalorização das chamadas línguas bárbaras. O contato travado pelo cristianismo com povos de línguas bárbaras não conduziu a um interesse pelo estudo destas, visto que os evangelizadores as encarnavam como meros instrumentos de propaganda, e não como objetos dignos de estudo. (PIMENTA-BUENO, 2004: 45 - 46). O surgimento de gramáticas em outras línguas foi decisivo para os estudos lingüísticos. Agora, temos uma noção da importância dos estudos lingüísticos realizados na Idade Média e no Renascimento. Exercícios 1- Explique a Tese Religiosa. 2 - Em que podemos aproximar o período helenístico de algumas concepções que se tem de gramática normativa atualmente? 21 22 3 - Quem elaborou o quadro gramatical que perdura nos estudos acerca da linguagem, não apenas por toda a Idade Média, mas também, durante a Renascença (séculos XIV a XVI) e até mesmo depois desta? 4 - Há uma ampliação de abrangência dos estudos lingüísticos na Renascença. Explique essa afirmação. 5 - Cite a primeira gramática da língua portuguesa, seu autor e o ano da publicação. Atividade Complementar Construa um texto que resuma toda a unidade III. 23 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! 24 Glossário Escoliasta: s.m. e s.f. Comentarista e exegeta de textos antigos. Exegeta: pessoa que se dedica a exegese. Exegese: s.f. Interpretação, explicação ou comentário (gramatical, histórico, jurídico etc.) de textos, principalmente da Bíblia. Grego: A língua grega (em grego ) deriva do ramo indo-europeu e conta com mais de três mil anos de história documentada. Hindu: Que provém da Índia. A forma Hindustão (ou Indostão) deriva do vocábulo persa para “Terra dos hindus”, embora alguns apliquem esse termo apenas ao norte da Índia. Indo-européia: uma ampla família lingüística que engloba a maior parte das línguas européias antigas e atuais. Tem esse nome porque corresponde à região geográfica que se estende da Europa e Irão até a Índia setentrional. São cerca de 450 línguas, faladas na Europa e nos países colonizados pelos europeus, na Índia e em algumas outras partes da Ásia. A sua grande expansão resulta em grande parte (mas não maioritariamente) dos empreeendimentos coloniais europeus a partir do século XV. As línguas pertencentes a essa superfamília mostram semelhanças significativas no vocabulário, na flexão e na gramática. Julia Kristeva: nasceu na Bulgária e mora na capital francesa desde 1966. Psicanalista, professora de lingüística na Universidade de Paris e autora de livros de sucesso no mundo acadêmico, é uma das mais respeitadas intelectuais da atualidade. Seu pensamento combina várias disciplinas: filosofia, semiologia, teoria literária e psicologia. Neurolingüística: é a ciência que estuda a elaboração cerebral da linguagem. Ocupa-se com o estudo dos mecanismos do cérebro humano que suportam a compreensão, produção e conhecimento abstrato da língua, seja ela falada, escrita, ou assinalada. Trata tanto da elaboração da linguagem normal, como dos distúrbios clínicos que geram suas alterações. Psicolingüística: estudo das conexões entre a linguagem e a mente. Gabarito Unidade I 1 - Conjunto de regras inerentes ao falante de uma determinada língua, que o possibilita comunicar-se sem necessariamente dominar o conjunto de regras previstas na gramática normativa. 2 - A gramática teorética é exatamente o que próprio nome diz, é uma gramática teórica, ou seja, é uma tentativa de entender o que seria a gramática natural. 3 - A gramática descritiva demonstra ou apresenta a língua como ela é, enquanto a gramática normativa, também chamada de prescritiva, diz como a língua deveria ser. 4 - Questão subjetiva. Pontos imprescindíveis a serem considerados na resposta: 1- O fato de que o aluno deve ser respeitado, independente das diferenças dialetais, regionais, em termos de uso da língua. 2- Quanto aos supostos erros de ordem gramatical, devemos explicar ao aluno que sua deficiência deve ser corrigida por questões de ascensão social, ou seja, o registro padrão é aceito socialmente como o mais importante por questões profissionais, inclusive, precisamos ter conhecimento da gramática e de suas regras. 3- A questão de ser um poliglota em sua própria língua, reconhecendo que nem sempre o pleno domínio das regras gramaticais resolve nossas necessidades lingüísticas e sociais. Unidade II 1 - Ferdinand Saussure, considerado um dos mais importantes nomes da lingüística, foi o motivador da obra Curso da Lingüística Geral, 1916, quando a lingüística passou a ser reconhecida como uma ciência, a partir principalmente dessa obra. 2 - É a ciência da linguagem. 3 - Neurolingüística e psicolingüística. 4 - Subjetiva. Pontos que não podem deixar de ser considerados na resposta: 1- A questão do reconhecimento da língua como ela realmente é. 2- O fato de o professor ter de ser antes de tudo um pesquisador de sua própria língua. 3- A lingüística pode auxiliar em várias questões que urgem na sala de aula (escrita, fala, o social, etc.). Unidade III 1 - Os indianos tentavam explicar o funcionamento da sua língua – o sânscrito – analisando os Vedas e o os Bramanas. Toda essa cultura era repassada oralmente de geração em geração através dos sacerdotes que detinham o domínio sobre tais escrituras sagradas. Todavia, por uma questão inerente à modalidade oral, com o passar dos anos, alguns sons vocais foram perdidos, o que representava um problema, pois os religiosos acreditavam que a utilização incorreta dos sons poderia provocar a insatisfação dos deuses e toda a cerimônia seria invalidada. Em conseqüência, os sacerdotes, por uma motivação totalmente religiosa, começaram a estudar os sons vocais e das formas do sânscrito, objetivando reconstruir a língua desde os tempos mais remotos. 2 - Para o grego, no período helenístico, que é o período mais expressivo para representar esse momento histórico, em que a língua grega deveria ser perfeita, correta, de acordo com os cânones da Grécia, podemos afirmar que a noção de correto é tão forte que qualquer uso diferente, qualquer variação, qualquer mudança era tida como defeito, como algo que deveria ser expurgado, expelido do convívio social. Essa característica que a nossa gramática normativa herdou, ainda hoje pode ser verificada, pois o que é correto sempre é aquilo que está 25 26 previsto nos cânones, desvalorizando o aspecto da variação, que é com certeza a forma mais produtiva de observar a língua e suas mudanças. 3 - Dionísio da Tracia (Dionysius da Trácia). 4 - O fervor religioso estimulado pela Reforma Protestante provoca a tradução de livros sagrados para vários dialetos, aliás, deve-se salientar a própria impulsão nos estudos sobre a língua, provocada pela invenção da imprensa e seu desenvolvimento. Por conta disso, os estudos lingüísticos começam a transcender o limite do latim, tendo fim o período de desvalorização das chamadas línguas bárbaras. O que trouxe uma conseqüência decisiva para os estudos lingüísticos foi o surgimento de gramáticas em outras línguas. 5 - A primeira gramática publicada foi a de Fernão de Oliveira, entitulada Gramática de Linguagem Portuguesa (1536). Logo após, publicou-se a gramática de João de Barros (1540). Referências Bibliográficas BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. _____. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1999. CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Princípios de lingüística geral. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1973. _____. Estrutura da Língua Portuguesa. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1976. COSERIU, Eugênio. Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística: objetivos teóricos. São Paulo: Contexto, 2005. GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. 23 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1975. LEROY, Maurice. As grandes correntes da lingüística moderna. São Paulo: Cultrix, 1971. KRISTEVA, Julia. História da Linguagem. Coleção signos. Lisboa: Edições 70, 1969. PIMENTA-BUENO, Mariza do Nascimento Silva. 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