ARTES Zé Menezes - 80 anos de música, com muita disposição.

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ARTES
Zé Menezes - 80 anos de música, com muita disposição.
Daniela Spielmann∗
José Menezes de França é um dos grandes músicos da história da nossa MPB e vem atuando
bastante até agora, aos oitenta e nove anos. Zé é multi-instrumentista: toca violão de seis e sete
cordas, violão tenor, bandolim, banjo, cavaquinho, viola de dez cordas, guitarra amplificada,
guitarra portuguesa e contrabaixo; além de virtuose em seus instrumentos é um grande compositor e
arranjador. Tocou aos oito anos para o Padre Cícero, que o abençoou, no Ceará; atuou em dupla com
o virtuose do violão Garoto durante o período áureo da Rádio Nacional. Integrou o sexteto de
Radamés Gnattali. Foi o primeiro violonista a tocar e gravar a “Introdução aos Choros” de Heitor
Villa-Lobos na década de 50. Conviveu com praticamente todos os cantores da Mpb em palcos ou
em estúdios gravando, de Orlando Silva à Roberto Carlos, os grandes sucessos de quase toda a
Música Popular Brasileira. Foi arranjador da Rede Globo por trinta anos e lá compôs a música de
abertura do programa Os Trapalhões que tornou-se sucesso imediato e até hoje está no ar. Zé
Menezes
está
presente
em
várias
gerações
e
estilos
da
MPB.
Neste ano de 2010 foi lançada a Box Zé Menezes/Autoral, pelo Projeto Petrobrás Apresenta,
com três Cds contendo grande parte de sua obra e um Cd room com seu acervo digitalizado:
partituras, grades de orquestra, biografia, vídeos, fotos, além da criação do site
www.zemenezes.com.br
O início
Zé Menezes nasceu na pequena cidade cearense de Jardim, dia seis de setembro de 1921.
Aos seis anos já tocava requinta (instrumento de sopro da família do clarinete muito utilizado em
bandas), logo passando para o cavaquinho, incentivado por um primo que também tocava o
instrumento. Era um menino prodígio e tinha muita facilidade para música, foi aprendendo “de
ouvido” os tangos e maxixes nos saraus na cidade e na banda que participou. Os comerciantes de
Jardim se cotizaram e compraram seu primeiro cavaquinho por vinte cinco mil réis.
Mestre em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO. Saxofonistas, membro da banda "Altas Horas"; integrante
do grupo Rabo de Lagartixa e participante do duo Spielmann Zagury, Farra dos brinquedos, Mulheres em Pixinguinha
entre outros. Mestre em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO.
∗
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O encontro do pequeno Zé com o Padre Cícero se deu assim:
A minha mãe fez promessa para o Padre Cícero para poder ter um parto feliz. Quando eu
tinha quatro anos de idade e morando em Jardim, há uns trinta quilômetros da onde morava
o Padre Cícero, vi uma imagem dele num buraco de andaime, em uma obra perto da minha
casa. Nesta época havia em Juazeiro a fama do Padre ser santo. Eu corri para minha mãe
dizendo que eu tinha visto o Padre Cícero, e ela resolveu me levar para Juazeiro para
encontrar o Padre. (entrevista concedida por Menezes à autora em dezembro de 2010).
Alguns anos depois a família foi para Juazeiro e Zé tocou para ele um choro que compôs aos
oito anos entitulado Meus oito anos e gravado no Cd Nova Bossa, “(...) e ele então colocou a mão na
minha cabeça e disse meu filho você vai ser um grande músico”.
Menezes nos conta que estudou apenas seis meses de teoria musical – divisão e solfejo- na
banda de música e o que o motivou foi a necessidade de aprender. Aos onze anos de idade já era
membro da Banda Municipal de Juazeiro. Aos catorze passou uma temporada em Fortaleza e tocou
em cinemas mudos e em bailes na cidade. Alguns anos depois, em outra temporada em Fortaleza,
passou a atuar como violonista na Ceará Rádio Club e criou um regional, que atuou nessa
importante emissora cearense durante quatro anos. Segundo Zé ele ia aprendendo arranjo, através da
análise dos arranjos americanos que tocavam nos bailes: “a gente pegava as grades de arranjos
americanos e saia tocando, tínhamos que nos adaptar aos instrumentos que tínhamos (...) e eu ia
perguntando tudo a todos , por exemplo ao Mozart Brandão que sabia mais que eu, e me explicou o
que era cifra”. (entrevista concedida por Menezes à autora em dezembro de 2010).
Foi na rádio PR9 que Menezes conheceu Cezar Ladeira, um dos mais importantes radialistas
do Rio de Janeiro, que visitava em turnê artística o Ceará e o trouxe para Rio de Janeiro aos 22 anos
para substituir Garoto, quando necessário, na rádio Mayrinck Veiga.
Chegando ao Rio de Janeiro
Em 1943 Menezes chegou à cidade maravilhosa e foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga,
passando a dirigir dois programas semanais tocando vários instrumentos. Em 1947 foi contratado
pela Rádio Nacional, passou a atuar ao lado de Garoto no programa “Nada além de dois minutos”.
Nesta época teve que estudar muito para aprender a ler de primeira vista assim como o Garoto (para
o violão esta prática não é fácil pela variada gama possibilidades de digitações). Ainda na Rádio
Nacional, a maior emissora da América Latina naquele final dos anos 1940, era solista e participava
de todas as formações de orquestras, acompanhando grandes artistas da época. Menezes era e é
muito exigente com sua rotina de estudos. “Se você não estuda um dia, você sente, se não estuda
uma semana, o público sente” (entrevista concedida por Menezes à autora em dezembro de 2010).
Em 1948 teve a sua primeira composição gravada, o samba Nova ilusão, parceria com Luiz
Bittencourt que foi lançado pelo grupo Os Cariocas, na gravadora Continental. Esse samba tem
mais de trinta gravações e dentre seus intérpretes estão: Billy Eckstine, João Gilberto, Dick Farney,
Alaíde Costa, Radamés Gnatalli, Luiz Eça, Emílio Santiago, Ademilde Fonseca, Tom Jobim e
atualmente ganhou uma versão belíssima da cantora Joyce que foi trilha da novela Viver a Vida
(Rede Globo, 2010).
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Na década de 1950 obteve
um farto reconhecimento crítico
nas
gravações
como
instrumentista, chegando a ter alto
número de vendagem de discos.
Gravou em solo ao violão tenor,
os choros Comigo é assim e
Seresteiro. Este instrumento que
hoje é pouco tocado é uma
especialidade de Zé Menezes e o
instrumento
que
ele
toca
atualmente o acompanha desde
1931. Gravou várias composições
de sucesso com seu parceiro Luiz
Bittencourt (letrista).
Em 1954, lançou pela
gravadora Sinter seu primeiro o
LP de carreira A voz do violão.
Nova
Bossa
Trinta anos com Radamés Gnatalli
Em pleno auge da Rádio Nacional, conheceu o maestro Radamés Gnattali e logo passou a
integrar o Quarteto Continental, arregimentado por Radamés com os melhores músicos da
emissora e formado por ele, Radamés Gnattali, Luciano Perrone e Vidal. Posteriormente, o
grupo passou a ser um quinteto com a entrada de Chiquinho do Acordeom. Depois, Aída
Gnattali, irmã de Radamés, também integrou o grupo, criando-se assim o Sexteto Radamés
Gnattali. Com o Sexteto, Zé Menezes pode conhecer o mundo, viajando em 1959 para a
Europa e apresentando-se na BBC de Londres, na sede da Unesco em Paris, no auditório
principal da Universidade da Sorbonne, além de atuar em programas de radio e de televisão
de emissoras na Itália, Portugal e Alemanha. De volta ao Brasil – e como era mesmo de se
esperar – ele foi o primeiro a registrar o concerto de Radamés Gnattali para guitarra elétrica
dedilhada, o “Concerto carioca”, que lhe foi dedicado por Radamés. (ALBIN)
Radamés escreveu dois concertos para Menezes executar e isto aprimorou muito a sua
técnica: “Eu jamais pensava que iria gravar um Concerto na minha vida e ele me obrigou a estudar,
me dando a responsabilidade de ser um solista” (entrevista concedida por Menezes à autora em
dezembro de 2010).
Foi através do convívio com Radamés que ele deu um salto no seu aprendizado de arranjos
musicais.
Você sabe que você lendo e observando as partituras de alguém você vai aprendendo, se
você pegar uma partitura minha, você vai ver o jeito que eu escrevo, como é a maneira que
se colocam os instrumentos em uma grade, há uma sequência certa, e foi observando o
Radamés que eu aprendi.(entrevista concedida por Menezes à autora em dezembro de 2010).
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Mas foi a prática no estúdio de gravação que lhe deu a grande experiência como arranjador,
ele podia muito frequentemente fazer seus arranjos e escutar se ficaram bons ou não. Menezes
sempre valorizou a boa harmonia como fundamental para um bom arranjo além de uma bonita
introdução e final.
Um encontro especial com Villa Lobos
Em 1960 Menezes apresentou-se com a Orquestra da Rádio Nacional, executando a
Introdução da série de Choros, de Villa-Lobos, contando com a presença do compositor e maestro
na plateia.
Certo dia o chefe do arquivo da Rádio Nacional me chamou dizendo que havia uma parte
para tocar do maestro Villa-Lobos, o nome da Música era Abertura ao Choro, bom, eu
imaginava que era um choro, mas, era uma música sinfônica. Eu estudei e fui na casa dele
para mostrar como eu estava tocando a música dele e ele era conhecido como muito
exigente. Lá ele me ajudou muito a encontrar a digitação certa. E eu estudei muito e quando
me apresentei com a Orquestra na Rádio lá estava ele na minha frente. No fim do concerto
ele me abraçou e disse que eu era um grande violonista, pena que na época eu não tinha a
noção da grandeza deste evento (entrevista concedida por Menezes à autora em dezembro
de 2010).
Serenata de Brasília
Artistas da Rádio Nacional como Zé Menezes, Linda e Dircinha Batista, Cauby Peixoto e
Abel Ferreira foram convidados para cerimônia de Lançamento da Pedra Fundamental de Brasília
durante o governo de Juscelino Kubitschek. Menezes compôs a música Uma Noite em Brasília para
esta ocasião.
Os velhinhos transviados
Outro momento importante de sua carreira fonográfica foi o lançamento do primeiro LP da
série Os Velhinhos Transviados, em 1962, gravado com seu próprio conjunto, que tinha exatamente
esse nome. O Grupo gravava sucessos da época em versões instrumentais e o Show tinha esquetes
de humor e crooners convidadas para o baile. O nome do grupo já era uma paródia ao filme
Juventude Transviada. Gravaram algumas composições clássicas como: Nós os carecas, Pierrot
apaixonado, de sucesso como: Quero que tudo vá pro inferno, Mas que nada, e sucessos
internacionais como: Soy louco por ti America e Hully Gullt baby. Gravou no mesmo ano o LP Os
Velhinhos Transviados – Sensacionais, em 1963 os LPs: Os Velhinhos Transviados – Fabulosos e
Os Velhinhos Transviados – Espetaculares e em 1964, o Os Velhinhos Transviados – Bárbaros. No
total com o grupo Os Velhinhos Transviados gravou 13 LPs. Menezes nos conta que as turnês às
vezes eram de 30 shows por capital e ao longo do Brasil todo, ficou dez anos viajando e no fim
cansou.
Rede Globo
Na década de 1970, Menezes começou a trabalhar na TV Tupi e depois integrou a Orquestra
da Rede Globo de Televisão como primeiro guitarrista. Na TV Globo participou dos Grandes
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Musicais e dos festivais de Música. Nesta época havia grandes orquestras na TV e todas as trilhas
das novelas eram feitas para a orquestra.
Menezes compôs o tema de abertura do programa Os trapalhões, até hoje um clássico no seu
extenso repertório.
O diretor Vanucci, que me admirava muito e me conhecia como o primeiro guitarrista da
Orquestra, quis me dar uma oportunidade para fazer o arranjo da trilha de abertura dos
Trapalhões. Ele me pediu uma abertura grandiosa. Eu competi com catorze maestros
inclusive o Radamés, Ivan Paulo, Guio de Moraes entre outros bons (...) (entrevista
concedida por Menezes à autora em dezembro de 2010).
Outros projetos
Em 1993, participou do projeto Viva Garoto–Projeto Memória Brasileira, em homenagem
ao instrumentista Garoto. Dois anos depois, lançou o CD Chorinho in concert, no qual interpretou
músicas próprias. Em 1998, gravou o CD Relendo Garoto, só com músicas do violonista paulista.
Pouco depois, atuou como solista convidado de grandes orquestras, como a Orquestra Sinfônica de
Porto Alegre (OSPA), na abertura do Mercosul. Zé Menezes realizou parcerias com Tom Jobim,
Meira, Baden Powell, Raphael Rabello e Roberto Carlos dentre tantos outros.
Século vinte e um: Zé Menezes-Autoral
Com a chegada do novo
milênio Zé ingressou na faixa
dos 80 com um fôlego que
muitos jovens não têm. É a partir
deste momento que eu, Daniela
Spielmann,
saxofonista
e
flautista, tive a imensa sorte de
cruzar a minha trajetória musical
com a deste mestre maravilhoso.
Foi no ano de 2004 que se deu o
início do projeto Zé Menezes–
Autoral produzido por Luiz
Rocha, que teve a maravilhosa
idéia, e força de vontade para
buscar meios de viabilizar o
projeto, da gravação de três CDs
e um CD-room contendo seu
acervo
digitalizado.
Rocha
conseguiu o Patrocínio
da
Zé Menezes e Daniela Spielmann
Petrobrás e neste
projeto
Menezes aparece como compositor,
como arranjador e como instrumentista.
Luiz Rocha me convidou e participei da gravação desses três Cds, um mais bonito que o
outro, sendo que no Cd Gafieira Carioca, além de tocar no Cd, fui presenteada com um frevo,
“Foram dois frevos compostos em homenagem aos 100 anos de Frevo, Essa é pra Dançar e Dani no
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Frevo, que foram carinhosamente dedicados á Gilberto Gil e Daniela Spielmannn, respectivamente.”
(ALBIN).
Menezes é sempre muito generoso abrindo sempre espaço para que músicos mais novos
aprendam com ele, brincalhão e diz sempre: “... sou bonito, sou rico, moro perto, toco bem, tenho
telefone... porém, tenho um grande defeito, sou muito modesto! (...) Você gosta de tocar? Então
porque não aprende?” E é com este jeito brincalhão e espontâneo que ele segue sua carreira, hoje
aos 89 anos, compondo, fazendo arranjos e shows para divulgar sua obra e dar o exemplo de que a
idade não é limite para que se continue em atividade e produzindo arte.
Discos de carreira
A voz do violão -Sinter – 1954
Ritmos em alta fidelidade - Sinter – 1957
Para ouvir, dançar e amar -Rca victor - 1961
Os velhinhos transviados Rca victor – 1962
Os velhinhos transviados - sensacionais Rca victor - 1962
Os velhinhos transviados - fabulosos Rca victor – 1963
Os velhinhos transviados - espetaculares -Rca victor – 1963
Os velhinhos transviados - bárbaros! -Rca victor – 1964
Os velhinhos transviados na curtisom -Rca victor - 1971
Chorinho in concert - Cid – 1995
Relendo garoto RGE – 1998
Zé Menezes – Autoral – Regional de Choro - 2005
Zé Menezes – Autoral – Gafieira Carioca - 2007
Zé Menezes – Autoral – Nova Bossa - 2010
Box-contendo os três CDs Zé Menezes Autoral e um CD- Rom com acervo digitalizado – partituras,
vídeos, fotos e pequena biografia- 2010.
REFERÊNCIAS
ALBIN, R. C. O Livro de Ouro da MPB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
______. Dicionário Houaiss da Música Popular Brasileira. Instituto Houaiss, Instituto cultural
Ricardo Cravo Albin. Criação e supervisão geral: ALBIN. Rio de Janeiro: Paracatu, 2006.
______. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. http://www.dicionariompb.com.br/
Acessado em: dez/2010.
______. www.Zemenezes.com.br/biografia Acessado em: dez/2010.
CAZES, H. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo: Editora 34, 1997.
TINHORÃO, J. R. Pequena História da Música Popular: da modinha à lambada. São Paulo: Art.
Editora, 1991.
______. Música Popular um tema em debate. São Paulo: Editora 34, 1997
______. Pequena História da Música Popular. Rio de Janeiro: Circulo do livro, 1973.
VASCONCELOS, A. Carinhoso etc. tal, - História e Inventário do Choro. Rio de Janeiro: Gráfica
Ed. do livro, 1984.
Recebido em: 20 de dezembro de 2010.
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