economia solidária, uma abordagem na perspectiva

Propaganda
ECONOMIA SOLIDÁRIA, UMA ABORDAGEM NA PERSPECTIVA BOURDIEUNIANA DOS CONCEITOS DE CAMPO, HABITUS E CAPITAL SIMBÓLICO
GT 4 ­ Tecnologias sociais como práticas de construção de espaços democráticos
Tipo de trabalho 4 ­ Revisão de Literatura.
NASCIMENTO, Fábio Luiz Selvo do1
RESUMO: Este artigo pretende debater economia solidária, dentre uma perspectiva bourdieuniana dos conceitos de campo, habitus e capital simbólico. Para tanto, buscou­se relacionar tais conceitos em Bourdieu, com as práticas de economia solidária. Parte­se assim, de revisão bibliográfica, principalmente do livro “A economia das trocas simbólicas”, onde o autor expõe seus conceitos de forma sistematizada. Também contribuíram para a pesquisa, artigos científicos dentro da temática de Economia Solidária (ES) possibilitando um comparativo teoria e prática, além de cartas e documentos disponíveis no site da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Constatou­se que o campo, é um espaço, onde dominantes e dominados, se relacionam baseados nas desigualdades de suas forças. E essa luta é constante, sendo que as conquistas se fazem por meio de uma intensa disposição em se adotar uma visão estratégica da situação, a qual está vinculada a promover transformações sociais. O que para Bourdieu é o grande desafio, pois a transmissão da cultura é monopolizada pelo Estado, através da escola, que produz indivíduos dotados do sistema de esquemas inconsciente, constituindo assim seu habitus, ou seja, transformando a herança coletiva em inconsciente individual e comum. E neste sentido, o capital simbólico é importante, para legitimar o ganhador.
1
Cientista Social. [email protected]. Instituição: Trilhas Incubadora Social Marista.
INTRODUÇÃO
O artigo apresenta as contribuições do pensamento de Pierre Bourdieu com o propósito de gerar problematizações sobre a inserção da economia solidária em uma economia de mercado. Essas interações tencionam as redes de convivência apresentando campos de força reveladores de compromissos, percepções e saberes. O processo de reconhecimento desse universo social foi viabilizado pela coerência e clareza dos objetivos, uma vez que nortearam o acesso às formas de produção e reprodução do capital simbólico e do capital social. Com a definição das preocupações motivadoras da investigação passou a desenvolver de forma muito interessante um diálogo entre os pressupostos teóricos e os vínculos gerados pelas associações comunitárias. Nesse processo, a tríade campo­capital­habitus revelam os desdobramentos das experiências auto­gestionárias na medida em que suas articulações evidenciam que a funcionalidade absoluta do capitalismo não existe, mas que as relações de força persistem e condicionam os sujeitos integrantes do sistema sócio­cultural. O emprego da metodologia relacional sedimenta esse percurso reflexivo ao mapear posições e oposições, ações e coações, dentro de um feixe de condições específicas de socialização.
Considera­se pertinente o debate sobre a questão pois, na atual conjuntura, a disputa por espaço tanto econômico, como social tem sido acirrada para os agentes do campo da economia solidária, que se vem muitas vezes em posição desigual. Isto porque, as instituições que defendem a economia capitalista têm conseguido gerar ações mais eficazes para sua permanecia e consequente domínio do espaço econômico. O que tem favorecido este agente é o fato de contar, com o habitus, que para Bourdieu, é a posição de regras que estão dadas de forma mais objetivas e as regras subjetivas conforme os agentes interpretam. A base da pesquisa é bibliográfica, pautando­se principalmente no livro, A economia das Trocas Simbólicas, 2005. Também corrobora com a pesquisa, artigos sobre a temática de economia solidária. Optou­se por essa abordagem, pois, como defende Gil, está técnica permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Sendo vantajoso sobretudo quando o problema de pesquisa requer dados dispersos pelo espaço. Além de ser uma excelente maneira de conhecer os fatos históricos passados (GIL, 2012, p. 50). O artigo está dividido da seguinte forma, primeiro procurou­se apresentar os conceitos de campo, hábitos e capital simbólico proposto por Bourdieu, já que a partir destes conceitos é possível entender o lugar que a economia solidária ocupa no espaço do jogo. Em seguida, analisa­se o campo de economia solidaria no Brasil, identificando como se estabelecem as relações entre os participantes, ou seja, como agem, como criam condições para a ação? Além de apresentar o papel das instituições, que através de regras específicas buscam regular os passos destes agentes. Por fim, faz­se as considerações finais, onde se procura apresentar como a economia solidária tem se posicionado neste campo. CAMPO
Para Bourdieu o Campo é um espaço de jogo, em que, fazendo um paralelo com a perspectiva esportiva, ganha aquele que consegue entender, a partir de estratégias bem definidas, quais são as regras do jogo. Campo para Bourdieu: tem suas próprias regras, principio e hierarquias. São definidos a partir dos conflitos e das tensões no que diz respeito à sua própria delimitação e construídos por redes de relações ou de oposições entre os atores sociais que são seus membros. (BOURDIEU, 2005 p. 78)
Assim, a noção que caracteriza a autonomia de certo domínio de concorrência e disputa interna. Serve de instrumento ao método relacional de análise das dominações e práticas específicas de um determinado espaço social. Cada espaço corresponde, assim, a um campo específico – cultural, econômico, educacional, científico, jornalístico, etc. ­ no qual são determinados a posição social dos agentes e onde se revelam, por exemplo, as figuras de “autoridade”, detentoras de maior volume de capital.
CAPITAL
A partir da ideia marxista, Bourdieu (2005) entende por esse termo, todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Então, além do capital econômico, representado por renda, salários, imóveis, também é decisivo para o sociólogo a compreensão de capital cultural, que são os saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos, além do capital social, que são as relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação. Bourdieu (2005) agrupa todas essas características, no que chama de capital simbólico, ou seja, tudo aquilo que é considerado como prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social. Assim, as desigualdades sociais não decorreriam somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo, pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos.
HABITUS
É o sistema aberto de disposições, ações e percepções que os indivíduos adquirem com o tempo em suas experiências sociais, e isso tanto na dimensão material, corpórea, quanto simbólica, cultural, entre outras. O habitus vai, no entanto, além do indivíduo, diz respeito às estruturas relacionais nas quais está inserido, possibilitando a compreensão tanto de sua posição num campo quanto seu conjunto de capitais. Bourdieu pretende assim, superar a antinomia entre objetivismo, no caso, preponderância das estruturas sociais sobre as ações do sujeito, e subjetivismo, isto é, prioridade da ação do sujeito em relação às determinações sociais. Trata­se de uma matriz, determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas.
Bourdieu (2005) trabalha esses conceitos, por exemplo, para identificar como os escritores e artistas disputam espaços; aponta um fato revelador, estes agentes, só conseguem perceber uma porção restrita do horizonte social, isso faz com que não aprendam em sua verdade o ponto de vista de onde são captadas todas as visões em perspectiva do campo intelectual ou político que apresentam ou analisam. O autor defende:
Para que seja possível romper com a problemática tradicional, a condição básica consiste em constituir o campo intelectual (por maior que seja sua autonomia, ele é determinado em sua estrutura e em sua função pela posição que ocupa no interior do campo do poder) como sistema de posições predeterminadas abrangendo, assim como os postos de um mercado de trabalho, classes de agentes providos de propriedades (socialmente constituídas) de um tipo determinado (BOURDIEU, 2005, p. 190).
Dentro da perspectiva bourdieuniana, esse processo corresponde a três momentos de ordem: ¾ Primeiro, uma análise da posição dos agentes na estrutura da classe dirigente;
¾ Em seguida, a construção do habitus, como sistema das disposições socialmente construídas, que enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes;
¾ Por fim, uma análise da estrutura das relações objetivas entre as posições que os grupos colocados em situação de concorrência pela legitimidade simbólica, ocupam num dado momento do tempo na estrutura do campo intelectual;
O campo é um espaço de forças onde dominantes e dominados mantem relações constantes de desigualdades. Para Bourdieu:
... campo é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço que é também um campo de lutas para transformar e conservar esse campo de forças. Cada um no interior desse universo, empenha em sua concorrência com os outros a força (relativa) que detém, e que define sua posição no campo, e em consequência, suas estratégias (BOURDIEU, 1997, p. 57).
Para entender o processo de construção e legitimação de um novo campo, seguirei a sugestão proposta por Lechat (2004), que em sua tese de doutorado, identificou os seguintes eventos que levaram a consolidação da economia solidária para formação enquanto campo:
¾ Projetos alternativos comunitários da Caritas (1982);
¾ Experiência de Autogestão pelos trabalhadores de empresas falidas, fábrica de calçados Makerly (1991);
¾ Projetos de cidadania Contra a Miséria e pela Vida (1993);
¾ Organização pela ANTAG das empresas falidas e assumida sob a forma autogestionada;
¾ A publicação no jornal Folha de São Paulo de um artigo sobre economia solidária por Paul Singer (1996);
¾ A Conferência Globalização e Sociedade Civil: repensando o cooperativismo no contexto da cidadania ativa, no Instituto de pesquisa, da ONU, por Marcos Arruda (1996); (LECHAT, 2004, p. 2).
Ocorre assim, a identificação de campos de inconformismo, resistência e tensão, estimulando intelectuais e ativistas a um novo projeto de economia que promova o desenvolvimento humano dentro dos princípios democráticos e de respeito ao meio ambiente a partir das relações sociais de produção alternativas e antagônicas as do sistema capitalista.
Procurando atualizar as iniciativas que tem contribuindo para a consolidação do campo (uma vez que a tese da autora tem mais de dez anos), apresenta­se a seguir, agentes e eventos, que tem contribuído para construção e fortalecimento do campo de economia solidária:
¾ Fórum Social Mundial; ¾ Secretaria de Economia Solidária;
¾ Fórum Brasileiro de Economia Solidária;
¾ Rede de Gestores público;
¾ ITCPs; ¾ Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário;
¾ Prêmio Boas Práticas de Economia Solidária BNDES, troféu “Sandra Magalhães”;
¾ Conselho Nacional de Economia Solidária. O movimento que começou nos anos 80, tem crescido a cada ano, como exemplo a Conferência Nacional de Economia Solidária (CONAES) tem sido um agente importante para consolidação do campo. Reforçando o habitus, ou seja, ações e percepções dos indivíduos, como a constituição de planos nacional de ES. Além da SENAES, que tem promovido, a partir do diálogo inter­setorial no governo nos âmbitos federal, estadual e municipal, e também a partir da interlocução com os movimentos sociais que representam a economia solidária nos territórios. Outra contribuição é o troféu “Sandra Magalhães” patrocinada pelo BNDES, que potencializa a ES através do capital simbólico, conferindo honra e prestigio ao identificar agentes no espaço social. O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
No Brasil, os agentes da economia solidária estão em disputa com os agentes da economia capitalista. Entende­se que, a dinâmica nesse campo, onde a economia solidária parece evoluir de formas de auto­organização socioeconômica, para auto­
organização sócio­política, isso tem gerado incomodo, na disputa pela legitimidade de atuação. E contribui para isso, a visão mais humanizada que a economia solidária procurar trazer, como por exemplo, como defende França Filho (2007) “a abordagem da ação social em termos da escolha racional, que tem como característica a ação humana segundo um cálculo utilitário de consequências”. Porém, a economia solidária abra­se para uma visão mais complexa do ser humano, que é pensado antes de tudo, como um ser simbólico, dotado de valores, cujo comportamento não pode ser entendido em termos de previsibilidade, mas sobre tudo, de incertezas. Para corroborar, Singer (2012), defende que “a economia solidária só pode ser realizada, se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar ou poupar. As palavras chaves nesse sistema são, autogestão, cooperação, a prática do preço justo e respeito ao meio ambiente” (SINGER 2012, p. 8).
Para França Filho (2007) as categorias de atores ou instâncias organizativas que compõe o campo da economia solidaria no país, são:
1) Os empreendimentos econômicos solidários
2) Entidades de apoio e fomento
3) Redes e Fóruns de economia solidária
4) Instituições públicas (Estado): Senaes, rede de gestores de políticas públicas Além de movimentos sociais, como por exemplo associação de moradores, ou grupos organizados pelas Igrejas.
Do outro lado, temos o mercado capitalista, com um habitus bem arraigado na sociedade, com Instituições que colaboram para sua manutenção, sendo a principal delas a escola. Bourdier (2005) destaca a função de integração “moral” da escola, no que chama de “função de integração cultural” da instituição escolar. Compõe parte dos agentes do campo capitalista, as elites, que segundo Marcelino (2015), são sócias menores das elites estrangeiras e mantém com estas uma relação de servilismo. Para Bourdieu (2005), é fato que estes dois campos de produção, por mais que se oponham tanto pela sua função como pela lógica de funcionamento, coexistem no interior do mesmo sistema. E, por este motivo, seu poder de distinção é desigual, em relação aos valores materiais e simbólicos com que são aquilatados no mercado de bens simbólicos, mercado mais ou menos unificado segundo as formações sociais e dominado pelas normas do mercado dominante e do ângulo da legitimidade, ao qual o sistema de ensino dá acesso e ao qual impõe suas normas de consagração. O autor ainda argumenta, ignorar que uma cultura dominante deve o essencial de suas características e de suas funções sociais de legitimação simbólica da dominação ao fato de que é desconhecida como tal, e por isso, reconhecida como legítima, é o mesmo que ignorar o fato da legitimidade, e isso leva a incorporar o etnocentrismo de classe que leva os defensores da economia capitalista a ignorar os fundamentos não­simbólicos da dominação simbólica de uma cultura sobre a outra. Isso segundo Bourdieu, leva a internalizar o populismo que trai um reconhecimento infame da legitimidade da cultura dominante em seu esforço por reabilitar a cultura média (2005, p. 142).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O capitalismo contemporâneo tem apresentado relações de poder cada vez mais sofisticadas, Faria (2007) entende que as condições de vida da classe trabalhadora se deterioram diante de uma reestruturação produtiva do capitalismo. E nesse cenário de disputa, a ES tem procurado criar formas de organização e mobilização para não ser engolida por esse sistema, que tende a deslegitimar as tentativas de enfrentamento ao capitalismo. O maior exemplo, são os acontecimentos recentes, onde existe a ameaça eminente do desmanche do quadro da SENAES. Neste sentido, os conceitos de Bourdieu, podem contribuir para um entendimento da atual crise. Pois, como sugere o autor, campo é o espaço social estruturado, onde dominantes e dominados estão em relações constantes, e desiguais, onde cada um no interior desse universo, empenha em sua concorrência com os outros a força que detém e que define seu lugar no campo, conforme sua estratégia.
Entende­se assim, a importância de ter agentes bem definidos, promover uma compreensão através de pesquisas cientificas, onde seja apresentado soluções para os desafios enfrentados. Contribuindo com isso para o processo de construção e legitimação do campo de ES.
Pretendeu­se com esse trabalho contribuir para o debate, e fortalecimento do Campo de ES sob um olhar sociológico. BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. 6ª Edição. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 2005.
FRANÇA FILHO, Genauto C. Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas – Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 7, n.1, jan­
jun. 2007.
_________________. A problemática da economia solidária: um novo modo de gestão pública. FGV­ EBAPE, São Paulo, v. II, n.1, março. 2004.
FARIA, José Henrique de. Novos modelos organizacionais: paradoxos e contradições entre o discurso e a prática controle por resultados no local de trabalho: dissonâncias entre o prescrito e o real. RAE­ eletrônica ­ v. 5, n. 1, Art.5, jan./jun. 2006 www.rae.com.br/eletronicaturn­over
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de pesquisa social. 6ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2012.
LECHAT, Noelle Marie Paule. Trajetórias intelectuais e o campo da economia solidária no Brasil. Unicamp. Campinas, 2004.
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 5ª Edição. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2012.
SENAES. Economia Solidária. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/geral/publicacoes­economia­solidaria.htm>. Acesso em: 04 mai. 2015.
Download