Nódulos centrolobulares com padrão de árvore em brotamento ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------Maria Raquel Soares Pneumologista do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP - Especialista em Pneumologia pela SBPT/AMB Ester NA Coletta Patologista do HSPE – SP - Doutora em Patologia-UNIFESP Carlos AC Pereira Diretor do Serviço de Doenças Respiratórias do HSPE-SP - Doutor em PneumologiaUNIFESP ------------------------------------------------------------------------------------------------Relato do caso: o Feminina, 64 anos, professora aposentada QP: Tosse HMA: Em primeira consulta ambulatorial (maio de 2006) queixava-se de tosse crônica produtiva (expectoração clara e abundante) de dois anos de evolução, com piora nos últimos dois meses. Acompanhando a tosse relatava dispnéia progressiva (6 pontos pela escala de Mahler), chiado ocasional, febre vespertina intermitente e emagrecimento importante (± 30kgs / 2 anos) Anamnese dirigida: • Relato de engasgos frequentes no último ano. • Negava exposição ocupacional e ambiental • Sem queixas para colagenoses • Ex-tabagista há 20 anos (20m/a) Antecedentes pessoais: • Colesteatoma avançado de ouvido direito diagnosticado há 10 anos. A paciente não aceitou a cirurgia proposta. Atualmente apresentando volumosa lesão expansiva que acomete osso temporal D, base do crânio e invasão do conduto auditivo interno. A lesão acometia também o ângulo ponto-cerebelar à D e fazia compressão sobre o tronco cerebral e cerebelo com extensão para cadeia jugular interna D e seio parafaríngeo D. • Sem outras comorbidades • Não usava nenhuma medicação Exame Físico: • BEG, corada, hidratada, eupneica • ACV: 2BRNF, sem sopros / PA: 140 x 90mmHg / FC: 108bpm • AR: Estertores finos bibasais / FR: 24irpm / SpO2 (ar ambiente): 96 % • Extremidades: ausência de edemas e sem baqueteamento digital Exames laboratoriais da época: dentro da normalidade Função pulmonar: Março de 2006 • Espirometria: - CVF: 1,69 L (61%) - VEF1: 1,30L (59%) - VEF1/CVF: 77% • Teste de caminhada de 6 minutos: - Atingiu 86% da FC máxima - Distância caminhada: 480 metros - SpO2 = inicial: 97 → final: 89% Exames Radiológicos: • Raio de tórax: Fevereiro de 2006 • Tomografia de tórax de alta resolução (TCAR) : Março de 2006 – nódulos centrolobulares, associados ao padrão de árvore em brotamento, de distribuição difusa e com predomínio de LLII Questão 1: São causas de nódulos centrolobulares com padrão de árvore em brotamento todas as abaixo, exceto: A. Infecção por micobactérias B. Aspiração crônica C. Bronquiolite respiratória D. Carcinomatose com embolia tumoral E. Infecção por Mycoplasma Discussão: Nódulos centrolobulares com padrão “tree-in-bud” ou árvore em brotamento são densidades ramificadas centrolobulares com pequenas nodulações nas extremidades, assemelhando-se ao aspecto em brotamento de algumas árvores, como mostrado na figura abaixo. É um padrão observado na tomografia computadorizada do tórax de cortes finos ou de alta resolução (TCAR) em que a dilatação brônquica centrolobular é preenchida por muco, pus ou líquido semelhante a uma árvore em brotamento (Figura 1). Geralmente pouco nodular na aparência, o padrão de árvore em brotamento é mais pronunciado na periferia do pulmão e associado com anormalidades das vias aéreas maiores. Rossi S E et al. Radiographics 2005 Figura 1 – Padrão árvore em brotamento Bronquíolos são pequenas vias aéreas com 2 mm de diâmetro, sem cartilagem ou glândulas na submucosa. Isso inclui os bronquíolos terminais, cuja principal função é conduzir o ar para os bronquíolos respiratórios. Este último contém alvéolos, que são o sítio final da condução do ar e da troca gasosa. O que ajuda a identificação das doenças bronquiolares na TCAR é a familiaridade com a aparência detalhada transversal do lóbulo pulmonar secundário. Como definido por Miller, o lóbulo pulmonar secundário corresponde à menor unidade morfológica do pulmão e está limitado ao longo do seu perímetro por septos de tecido conjuntivo. Cada lóbulo consiste de um bronquíolo lobular (0,15 milímetros de espessura de parede), acompanhada por uma artéria pulmonar periférica, normalmente com 1 mm de diâmetro. Na periferia do lóbulo secundário, veias pulmonares e vasos linfáticos são identificados (Figura 2). Estes últimos também são vistos nas regiões centrolobulares. Entretanto, os linfáticos no centro do lóbulo são muito menos abundantes do que na periferia do lóbulo. Portanto, embora as condições que afetam os vasos linfáticos possam produzir nódulos centrolobulares, seria raro encontrar esses nódulos sem outros nódulos mais evidentes nos septos interlobulares ou nas superfícies pleurais. Estas estruturas, com exceção das artérias lobulares, são normalmente, de 1 mm de tamanho e, portanto, situam-se abaixo da resolução da TCAR. Quando há espessamento ou edema ao redor dos bronquíolos, ou secreção intraluminal, contudo, estes achados tornam-se reconhecíveis. Portanto, a avaliação das pequenas vias aéreas exige protocolos de TCAR que utilizam cortes finos (0,63-1,25 mm) com a reconstrução da imagem de forma contígua ou em no máximo a 10 mm de intervalo desde os ápices até os ângulos costofrênicos na posição supina. Adaptado de Raoof S. et al. Chest 2006 Figura 2 – Anatomia normal esquemática do lóbulo pulmonar secundário O padrão de árvore em brotamento é indicativo de transtorno endo e peribronquiolar com dilatação, espessamento da parede bronquiolar, inflamação peribronquiolar e impactação da luz bronquiolar; com muco, pus, líquido, ou, ainda como descrito mais recentemente, com êmbolos tumorais, o que, entretanto, é raro. Descrito pela primeira vez em caso de disseminação endobrônquica de Mycobacterium tuberculosis, o padrão de árvore em brotamento é reconhecido como uma manifestação na TCAR de diversas entidades, tais como infecções (bacterianas, fúngicas virais, parasitárias), doenças congênitas (fibrose cística, síndrome de Kartagener), afecções idiopáticas (bronquiolite obliterante, panbronquiolite), aspiração ou inalação de substâncias estranhas, anomalias imunológicas, doenças do tecido conjuntivo e doença pulmonar vascular periférica (embolia pulmonar neoplásica). Okada e colaboradores revisaram 553 casos (141 biopsiados), de 1996 a 2005 no Japão, que tinham TCAR(s) com predominância de opacidades centrolobulares ou doença preferencialmente centrolobular, avaliados retrospectivamente. Nódulos centrolobulares com padrão de árvore em brotamento (NCLAB) e/ou espessamento da parede brônquica (EPB) tiveram como etiologia mais frequentes: Infecções pelo vírus humano T-linfotrópico tipo 1 (Total de 99 pacientes: 88 com NCLAB e 57 com EPB), pneumonia por Mycoplasma pneumoniae (Total de 52 pacientes: 44 com NCLAB e 45 com EPB), pelo Mycobacterium tuberculosis (Total de 52 pacientes: 38 com NCLAB e 37 com EPB), pelo complexo Mycobacterium avium-intracellulare (Total de 37 pacientes: 22 com NCLAB e 27 com EPB), Mycobacterium kansasii (Total de 33 pacientes: 27 com NCLAB e 19 com EPB). Outras condições encontradas foram: aspergilose broncopulmonar alérgica (Total de 9 pacientes: 6 com NCLAB e 7 com EPB), panbronquiloite difusa (Total de 12 pacientes: 12 com NCLAB e 10 com EPB) e bronquiolite aspirativa difusa (Total de 13 pacientes: 12 com NCLAB e 12 com EPB). Outras bronquiolites, como a respiratória e a causada por inalação de antígenos orgânicos (PH) não produzem padrão de árvore em brotamento. Resposta correta:C • Seguindo a investigação do caso, em junho de 2006 a paciente realizou os seguintes exames: o Dosagem de imunoglobulinas: negativa o Nasofaringolaringoscopia: desvio septal, rinopatia hipertrófica, paralisia de prega vocal e palato mole à direita e de hemilíngua direita o Videodeglutograma: alterações da deglutição nas fases preparatória oral, faríngea e esofágica compatíveis com quadro de disfagia orofaríngea grave o Manometria esofágica: aperistalse intermitente do corpo esofágico, hipocontratilidade faríngea e incoordenação faringoesofágica o EDA: Moníliase e esofagite leve o REED: Regurgitação/ tosse / exame compatível com aspiração • Em julho de 2006, 2 culturas para BK no escarro foram negativas. • Em agosto de 2006, a paciente realizou a primeira broncoscopia. A biópsia transbrônquica foi inespecífica ((infiltrado inflamatório crônico, espessamento fibroso septal e presença de agregado linfóide peribrônquico). Realizou o procedimento novamente para nova biópsia em setembro de 2006, com as seguintes imagens e diagnóstico da patologia: Diagnóstico: Bronquiolite obliterante/ pneumonia em organização (BOOP) Questão 2: Achados de BOOP em biópsias transbrônquicas podem ser encontradas em condições diversas. Assinale a condição abaixo que mais raramente se associa com achados de BOOP: A. Sarcoidose B. Aspiração crônica C. Pneumonia de hipersensibilidade D. Pneumonia intersticial não específica E. Pneumonias diversas em fase de resolução Discussão: O padrão-ouro para o diagnóstico de pneumonia em organização (PO) ou como antes era chamada BOOP (bronquiolite obliterante com pneumonia em organização) é a biópsia pulmonar cirúrgica. Há muita controvérsia sobre a validade da biópsia transbrônquica para definição diagnóstica. Não existe uma classificação para as bronquiolites que seja largamente aceita. Em diversas doenças difusas a bronquiolite é apenas um componente de um quadro histológico variado. Os achados anátomo-patológicos podem ser específicos ou não, mas muitas vezes os dados histológicos devem ser associados aos dados clínicos para um diagnóstico final. Múltiplas etiologias podem resultar em achados morfológicos semelhantes e uma mesma condição pode se associar a diferentes tipos de bronquiolites. Assim, para o caso em questão seguimos os seguintes passos para conclusão diagnóstica: - A apresentação radiológica das bronquiolites é exposta no quadro abaixo: - - Diante do padrão dominante de “tree-in-bud” ou árvore em brotamento como discutido na primeira questão, as seguintes causas das bronquiolites devem ser consideradas: 1) O hospedeiro é imunocomprometido? Se sim, de longe as causas mais comuns são as infecções. Lembrando aqui, inclusive, das infecções por vírus. Dentre elas, o citomegalovírus. 2) O paciente já tem alguma doença diagnosticada? - São exemplos a Artrite Reumatóide e a Síndrome de Sjögren, que são as colagenoses que podem apresentar como bronquiolite. - Como infecções – neste caso de padrão em árvore em brotamento, mais comumente se apresentam as micobactérias. - Como clínica de aspiração comprovada por exames subsidiários. 3) É uma bronquiolite pós-infecciosa? 4) É uma bronquiolite relacionada às doenças que dão bronquiectasias? Como é o caso da fibrose cística, da discinesia ciliar e da aspergilose broncopulmonar alérgica. 5) Existe alguma deficiência de imunoglobulinas? - Aventado as possibilidades acima, outro sinal de auxílio na abordagem diagnóstica das bronquiolites é observar na TCAR se a distribuição do padrão árvore em brotamento é simétrica ou assimétrica, e então seguir um algoritmo como exposto abaixo. Lembrando sempre, que em muitas vezes a necessidade de diagnóstico anátomopatológico é imperativa, ocasionalmente necessitando até mesmo cultura do material biopsiado. No nosso caso a clínica de aspiração estava bem documentada em todos os exames e os demais questionamentos levantados foram negativos. Poucos estudos sobre bronquiolite por aspiração foram publicados. - Matsuse e colaboradores publicaram em 1996 um estudo retrospectivo de 4880 autópsias. Após revisão de 31 casos, com clínica de aspiração identificada nas revisões de prontuário e bronquiolite à necropsia, os autores propuseram a denominação de “Bronquiolite Aspirativa Difusa” para esta aparente nova entidade. Na macroscopia os autores salientaram a presença de nódulos amarelados muito semelhantes aos que são encontrados na panbronquiolite difusa (figura 3). A maioria dos pacientes era de idosos, com idade em torno de 80 anos, acamados e com disfagia orofaríngea. As doenças coexistentes mais comuns encontradas foram: demência, doenças neurológicas e doenças cardiovasculares. Os autores ainda atentam para o fato de que a bronquiolite aspirativa difusa é de clínica mais insidiosa que a pneumonia de aspiração, situação na qual, os pacientes, em geral, idosos desenvolvem agudamente dispnéia e broncoespasmo. Matsuse, et al. Chest, 1996;110: Figura 3 – Macroscopia da bronquiolite aspirativa difusa - Barnes e colaboradores, em 2006, publicaram uma série de 4 casos de pacientes com idade entre 41 e 59 anos e sintomas crônicos de dispnéia e tosse. Em todos os casos havia a presença de nódulos centrolobulares na tomografia de alta resolução e nenhum paciente tinha clínica de DRGE. Todos foram submetidos à biópsia pulmonar cirúrgica devido à piora funcional progressiva. O achado anátomo-patológico encontrado foi de BOOP com células gigantes contendo material consistente com restos alimentares. Revendo história e em novos exames foi documentado: doenças neurológicas, alterações anatômicas no esôfago e história de perda da consciência. Os autores ainda chamam a atenção que a maioria dos pacientes eram obesos, que a obesidade tem aumentado em muito sua prevalência e que, portanto, casos de aspiração neste grupo de pacientes deve sempre ser investigado. Outro dado também a considerar é a presença de doença pulmonar com predomínio unilateral, muitas vezes relacionado ao lado que o doente dorme e configurando casos de aspiração noturna. - Katzenstein e colaboradores publicaram em 2007 um estudo retrospectivo de 1995 a 2005 de revisão de biópsias pulmonares por variados motivos confrontando posteriormente com dados clínicos de prontuários. Foram encontrados 59 casos de pneumonia por aspiração de pacientes entre 26 a 85 anos. Destes casos, 52 (88%) tiveram o seguinte diagnóstico anátomopatológico: BOOP com células gigantes multinucleadas do tipo corpo estranho e restos alimentares ou material químico de composição medicamentos. 17 casos tinham infiltrado e nódulos centrolobulares bilaterais. Em apenas 4 casos a aspiração tinha sido comprovada por exames. Os autores atentam que, como os sintomas são inespecíficos (dispnéia, febre e tosse), em pacientes mais jovens pensa-se pouco em aspiração. Ainda há pouca documentação nestes casos e esta é a maior série de material cirúrgico. Devido à alta freqüência de aspiração encontrada, o trabalho sugere que casos assim devem ser mais comuns que geralmente são considerados. - Galves Jr, também numa série brasileira de 95 casos de BOOP, estudando causas e achados diferenciais, encontrou 10 casos de aspiração bem documentados e nos quais os pacientes melhoraram após tratamento da DRGE. Portanto, a presença na biópsia transbrônquica de elementos alveolares associados a achados clínicos compatíveis tem sido considerado suficiente para o diagnóstico de PO ou BOOP por aspiração. O achado de áreas de BOOP é muito raramente observado na sarcoidose. Resposta correta: A. • Na evolução do caso, após larga discussão multidisciplinar o tumor da paciente foi considerado inoperável e pela gravidade do quadro pulmonar foi optado pela realização de gastrostomia em fevereiro de 2009. Paciente apresentou melhora expressiva do quadro após procedimento, como mostrado abaixo. O que também colaborou para aceitação do diagnóstico de bronquiolite aspirativa difusa com BOOP na biópsia transbrônquica. • Evolução funcional: • Evolução Radiológica : Maio 2006 Setembro 2009 Referências 1. Barnes TW, Vassalo R, Tazelaar HD, Hartman TE, Ryu JH. Diffuse bronchiolar disease due to chronic occult aspiration. Mayo Clin Proc. 2006;81(2):172-176. 2. Devakonda A, Raoof S, Sung A, Travis WD, Naidich D. Bronchiolar disorders: a clinical-radiological algorithm. Chest 2010;137: 938-951. 3. Galves Jr RR. Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização – causas e achados diferenciais em 95 casos. Tese. UNIFESP, 2006. 4. Gosset N, Bankier AA, Eisenberg RL. Tree-in-bud pattern. AJR 2009; 193:472–477. 5. Matsuse T, Oka T, Kida K, Fukuchi Y. Importance of diffuse aspiration bronchiolitis caused by chronic occult aspiration in the elderly. Chest 1996;110:1289-1293. 6. Mukhopadhyay S, Katzenstein ALA. Pulmonary disease due to aspiration of food and other particulate matter: a clinicopathologic study of 59 cases diagnosed on biopsy or resection specimens. Am J Surg Pathol 2007;31:752–759