Cenário externo permite mudar mix de política econômica

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Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 27/12/2011 (22:13) - Página 12- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
A12
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Valor
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Terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Especial
LEO PINHEIRO/VALOR
Cenário externo
permite mudar mix
de política econômica
Cenários
2012
Para economista
Luiz Fernando de
Paula, crise abre
espaço para
redução de juros
e mudanças na
taxa de câmbio
Chico Santos
Do Rio
Mudar a periodicidade de cálculo da inflação anual acumulada
para efeito de cumprimento da
meta oficial, preferencialmente
para 24 meses, dando tempo para
absorção de choques de oferta imprevisíveis e passageiros, é uma
das receitas do economista Luiz
Fernando de Paula, 52 anos, professor da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Associação Keynesiana
Brasileira (AKB), entidade que
congrega seguidores do pensamento do economista inglês John
Mainard Keynes (1883-1946).
“Eu diria que se no próximo
ano tivermos uma inflação acima
do centro da meta, perto da banda, eu não acharia o pior dos
mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco
que eu acho que vale a pena correr”, disse. Para ele, o cenário externo adverso abre espaço para
uma política econômica com juro
menor e real menos valorizado.
Na entrevista que deu ao Valor
ele defendeu também a mudança da remuneração da Caderneta
de Poupança (TR mais 6% ao ano)
como forma de não atrapalhar a
queda dos juros e disse que, embora a presidente Dilma Rousseff
tenha recebido uma “herança
maldita”, representada pela crise
internacional, a política monetária está no rumo certo. Também
elogiou a condução da atual diretoria do Banco Central (BC) e
afirmou que o país ainda pode
crescer em meio à crise, baseado
no mercado interno, desde que a
crise não se aprofunde ainda
mais. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Recentemente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira disse
que agora temos um Banco Central
nacional. As mudanças no BC marcam uma diferenciação clara da política econômica de Dilma em relação à de Lula? Que outras características marcam as diferenças entre
as duas políticas econômicas?
Luiz Fernando de Paula: Sem dúvida, o BC passou a ter uma atuação mais técnica e mais independente do mercado financeiro, o
que deve ser saudado. O que o BC,
na gestão de Alexandre Tombini,
está fazendo é não ficar olhando a
economia apenas pelo retrovisor,
mas também passando a olhar o
que poderá acontecer com a economia para a frente. Isso faz sentido porque no regime de metas de
inflação a previsão da inflação é
um elemento fundamental, já que
a taxa de juros tem efeito cerca de
seis meses para frente. Contudo, é
importante destacar que não há
uma mudança no regime de política econômica, em que pese a grita
geral dos “falcões do mercado”
quando o BC reduziu no fim de
agosto a taxa de juros. Há alguma
diferenciação na condução da política econômica dentro do marco
do regime vigente. Procura-se resgatar o sentido de uma maior coordenação entre política monetária e política fiscal, com vista à redução na taxa de juros básica da
economia, que é a grande “jabuticaba” brasileira. A piora no cenário
internacional abre uma janela de
oportunidade para uma mudança
no mix “juros altos-câmbio apreciado”, que deve ser aproveitada.
Valor: Como o sr. analisa a economia neste primeiro ano de mandato da presidente? A crise econômica restringiu a gestão a ações
reativas ou é possível enxergar uma
gestão propositiva mesmo durante
a crise?
Paula: Dilma recebeu uma “herança maldita”, mas o mesmo pode-se dizer de quando Fernando
Henrique Cardoso e Lula iniciaram
seus governos. No caso da Dilma,
ela herdou uma piora crescente no
cenário internacional, como o aumento nos preços de commodities, com impactos sobre a inflação
doméstica, e sobretudo os desdobramentos da crise nos EUA e na
zona do euro que já começam a ter
impacto sobre o crescimento da
economia chinesa, nossa grande
importadora de commodities. A
China, por conta das pressões inflacionárias, não poderá dar a virada que fez em 2009, quando redinamizou a economia doméstica
com forte crescimento dos investimentos públicos em infraestrutura. Tudo isso, obviamente, vai ter
impacto negativo sobre a economia brasileira. Contudo, como dizem os orientais “crise é oportunidade”, e o Brasil pode aproveitar a
ocasião para fazer uma espécie de
“virada”, crescendo para o mercado interno, sem se descuidar do
problema da restrição externa ao
crescimento, isto é, evitando déficits crescentes em transações correntes. Assim, acredito que é possível fazer uma gestão propositiva
mesmo durante a crise.
Valor: Entramos em nova fase de
estímulo ao crescimento. Como evitar a recessão sem realimentar a inflação?
“
Dilma recebeu
uma ‘herança
maldita’, mas o
mesmo pode-se
dizer de quando
FHC e Lula
iniciaram seus
governos”
Paula: Olha, qualquer prognóstico sobre 2012 é complicado. Há
variáveis aí que você não domina.
A não retomada do crescimento
americano — não é que os Estados
Unidos vão entrar em recessão —,
que efeitos terá sobre a China e,
consequentemente, sobre as exportações brasileiras? O Brasil já
vem com uma desaceleração endógena, independente da crise. Essa desaceleração tem um caráter
conjuntural e um estrutural. Conjuntural é que, do ponto de vista
dos componentes da demanda, todos contribuíram para a desaceleração. O investimento se desacelerou, o consumo privado se desacelerou e também as exportações líquidas e o gasto do governo por
conta da manutenção do superávit
primário. A economia patinou. A
questão do câmbio teve impacto
forte do ponto de vista de uma
possibilidade de crescimento pelo
lado das exportações. E tem o lado
estrutural que é a questão que você
tem uma tendência à apreciação
da taxa de câmbio que vem ali desde 2005 muito forte. A indústria vinha dando alguns sinais de um
processo de desindustrialização
que não se fazia sentir porque o
mercado interno estava crescendo
de forma muito acelerada. Compensava-se parcialmente o desestímulo que vinha pelo lado do câmbio. Agora, o que se está observando desde 2010, e mais agudamente em 2011, é que o movimento defensivo da indústria foi no sentido
de importar, ou seja, teve um crescimento das importações que entra pelo lado dos bens de consumo, dos bens de capital e dos insumos básicos. Isso me parece que
chegou no osso da indústria. Eu
acho que chegamos nesse ponto
de preocupação, mas eu vejo que,
por outro lado, você tem alguns
elementos interessantes do ponto
de vista da política econômica,
uma tentativa de mudança do mix
de política e eu acho que nós podemos tentar dar uma virada para o
mercado interno. É difícil fazer
comparações históricas, mas acho
que a gente está em uma situação
um tanto semelhante à da década
de 30, quando tivemos a crise do
modelo agroexportador e a economia voltou-se para o mercado interno, com um processo de substituição de importações, e teve um
crescimento vigoroso em meio a
uma crise mundial. A partir de
1932 o Brasil já estava voltando a
crescer. Evidentemente que a situação é diferente. Nós temos uma
indústria hoje. Mas uma indústria
que está sendo castigada pela política de câmbio e política monetária. Eu acho que se o governo conseguir dar essa virada, fazendo
uma política bem pragmática, mas
firme, acho, quem sabe, que a gente possa aproveitar a ocasião para
crescer de forma vigorosa.
Valor: Essa guinada pode ser feita com a economia relativamente
aberta, como hoje, ou é preciso algum esforço de proteção à indústria? E, novamente, pisar no acelerador para dentro não pode desencadear novo surto inflacionário?
Paula: Olha, economia sempre
tem riscos. De qualquer forma, de
2000 a 2011 vários países tiveram
uma aceleração da taxa de inflação. Foi o caso da China, da Índia.
Claro, inflação é sempre preocupante. Mas não é o pior dos mundos. Eu diria que se no próximo
ano a gente tiver uma inflação acima do centro da meta, perto da
banda, eu não acharia o pior dos
mundos se, alternativamente, tivéssemos um crescimento econômico mais vigoroso. É um risco que
eu acho que vale a pena correr.
Agora, tudo depende dos desdobramentos da crise mundial. Pode
ser que os efeitos se configurem
mais graves e, além dos efeitos
mais imediatos. Você tem o efeito
expectacional que é importante,
mas que é subjetivo, difícil de
mensurar. Perante a crise é natural
que as pessoas ponham o pé no
freio porque não sabem qual o tamanho do tombo que vem pela
frente. Então, os consumidores vão
poupar mais e gastar menos, os
empresários vão querer investir
menos, os banco vão querer emprestar menos...
Valor: Quando começou a fazer a
redução da taxa de juros, o BC foi
criticado pelo mercado como subordinado à vontade política da presidente, que pediu a redução dias antes. Agora, se fala que o BC demorou
a agir diante da crise, como ocorreu
em 2008/09, resultando daí a desaceleração excessiva do PIB e, particularmente, do consumo das famílias. Quem está com a razão?
Paula: Certamente, não tem razão quem criticou a política de redução de juros. O BC, como assinalado, teve um comportamento
“forward-looking” (de olhar para a
frente). O que se espera de um bom
banqueiro central é justamente alguma capacidade de discernimento perante cenários nebulosos. Em
dezembro de 2010 ele adotou um
conjunto de medidas macroprudenciais, parcialmente relaxadas
recentemente, visando a redução
dos prazos e desaceleração do crédito ao consumidor (veículos e
pessoal), que teve um efeito importante de evitar uma bolha de
crédito, mas que acabou afetando
negativamente os gastos das famílias. O BC não sabia ao certo quais
seriam os efeitos de tais medidas.
Junto com isso, há uma desaceleração na taxa de investimento em
curso, em função de uma combinação entre efeitos da longa apreciação cambial sobre desempenho
das exportações líquidas, arrefecimento do consumo das famílias e
política de contenção dos gastos
públicos. Há um processo de desaceleração endógeno do setor industrial no Brasil, que poderá ser
agravado pela piora no cenário ex-
Luiz Fernando de Paula: “Quem sabe o governo não aproveita esta ocasião para fazer o país crescer de forma vigorosa?”
terno. Por isso a economia estagnou no segundo semestre de 2011.
Valor: Diante do quadro doméstico e internacional, o que esperar
de 2012?
Paula: É difícil fazer prognósticos em função de um cenário internacional bastante problemático, cujos desdobramentos são
muito incertos. Curiosamente, o
aumento no salário mínimo, que
seria uma espécie de “bomba relógio” em 2012 em função de seus
efeitos fortemente expansionistas
sobre as transferências previdenciárias e sobre e renda agregada da
economia, servirá para evitar uma
desaceleração maior no gasto doméstico. O governo terá que acompanhar com lupa o comportamento da economia brasileira, mantendo sua política de redução de
juros e, se for necessário, adotando
algumas medidas adicionais de estímulo, como redução no compulsório dos bancos e estímulos fiscais pontuais ao consumo. Um esforço de crescimento nos investimentos públicos em infraestrutura poderá contribuir para usar o
investimento autônomo de forma
contracíclica, já que alguns dos
instrumentos usados em 2008-09
não estarão disponíveis, como a
expansão do crédito dos bancos
públicos. Enfim, se conseguirmos
crescer em torno de 4% em 2012,
mantendo a taxa de inflação próximo ao centro da meta, ainda que
um pouco maior, será uma vitória.
Valor: Em recente seminário de
partidos de esquerda vários economistas pediram a desvalorização do
real como saída para conter a perda
de competitividade da indústria doméstica. É possível o país abandonar o câmbio flutuante e manter o
regime de metas de inflação?
Paula: Sem dúvida, há fortes indícios de que a economia brasileira passa por um processo de desindustrialização precoce, isto é, uma
desindustrialização que se inicia
com um nível de renda per capita
menor ao observado nos países desenvolvidos e sem atingir uma certa homogeneidade nos níveis de
produtividade entre diferentes setores. O valor adicionado da indústria de transformação no valor
agregado total caiu de 17,1% no segundo trimestre de 2007 para
15,3% no segundo trimestre de
2011, segundo dados da professora Carmem Feijó, da Universidade
Federal Fluminense. Por outro lado, o coeficiente de penetração das
importações, medido pela Confederação Nacional da Indústria e
correspondente à participação dos
produtos importados no consumo
domésticos dos bens industriais,
cresceu de 12,1% em 2003 para
21,5% em 2011, sendo que a balança comercial brasileira é estruturalmente deficitário em bens de
maior intensidade tecnológica.
Há ainda uma desindustrialização
relativa em curso também, pois o
crescimento do setor industrial
dos outros países emergentes tem
sido bem acima do crescimento
brasileiro. Acredito que a redução
na taxa real de juros, somada aos
controles de capitais, poderá contribuir para termos uma taxa de
câmbio mais competitiva, sem
inviabilizar o regime de metas
de inflação. Eu avaliaria seriamente a possibilidade de se introduzir
um imposto sobre as exportações
de algumas commodities, em
caso de termos um câmbio mais
depreciado.
“
A remuneração
da poupança
terá de ser
mudada em
algum momento.
Você não pode
manter a TR
mais 6%”
Valor: O regime de metas de inflação ainda é o meio mais eficiente
de controle dos agregados monetários para manutenção da estabilidade macroeconômica?
Paula: Depende do que se entende por estabilidade macroeconômica. Meu entendimento é
que estabilidade macroeconômica significa criar condições
para compatibilizar crescimento
econômico sustentado, estabilidade financeira e estabilidade de
preços. Países que adotaram regime de metas de inflação em geral já vinham de uma tendência
de redução na taxa de inflação.
Países como China e Índia, com
crescimento vigoroso nos últimos 20 anos e sem descontrole
inflacionário, utilizam outro regime de política macroeconômica, com conversibilidade restrita
na conta capital, câmbio administrado, semifixo no caso da
China e flutuante administrado
no caso da Índia, e sem uso de um
regime de metas de inflação. No
caso do Brasil, no momento
atual, eu sugeriria algumas mudanças no regime de metas de inflação, como o caso de uma mudança no período de convergência da inflação corrente para a
meta, passando do ano calendário para, por exemplo, “inflação
acumulada em 12 meses” ou para 24 meses. A ideia subjacente é
que choques não previsíveis têm
efeitos defasados na economia,
de modo que o cumprimento da
meta em apenas um ano — se
possível — é mais custosa em termos de crescimento do produto
e do emprego. Para períodos
mais longos ou móveis, seria possível atenuar esses efeitos, sem
necessidade de uma resposta
mais abrupta da taxa de juros.
Valor: Realisticamente, qual o
mix de política econômica a se esperar para 2012?
Paula: Uma busca de mudar o
mix de política econômica para
uma taxa de juros mais baixa e
um câmbio mais depreciado. O
governo poderia aproveitar a
ocasião de tendência à redução
na taxa de juros para fazer uma
alteração maior no perfil da dívida pública, diminuindo significativamente a participação de títulos indexados à Selic (LFTs) no
total da dívida pública mobiliário, hoje na casa dos 30%. Isso melhoria o funcionamento dos canais de transmissão da política
monetária e contribuiria sobremaneira para o desenvolvimento
do mercado de títulos corporativos privados. Eu defendo que o
governo utilize uma política de
Imposto de Renda mais agressiva
para desestimular as aplicações
de curto prazo. Outro elemento
da indexação financeira que o
governo Lula tentou mexer, mas
acabou que não precisando, mas
que a Dilma vai ter que mudar, é
algo extremamente popular: a
remuneração da poupança. Você
não pode manter a TR (Taxa Referencial) mais 6%. O que vai acontecer? Em algum momento,
quando a taxa de juros cair as
pessoas vão correr para as aplicações de poupança. Quando começar a chegar perto disso o governo vai ter que mexer. Ou vai
ter que manter a taxa de juros para não provocar essa corrida de
recursos. Vai ter que mexer nisso
e colocar remuneração em termos de mercado. É um negócio
extremamente complicado, é
uma coisa sagrada, vem desde os
anos 1970, mas vai ter que se mexer nisso.
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