Extensão Cardíaca de Seminoma Primário do

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Arq Bras Cardiol
2001; 76: 149-51.
Saraiva
e cols
Relato
de Caso
Seminoma primário do mediasteno
Extensão Cardíaca de Seminoma Primário do Mediastino,
Comprimindo a Via de Saída do Ventrículo Direito
Lurildo R. Saraiva, Djair Brindeiro Fº, Thiago B. Saraiva, Mauro B. Arruda, Vital Lira
Recife, PE
Descreve-se o caso de um homem de 33 anos, portador de seminoma primário do mediastino anterior, com
manifestações clínicas iniciais, indicativas da presença
de cardiopatia.
Aceita-se, atualmente, que os tumores do mediastino
anterior estão representados, em 25 a 30% das vezes, pelo
seminoma ou germinoma primário, com franca preponderância no sexo masculino 1.
Essas neoplasias são invasivas e pouco diferenciadas, característica esta que lhes permite mostrar excelente resposta regressiva à quimioterapia ou radioterapia.
Estão quase sempre relacionadas ao timo, daí o termo
seminoma tímico, também proposto na sua designação 1.
O envolvimento do pericárdio pelo tecido tumoral não
é raro 2, mas a sua invasão ao miocárdio e endocárdio, a
ponto de obstruir a via de saída do ventrículo direito e
comprimir a artéria pulmonar, mimetizando lesão estenótica,
é um evento incomum, raramente descrito na literatura.
Essa ocorrência, em homem jovem, constitui o motivo
desta publicação.
Relato do caso
Homem de 33 anos, trabalhador braçal, procedente de
Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, compareceu ao
ambulatório de cardiologia, informando cansaço aos esforços,
palpitações taquicárdicas e precordialgia, há 50 dias. A dor
precordial era descrita como “furada”, aumentava de intensidade
com a inspiração e era aliviada com analgésicos comuns.
Queixava-se, também, de astenia e anorexia, e informava perda
Universidade Federal de Pernambuco e Serviço de Ecocardiografia do Recife
(SECOR)
Correspondência: Lurildo R. Saraiva - Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Pernambuco - Av. Moraes Rego, SN - 50670-420 - Recife, PE
Recebido para publicação em 13/1/00
Aceito em 3/5/00
de peso recente, há 15 dias, de aproximadamente 2kg. Negava
antecedente reumático, uso abusivo de álcool, tabagismo,
doenças venéreas ou diabetes mellitus.
Apresentava altura de 1,73m e peso de 62,0kg (índice
de massa corporal = 20,7kg/m2), o estado geral era regular,
encontrando-se eupnéico e corado, sem icterícia ou cianose
periférica, com pulsos simétricos e regulares. A pressão
arterial era de 140x90mmHg e a freqüência cardíaca 88bpm.
Não havia estase jugular a 45º.
No exame do precórdio, percebiam-se nítidas impulsões sistólicas em área pulmonar e ausência de frêmitos.
O ritmo cardíaco era regular, sendo normofonética a 1a
bulha em área mitral e a 2a, desdobrada, variável, com o
componente pulmonar abafado. Auscultava-se sopro
sistólico, de intensidade moderada, ++/4, rude, de ejeção, em
área pulmonar, área aórtica (AAo) e mesocárdio. Havia 4a
bulha em área mitral.
Os pulmões eram isentos de ruídos adventícios e não
havia hepato- esplenomegalia.
Exames subsidiários revelaram hemoglobina e hematócrito normais (14,3g/dl e 43%, respectivamente), número
de leucócitos 5700/mm3, uréia e creatinina também normais,
níveis de anti-estreptolisina O de 200u Todd.
A radiografia do tórax em póstero-anterior sugeriu
aumento do ventrículo direito, o arco médio era abaulado +/
++, a circulação pulmonar diminuída e havia discreto alargamento do mediastino. O eletrocardiograma, com ritmo sinusal, foi compatível com sobrecarga ventricular direita e rotação horária do coração, havendo elevação do segmento
ST, de concavidade superior, nas derivações inferiores e
laterais (SÂQRS a +100º).
O estudo ecodopplercardiográfico (fig. 1) revelou
crescimento das câmaras direitas, hipertrofia do septo interventricular e pequeno derrame pericárdico, notando-se
massa tumoral, invadindo a via de saída do ventrículo
direito, com compressão do tronco da artéria pulmonar, na
origem dos seus ramos. A pressão sistólica no ventrículo
direito foi estimada em 95mmHg.
Efetuada toracotomia, detectou-se grande tumor,
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Fig. 1 – Ecocardiograma bidimensional, posição para-esternal longitudinal, na altura da valva pulmonar: visibiliza-se grande massa tumoral na parte superior do mediastino anterior, invadindo a via de saída do ventrículo direito (VSVD, asteriscos), alcança a valva pulmonar (setas) e comprimindo a artéria pulmonar (AP), na origem dos seus dois ramos.
Fig. 2 – Arranjo alveolar de células poligonais com núcleos pleomórficos e septos
fibrosos, infiltrados de linfócitos (HE aprox. 250 x).
Fig. 3 - Estudo ecocardiográfico normal, 90 dias após o tratamento quimioterápico.
envolvendo o saco pericárdico e todo o coração, não
ressecável. Fragmento do tumor, no exame histopatológico
(fig. 2), mostrou tratar-se de neoplasia, provavelmente
primária, do timo, constituída por células poligonais em
folhas, septada por delicado estroma fibroso, com infiltração linfocitária. As células neoplásicas eram dotadas de
núcleos volumosos, de cromatina fina e citoplasma claro,
de fraca acidofilia.
O paciente foi encaminhado a Unidade de Oncologia,
onde se submeteu a sessões periódicas de quimioterapia,
usando ectoposide, bleomicina e cisplatina. A evolução foi
notável, sendo normal o ecocardiograma, executado três
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meses depois (fig. 3). O doente, cerca de um ano e três meses
após a sua admissão, evolui sem queixas e com semiologia
cardíaca normal.
Discussão
A curiosidade deste caso é a de dirigir a atenção do
médico, inicialmente, ao diagnóstico de uma cardiopatia em
um homem jovem, na realidade, portador de neoplasia
maligna do mediastino. Para esta impressão inicial, contribuem a semiologia física do coração, o eletrocardiograma e
a natureza das modificações da silhueta cardíaca no estudo
radiológico sugestivas de estreitamento da valva pulmonar.
No entanto, dor precordial de caráter pleurítico e início recente não constituem sintoma habitual de doença de tal
ordem 3, (exceto a dor de localização retro-esternal, em
formas estenóticas congênitas severas) 4, O alargamento
discreto do mediastino, orientaria a investigação clínica,
diversamente.
As alterações ecocardiográficas (fig. 1) são de muito
relevo. Além de fornecer o rápido diagnóstico de neoplasia,
a sua disposição no trato de saída do ventrículo direito e no
tronco da artéria pulmonar, permite compreender os achados semiológicos - impulsões sistólicas, sopro sistólico
rude e 2ª bulha hipofonética na artéria pulmonar e a própria
dor precordial - que decorreriam, então, da obstrução
ventricular direita e compressão arterial pulmonar, de um
lado, e do envolvimento pericárdico, de outro.
Segundo Roberts 5, a extensão de neoplasias ao coração é vista com maior freqüência nas leucemias e no carcinoma de mama e de pulmão, neste último caso, podendo
produzir constricção pericárdica. Para Cox 6, os tumores
malignos germinativos primários, outrora englobados sob o
termo, teratomas, revelam-se, em clínica, por dor torácica com
componente pleurítico e tosse. Hemoptise, pneumonia e
dispnéia de esforço são achados mais raros nesses tumores,
que se localizam, de preferência, no mediastino anterior ou,
mais raramente, no mediastino médio 1.
Mesmo não se tratando aqui de uma metástase cardíaca - o termo extensão é bem mais apropriado 5 - nos 14
casos, de fato metastáticos, descritos por Labid e cols. 7, de
neoplasias diversas (entre elas, o adenocarcinoma pancreático e de colon e o melanoma), o encontro de sopro sistólico, com características similares as do nosso, na presença
de dispnéia de esforço, constituiu a característica clínica
básica. Um outro aspecto singular nos seus enfermos foi o
achado, de aspectos eletrocardiográficos compatíveis com
bloqueio do ramo direito, completo ou não, e a sobrecarga
do ventrículo direito, como vimos no nosso caso, acrescentando-se, neste, mudança morfológica do segmento ST, a
lembrar participação pericárdica, que deve contribuir na
gênese da precordialgia.
De histogênese desconhecida, os germinomas extragonadais, escassos, segundo Kitami e cols. 1, são atualmente manuseados com biópsia cirúrgica inicial e quimioterapia subseqüente. Mesmo reconhecida a possibilidade
rara de regressão espontânea, segundo Hachiya e cols. 2, em
um paciente japonês de 22 anos, no qual, a intensa necrose
relacionada à aspiração do tumor, poderia justificá-la, por
restrição de fluxo sangüíneo.
Apesar da sensibilidade da neoplasia à radioterapia,
essa forma de tratamento mostra recidivas, em um terço das
vezes, ou mesmo ocorrência de metástases, daí a opção por
quimioterapia, de fato, mais apropriada, nos dias de hoje 1.
Do que vimos, parece necessária a exclusão de tumoração desse tipo, quando aspectos clínicos condizentes com
obstrução da via de saída do ventrículo direito, até então
desconhecidos, surjam em um homem jovem, com queixas de
astenia, dispnéia e dor torácica, com caráter pleurítico, na
presença de alargamento radiológico do mediastino.
Referências
1.
2.
3.
Kitami A, Suzuki T, Susuki S, Hori G. Primary seminoma in the middle
mediastinum: case report in a 69-year-old male. Jpn J Clin Oncol 1998;
28: 142-4.
Hachiya T, Koizumi T, Hayasaka M, Kubo K, Sekiguchi M, Hamyuuda M, Honda
T. Spontaneous regression of primary mediastinal germ cell tumor. Jpn J Clin
Oncol 1998; 28: 281-3.
Pedra SRFF, Fontes VF. Estenose pulmonar. In. Porto CC (ed). Doenças do
coração. Prevenção e tratamento. Editora Guanabara Koogan. Rio de Janeiro,
1998, cap. 75, pp. 393-8.
4.
5.
6.
7.
Brickner ME, Hillis LD, Lange RA. Congenital heart disease in adults (first of
two parts). N Engl J Med 2000; 342 (4): 256-69.
Roberts WC. Cardiac neoplasms. In: Topol EJ (ed) - Texbook of Cardiovascular
Medicine. Philapelphia: Lippincott - Raven Publishers, 1999; 971-88.
Cox JD. Primary malignant germinal tumours of the mediastinum. Cancer 1975;
36: 1162-8.
Labid SB, Schick Jr EC, Isner JM. Obstruction of right ventricular outflow tract
caused by intracavitary metastatic disease: analysis of 14 cases. J Am Coll Cardiol
1992; 19: 1664-8.
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