ABCESSO DA VESÍCULA SEMINAL - Revisão a propósito de um caso clínico Francisco Barroso*, Carlos Jesus**, Nuno Pires***, Carlos Monteiro*** * Interno Complementar de Urologia ** Assistente Hospitalar graduado de Urologia *** Assistente Hospitalar de Urologia Unidade Funcional de Urologia do Hospital Nossa Senhora do Rosário- Barreiro Director: Dr. Carlos Jesus RESUMO Homem de 67 anos de idade, com antecedentes de Diabetes mellitus II e estadia em África há cerca de 40 anos a quem é diagnosticado abcesso da vesícula seminal esquerda. O paciente é enviado ao nosso serviço de urgência pelo achado imagiológico através de Ecografia prostática transrectal melhor caracterizado por TAC e RMN. No bloco operatório através da realização de ecografia prostática transrectal constatou-se a existência do abcesso tendo-se procedido à drenagem transrectal da referida colecção (com agulha Chiva de 18G, 20 cm) obtendo-se cerca de 50 cc de material purulento, enviado para exame cultural que revelou infecção por Proteus mirabilis. Permaneceu no nosso serviço 9 dias sob antibioterapia endovenosa, mantendo-se apirético e em bom estado geral. Teve alta medicado com Ciprofloxacina 1 comprimido de 500 mg 12/12 h per os durante 15 dias. Num controle realizado às 3 semanas, com TAC pélvica, o paciente manifesta o desaparecimento do abcesso sem lesão residual. Encontra-se presentemente bem, em follow-up. Interessa-nos a divulgação deste caso clínico devido à raridade da patologia bem como, ao relativo e célere diagnóstico e resolução da patologia. INTRODUÇÃO O abcesso da vesícula seminal é a acumulação de material purulento dentro do dito orgão. A sua frequência é muito baixa. As suas causas desencadeantes são várias e muitas vezes não se encontra relação com as que se descrevem na literatura1,6,9,10. A expressão clínica1-5,8-10 ao ser tão díspar em cada caso, pode fazer com que seja confundida com outras patologias infecciosas do aparelho urinário e o seu tratamento é demorado. CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino, 67 anos de idade. Antecedentes de Diabetes mellitus II, HTA. Em consequência do habitual check-up anual, em Novembro de 2008 e por aparente existência de serosidade emitida pelo ânus não relacionada com a defecação, fez ecografia prostática transrectal que revelou abcesso da vesícula seminal esquerda (Figura 1), confirmada e melhor caracterizada por TAC (Figura 2) e RMN (Figura 3). Sem outros antecedentes pessoais relevantes, nomeadamente de tuberculose, shistosomíase, bilharziose, infecções venéreas ou génito-urinárias, acidentes ou traumatismos, algaliações ou cirúrgias. Medicado ambulatóriamente com Metformina, Nifedipina e Bisoprolol. Reformado da profissão de serralheiro mecânico. Cumpriu o serviço militar em Angola na fronteira com a Zambia entre 1969-71, com visitas posteriores frequentes a Cabo-Verde. Internado há cerca de 20 anos no Hospital Nossa Senhora do Rosário ( Barreiro), com suspeita de febre tifóide, por queixas de febre ( aprox. 38-39ºC), dor intestinal e diarreia, sem outras alterações semiológicas de relevo, apresentando leucocitose com neutrofilia ( Leuc.-17730, Neutr.-70%) com teste de Widal e Hudlesson negativos e urina tipo II sem alterações. Actualmente assintomático, apirético. Nega febre, dor, hematospermia, diminuição do ejaculado, hematúria, disúria ou outras queixas miccionais. Nega astenia, adinamia, anorexia ou perda ponderal. Bom estado geral, corado, hidratado, eupneico. Auscultação cárdio-pulmonar- Sem alterações. Abdómen globoso com abundante paniculo adiposo, livre, indolor, sem organomegálias. Nos exames complementares de diagnóstico evidenciava: Analiticamente: Hgb-15.3; Leuc.-7600 ( neutr.-62.5%, linf.-19%); plaq.-242000; INR1,0; glic.-127; Ureia-32; Creat.-0.94; ionograma-normal; GOT-20; GPT-21; Gama-GT26; LDH-289; PSA-0.8 e PCR elevado-8.1. - Ecografia vésico-prostática transrectal e renal (10/09) revelando “ próstata de aproximadamente 48 cc de volume, crescimento devido a hipertrofia da próstata central, heterogénea, arranjo nodular com focos de calcificação em provável relação com HBP.Heterogeneídade da região periférica mais à esquerda, embora sem nódulos. Imagem hipoecogénica adjacente à vertente póstero-lateral esquerda da próstata, conteúdo aparente de liquido não puro, heterogéneo, com parede espessa e medindo cerca de 45,5 mm de maior eixo, mais provável ter origem na vesícula seminal esquerda. Hipertrofia da coluna de Bertin bilateral. Quistos parapiélicos. Microlitíase bilateral. Árvores excretoras não dilatadas” (Figura 1). Figura 1. Ecografia vésico-prostática transrectal -TAC pélvica (11/09) revelando “ na vertente póstero-lateral esquerda da parede do recto, colecção liquida não pura medindo 6.6 x 4.3 cm, estendendo-se em sentido céfalo-caudal por cerca de 6 cm, parede espessa, conteúdo homogéneo mas de densidade elevada.” (Figura 2). Figura 2. TAC pélvica -RMN pélvica (02/10) revelando “aumento marcado da espessura dos tecidos lipomatosos do espaço pré-sagrado, que condiciona moldagem sobre o recto/sigmóide, com empurramento para a frente de todas as estruturas da cavidade pélvica. Alguma heterogeneídade dos tecidos pré-sagrados, com ganho de sinal em T2, apontando para provável natureza inflamatória. Contígua com parede esquerda do recto, imagem de abcesso cerca de 6 cm maior diãmetro com captação de contraste em continuídade com vesícula seminal homolateral. Sem aparentes trajectos fistulosos” (Figura 3). Figura 3. RMN pélvica - Tratamento: No bloco operatório ao se realizar ecografia prostática transrectal constatou-se uma marcada dilatação da vesícula seminal esquerda, correspondente ao abcesso. No mesmo acto procedeu-se à drenagem transrectal da referida colecção (com agulha Chiva de 18G, 20 cm) obtendo-se cerca de 50 cc de material purulento que foi enviado para exame cultural (Figura 4). O exame cultural deste revelou “ Proteus mirabilis sensível à Ciprofloxacina. Permaneceu no nosso serviço nove dias sob antibioterapia endovenosa, mantendo-se apirético e em bom estado geral. Teve alta medicado com Ciprofloxacina 1 comprimido de 500 mg 12/12 h per os durante 15 dias. Num controle realizado às 3 semanas com TAC pélvica, o paciente manifesta o desaparecimento do abcesso sem lesão residual (Figura 5). Encontra-se presentemente bem, em follow-up. Figura 4. Ecografia prostática transrectal Figura 5. TAC pélvica DISCUSSÃO O difícil acesso à exploração manual e a clínica inespecífica que produz o abcesso das vesículas seminais, torna difícil o seu diagnóstico semiológico. A expressão desta patologia segundo consta na literatura é através de disúria, polaquiuria, febre, dor períneal, retenção urinária e defecação dolorosa 1-5,8-10. Pode também a ela estar associada hematospermia, diminuição do ejaculado ou hematúria, O abcesso da vesícula seminal é uma entidade urológica rara, sendo o Staphylococcus aureus ou a Escherichia coli os responsáveis pela maioria dos casos. A Como factores predisponentes mais importantes encontram-se a prostatite aguda e crónica, associando-se também a infecção urinária, diabetes, anomalias anatómicas, Tuberculose, instrumentação urológica e o cateterismo uretral. B? Na maioria dos casos, não se encontra nenhuma causa relacionada1,6,9,10. Quanto aos métodos complementares de diagnóstico para fazer o diagnóstico concordamos com Saglam e outros autores3 de que a ecografia transrectal é melhor que a RMN e a TAC ao permitir imagens em tempo real, ao ser a preparação e duração do procedimento mínimo e por último, permitir a drenagem da cavidade no mesmo acto. Entre as opções de tratamento actuais existe o da atitude conservadora4,5 com antibióticos com largo espectro de forma prolongada. A drenagem percutânea reserva-se para os casos que não respondam ao tratamento conservador. Esta atitude para nós é discutível devido a que a drenagem, pode ser uma opção de primeira intenção já que alivia rápidamente a sintomatologia, reduzindo consideravelmente os dias de internamento e a duração do tratamento antibiótico com mínimo dano ou nula morbilidade. Vallejo Herrador1 apresentou o primeiro caso de drenagem percutânea transglútea e parasagrada TAC-dirigida. A drenagem transuretral de um abcesso bilateral das vesículas seminais propôs-se quando a drenagem percutânea foi ineficaz6. Chandra7, realizou uma drenagem percutânea transperíneal de um paciente com abcesso bilateral das vesículas seminais e utilizaram a RMN para clarificar o diagnóstico. A mesma via foi utilizada por Gutiérrez2. Saglam3 propõe evitar a punção transrectal em pacientes com recto normal pelo risco de infecção peritoneal. Por outro lado utilizou esta via em dois pacientes operados a cancro rectal, recomendando a punção tansperíneal sobretudo quando o abcesso é bilateral e/ou multiloculado devido à possibilidade através desta via de realizar múltiplas punções. Não concordamos com este autor devido a que mediante apenas uma punção e com tratamento antibiótico adequado se pode solucionar o quadro com mínima possibilidade de produzir peritonite. Está descrita a possibilidade de realizar a punção transrectal apenas pela via transrectal digito-guiada quando a massa é palpável8. A via cirúrgica é sempre a alternativa final quando os outros métodos falham9, com a possibilidade de abordagem directa do abcesso mas com a co-morbilidade associada da cirurgia aberta. CONCLUSÃO Consideramos e reafirmamos a ecografia transrectal com punção como uma alternativa válida e eficaz para o diagnóstico e tratamento do abcesso das vesículas seminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 11. Vallejo Herrador J, Burgos Sevilla FJ, Téllez MartínezFornes M, Mayayo Dehesa T, Allona Almagro A, Navío Niño S, Retamar Mancha JA: Absceso de Vesícula seminal. Revisión Clínico-terapéutica a propósito de un caso. Actas Urol. Esp. 1991; 15: 393-396. 12. Gutierrez R, Carrere W, Llopis J, Romero JA, Umbert B, Carretero P. Seminal Vesicle Abscess: Two case reports and a review of the literature. Urol. Int. 1994; 52: 45-47. 13. Saglam M, Ugurel S, Kilciler M, Tasara M, Socomunca I, Ucoz T. Transrectal ultrasound-guided transperineal and transrectal management of seminal vesicle abscesses. Europ. J. Radiol. Extra. 2003; 45, Issue 1: 20-25. 14. Nicolás Torralba J.A, Bañon Pérez V, Valdevira Nadal P. López Cubillana P, Server Pastor G, Pérez Albacete M. Absceso de vesícula seminal: tratamiento conservador. Archivos Esp. Urol 2001; 54, 5: 445-446. 15. Kennelly M.J, Oesterling JE. Conservative management of seminal vesicle abscess. J.Urol 1989; 141: 1432-1433. 16. Frye K, Loughlin K. Successful transurethral drainage of bilateral seminal vesicle abscesses. J Urol. 1988;139(6):1323-4. 17. Chandra I, Doringer E, Sasica K, Kunit G, Frick J: Bilateral seminal vesicle abscesses. Eur. Urol. 1991; 20: 164-166. 18. Kerbl K, Mitterhuber J, Pauer W, Zisch R. Transrectal puncture and drainage of seminal vesicle abscess. Tech Urol. 1998 Sep;4(3):169-71. 19. Kore RN, McLoughlin J, Kabala J, Sibley GN. Seminal vesicle abscess. 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