SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 2 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 11 2.1 GERAL ............................................................................................................................... 11 2.2 ESPECÍFICOS.................................................................................................................... 11 3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 12 3.1 FALÊNCIA RESPIRATÓRIA .......................................................................................... 12 3.1.1 Métodos de avaliação da ventilação e oxigenação na falência respiratória ............. 12 3.1.2 Causas de falência pulmonar ....................................................................................... 13 3.1.3 Abordagens terapêuticas na falência respiratória ...................................................... 14 3.1.3.1 Controle do agente causal ............................................................................................ 14 3.1.3.2 Ventilação Mecânica ................................................................................................... 15 3.1.3.3 Surfactante alveolar ..................................................................................................... 16 3.1.3.4 Óxido nítrico ................................................................................................................ 16 3.1.3.5 Corticosteróides ........................................................................................................... 17 3.2 ECMO................................................................................................................................ 17 3.2.1 Histórico ......................................................................................................................... 18 3.2.2 Indicações ....................................................................................................................... 19 3.2.3 Contra–indicações ......................................................................................................... 20 3.2.4 Complicações .................................................................................................................. 20 3.2.5 Oxigenadores de membrana ......................................................................................... 21 3.2.6 Desvios cardiopulmonares ............................................................................................ 22 3.2.6.1 Desvio veno-arterial ..................................................................................................... 22 3.2.6.2 Desvio veno-venoso ..................................................................................................... 23 3.2.6.3 Desvio artério-venoso ................................................................................................... 24 3.2.7 Detalhes Técnicos da ECMO Artério-venosa ............................................................. 27 4 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 29 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 31 9 1 INTRODUÇÃO A sigla ECMO vem do inglês Extracorporeal Membrane Oxygenation,que tem como tradução Oxigenação Extracorpórea por membrana. Consiste em um método capaz de promover um desvio sanguíneo cardiopulmonar extracorpóreo (HANEKAMP et al, 2006) combinado a um oxigenador de membrana (BAHRAMI; MEURS, 2005). A ECMO em geral é realizada por meio de um desvio veno-venoso ou veno-arterial, com o auxílio de bomba centrífuga ou de rolete, oxigenador de membrana e permutador de calor (LIEBOLD et al., 2000). O terceiro tipo de desvio possível utiliza o próprio gradiente de pressão artério-venoso para impulsionar o sangue através do sistema tornando a utilização da máquina da circulação extracorpórea desnecessária (GANDOLFI; BRAILE, 2003). As principais funções dos pulmões são promover a oxigenação, remover o dióxido de carbono (CO2) e manter o pH do sangue em níveis fisiológicos (GANDOLFI; BRAILE, 2003, p.360). Sabe-se que na insuficiência pulmonar aguda os pulmões ficam impossibilitados de exercer suas funções adequadamente e isso ocorre muitas vezes devido a um edema pulmonar agudo, trauma ou a qualquer doença que comprometa a ventilação (POWELL, 2002). Com a ECMO, portanto, o sangue é oxigenado fora do corpo do paciente, não sendo necessária a troca gasosa nos pulmões (PETROU et al., 2006), permitindo que haja o descanso e uma melhor recuperação deste órgão. Esta tecnologia assume em parte ou totalmente a função pulmonar em pacientes com falência respiratória (BARTLETT et al., 1986), em especial em casos nos quais os atributos da terapia intensiva não são suficientes para impedir o agravamento do quadro clínico. A ventilação mecânica, por exemplo, pode causar sequelas em áreas afetadas e saudáveis dos pulmões devido ao uso de pressões altas por tempo prolongado, o que torna a ECMO uma possível opção na insuficiência respiratória grave não responsiva a outros tratamentos (COSTA et al., 2008). Outras afecções, como doenças cardíacas congênitas ou adquiridas, comprometem o funcionamento do coração e o tratamento em alguns casos é cirúrgico. Além do suporte respiratório, a ECMO funciona como um dispositivo de assistência circulatória prolongada, nos transplantes cardíacos e até mesmo em casos de paradas cardiorrespiratórias. Também proporciona um suporte cardiopulmonar nos casos de choque cardiogênico. (ATIK et al., 2008). Esta técnica de suporte à vida é indicada para aplicação em quadros clínicos graves, porém reversíveis. Em casos de falência respiratória aguda, por exemplo, a condição para seu 10 uso é o risco de mortalidade do paciente sem a ECMO ser maior que 80% (COOK, 2004). Apesar de invasiva, esta técnica traz resultados muito promissores para casos de tamanha gravidade, chegando a aumentar a taxa de sobrevivência de neonatos em até 77% e de adultos de 50 a 80% (PERALTA et al., 2005, HANEKAMP et al., 2006 ). Na medicina humana, a oxigenação extracorpórea por membrana é considerada um método avançado de suporte à vida. No entanto, a grande complexidade técnica aliada ao alto custo e à necessidade de uma equipe extremamente especializada fazem com que ela ainda não esteja disponível em todos os hospitais, mas em determinados centros de referência espalhados pelo mundo. Já os estudos envolvendo animais estão relacionados, em sua maioria, à experimentação, com a finalidade de aplicação em seres humanos. No Brasil, pesquisas já têm sido desenvolvidas com o intuito de viabilizar o uso da ECMO na rotina das clínicas veterinárias, estipulando protocolos específicos para os animais e adequando esta terapia de vanguarda à realidade da Medicina Veterinária (COSTA et al., 2008). Este trabalho se justifica por tratar de um tema que representa um avanço muito importante no tratamento de cães (Canis familiaris) com afecções comuns como trauma e edema pulmonar, além de outras condições quando os demais tratamentos falharem. 11 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL Realizar uma revisão de literatura sobre a oxigenação extracorpórea por membrana (ECMO) e sua aplicabilidade em seres humanos e animais. 2.2 ESPECÍFICOS a) Relacionar as indicações, contra-indicações e complicações associadas à ECMO; b) Descrever os desvios cardiopulmonares veno-arterial, veno-venoso e artério-venoso utilizados; assim como conhecer os detalhes técnicos envolvidos. 12 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 FALÊNCIA RESPIRATÓRIA A falência respiratória pode ocorrer em situações que promovam dificuldades ventilatórias, ou seja, o ar ambiente não chega aos alvéolos em quantidade suficiente ou em desordens do parênquima pulmonar, quando o ar que chega aos alvéolos não é difundido ao capilar pulmonar e, consequentemente, não promove troca gasosa de maneira eficiente. A adequada oxigenação dos tecidos é dependente de uma boa ventilação e de uma troca gasosa efetiva nos pulmões (POWELL, 2002). A Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) ou Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) é uma condição caracterizada por doença inflamatória de acometimento agudo, acompanhada por hipoxemia, observação de infiltrados alveolares bilaterais na radiografia de tórax e ausência de doença cardíaca. O que difere a lesão pulmonar aguda (LPA) da SARA/SDRA é a severidade da injúria pulmonar. Na última condição, a hipoxemia é mais grave, sendo evidenciada pela relação entre a pressão parcial de oxigênio no sangue arterial e a fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) menor que 200 mmHg. Na LPA esta razão fica menor que 300 mmHg. Os valores para pacientes saudáveis seriam acima de 300. (ROTTA et al., 2003, RABELO; CROWE, 2005, WHEELER; BERNARD, 2007). 3.1.1 Métodos de avaliação da ventilação e oxigenação na falência respiratória É possível avaliar o grau de oxigenação e de ventilação dos pulmões através da análise arterial de gases sanguíneos pelo uso da gasometria. Seu uso é um forte aliado porque identifica as pressões parciais de CO2 (PaCO2) e O2 (PaO2) no sangue arterial, assim como os níveis de bicarbonato e pH sanguíneos (POWELL, 2002). Outro método importante é o uso da capnometria, que mede a concentração de CO2 em uma mistura de gases expirados. É uma monitorização constante através de um método não invasivo que nos proporciona uma medida indireta dos níveis circulantes de CO2 (AMARAL et al., 1992; AULER JÚNIOR et al., 1990. ). A capnografia é a representação 13 gráfica da curva de pressão parcial de CO2 expirado em relação ao tempo (AMARAL et al., 1992). A oximetria de pulso é um dispositivo capaz de emitir uma luz vermelha no lobo da orelha ou na extremidade digital que atravessa o tecido onde é parcialmente absorvida. Um sensor na extremidade oposta analisa a absorção da luz pela hemoglobina e oxihemoglobina do sangue perfundido. Desta forma é capaz de medir então a saturação parcial de oxigênio (AMARAL et al., 1992). Alguns fatores podem afetar a acurácia desse método, como pigmentação das mucosas, perfusão diminuída nas extremidades e presença de carboxihemoglobina e metahemoglobina que são capazes de promover leituras falsamente elevadas de saturação parcial de O2 (SatO2) (AMARAL et al., 1992; POWELL, 2002). Como descrito anteriormente, a severidade da injúria pulmonar também pode ser quantificada pela razão PaO2/FiO2. Este valor é muito útil para comparar a PaO2 relacionada a diferentes frações inspiradas de oxigênio, e pode fornecer a informação se os pulmões lesados são responsivos ou não a essas frações (POWELL, 2002). 3.1.2 Causas de falência pulmonar As causas de falência respiratória podem ser diretas, nas quais a lesão pulmonar é primária, ou indiretas, nas quais os pulmões são afetados secundariamente a outras doenças. Dentre as causas diretas mais comuns pode-se considerar a pneumonia, aspiração de conteúdo gástrico, quase afogamento, lesão por inalação tóxica, embolia gordurosa ou gasosa e hemorragia alveolar (GALHARDO; MARTINEZ, 2003; WHEELER; BERNARD, 2007;). Nas lesões pulmonares indiretas a sepse e o politraumatismo acompanhados de choque são considerados os agentes causadores mais importantes e mais comumente observados. Estes agentes provocam a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), desencadeando a liberação de uma série de mediadores pró-inflamatórios na circulação, como a Inteleucina 1 e a Interleucina 8, e que, consequentemente, afetam os pulmões. Desta forma, ocorre a atração de neutrófilos, liberando fatores inflamatórios capazes de lesar diretamente o epitélio alveolar e vascular (ANTONIAZZI et al., 1998). Outras causas menos comuns de lesão pulmonar indireta, mas não menos importantes, são a pancreatite aguda, a toxicidade por drogas, a coagulação intravascular disseminada, queimaduras graves, assim como as causas neurogênicas, como as lesões de neurônio motor 14 inferior causadas por doenças como o botulismo, que resulta em paralisia dos músculos respiratórios e em hipoxemia (POWELL, 2002). O sistema nervoso central, particularmente o tronco cerebral, também é responsável pelo controle da ventilação. Logo, algumas doenças que afetam o sistema nervoso central interferem diretamente na ventilação pela perda da sua regulação. Lesões cerebrais também podem interferir na ventilação, como aquelas promovidas por neoplasias e anormalidades vasculares (tromboses e hemorragias). O edema cerebral proveniente do trauma também é capaz de alterar a função de regulação ventilatória (POWELL, 2002). 3.1.3 Abordagens terapêuticas na falência respiratória O tratamento da SDRA é visto como um constante desafio para a medicina humana e, apesar dos avanços tecnológicos, a mortalidade ainda é considerada muito alta (ANTONIAZZI et al., 1998). É também considerada a doença mais difícil de tratar, tanto na medicina humana como na veterinária (MUELLER, 2001). O principal é o tratamento de suporte para evitar complicações iatrogênicas enquanto se trata a doença de base, mantendose uma adequada oxigenação (WHEELER; BERNARD, 2007). 3.1.3.1 Controle do agente causal É de fundamental importância conhecer o agente causador da injúria pulmonar para, então, instituir medida terapêutica adequada e impedir que a lesão se perpetue como, por exemplo, o uso de antibioticoterapia correta em processos infecciosos, tanto de origem pulmonar quanto de outros órgãos, para assim evitar a lesão indireta. O controle hemodinâmico rigoroso também é importante em casos de choque hipovolêmico ou séptico (ROTTA et al., 2003). 15 3.1.3.2 Ventilação Mecânica O uso da ventilação mecânica é predominante no tratamento de falências respiratórias. Esta técnica é indicada para promover as trocas gasosas necessárias em pulmões que apresentam injúrias. No entanto, deve-se ter cuidado com o uso da ventilação mecânica para evitar a lesão pulmonar associada a esse suporte ventilatório. (ANTONIAZZI et al., 1998). Existem diferentes modos ventilatórios utilizados na LPA/SDRA. Estes podem ser controlados por volume e outros por pressão. Não há dados suficientes que mostrem superioridade de um em relação a outro no que diz respeito à morbidade e à mortalidade de pacientes com essa síndrome (AMATO et al., 2007), porém sabe-se que a utilização de volumes correntes menores exercem influência sobre a sobrevida dos pacientes. Comprovouse que o uso de 6 ml/kg é capaz de reduzir a taxa de mortalidade em 22% em relação a volumes correntes maiores, como 12ml/kg (GALHARDO; MARTINEZ, 2003). Além disso, o uso de volumes correntes menores sem alteração da frequência respiratória reduz a hiperdistensão alveolar, a pressão nas vias aéreas e aumenta a PaCO2, chamada de hipercapnia permissiva. Ela representa uma opção interessante, uma vez que promove adequada oxigenação e previne os efeitos adversos das pressões excessivas nas vias aéreas. Só está contra-indicada em pacientes com lesões cerebrais, insuficiência cardíaca congestiva e para doentes com acidose metabólica progressiva. Isso porque o uso desta técnica pode aumentar a pressão intra-craniana, causar hipertensão moderada e aumentar o trabalho cardíaco (COIMBRA; SILVERIO, 2001). Outro artifício usado na ventilação mecânica é a pressão positiva ao final da expiração (PEEP). Ela impede a abertura cíclica e o colabamento alveolar evitando que os alvéolos menos complacentes colapsem ao final da expiração. O uso excessivo da PEEP, no entanto, pode causar pneumotórax e efeitos hemodinâmicos adversos, porém utilizando manobras adequadas evita-se uma distensão alveolar exagerada, prevenindo a liberação de substâncias pró-inflamatórias que afetam a progressão da doença (ROTTA et al., 2003). Sabe-se que diferentes protocolos ventilatórios empregados na rotina da terapia intensiva são capazes de influenciar na progressão da doença pulmonar de forma favorável, são as chamadas estratégias protetoras. A ausência da sua utilização, em contrapartida, pode contribuir com a mortalidade (ROTTA et al., 2003) . Na medicina veterinária, utiliza-se as mesmas estratégias ventilatórias protetoras realizadas na medicina humana, mantendo o mesmo princípio de manter o pulmão aberto e 16 evitar hiperdistensões que provocam injúrias secundárias. Ainda não foram feitos estudos clínicos sobre manobras ventilatórias na SDRA envolvendo pacientes veterinários (MUELLER, 2001). 3.1.3.3 Surfactante alveolar O surfactante é um complexo lipoproteico que diminui a tensão superficial alveolar estabilizando e impedindo o seu colapso ao final da expiração. O uso como terapia em lesões pulmonares de neonatos prematuros apresenta resultados positivos e é capaz de restaurar a capacidade tensoativa do surfactante endógeno (SILVA et al., 2009). Em pacientes adultos, o uso do surfactante não se mostrou efetivo em melhorar a oxigenação e encurtar a duração da ventilação mecânica. As explicações seriam a via de administração em aerosol, que retêm somente 5 % da dose, e o tipo de surfactante utilizado (preparação fosfolipídica sem proteínas de surfactante) (ROTTA et al., 2003). Os estudos envolvendo surfactante no tratamento de lesão pulmonar/SDRA ainda são controversos, porém muitos ainda se encontram em andamento, utilizando novas composições para melhores resultados nessa terapêutica (SILVA et al., 2009). 3.1.3.4 Óxido nítrico Produzido no endotélio vascular a partir da arginina, o óxido nítrico é um vasodilatador local. Inalado na SDRA, é capaz de melhorar as trocas gasosas, diminuir a pressão na artéria pulmonar incrementando a relação ventilação-perfusão (GALHARDO; MARTINEZ, 2003). A substância atua promovendo um efeito direto na camada muscular da vasculatura pulmonar e, como é rapidamente desativado na circulação pela hemoglobina, resultando em metahemoglobina, não provoca efeito vasodilatador sistêmico. O uso em pacientes com SRDA tem se mostrado desapontador, pois alcança apenas um efeito transitório de curta duração, não representando um resultado positivo. Além disso, estudos mostram muitas dúvidas em relação à concentração ideal a ser inalada (ANTONIAZZI et al., 17 2002). Seu uso, entretanto, pode trazer benefícios no resgate temporário de hipoxemias refratárias às intervenções convencionais (ROTTA et al., 2003). 3.1.3.5 Corticosteróides A administração de glicocorticóides não apresenta nenhum benefício quando realizada na fase aguda da SDRA ou em pacientes com sepse, com risco de desenvolvimento de SDRA (ROTTA et al., 2003). Porém, numa fase mais tardia da doença, chamada de proliferativa, mostram melhora na relação PaO2/FiO2 e diminuem valores de PEEP. Isso se deve através da modulação de macrófagos e atividade dos fibroblastos (RABELO; CROWE, 2005). Porém, em estudo realizado mais recentemente foram comparados resultados de testes randomizados utilizando-se glicocorticóides por mais de sete dias em pacientes com lesão pulmonar aguda ou SDRA. Os resultados demonstraram que a terapia prolongada melhora significativamente o resultado de variáveis como troca gasosa, redução de marcadores inflamatórios e redução da duração da ventilação mecânica e da permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Foi observado também que a terapia iniciada antes do décimo quarto dia apresenta melhores resultados na taxa de sobrevivência (MEDURI et al, 2007). 3.2 ECMO A ECMO promove um desvio sanguíneo cardiopulmonar extracorpóreo combinado a um oxigenador de membrana (BAHRAMI; MEURS,2005; HANEKAMP et al., 2006). Uma das principais indicações para esta modalidade de suporte à vida é a falência respiratória não responsiva a terapias convencionais mas que, entretanto, podem ser reversíveis (BAHRAMI; MEURS, 2005). Existem as modalidades veno-venosa e veno-arterial, onde há necessidade do auxílio de bomba centrífuga ou de rolete e do permutador de calor, além do oxigenador de membrana e também o desvio artério-venoso, onde o próprio gradiente pressórico e o coração do paciente funciona como bomba para o circuito extracorpóreo (CARVALHO et al, 2009; LIEBOLD et al., 2000). Este último tipo será o mais abordado no presente estudo. 18 3.2.1 Histórico A primeira tentativa de se oxigenar o corpo de forma extracorpórea para a perfusão de órgãos isolados foi feita em 1885. O desenvolvimento de uma máquina coração-pulmão só foi registrada, no entanto, em 1937, com o intuito de permitir cirurgias com o coração aberto. Em seu modelo, o sangue com anticoagulante entrava em contato direto com o oxigênio, o que acarretava hemólise severa, trombocitopenia, hemorragia e falência de órgãos, complicando o tratamento (LEWANDOWSKY, 2000). Em 1944, foi utilizado celofane como membranas para trocas gasosas,e em 1955, construído o primeiro protótipo de oxigenador de membrana com lâminas de polietileno, usado experimentalmente, obtendo-se sucesso (DRUMMOND et al., 2005). No ano seguinte, foi desenvolvido um oxigenador de membrana mais eficiente e rápido, com menos complicações, e que duraria mais que algumas horas (LEWANDOWSKY, 2000). Estes pesquisadores foram os pioneiros no uso do oxigenador de membrana em cirurgia cardíaca clínica (DRUMMOND et al., 2005). Potts et al. (1951) realizaram o primeiro experimento utilizando o gradiente artériovenoso, desenvolvendo um suporte pulmonar em cães submetidos à falência respiratória. O pulmão artificial era posicionado entre a aorta e a veia cava superior. Logo depois, Rashkind et al. (1965) usaram um dispositivo de bolhas que ficava entre a artéria e a veia femorais de cães submetidos à falência respiratória, melhorando consideravelmente os parâmetros gasométricos desses animais durante o experimento. As primeiras aplicações clínicas da ECMO em falências respiratórias de neonatos e adultos foram realizadas em 1972. Em 1974 um estudo multicêntrico randomizado foi realizado comparando-se a ECMO veno-arterial com a terapia convencional utilizando ventilação mecânica em pacientes adultos com ARDS, revelando uma taxa de mortalidade de 90%, não muito diferente do tratamento convencional. Com este resultado, o uso da ECMO foi desencorajado e o interesse pela técnica foi deixado momentaneamente de lado (LEWANDOWSKY, 2000). Liebold et al. (2000) realizaram a primeira aplicação clínica da ECMO em pacientes adultos com desvio artério-venoso, sem a utilização de bomba, e concluíram que o método é de fácil aplicação e manutenção e que provocou melhora na oxigenação e remoção do gás carbônico. 19 3.2.2 Indicações A ECMO é indicada para oferecer um suporte cardiopulmonar prolongado, ou seja, tem como objetivo dar assistência ao coração e/ou aos pulmões quando estes são insuficientes e não responsivos a tratamentos convencionais (GANDOLFI; BRAILE, 2003). Em casos de falência cardíaca, a ECMO pode servir como ponte para transplantes na derivação venoarterial (COLAFRANCESCHI et al., 2008). A ECMO é considerada uma terapia padrão para insuficiência respiratória neonatal e permite a recuperação pulmonar da doença de base e também da hipertensão pulmonar que normalmente acontece nestes casos. Sua aplicação é indicada em casos de síndrome de aspiração do mecônio, na hipertensão pulmonar persistente do neonato, na doença da deficiência de surfactante severa e na sepse neonatal. Também está relacionada ao tratamento de algumas situações cirúrgicas neonatais, em casos de cardiomiopatias, hipoplasia pulmonar reversível e nefropatias congênitas. Ela é utilizada em casos em que os pacientes têm 80 % de chance de virem a óbito (COOK, 2004). Os critérios específicos para indicação de ECMO variam e não há um critério universalmente aceito. Muitas vezes os fatores decisivos baseiam-se na condição clínica específica do paciente, no risco de morte e na possibilidade de reversão da doença (COOK,2004). Liebold et al. (2000), após analisarem 20 pacientes adultos, afirmam que a ECMO sem bomba é uma terapia de suporte bastante útil também em pacientes adultos selecionados com ARDS severa e falência respiratória , demonstrando índices de oxigenação satisfatórios e notáveis remoções de CO2. Grupos europeus coletaram dados com mais de 850 pacientes adultos acometidos por ARDS e tratados com ECMO, observando-se uma taxa de sobrevivência maior que 50% (LEWANDOWSKY,2000). Pacientes com traumatismos e ARDS fulminante também podem ser beneficiados ao serem submetidos à ECMO como uma terapia de resgate e como parte de um tratamento multimodal para quadros em estados iniciais da síndrome (BREDERLAU et al., 2004). Atualmente, muitas instituições já consideram a ECMO como uma terapia convencional, ao invés de experimental, principalmente considerando-se o fracasso das demais terapias convencionais (COOK, 2004). 20 Carvalho et al. (2009) utilizam alguns critérios para indicação da ECMO com a FiO2 maior ou igual a 0,6 e PaCO2 maior que 44mmHg, apesar da ventilação mecânica; também a ausência de resposta ao recrutamento alveolar com PEEP maior que 15 cmH2O e complacência pulmonar efetiva menor do que 5ml/Kg/cmH2O. Mais recentemente a ECMO também foi utilizada no tratamento da gripe suína, Influenza A (H1N1) em Unidades de Terapia Intensiva da Austrália e Nova Zelândia demonstrando resultados satisfatórios. Apesar da severidade da doença e do tratamento de suporte prolongado, a maioria dos pacientes sobreviveu (EXTRACORPOREAL..., 2009). 3.2.3 Contra–indicações São muitas as contra-indicações descritas para o uso da ECMO, como sangramento incontrolável ou coagulopatia; dano irreversível ao sistema nervoso central; prognóstico negativo associado à doença de base; imunossupressão; falência múltipla dos órgãos e falência ventricular esquerda (LEWANDOWSKY, 2000; BAHRAMI; MEURS, 2005). Também as malformações congênitas irreparáveis; doenças metabólicas letais e intratáveis; hemorragia intracranial; neonatos com menos de dois quilos e idade gestacional menor que 34 semanas (COOK, 2004). 3.2.4 Complicações A hemorragia intracraniana é a complicação mais séria causada pela ECMO, sendo associada a altos índices de morbidade e mortalidade. A hemorragia ocorre devido à necessidade de heparinização sistêmica do paciente (BAHRAMI; MEURS, 2005). Alterações mecânicas, sangramentos e complicações técnicas durante o circuito, a presença de coágulos e problemas na canulação são frequentemente reportados (LEWANDOWSKY, 2000; COOK, 2004). Cook (2004) relata que 12% dos pacientes neonatais podem apresentar convulsões e 15% infartos ou hemorragia intracrania; 7% apresentam infecções associadas à ECMO; 4% hemorragia intrapulmonar e 6% choque miocárdico. Falência renal e necessidade de diálise são reportados em 1/3 dos pacientes. 21 3.2.5 Oxigenadores de membrana Os oxigenadores de membrana são dispositivos capazes de promover a oxigenação do sangue e remover o dióxido de carbono do organismo (DRUMMOND et al., 2005). A troca gasosa é feita através de uma membrana semi-permeável ou microporosa por meio da difusão de gases (SOUZA; ELIAS, 2006). Um oxigenador ideal é aquele capaz de promover uma troca gasosa adequada, evitando ao máximo a destruição de elementos figurados do sangue e desnaturação de proteínas. Deve ser de fácil manuseio, feito de material mais biocompatível possível, assim como apresentar potencial mínimo para formação de microêmbolos (SOUZA; ELIAS, 2006). O princípio da troca gasosa no oxigenador de membrana se baseia na diferença de pressão entre os dois lados da membrana e também no tipo de material, espessura e porosidade utilizados para o desenvolvimento da membrana. Outro fator capaz de influenciar a troca gasosa é a espessura do sangue em contato com a membrana e as características do fluxo sanguíneo no oxigenador (DRUMMOND et al., 2005). As membranas podem ser do tipo semi-permeáveis ou verdadeiras e também podem ser do tipo microporosas. Nas membranas verdadeiras a troca gasosa é feita por difusão, dissolvendo-se na membrana e então liberado na face oposta devido a um gradiente de pressão (SOUZA; ELIAS, 2006). São consideradas de alto custo e difícil manuseio, requerendo grandes superfícies de membrana, utilizados em procedimentos de longa duração, já que mantêm as trocas gasosas em condições adequadas por períodos prolongados (DRUMMOND et al, 2005). Já as membranas microporosas (figura 1) têm um processo de difusão mais simples, as moléculas de O2 e CO2 atravessam os poros da membrana de um lado a outro (SOUZA; ELIAS, 2006). Elas são utilizadas em procedimentos mais curtos, pois com o tempo a capacidade funcional da membrana se reduz pela condensação do soro e extravasamento pelos poros (DRUMMOND et al., 2005). O modelo de oxigenadores de membrana de placas, feitos de membranas microporosas de polipropileno, dobradas em Z, por promoverem o sequestro de plaquetas, teve seu uso descontinuado. As membranas também podem ser compostas de silicone e dispostas em espiral, enroladas em um eixo central ligeiramente espiralado. Há também os oxigenadores em fibras ocas, feitas por membranas de polipropileno microporosas, com finos capilares dispostos em feixes paralelos (DRUMMOND et al., 2005). 22 Figura1: Oxigenador de membrana do tipo microporosa utilizado durante experimento na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. 2009 3.2.6 Desvios cardiopulmonares 3.2.6.1 Desvio veno-arterial Neste desvio há a canulação cirúrgica da artéria carótida comum direita e da veia jugular interna. A ponta do cateter venoso é posicionado no interior do átrio direito introduzida pela veia jugular interna e o sangue passa pelo circuito havendo a oxigenação e remoção do CO2, retornando por um cateter arterial posicionado na junção da artéria carótida comum direita e o arco aórtico (BAHRAMI; MEURS, 2005) (figura 2). Antigamente o desvio veno-arterial era o único utilizado (COOK, 2004). Ele fornece suporte cardíaco e pulmonar e é preferivelmente utilizado em pacientes com pressão arterial instável e disfunções cardíacas primárias (BAHRAMI; MEURS, 2005) e permite a oxigenação de um maior débito cardíaco (CARVALHO et al., 2009). Uma das desvantagens do uso desse desvio é o sacrifício da artéria carótida interna tornando-a inutilizável. Outras desvantagens seriam o potencial de re-infusão de êmbolos, o 23 desvio pelo circuito vascular pulmonar e perfusão coronária dependente de fluxo retrógrado (COOK, 2004). Figura 2 - Esquema do desvio veno-arterial e inserção de cânulas Fonte: BAHRAMI; MEURS, 2005 3.2.6.2 Desvio veno-venoso Neste desvio cardiopulmonar apenas veias são canuladas, podendo ser femoral ou jugular, usando a técnica de Seldinger percutânea (KOPP et al., 2006). Bartlett et al., (2004) desenvolveram uma única cânula venosa com duplo lúmen. O cateter de duplo lúmen deve ser posicionado dentro do átrio direito direcionando o sangue oxigenado ao lúmen de retorno pela válvula tricúspide, minimizando a recirculação (BAHRAMI; MEURS, 2005)(figura 3). O fluxo sanguíneo do desvio veno-venoso é ajustado para 30-50% do débito cardíaco, suficiente para promover adequada oxigenação e remoção do CO2 (KOOP et al., 2006). As vantagens seriam a manutenção da carótida; o auxílio da perfusão pulmonar em reverter o vasoespasmo associado à hipertensão pulmonar; a filtração de êmbolos pela vasculatura pulmonar e a manutenção do débito cardíaco e da perfusão coronária (COOK, 2004). 24 Figura 3- Esquema do desvio veno-venoso utilizando catéter duplo lúmen. Fonte: BAHRAMI; MEURS, 2005 3.2.6.3 Desvio artério-venoso Nas derivações citadas acima alguns inconvenientes são observados, principalmente relacionados ao uso da bomba do circuito extracorpóreo, que acaba por traumatizar os elementos figurados do sangue causando hemólise (CHAPMAN et al., 1990). Além disso, tendem a desenvolver uma resposta inflamatória mais agressiva com ativação leucocitária e liberação de citocinas. Como o sistema é mais complexo, envolve maior risco e maiores custos envolvendo complicações técnicas como falência do oxigenador, problemas com a cânula, tubos, bomba e permutadores de calor (GANDOLFI; BRAILE, 2003). A fim de reduzir todos esses inconvenientes e tornar o circuito mais simples e menos dispendioso foi desenvolvido o circuito artério-venoso, em que a bomba que impulsiona o sangue é o próprio gradiente de pressão arterio-venoso do paciente, não havendo necessidade do uso de uma bomba artificial. Um oxigenador de membrana de baixa resistência é acoplado neste circuito promovendo fluxo suficiente no oxigenador, sendo tão eficiente quanto o sistema com bomba (LIEBOLD et al., 2003). Este desvio se torna então somente um suporte pulmonar (CARVALHO et al., 2009). A utilização do acesso feito pela canulação da artéria femoral, passando pelo oxigenador e retornando através da veia femoral é muito utilizado (MADERSHAHIAN et al., 25 2006) (figura 4). Esse acesso vascular periférico tem como vantagem descartar a necessidade de abrir o tórax (CARVALHO et al., 2009). Figura 4: Esquema do desvio atério-venoso utilizando a artéria e veia femoral. Fonte: LIEBOLD et al, 2003 O fluxo sanguíneo que passa pelo oxigenador é influenciado pela pressão arterial média, a resistência vascular sistêmica, a resistência do circuito artério-venoso e a pressão venosa central. Logo, este circuito requer um débito cardíaco adequado, assim como uma condição cardíaca estável. Portanto, falência cardíaca e choque séptico com redução da pressão arterial média são contra-indicados para esse tipo de desvio (KOPP et al., 2006). Gomes et al., (1993) apresentaram um estudo utilizando este desvio em posição artério-venosa sem bomba com 12 cães adultos. Grupos de animais sãos e grupos com indução de lesão pulmonar através da injeção de ácido oléico por via endovenosa foram incluídos, e resultados favoráveis à manutenção da vida dos animais em apnéia com o uso do oxigenador foram alcançados. As boas condições gasométricas e hemodinâmicas descritas foram possíveis levando-se em conta suficiente pressão arterial dos animais. Os autores concluíram que a técnica é eficaz para o tratamento da insuficiência respiratória aguda, apontando a simplicidade da técnica e mínima exigência em pessoal e equipamentos. 26 Outros autores utilizam esse desvio apenas para remoção do CO2. Os dados demonstram que é possível remover a metade da produção metabólica de CO2 em condições basais, sendo essa remoção mais eficiente à medida que a tensão desse gás aumenta. No entanto, os pulmões continuam a ser responsáveis pela oxigenação sanguínea. Segundo estes pesquisadores, neste desvio cardiopulmonar, a oxigenação sanguínea promovida pelo oxigenador de membrana não é tão eficiente devido ao fluxo limitado de sangue que passa pelo dispositivo (DE SOMER et al., 1999). E também porque o sangue que chega ao oxigenador já é arterial (CHAPMAN et al., 1990). Brederlau et al. (2004), em um caso de trauma torácico severo utilizando um fluxo sanguíneo de 25% do débito cardíaco, alcançaram uma eliminação significante de CO2, mas ressaltaram a importância do uso concomitante de ventilador mecânico com alto nível de PEEP para estabilizar a oxigenação, além de uma redução de volume corrente (VT) e pressão de pico inspiratória. Apesar da ventilação mecânica ainda ser a terapia de eleição para pacientes com ARDS, a ventilação convencional com concentrações inspiratórias altas de oxigênio e altas pressões podem causar ainda mais danos aos pulmões acelerando a deteriorização pelo barotrauma (De SOMER et al., 1999). Zwischenberger et al. (2001) realizaram um estudo utilizando ovelhas adultas com indução de lesão pulmonar por inalação severa de fumaça. Ele demonstrou que a remoção de CO2 utilizando o circuito arterio-venoso foi capaz de reduzir as frações inspiradas de oxigênio, a pressão de pico inspiratória e também reduziu os dias de ventilação mecânica alcançando uma melhora significativa na sobrevivência dos ovinos no estudo proposto. As indicações deste desvio ainda não estão bem definidas, porém pacientes com falência respiratória aguda e hipercapnia severa parecem ser os mais beneficiados (KOOP et al., 2006). As vantagens do desvio artério-venoso da ECMO são a redução dos custos com equipamentos, como bombas e dispositivos de aquecimento, a possibilidade do transporte do paciente ser muito mais simples sem a necessidade de interrupção do circuito (LIEBOLD et al., 2000), assim como a simplificação de procedimentos terapêuticos (BREDERLAU et al., 2004). Também não há necessidade de tratamento intensivo ou técnico altamente especializado (GANDOLFI; BRAILE, 2003). Na Medicina Veterinária ainda não há aplicação clínica desse método. Porém foi desenvolvido um estudo experimental por Costa et al. ( 2008) em um cão da raça American Pitbull Terrier, macho , submetido ao desvio artério-venoso durante 3 horas . O oxigenador de 27 membranas substituiu inteiramente a função dos pulmões alcançando níveis ótimos de SatO2 (superiores a 90%), sugerindo uma adequada oxigenação, e manteve as pressões sistólicas, diastólicas e médias em níveis satisfatórios acima do nível requerido para a perfusão de todos os leitos capilares. O estudo demonstrou que essa pode ser uma técnica aplicável em cães com disfunções pulmonares, mas que entretanto são necessários mais estudos clínicos para que seja aplicada de forma rotineira na Medicina Veterinária (COSTA et al., 2008). 3.2.7 Detalhes Técnicos da ECMO Artério-venosa Os profissionais envolvidos na aplicação da ECMO com desvio artério-venoso devem se preocupar em seguir alguns protocolos para maximizar os resultados e evitar complicações. Para que a circulação através do circuito seja eficiente, por exemplo, é importante inibir a coagulação e impedir a formação de trombos, já que o sangue em contato com qualquer superfície fora das superfícies internas do coração e dos vasos sanguíneos tende a coagular. A heparina é a droga anticoagulante de preferência para a circulação extracorpórea, já que é específica, tem poucos efeitos colaterais e é bem tolerada pelo organismo. Ela pode ser utilizada por longos períodos e possui um antídoto específico que é a protamina. A protamina neutraliza o efeito anticoagulante da heparina logo ao final da perfusão (SOUZA; ELIAS, 2006). Há diversos protocolos de heparinização sendo utilizados pelos serviços de ECMO no mundo. Alguns autores utilizam cânulas revestidas com heparina, por exemplo (LIEBOLD et al., 2000; LEWANDOVSKY, 2000), outros fazem heparinização sistêmica utilizando 40 mg/kg de peso corporal (CARVALHO et al., 2009). O estudo de Almeida et al., (1994) aponta que a heparina e a protamina podem desencadear trombocitopenia. A heparina liga-se na membrana plaquetária desencadeando uma resposta mediada por anticorpos, ativando as plaquetas e reduzindo seu número e função. Desta forma, o sangramento seria o efeito colateral mais importante, podendo acontecer em 1 a 37% dos casos (SOUZA; ELIAS, 2006). As condições hemodinâmicas estáveis do paciente também são muito importantes, principalmente a pressão arterial sistêmica, já que esta é a força propulsora do circuito. Para assegurar um fluxo suficiente arterio-venoso é necessário um débito cardíaco de pelo menos 6 l/min e pressão arterial média de pelo menos 70 mmHg (LIEBOLD et al., 2000). As consequências hemodinâmicas do uso desse circuito são a redução na resistência vascular 28 sistêmica associada a uma resistência no circuito do desvio arterio-venoso. Portanto, a manutenção de um volume intravascular adequado e o uso de suporte inotrópico ajuda a promover a estabilização hemodinâmica (CHAPMAN et al., 1990) como, por exemplo, a administração de dopamina, epinefrina e norepinefrina (LIEBOLD et al., 2000). A utilização da ventilação mecânica em associação com a ECMO, como foi descrita anteriormente, melhora a relação ventilação/perfusão e previne danos associados ao barotrauma e ao volutrauma inerentes (ZWISCHENBERGER et al., 2001). Para isso, utilizase protocolos diferentes do convencional, como altos níveis de PEEP, redução do volume corrente e da pressão de pico inspiratória (BREDERLAU et al., 2004). A hemogasometria é um outro mecanismo de auxílio importante durante a manutenção de um paciente em ECMO, pois é capaz de medir diretamente as variáveis PaCO2 e PaO2, assim como o pH sanguíneo. Já a SatO2 é uma variável calculada. A análise de gases sanguíneos de uma artéria ou de uma veia central é uma ferramenta muito importante em pacientes criticamente enfermos, trazendo informações sobre o equilíbrio ácido-base cardiopulmonar. Amostras de sangue arterial traduzem primariamente informações sobre a função pulmonar, e amostras venosas mistas traduzem a performance cardíaca e a função ácido-base de todo o organismo (DAY, 2002). A medição do lactato sanguíneo é outra ferramenta útil no acompanhamento do paciente em ECMO, pois pode ser eficiente em detectar a hipóxia tecidual oculta e a acidose lática (VALENZA et al, 2005). Cheung e Finer (1994) demonstraram que em neonatos que requerem ECMO há uma forte associação da concentração de lactato sérica e a subsequente morte desses pacientes. Os valores de lactato de neonatos não-sobreviventes mostraram-se mais elevados do que daqueles que sobreviveram, indicando que a hipóxia tecidual refletida pela hiperlactatemia pode levar a falência orgânica e morte. 29 4 DISCUSSÃO O desvio veno-arterial promove um suporte cardíaco e pulmonar de acordo com Bahrami e Meurs (2005) e somente pulmonar para o veno-venoso (KOOP et al., 2006), entretanto Gandolfi e Braile (2003) colocam que esses desvios envolvem maiores riscos de complicações técnicas com o uso da bomba, assim como o desenvolvimento de uma resposta inflamatória mais agressiva. Sendo assim, são consideradas técnicas mais complexas e com maior número de possíveis complicações se tornando mais difícil se adequar a realidade da medicina veterinária. De acordo com Liebold et al (2003), o desvio artério- venoso tem como principal vantagem ser mais simples e de menor custo que os outros desvios , porém Kopp et al (2006) ressalta que o paciente deve ter uma condição cardíaca estável e adequada pressão arterial. Essas condições nem sempre são possíveis na rotina clínica principalmente considerando quadros graves, o que torna a técnica limitada. De Somer et al (1999) propõe o uso do desvio artério - venoso apenas para a remoção do CO2 em condições de falência respiratória, já que esse método se torna insuficiente para adequada oxigenação. Essa afirmação entra em concordância com Bredelau et al (2004), que conseguiu boa taxa de extração de CO2 , porém com o uso concomitante do ventilador mecânico. Tais estudos colocam a técnica como uma forma de tratamento complementar, e não como tratamento principal para a doença de base. O uso do desvio artério- venoso já vem sendo estudado na medicina veterinária demonstrando que pode ser uma técnica aplicável na rotina de cães com disfunções pulmonares (COSTA et al., 2008). Há ainda muito pouco estudo feito na área da medicina veterinária , o que torna essa técnica ainda longe de ser inserida na rotina clínica, contudo, pode servir de estímulo para novos estudos e para o avanço do tratamento intensivo de animais. 30 5 CONCLUSÃO A oxigenação extracorpórea por membrana pode ser considerada uma terapia viável para o tratamento de falência pulmonar, principalmente considerando a falha de outros tratamentos convencionais. Sua utilização em animais ainda é restrita a estudos experimentais tanto na área humana como veterinária. Porém com a evolução e aprimoramento dessa técnica pode-se tornar um artifício terapêutico também na medicina veterinária, auxiliando e complementando a o tratamento já existente. 31 REFERÊNCIAS ALMEIDA JR, J. S de.; BERMEIJO, V. S.; ABDO, A. C. Comportamento da Hemostasia Durante a Circulação Extracorpórea: Estudo Comparativo Entre os Oxigenadores de Bolha e de Membrana. Revista Brasileira de Anestesiologia. v. 44, n. 4, p. 231-240, 1994. AMARAL, J. L. G do. et al. Monitorização da Respiração: Oximetria e Capnografia. Revista Brasileira de Anestesiologia. v. 42, n. 1, p. 51-58, 199 AMATO, M. B. P. et al. Ventilação Mecânica na Lesão Pulmonar Aguda/ Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. v. 19, n. 3, p. 374-383, 2007. ANTONIAZZI, P. et al. A. Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA). Medicina, Ribeirão Preto. v. 31, p. 493-506,1998. ATIK, F. A. et al. 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