o trabalho dividido - CEFET

Propaganda
O TRABALHO DIVIDIDO
Marília Gomes de Carvalho
Solange Ferreira dos Santos
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
RESUMO: O presente artigo está dividido em três partes. Na primeira parte, considera-se
pertinente uma breve contextualização histórica, seguida de algumas idéias e conceitos sobre a
essência do trabalho, utilizando-se da teoria de autores como Engles, Marx, Lucáks em seu
contexto histórico e cultural. Na segunda parte, à luz de autores como Max Weber, Perrot, Scott
e outros tentaremos explanar algumas idéias sobre a inserção da figura da mulher na vida
pública, espeficamente no mercado de trabalho e o processo pelo qual as atividades passaram a
ser específica do sexo, legitimando assim, o trabalho dele e o trabalho dela. Na terceira e última
parte, deste artigo discorre sobre a importância dos estudos de gênero e sobre a
profissionalização feminina. Elas estão presentes, na academia, nos cursos profissionais e
técnicos, mas distribuídas, em áreas consideradas femininas. Sendo assim, as desigualdades,
ainda, persistem no mundo do trabalho e nas relações sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Educação profissional feminina, Gênero.
1.
O ser humano e o trabalho
O trabalho é a atividade pelo qual o homem interfere na natureza, ao passo que
a natureza interfere na vida do ser humano, estabelecendo assim, uma relação dialética.
Ontologicamente, podemos dizer que o trabalho criou o ser humano, no sentido homem
e mulher, e não apenas o homem.
A capacidade de investigar o desconhecido e descobrir novas formas de
interação com natureza esteve presente desde a era geológica, período Plistoceno, de
600 a.C.a. mesmo antes do surgimento do Homo Sapiens. Ao passo, que havia uma
interação com o meio social, foram surgindo modificações biológicas e culturais entre
os seres. A fabricação de instrumentos, por mais rudimentar que possa parecer fora uma
atividade complexa que demorou muito tempo para serem fabricados e utilizados como
tal. “Quando os seres humanos começaram, na Pré-História, a fabricar instrumentos,
mudaram para sempre este processo de “seleção natural”. Burke (1999), quando
menciona a “seleção natural” está se referindo a seleção natural de Darwin, no qual “[...]
o mundo que seleciona a forma como a vida há de ser moldada”. (BURKE, 1999, p. 49).
Neste sentido, o mundo descrito por Darwin mudaria o rumo, ao passo que a cultura
está intimamente ligada ao ser humano.
A evolução biológica é uma luta entre as diferentes plantas e animais,
enquanto a evolução do indivíduo humano é uma luta entre vários talentos.
Assim, como os filhotes podem perder a capacidade de ver linhas verticais,
nós podemos perder muitos de nossos talentos à medida que nos
desenvolvemos. (BURKE, ORNSTEIN, 1999, p. 37)
No período paleolítico médio, aproximadamente 100 mil anos a.C.
desenvolveram instrumentos sofisticados para a caça, bem como uma diversidade de
objetos e de matéria prima para fabricar seus instrumentos. A pedra era um desses
instrumentos lícitos e sofisticados, pois não poderia ser qualquer pedra de qualquer
matéria, para produzir o fogo, por exemplo, um processo que demorou milhares de anos
para ser realizado. Era necessário conhecer a matéria prima, o tamanho, que posição
raspar uma na outra, e assim por diante, por mais rudimentar que aparentasse essa
técnica, o contato do ser humano com a natureza, com maneiras específicas de fazer
mediados na e pela cultura possibilitaram que capacidades mentais fossem no decorrer
dos anos aperfeiçoadas. Geertz (1978).
No período paleolítico superior, o Homo Sapiens apresenta um volume
cerebral maior, do que os antropóides que viviam no paleolítico inferior, a postura, a
linguagem e as relações sociais e culturais permitiram que ele se relacionassem
consigo mesmo, com a natureza e com os demais.
Geertz (1978), partindo da idéia de Weber, no que se refere à cultura, diz que o
homem é um animal suspenso em teias de significados que ele mesmo tece ao longo de
sua existência social e histórica. São essas teias que definem a cultura. Ela engloba, no
interior da prática cultural todo um conjunto de códigos e convenções simbólicas onde
as mediações são feitas com base nas relações explicitas e implícitas, segundo os
significados dados em cada momento, sendo assim, “...cada gesto ou som poderia
referir-se a uma ferramenta que podia ser usada de muitas maneiras, seria necessário
que existissem novas e diferentes formas sonoras e de gesticulação para expressar o uso
que se pretendia para uma ferramenta e por quem.” (GEERTZ, 1978. p. 58).
A necessidade de sobrevivência, de adaptação ao meio e de interação permitiu
o desenvolvimento da linguagem, como uma das expressões culturais juntamente com o
pensamento abstrato, a formação da consciência, a utilização dos símbolos como
representação da vida em sociedade relacionado com a arte, a estética e os ornamentos
(as pinturas rupestres e os adornos corporais), a vida em grupo, o surgimento das regras,
a necessidade de compartilhar símbolos comuns, a realização do trabalho e, muito mais
resquícios que os registros antropológicos e arqueológicos podem datar da vivência
desse período historio, social e cultural, que a convivência entre as espécies possibilitou
até o desenvolvimento do ser humano com a sua grande variedade de raças que fora
historicamente construídas ao longo de milhares de anos. Geertz (1978) faz uma
importante análise quando aponta que:
Assim, como a cultura nos modelou como espécie única – e sem dúvida ainda
está nos moldando – assim também ela nos modela como indivíduos
separados. É isso que temos realmente em comum – nem um ser subcultural
imutável, nem um consenso de cruzamento cultural estabelecido. (GEERTZ
1978, p. 57)
Poderíamos dizer, partindo destas idéias de Geertz, o ser humano está em
constante mutação. Na medida em que as relações se intensificam e tornam-se mais
complexas aumenta a diversidade cultural e a tendência é o ser humano mudar, avançar
ou transformar, seja o seu corpo biológico, seja suas relações como meio e com os seus
semelhantes e diferentes.
Com relação à categoria trabalho, ressaltamos que o mesmo vai além da
competição biológica no seu ambiente. Não consiste simplesmente na fabricação de
produtos, mas sim no papel da consciência. Para Lukács (1978), o animal torna-se
homem através do trabalho, como um ser que dá respostas. Ao passo que juntamente ao
desenvolvimento social e em proporção crescente, pois toda a atividade laboral surge
como solução de resposta ao carecimento que provoca. ”Ele generaliza, transformando
em perguntas seus próprios carecimentos e suas possibilidades de satisfaze-los; e
quando, em sua resposta ao carecimento que provoca, funda e enriquece a própria
atividade com tais mediações, frequentemente bastante articuladas.” (LUKÁCS, 1978,
p. 5).
Por sua vez, Marx (1984) aponta que toda a ação do ser humano é
transformada pela matéria e a matéria por ele transformada, estabelecendo assim o que
ele denomina de Materialismo histórico e dialético, no qual “os homens fazem a sua
história” na medida em que as pessoas estão em interação, elas vão construindo novas
formas de intervir, se adequar ou modificar o seu meio social.
De acordo com as idéias de Marx que “os homens fazem a sua história”
advertimos que a história da mulher no decorrer do tempo foi escrita por homens,
homens que restringiram por muito tempo, a sua participação na vida pública, o acesso a
uma educação igualitária, ao conhecimento científico, à política, até mesmo de serem
reconhecidas cidadãs. Assim, a figura feminina se formou influenciada por princípios
medievais, ideológicos e androcêntricos, uma construção social e cultural que se deu em
um longo período na história da humanidade, com bases ideológicas, totalitárias,
religiosas, culturais e políticas.
2. O trabalho dele e o trabalho dela
Na antiguidade, era atribuída as mulheres uma única função, que era de fazer
os deveres do lar, cuidar dos afazeres domésticos, do marido e dos filhos. Atividade
que está presente nas falas de filósofos, teólogos, médicos, moralistas entre outros. Para
os filósofos Platão e Aristóteles a convivência social da espécie humana era uma
limitação imposta pelas necessidades biológicas, como era para os animais.
Para o homem se desvincular desta associação natural seria somente pela
capacidade de organização política, cujo centro era constituído pela casa e pela família.
“Havia dessa forma uma divisão decisiva entre as esferas pública e privada, entre as
esferas da polis e da família e, em última instância, entre as atividades pertinentes ao
mundo comum e as pertinentes às necessidades básicas da vida.” (PERROT, 1988,
p.92).
Na sociedade antiga, o que caracterizava a esfera familiar era o fato de os
homens viverem juntos para suprir suas necessidades e carências, bem como garantir a
manutenção individual e a sobrevivência da espécie. Evidencia-se neste ponto a divisão
de tarefas a da mulher de manter a sobrevivência da espécie e a do homem a
manutenção individual.
“Tudo se passa como se a mulher tivesse uma relação imediata com a natureza;
os homens são também, sem dúvida, seres naturais, mas o seu ser mantém precisamente
com a natureza uma quantidade de relações mediatizadas” (CASNABET, 1999, p. 381).
A participação do homem na esfera pública acarretava prestígio social, a
participação ativa na sociedade e o acúmulo de riquezas. Por sua vez, a figura da mulher
fora restrita à vida privada. Tudo aquilo que correspondia à vida privada, como a
maternidade, paternidade e expressões de sentimentos eram vistos como potencialidades
humanas e a vida pública onde se realizavam as criações humanas, especificamente, as
criações do homem, a sua participação política, no qual homens de bem e livres podiam
atuar, escravos e mulheres não podiam estar entre aqueles que se dedicavam à vida na
polis na ação e no discurso.
Este momento histórico justifica a ausência da mulher na vida pública, a
restrição do desenvolvimento de suas capacidades, consequentemente a divisão dos
sexos no mundo do trabalho. Engels aponta que:
[...] a primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher
para a procriação dos filhos. Hoje posso acrescentar; o primeiro antagonismo
de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do
antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão
de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino. (ENGELS,
1982, p. 70).
De um lado existe a produção de meios de existência como habitação, produtos
alimentícios, vestimenta e instrumentos, de outro, a reprodução própria do ser humano,
a continuação da espécie.
O foco deste trabalho se dá a partir da Revolução Industrial, nas relações
sociais da civilização grega na antiguidade, devido a sua forte influência, em toda a
história da humanidade, sendo sua cultura considerada como o berço da civilização
ocidental.
Com crescimento urbano, o estabelecimento de uma economia de mercado,
emergiu o desenvolvimento no século XIX para o capitalismo industrial, acarretando
assim, um conjunto de transformações econômicas, políticas e sociais.
Pinto (2007), com o aumento da produção industrial, surgiu outros ramos da
atividade empresarial, visando ampliar a escala de produção, resultando em grandes
monopólios e oliopólios existente em vários setores. Fato este que, levou à mulheres e
crianças a cumprirem jornadas exaustivas de trabalho e recebendo míseros salários.
Com a crescente demanda do mercado capitalista, as mulheres definitivamente
assumiram adentraram no mundo do trabalho industrial, mas em determinados setores.
Carvalho e Silva (2003), a divisão de atividades de acordo com o sexo se
estendeu na sociedade capitalista, os argumentos de ordem biológica especificavam o
trabalho deles e o trabalho delas. Essa separação, enquanto construção social envolve
relações de poder assimétricas entre os gêneros, expressando assim a sua “nãoneutralidade”.
No mundo do trabalho, as diferenças entre os gêneros se perpetuaram, “A
mulher tinha prioridade de contratação caso a tarefa a ser desempenhada exigisse
paciência, perseverança, delicadeza e agilidade. Por outro lado, as tarefas que exigissem
força muscular, era prioridade masculina.” (CARVALHO; SILVA, 2003, p. 47).
Durante este período, na Idade Moderna, o trabalho expandiu-se para além do
âmbito doméstico, elas começam a atuar no âmbito do trabalho produtivo, trabalhavam
em atividades fora do âmbito do lar, com roupas, metais, olarias etc.
É evidente que a mulher trabalhadora já existia muito antes do advento do
capitalismo industrial, ganhando o seu sustento como fiandeira, costureira,
ourives, cervejeira, polidora de metais, fabricante de botões ou de rendas,
ama, criada de lavoura ou criada doméstica nas cidades e nos campos da
Europa e da América. (SCOTT, 1990, p. 89).
Somente no século XIX foi legalizada a condição da mulher como assalariada,
fruto das mudanças econômicas, culturais, políticas e religiosas, que modificam as
relações entre homem e mulher e que fez estas últimas, reivindicarem sua liberdade e o
uso de sua razão, marcando seu espaço no mundo político, filosófico e também no
mundo do trabalho.
Com a abertura de um novo espaço na esfera pública no século XIX, após a
Revolução Industrial, aconteceu um significativo aumento da inserção feminina no
trabalho produtivo, legitimando definitivamente o uso da força de trabalho da mulher.
Houve uma transferência da produção da mulher (do espaço privado) para a produção
no espaço da fábrica, mas mesmo assim, as tarefas domésticas continuaram sendo delas.
Aos poucos foi se delineando um novo perfil de família, a operária patriarcal, na qual o
marido é o provedor e a esposa provedora complementar e dona de casa, demarcando
assim, a divisão sexual e desigual do trabalho.
Com o surgimento do capitalismo mudaram as relações sociais, as mulheres
que estiveram em patamar de desigualdade em relação ao homens, agora tem sua figura
legitimada no mundo do trabalho, imprimindo-lhes uma relação de subordinação ao
sexo masculino.
Engels (1982, p.54) afirma que “o predomínio do homem sobre a mulher na
família moderna, assim como na a necessidade e o modo de estabelecer uma igualdade
social efetiva entre ambos, não se manifestarão com toda a nitidez senão quando os
homens e a mulher tiveram, por lei, direitos absolutamente iguais.”
Entretanto, o trabalho masculino é completo em tempo integral, pois o homem
é o provedor da família e, outro em tempo parcial para as mulheres, ou seja,
complementar. “Empregos feminino, tempo parcial, promoções improváveis, levam
freqüentemente a concluir-se pela existência de dois mercados de trabalho separados:
um masculino, bem sucedido e qualificado; e outro feminino, desqualificado, mal pago
e desvalorizado.” (LAGRAVE, p. 530).
Desse modo, legitimaram-se a divisão sexual do trabalho, intensificam-se as
discriminações, tornando-as como “naturais”.
Enquanto que as funções sociais
domésticas e maternais são vistas como “naturais”, ou ainda, como muitos dizem “coisa
de mulher”, isso se refletiu no trabalho, especificamente na profissão, como exemplo,
podemos citar a profissão de normalista e de enfermeira, que constituíam profissões que
consistiam em uma extensão do lar, como a “verdadeira carreira” para a mulher. As
atividades profissionais eram consideradas “ um risco” para as funções sociais da
mulher; ser boa mãe, esposa zelosa, responsável pelo bem-estar e a manutenção de uma
família unida e saudável; pois afastavam-nas ou desviavam-nas das suas reais e naturais
obrigações. “Como o cuidado com crianças não fugiria à maternagem, o magistério
representava a continuação de sua missão, nos moldes propostos pelos positivistas e
higienistas no século XX e de acordo com o imaginário social acerca do papel
feminino.” (ALMEIDA, 1998, p. 37).
Historicamente, a busca por igualdade é uma luta que aconteceu e ainda está
presente em diferentes classes sociais. Cada grupo busca o reconhecimento social pelos
seus direitos, existem vários movimentos sociais, grupos de estudos e Organizações Não
Governamentais (Ong’s), que lutam em prol de direitos iguais. TOURAINE (1997,
p.190) aponta o sentido da democracia, dizendo que “(...) ela não é apenas um conjunto
de garantias institucionais e formais, mas sim representa a luta dos sujeitos, na sua
cultura e a sua liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas sociais.” Tomamos
como exemplo, o Movimento feminista que aconteceu entre o final do século XIX e
início do século XX, o qual reivindicava a igualdade de direitos civis e políticos, o
acesso à educação superior e melhores oportunidades de trabalho. Outro exemplo, é o
Movimento Anarquista que marcou a trajetória de muitas de suas representantes
feministas.
O objetivo dessa luta estava em prol das mulheres terem os seus direitos
reconhecidos e ampliados, ou seja, o direito de definir os seus próprios caminhos, de
poder optar sobre a sua vida, o direito de ter ou não filhos, o direito ao prazer sexual e,
também, o fim da valorização do culto da virgindade.
As atuações das feministas anarquistas foram registradas através de
publicações de várias autoras, entre elas, Maria Lacerda de Moura, uma feminista de
classe média, professora e escritora mineira, autora de alguns livros considerados
polêmicos: “A mulher é uma degenerada?” (1924), “Religião do amor e da beleza”
(1926), “Amai e não vos multipliqueis” (1932), entre outros.
Partindo de vozes feministas no interior dos anarquistas, propõe-se a
emancipação da mulher de todas as classes sociais dos papéis que lhe são
atribuídos socialmente. Ao lado, da tradicional representação da mulhersubmissão, emerge uma outra figura, simbolizada pela combatividade,
independência, força, figura que luta pela transformação de sua realidade
cotidiana, tanto a partir da própria presença destas ativistas, quanto pelas
projeções. (RAGO, 1985, p.96-7.)
A própria trajetória histórica da luta das mulheres na sociedade aponta para
uma discussão sobre as diferenças de gênero que se construiu ao longo do século, nas
quais, as relações entre gênero e classe no universo do mundo produtivo e reprodutivo é
fruto de
uma construção social sexuada, no qual, os homens e as mulheres que
trabalham são, desde a família e a escola, diferentemente qualificados e capacitados
para o ingresso no mercado de trabalho. E o capitalismo tem sabido apropriar-se e
manter essa desigualdade na divisão sexual do trabalho.
3. Os Estudos de Gênero e a Profissionalização feminina
O movimento feminista da década 1960, além de lutar em prol da igualdade
entre os sexos, cuja ênfase estava nas diferenças biológicas, e nos estudos feministas
sobre a mulher, trouxeram mudanças irreversíveis no mercado de trabalho, no
comportamento sexual e, nas relações sociais entre homens e mulheres. Surgindo assim,
os estudos de gênero, o qual se refere aos aspectos construídos socialmente.
À medida que os aspectos masculinos e femininos eram tratados, não apenas
como diferenças biológicas, mas sim diferenças construídas socialmente, ou
seja, a partir da sua desnaturalização, o termo gênero passou a ser mais
indicado como forma de enfatizar a influencia da cultura na construção
dessas diferenças que tem por base características biológicas. (CARVALHO,
2003, p. 15).
Diferentemente dos estudos feministas tradicionais da década de 60, em que o
termo gênero era empregado apenas como sinônimo de mulher, a abordagem de gênero
na década de 90, passa a ser abordada na perspectiva relacional, ou seja, a análise está
nas relações entre os homens e mulheres e não na oposição entre eles, dessa forma, a
vida social é construída na interação entre as pessoas na sociedade. Carvalho (2003).
Os estudos de gênero se apresentam como uma fonte inesgotável de
conhecimento, o grupo de Estudos formado por professores (as), alunos (as) do
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE), da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR), criou o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Relações de
Gênero e Tecnologia, viabilizando discussões, seminários, workshops, conferencias,
entre outros eventos promovidos em parceria com outras instituições de ensino.
Machado; Queluz (2003), o próprio surgimento desta instituição, em 1910,
denominado “Escola de Aprendizes Artífices do Paraná”, destinada para um público de
menores pobres e delinqüentes que deveriam ser disciplinados e deveriam ter uma
atividade produtiva.
As questões de gênero são percebidas pela “ausência de alunas nessa fase inicial da
Escola, que abrangia os cursos de alfaiate, marceneiro e sapateiro, ocupações
construídas como eminentemente masculinas”. (MACHADO; QUELUZ, 2003, p. 36).
Somente a partir de 1946 o público feminino passou a freqüentar a escola,
com a abertura do primeiro Curso de Economia Doméstica e, mais tarde com a inserção
de outros cursos como: Corte e Costura, bordados e rendas, chapéus, flores e ornatos.
“As tarefas domésticas construídas socialmente como do universo privado feminino se
estende para o campo público, determinando quais os espaços que cabem a mulher na
sociedade do trabalho.”, (MACHADO; QUELUZ, 2003, p. 41), legitimando, assim, as
profissões de homens e mulheres na sociedade.
A antiga “Escola de Aprendizes Artífices do Paraná”, hoje denominada
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), apresenta uma grande opção de
cursos para ambos os sexos, mas ainda a presença feminina é mínima em alguns cursos
considerados masculinos.
Sobre a profissionalização da mulher, a dissertação de Mestrado de Nardelli
(2007), vem revelar dados importantes sobre a presença das mulheres nos cursos
técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), no Estado do Paraná.
Em sua pesquisa Nardelli constatou um aumento de 30% no número de matrículas
pertencentes ao gênero feminino. No entanto, quando se dissemina esses dados para
uma análise mais detalhada sobre as áreas do conhecimento, evidencia-se que “As áreas
de Gestão Industrial e de Gráfica e Editoral, a participação feminina está representada
por porcentuais acima de 40%, entretanto, são nas linhas abaixo de 20% que se
encontram a maioria das áreas de Automobilística, Eletroeletrônica, Metalmecanica,
Madeira e Mobiliário.” (NARDELLI, 2007, p. 60).
Dessa forma, conclui-se que o número de matrículas quase se iguala entre os
sexos, mas a presença feminina na indústria está direcionada para as áreas de vestuário,
têxtil e Auxiliar Administrativo. Essa “escolha” parece simples, mas apresenta
implicações,
Considerando a condição global da mulher na sociedade, elas optam por
cursos mais flexíveis e que por sua generalidade permitam alternativas
profissionais ou possibilitem ampliação da cultura geral buscando armazenar
conhecimentos que serão usados no trabalho profissional ou como
“ferramenta” doméstica de mãe, esposa ou pessoa não profissional.
(CARVALHO; SILVA, 2003, p. 53).
Estas análises permitem repensar sobre as questões de gênero na formação
profissional e técnica, na forma que se estabelecem modelos e práticas, legitimando as
diferenças. No entanto, é preciso “Um olhar direcionado para as intersecções entre
tecnologia, gênero e cultura.” (MACHADO; QUELUZ, 2003, p. 41).
4. Considerações finais
Sendo a categoria trabalho uma atividade humana essencial para o ser humano,
na qual, ele constrói a sua história, essa construção se deu de forma diferenciada para a
mulher que por um longo período da história da humanidade ficou restrita aos afazeres
domésticos, com a responsabilidade de assegurar a continuidade da espécie humana.
Com a explosão dos Movimentos Feministas e Anarquistas, viabilizaram a
atuação feminina fora dos espaços domésticos, ampliando assim, suas relações sociais e
assumindo novos espaços na academia e no mercado de trabalho. Apesar das
desigualdades, as mulheres gradativamente elas foram buscando uma qualificação para
o trabalho, matriculando-se em cursos técnicos, até então, destinados ao sexo oposto.
A exclusividade da responsabilidade e desempenho as tarefas domésticas
enquanto reduto especificamente feminino, a maternidade e o cuidado dos filhos, vão-se
atenuando aos poucos. Agora, é preciso dividir o tempo no trabalho fora e o realizado
dentro de casa.
É inegável reconhecer que a inserção das mulheres no mercado de trabalho
profissional em qualquer parte do mundo permitiu a elas extrapolarem os muros do
trabalho caracterizado como somente reprodutivo e conquistar sua independência e
emancipação social.
Uma verdadeira revolução social, contudo, percebemos que as relações de
gênero inseridas na divisão sexual do trabalho não desapareceram, e sim, foram
atenuadas. Amortizaram-se os preconceitos referentes à inserção delas em atividades
antes desenvolvidas somente pelos (e para) os homens, mas em contrapartida, isso não
assegura a equidade de gênero, constitui sim, um grande e importante avanço para a
categoria feminina em busca de maior reconhecimento social e profissional, mas ainda
existem novos espaços que precisam ser conquistados.
Referências
ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo:
Unesp, 1998.
BAPTISTA, Sylvia Mello Silva. Maternidade e Profissão: oportunidades de
desenvolvimento. São Paulo: casa do Psicólogo, 1995, p. 29.
BURKE, J.; ORNSTEIN, R. O presente do fazedor de machados. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
CARVALHO, Marília G. de; SILVA, Nanci S. A Tecnologia e a divisão sexual do
trabalho. In: Coletânea “Educação e Tecnologia”. Curitiba: Editora CEFET-PR, 2003.
CASNABET, C. Michèle. A Mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In
DUBY, G. & PERROT, M. (org.) - História das Mulheres - do Renascimento à Idade
Moderna - Porto:Editora Afrontamento, 1991, volume 03, p. 366-407..
Coletânea “Educaçao e Tecnologia”. Relações de Gênero e Tecnologia: Publicação do
Programa de Pós-Graduaçao em Tecnologia-PPGTE/CEFET-PR/ Marília Gomes de
Carvalho, org.; Y. Shimizu, rev. – Curitiba: Editora CEFET-PR, 2003.
ENGELS. F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
GEETZ. Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
LAGRAVE, Rose-Marie. Uma emancipação sob tutela: educação e trabalho das
mulheres no século XX.
LUKÁCS, George. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. 1978.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Vol. 1, tomo 2. São Paulo: Editora
Abril, 1984.
NARDELLI, Thaise. Vaidade, Uniforme e Graxa: As relações de gênero na
aprendizagem industrial. Dissertação de Mestrado. Curitiba: 2007. 93 p.
PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século XX: taylorismo,
Fordismo, Toyotismo. 1.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil 1890-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
PERROT, Michelle. Os excluídos da história. 1988.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação & Realidade,
v15, n2, jul/dez. 1990.
TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Editora: Vozes, 1997.
Download