Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar

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Panorama Geral
Epidemiologia,
Impacto e Tratamento
da Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica
(DPOC) no Brasil
José Roberto Jardim e Oliver A. Nascimento
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Revista Racine
Panorama Geral
Definição
O Consenso da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
(SBPT), publicado em 2004, definiu a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) como uma
enfermidade respiratória prevenível e tratável com manifestações
sistêmicas e que se caracteriza pela
presença de obstrução crônica do
fluxo aéreo, que não é totalmente reversível, e associada a uma
resposta inflamatória anormal à
inalação de fumaça de cigarro e
outras partículas e gases tóxicos
(1, 2, 3).
Esta definição tem por finalidade ressaltar alguns aspectos
importantes da DPOC. Primeiro,
que esta doença é prevenível, sendo
a sua maior causa o cigarro. O não
fumar poderia evitar o desenvolvimento da DPOC. Para isto é necessário um programa de educação
da população, principalmente dos
adolescentes. Segundo, e muito
importante, é chamar a atenção dos
profissionais da área da saúde que
a DPOC é tratável. O conceito que
vinha predominando nos últimos
anos entre os não especialistas é
que a DPOC é progressiva e que
não há o que fazer pelo paciente.
Atualmente, os especialistas da
área têm procurado mostrar que
os pacientes portadores de DPOC
podem se beneficiar com uma
série de medidas no tratamento.
Por fim, a definição ressalta que a
DPOC é uma inflamação, o que tem
feito que alguns novos fármacos
antiinflamatórios específicos para
a DPOC comecem a ser avaliados
em humanos.
Os mecanismos determinantes
da diminuição do fluxo aéreo na
DPOC são multifatoriais, incluindo: espessamento da parede brôn-
“Atualmente um terço
da população mundial
acima de 15 anos e
aproximadamente
um quinto de
toda população
quica, aumento da quantidade de
muco intraluminal, alterações das
pequenas vias aéreas, perda da
retração elástica pulmonar e perda
dos pontos de fixação das vias aéreas terminais aos alvéolos.
Epidemiologia
Prevalência
o número de
Em 2003 foi realizado um estudo de prevalência de DPOC na
cidade de São Paulo, realizado pela
Associação Latino-Americana de
Tórax, o Projeto Platino (Projeto
Latino-Americano de Investigação
de Enfermidade Obstrutiva). Este
projeto, que inclui outras grandes
capitais da América Latina, foi
baseado em uma randomização de
áreas e casas, incluindo pessoas
acima de 40 anos e aplicação de
questionário de sintomas e realização de espirometria pré e pós-broncodilatador no domicilio (23, 25).
A prevalência da DPOC, segundo
a espirometria, foi de 15,8% na
população com idade igual ou superior a 40 anos, o que representa
uma população entre 5.000.000 e
6.900.000 indivíduos com DPOC
no Brasil.
mulheres tabagistas
Morbidade
mundial compõese de tabagistas,
totalizando 1,1 bilhões
de fumantes, sendo
que 800 milhões se
encontram em países
em desenvolvimento
ou subdesenvolvidos.
Embora ainda exista
uma predominância
do sexo masculino,
nas últimas décadas
cresceu muito. Esta
distribuição se repete
pelo mundo com
algumas exceções,
como a China, onde é
ainda maior o número
de tabagistas.”
Fonte: Associação Brasileira de
Portadores de DPOC www.dpoc.org.br
A incidência da DPOC ainda é
maior no sexo masculino do que no
sexo feminino e aumenta acentuadamente com a idade. No entanto,
com o aumento do tabagismo entre
as mulheres nos últimos 30 a 40
anos, espera-se que esta diferença fique bem menor nos próximos anos.
Um fator etiológico importante
para DPOC, descrito em países em
desenvolvimento, é a exposição das
mulheres à fumaça produzida pela
combustão da lenha. Investigações
na América Latina, particularmente
na Colômbia, México e Guatemala
Revista Racine
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Panorama Geral
mostram que as mulheres expostas à fumaça de lenha têm
uma possibilidade de desenvolver sintomas respiratórios
maior que as mulheres fumantes e não expostas à fumaça
de lenha (20).
Pelos dados do Ministério da Saúde (DATASUS) a
DPOC foi a quinta maior causa de internamento no sistema público de saúde do Brasil, em maiores de 40 anos,
com 196.698 internações em 2003, e gasto aproximado
de 72 milhões de reais, o que a coloca entre as principais
doenças consumidoras de recursos (21).
Quadro 1 - Índice de dispnéia modificado do
Medical Research Council
0 - Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso;
Mortalidade
1 - Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou
subo escadas ou ladeira;
Estudos têm mostrado que entre as causas mais comuns de morte (doenças coronariana, cérebro vacular e
tumorais), a DPOC e os tumores de pulmão são as únicas
que apresentam um crescimento, o que parece ser reflexo
de altas taxas de tabagismo no passado. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) estima em 2.740.000 o número
de óbitos por DPOC no ano de 2000 no mundo e preconiza o seu aumento para a terceira causa de mortalidade
em 2020 (1).
2 - Preciso parar algumas vezes quando ando no meu
passo ou ando mais devagar que outras pessoas de
minha idade;
No Brasil houve um aumento do número de óbitos
por DPOC nos últimos 20 anos, em ambos os sexos,
tendo a taxa de mortalidade passado de 7,88 em cada
100.000 habitantes, na década de 1980, para 19,04 em
cada 100.000 habitantes, na década de 1990. Houve um
crescimento de óbitos por DPOC de 1980 para 2001 de
340%, mesmo ajustado para o crescimento populacional
neste período. A mortalidade por DPOC no Brasil ocupa
entre a quarta e sétima posição, com pequena diferença
entre as condições que ocupam tais posições (21).
3 - Preciso parar muitas vezes devido à falta de ar
quando ando perto de 100 metros ou poucos minutos de
caminhada no plano;
4 - Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou
preciso de ajuda para me vestir ou tomar banho sozinho.
Modificado de: Ferrer M, Alonso J, Morera J et al. Chronic obstructive pulmonary
disease and health-related quality of life. Ann Intern Med 1997, 127:1072-9
Diagnóstico
Noventa por cento dos pacientes com DPOC são
fumantes ou ex-fumantes. Existe uma relação entre o
número de cigarros fumados e a perda da função pulmonar. No entanto, as estatísticas gerais apontam que
dez por cento dos portadores de DPOC não são ou não
foram fumantes. De um modo geral estes pacientes foram
expostos à inalação de poeiras ou gases tóxicos em sua
atividade laboral, principalmente exposição à fumaça de
fogão à lenha, trabalhadores de indústrias de plásticos,
borrachas e metalúrgicas.
A DPOC é suspeitada na presença de sintomas respiratórios crônicos como tosse, secreção pulmonar e falta
de ar. Os primeiros sintomas são tosse e produção de
secreção pulmonar, que, geralmente, são negligenciados
pelos pacientes, pois associam tais sintomas ao tabagismo.
A falta de ar, geralmente, começa aos grandes esforços,
como subir ladeira ou escadas e andar depressa no plano,
posteriormente ela evolui para médios esforços, como
tomar banho e andar no plano a passo normal, e, por fim,
a falta de ar progride para os pequenos esforços, como
atividades sociais e pequenas tarefas com os membros
superiores. A falta de ar pode ser quantificada de diversas
formas e a SBPT padronizou a avaliação pela escala do
Medical Research Council (5, 7, 8) (Quadro 1).
O diagnóstico definitivo da DPOC é realizado pela
constatação de obstrução brônquica pela espirometria.
A existência de obstrução do fluxo aéreo é definida pela
presença da relação entre volume expiratório forçado no
primeiro segundo (VEF1) pela capacidade vital forçada
(CVF), VEF1/CVF, abaixo de 0,70, após a administração de broncodilatador. A Global Initiative for Chronic
Obstructive Lung Disease (GOLD), movimento mundial
para a disseminação do conhecimento sobre a DPOC,
criou um questionário de cinco perguntas sobre aspectos relacionados à DPOC e a resposta positiva em três
delas levanta a possibilidade do indivíduo ser portador
de DPOC, gerando a necessidade da realização de uma
espirometria (Quadro 2) (9, 13).
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Revista Racine
Panorama Geral
Quadro 2 - Perguntas desenvolvidas pelo
GOLD para inquérito de DPOC
1 - Você tem tosse diariamente?
2 - Você tem catarro todos os dias?
3 - Você cansa mais do que uma pessoa da sua idade?
4 - Você tem mais de 40 anos?
5 - Você é fumante ou ex-fumante?
Três respostas positivas indicam a necessidade de realizar espirometria
Estadiamento
O estadiamento é semelhante ao do GOLD - 2003,
com algumas pequenas modificações, de acordo com o
Consenso de DPOC da SBPT - 2004 (30):
Estádio I - Doença leve. Pacientes com VEF1 pós-BD
≥ 80% com relação VEF1/CVF inferior a 70% pós-BD
do teórico;
Estádio II - Doença moderada. Paciente com VEF1
pós-BD < 80% e > 50 %, com relação VEF1/CVF
inferior a 70% pós-BD do teórico;
Estádio III - Doença grave. VEF1/CVF < 70% pós-BD
e VEF1 < 50% e ≥ 30% previsto. Ou pacientes com
hipoxemia, mas sem hipercapnia independente do valor
de VEF1 ou pacientes em fase estável com dispnéia
grau 2 ou 3;
Estádio IV - Doença muito grave. VEF1/CVF < 70%
pós-BD e VEF1 < 30%, independentemente do VEF1,
pacientes com hipercapnia ou sinais clínicos de insuficiência cardíaca direita ou pacientes com dispnéia
que os incapacite a realizarem as atividades diárias
necessárias à sustentação e higiene pessoais, dispnéia
grau 4.
Tratamento da DPOC
O tratamento da DPOC visa diminuir os sintomas,
aumentar a capacidade física, melhorar a qualidade de
vida, diminuir a progressão da doença (diminuir a taxa
de declínio do VEF1), evitar exacerbações e internações
e aumentar a sobrevida. O tratamento inclui componentes
farmacológicos e não farmacológicos, de acordo com
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Revista Racine
Panorama Geral
a clínica da doença: tratamento da
fase estável e tratamento da exacerbação.
Tratamento da fase estável
Define-se estabilidade clínica da
doença quando os sintomas tosse,
expectoração e dispnéia não apresentam mudanças nas últimas quatro
semanas. O tratamento da DPOC na
fase estável é baseado na gravidade
da doença, conforme descrito no
estadiamento. Na Tabela 1 está demonstrada a escolha dos fármacos de
acordo com a gravidade da DPOC.
Tratamento farmacológico
Broncodilatadores
Nos portadores de DPOC dois
mecanismos são responsáveis pela
Tabela 1 - Tratamento da DPOC estável conforme
o estadiamento da doença
Estádios
Tratamento
I - Leve (VEF1 > 70%)
b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio, quando necessário;
II - Moderado
(VEF1 50-70% do
previsto)
Sintomas eventuais: b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio,
quando necessário;
Sintomas persistentes: b2-agonista de longa duração e/ou tiotrópio;
Reabilitação pulmonar;
III - Grave
(VEF1 30-50% do
previsto)
b2-agonista de longa duração e tiotrópio;
Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas;
Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações no ano)
Reabilitação pulmonar;
IV - Muito Grave
(VEF1 < 30% do
previsto)
b2-agonista e anticolinérgico de longa duração;
Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas;
Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações ao ano);
Reabilitação pulmonar;
Oxigenoterapia;
Estudar indicações cirúrgicas para o tratamento do enfisema (cirurgia
redutora de volume pulmonar, bulectomia ou transplante pulmonar).
Panorama Geral
sensação de dispnéia: hiperinsuflação pulmonar e obstrução do fluxo
aéreo. A hiperinsuflação pulmonar
estática está presente no repouso em
níveis variados e ocorre devido à
diminuição do recolhimento elástico
pulmonar; durante a realização de
esforços, a hiperinsuflação se intensifica e leva à interrupção precoce
do esforço, sendo denominada de
hiperinsuflação pulmonar dinâmica.
A obstrução do fluxo aéreo é ocasionada pela broncoconstricção e pelo
espessamento das paredes das vias
aéreas. Os broncodilatadores têm
a finalidade de promover o relaxamento das vias aéreas e diminuir o
fenômeno de hiperinsuflação estática
e dinâmica.
Os broncodilatadores são classificados em três grupos: anticolinérgicos, b-2 agonistas e metilxantinas.
Embora existam diversas apresentações comerciais, a via de escolha
preferencial deve ser a inalatória,
por ter ação direta nas vias aéreas e
com menor índice de eventos adversos. Destas classes, a única que não
possui apresentação na forma inalatória é a das metilxantinas. Existem
broncodilatadores com tempo de
ação curta e prolongada.
São broncodilatadores b-2 agonistas de curta duração o salbutamol,
o fenoterol e o terbutalino, e de
ação prolongada o salmeterol e o
formoterol. São broncodilatadores
potentes e o mecanismo de ação
baseia-se na abertura dos canais de
potássio da célula muscular, com
conseqüente aumento da AMPcíclico, promovendo o relaxamento
da musculatura.
É descrito que o tônus colinérgico das vias aéreas é importante
componente da broncoconstricção
na DPOC. Na transmissão nervosa
do sistema parassimpático ou co38
Revista Racine
Panorama Geral
linérgico, o estímulo dos receptores M1 e M3 levam
à broncoconstricção. O receptor M2 possui uma ação
protetora, pois é capaz de captar a informação de que a
acetilcolina está sendo liberada (o que leva à bronconstricção) e diminuir a sua liberação. Os anticolinérgicos
ipratrópio e tiotrópio se ligam aos três receptores, porém
o tiotrópio apresenta uma vantagem muito importante
por se ligar por até 36 horas aos receptores M1 e M3, o
que permite o uso de uma só vez ao dia e ter uma ação
muito rápida sobre o M2. O sistema nervoso parassimpático inerva as glândulas mucosas das vias aéreas, de
modo que o uso de anticolinérgicos diminui a produção
de secreção para as vias aéreas.
As metilxantinas são consideradas fármacos de
terceira linha e são úteis quando há necessidade de
associar-se um terceiro fármaco aos b-2 agonistas
e anticolinérgicos. Deve-se dar preferência às metilxantinas de 12 horas de duração, como a teofilina e a
bamifilina. Em uma recente metanálise verificou-se que
as metilxantinas levaram à melhora discreta na função
pulmonar, com mais efeitos colaterais, mas os pacientes
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Revista Racine
preferiram seu uso ao placebo.
A associação de uma câmara de expansão (“espaçador”) ao uso de inaladores dosimetrados torna mais fácil
seu uso e aumenta a deposição pulmonar do fármaco. Os
dispositivos com pó seco são de mais fácil utilização e
sofrem menor influência da falta de coordenação entre
liberação da medicamento e inspiração.
A escolha entre o uso isolado do fármaco b-2 agonista ou anticolinérgico para um paciente no estádio I é
dependente da resposta do paciente e da disponibilidade
dos medicamentos. A associação de broncodilatadores
seria útil por combinar fármacos com diferentes mecanismos de ação, locais de atuação, início e duração de
efeito e tem efeito broncodilatador superior ao de cada
substância isoladamente. Os broncodilatadores de longa
duração b-2 agonistas e tiotrópio estão indicados, isolados, nos pacientes em estádio II e em associação nos
pacientes III e IV (Tabela 1).
Na fase de exacerbação, os broncodilatadores de
Panorama Geral
curta duração podem ser utilizados mais de três a quatro
vezes ao dia, como forma de resgate.
Corticosteróides
O processo inflamatório da DPOC é dependente de
neutrófilos, linfócitos CD8 e macrófagos e, por isso,
tem baixa resposta ao uso de corticóides. Apesar do
conhecimento deste fato, uma grande parte dos doentes
com DPOC ainda utiliza este medicamento. Na fase
estável não deve ser prescrito corticosteróide sistêmico
(oral ou injetável), pois não traz benefícios clínicos
ou funcionais, além de desencadear eventos adversos
clinicamente importantes como obesidade, diabetes,
hipertensão, catarata e osteoporose.
exacerbações. Em duas recentes metanálises sobre os
benefícios de uso de corticóide inalatório em DPOC
observou-se a ocorrência de diminuição no número de
exacerbações, porém sem alteração na taxa de mortalidade e com maior índice de efeitos colaterais do que
com o placebo. Observou-se, também, que o corticóide
inalatório pode diminuir a taxa de declínio do VEF1 em
9,9 mL/ano quando comparado ao placebo, porém sem
importância clínica. A indicação atual é que os corticóides inalatórios (800 a 1000mcg por dia) estão indicados
somente para um grupo selecionado de pacientes: os
com VEF1 menor que 50% do previsto (estádios III e
IV) e com mais de duas exacerbações no último ano
(Tabela 1).
N-acetilcisteína (NAC)
Os estudos de longo prazo (entre três e quatro anos
de seguimento) sobre o uso de corticóides inalatórios
na DPOC são muito heterogêneos quanto às amostras
e desfechos estudados, o corticóide utilizado e a dose
administrada. Aparentemente seu uso pode diminuir
a deterioração da qualidade de vida e o número de
A participação do estresse oxidativo na patogênese da
DPOC é importante e se inicia antes do processo inflamatório, devido à inalação de radicais livres presentes na
fumaça de cigarros, mas ele permanece e se intensifica
durante o processo inflamatório. O uso da N-acetilcisteína
Panorama Geral
em pacientes com DPOC, pelo seu efeito antioxidante é
ainda controverso. Um estudo retrospectivo realizado com
pacientes com DPOC mostrou uma diminuição da taxa
de reinternação por exacerbação da DPOC. Uma revisão
sistemática recente mostrou diminuição das exacerbações
e dias de internação em pacientes portadores de DPOC
que utilizaram N-acetilcisteína. Todavia, nesta revisão
havia trabalhos que não eram randomizados e controlados
contra placebo, tornando os resultados também discutíveis e até o momento não há evidências suficientes na
literatura que apóiem o uso de rotina da N-acetilcisteína
em pacientes portadores de DPOC. Um grande estudo
duplo cego, randomizado e controlado por placebo,
com duração de três anos, demonstrou que a NAC não
foi capaz de reduzir o número de exacerbações e a taxa
de declínio da função pulmonar no grupo geral. Porém,
no subgrupo de pacientes que não estavam utilizando
corticóide inalatório, a NAC foi responsável por reduzir
o número de exacerbações e reduzir a hiperinsuflação
pulmonar. Porém, sua utilização ainda não está totalmente
padronizada nos Consensos de DPOC.
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Revista Racine
Tratamento não farmacológico
Cessação de tabagismo
É o único tratamento que, definitivamente, diminui a
taxa de declínio da função pulmonar em portadores de
DPOC, além de aumentar a sobrevida. Deve ser estimulada a todos pacientes, independente do estadiamento.
Vacinação
Em todos os pacientes, desconsiderando a idade, devese utilizar, anualmente, a vacina antiinfluenza (gripe). A
vacina antipneumocócica deve ser prescrita a cada cinco
anos.
Reabilitação pulmonar
Reabilitação pulmonar é um programa multiprofissional de cuidados a pacientes com alteração respiratória
crônica que engloba: 1) otimização do tratamento farma-
Panorama Geral
riana ou não, deve-se prescrever corticosteróides sistêmicos (oral ou endovenoso), pois há recuperação mais
rápida do fluxo aéreo e da oxigenação
arterial. Para os pacientes internados
prescreve-se corticosteróides endovenosos como metilprednisolona ou
hidrocortisona. Após melhora clínica
a dose é diminuída e, consecutivamente, passada para via oral, como
a prednisona e prednisolona.
cológico, nutricional e fisioterapêutico; 2) recondicionamento físico; 3)
apoio psicossocial; e 4) educação. O
programa é adaptado às necessidades
individuais para otimizar a autonomia
e o desempenho físico e social.
Oxigenoterapia domiciliar
prolongada (ODP)
Está indicado o uso de ODP
quando, durante doença estável, a
pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) for ≤ 55mmHg
ou a saturação ≤ 88% em repouso
ou a PaO2 está entre 56 e 59mmHg
mas há evidências de cor pulmonale
ou policitemia. A ODP visa manter
a PaO2 acima de 60mmHg, o que,
comprovadamente, aumenta a sobrevida. Pacientes com hipoxemia
após um episódio de exacerbação
devem receber oxigenoterapia mas
devem ser reavaliados entre 60 e
90 dias, pois a hipoxemia pode ser
transitória.
A ODP deve manter uma SpO2
entre 90 e 92% e ser utilizada 24
horas/dia. Nos dois estudos clássicos
de oxigenoterapia foi demonstrado
ganho na sobrevida no grupo que
utilizou pelo menos 15 horas por dia
em relação aos grupos sem oxigênio
e com oxigênio 12 horas/dia. A ODP
deve incluir as 12 horas noturnas,
pois a hipoxemia se intensifica no
período de sono.
Durante viagem aérea a cabine
dos aviões mantém pressão interna
equivalente à altitude de 2400 metros
e, portanto, com pressão parcial de
O2 mais baixa. Viagens aéreas são
seguras para portadores de hipoxemia
crônica, desde que sejam orientados
a aumentar o fluxo de oxigênio (que
utilizam em repouso) em 1 a 2L/min
durante o vôo. O ideal é manter-se
a PaO2 durante o vôo ≥ 60mmHg.
Pacientes com PaO2 ao nível do mar
44
Revista Racine
Antibióticos
> 70mmHg e sem comorbidades
(anemia e insuficiência cardíaca) não
necessitam de oxigênio suplementar
durante o vôo.
Tratamento da exacerbação
da DPOC
O diagnóstico clínico da exacerbação da DPOC baseia-se na piora
dos sintomas com aumento da dispnéia, aumento da tosse e do volume
de secreção pulmonar, com necessidade de aumento de medicamento
usual. Quando a expectoração está
clara a exacerbação é definida como
não bacteriana e quando a expectoração está amarelada ou esverdeada é
nomeada exacerbação bacteriana. A
importância desta classificação reside
na indicação do uso de antimicrobianos somente para a exacerbação
bacteriana.
Broncodilatadores
Para os pacientes que já utilizam
broncodilatadores de longa duração
deve-se aumentar sua freqüência
ou associar os broncodilatadores de
curta duração.
Corticosteróides
Em todas as exacerbações, bacte-
Os antibióticos devem ser prescritos somente na exacerbação bacteriana. A flora bacteriana nas vias
aéreas de pacientes com DPOC está
relacionada à gravidade da obstrução
e a fatores de comorbidade. Na ausência de espirometria prévia pode-se
classificar a DPOC baseada em características clínicas para a indicação de
antibiótico (Tabela 2):
Leve: menos de 65 anos, pouca
dispnéia, fumante ou não, sem
comorbidade ou necessidade de
oxigênio contínuo, menos de quatro exacerbações ou hospitalização
nos últimos 12 meses e sem usar
antibióticos nos últimos 15 dias;
Moderada: mais de 65 anos, tabagismo ativo, comorbidade (diabetes, insuficiência cardíaca, cor
pulmonale ou desnutrição), mais de
quatro exacerbações no último ano
e uso de antibióticos nos últimos 15
dias;
Grave: mais de 65 anos, tabagismo
ativo, comorbidade (diabetes, insuficiência cardíaca, cor pulmonale
ou desnutrição), mais de quatro
exacerbações no último ano e uso
de antibióticos nos últimos 15 dias,
mais de uma internação nos últimos
12 meses e uso de oxigênio contínuo (ou indicação para uso).
Panorama Geral
Tabela 2 - Orientações de antibioticoterapia nas exacerbações da DPOC conforme
estadiamento
Grupo
Patógenos mais freqüentes
Tratamento recomendado
I - DPOC leve com VEF1 > 50% e sem fatores
de risco
H. influenzae
M. catarrhalis
S. pneumoniae
C. pneumoniae
M. pneumoniae
b-lactâmico + inibidor de blactamase1
Cefuroxima
Azitromicina/claritromicina
II - DPOC leve com VEF1 > 50% e fatores
de risco*
H. influenzae
M. catarrhalis
SPRP
Os anteriores mais:
Moxifloxacino/levofloxacina
III - DPOC com VEF1 entre 35 a 50%
H. influenzae
M. catarrhalis
SPRP
Gram (-) entéricos
Moxifloxacino/levofloxacino
b-lactâmico + inibidor de blactamase1
IV - DPOC com VEF1 < 35%
H. influenzae
SPRP
Gram (-) entéricos
P. aeruginosa
Moxifloxacino/levofloxacina
Ciprofloxacina se há suspeita de Pseudomonas
b-lactâmico + inibidor de blactamase1 (se há alergia às
quinolonas)**
SPRP = S. pneumoniae resistente a penicilina. Amoxicilina-clavulanato, amoxicilina-sulbactam e ampicilina-sulbactam.
* Fatores de risco: idade > de 65 anos, dispnéia grave, comorbidade significativa (diabetes, cardiopatia, disfunção renal ou hepática), mais de quatro exacerbações nos últimos 12 meses, hospitalização por exacerbação no ano prévio, uso de esteróides
sistêmicos nos últimos três meses, uso de antibióticos nos 15 dias prévios e desnutrição.
** Em certas ocasiões pode ser necessário o tratamento endovenoso em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por gram negativos, incluídas Pseudomonas. Neste caso pode se administrar piperacilina-tazobactam ou imipenem ou cefepima.
José Roberto Jardim é professor livre docente da disciplina de pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)/Escola
Paulista de Medicina (EPM), coordenador do programa de pós-graduação em reabilitação da UNIFESP/EPM e diretor do Centro de
Reabilitação Pulmonar (CRP) da UNIFESP/EPM - Lar Escola São Francisco (LESF).
Oliver A. Nascimento é médico da disciplina de pneumologia da UNIFESP/EPM e vice-diretor do CRP-UNIFESP/EPM-LESF.
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Andrew J Sandfordb. Swiss Med Wkly 2002,
132: 27-37;
(18) Characteristics of airway hyperresponsiveness
in asthma and chronic obstructive pulmonary
disease. DS Postma and HAM Kerstjens. Am J
Respir Crit Care Med 1998, 158: S187-S192;
(19) Wouters EFM. Crhonic Obstructive
Pulmonary Disease. 5: Systemic effects of COPD
Thorax 2002, 57: 1067-1070;
(20) Jardim J, Oliveira J, Nascimento O. II
Consenso de DPOC da Sociedade Brasileira e
Pneumologia e Tisiologia, 2004 (Suplemento).
Panorama Geral
Teste seus Conhecimentos
1 Qual é a prevalência de DPOC na cidade de São Paulo
em indivíduos maiores de 40 anos de idade?
a) 10,2%;
b) 20,3%;
c) 15,8%;
d) 25%.
2
a)
b)
c)
d)
3
a)
b)
c)
d)
Qual é o critério diagnóstico espirométrico da DPOC?
VEF1 < 80% do previsto;
Relação VEF1/CVF > 0,70;
Relação VEF1/CVF <0,70;
CVF < 70% do previsto.
Quais são os sintomas iniciais da DPOC?
Dispnéia aos pequenos esforços;
Tosse e expectoração crônicas;
Palpitação;
Dor torácica.
4 Quais são os fatores etiológicos externos mais
comuns da DPOC?
a) Tabagismo;
b) Exposição a vapores e gases tóxicos no trabalho;
c) Exposição à fumaça de fogão de lenha;
d) Todas as anteriores.
5 Quando está indicado o uso de corticóide inalatório
na DPOC?
a) Todos os pacientes com VEF1 < 50% do previsto;
b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações
freqüentes no último ano;
c) Pacientes com VEF1 < 80% do previsto e muitos sintomas
respiratórios;
d) Todos os pacientes com DPOC devem receber corticóide
inalatório.
6 A partir de qual estádio da DPOC está indicado o uso
contínuo de broncodilatadores de longa duração de
ação?
a) Estádio I;
b) Estádio II;
c) Estádio III;
d) Estádio IV.
7
a)
b)
c)
d)
A qual classe de medicamentos pertence o tiotrópio?
Anticolinérgico de longa duração de ação;
Anticolinérgico de curta duração de ação;
Beta-2 agonistas;
Metilxantinas.
8 Quais pacientes com DPOC devem ser vacinados contra
gripe?
a) A vacina não deve ser prescrita aos pacientes com
DPOC;
b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações
freqüentes no último ano;
c) Pacientes com VEF1< 80% do previsto;
d) Todos os pacientes com DPOC devem ser vacinados.
9 Qual é a característica clínica presente durante a
exacerbação que define a prescrição de antibióticos
nesta fase?
a) Dispnéia muito intensa;
b) Expectoração clara;
c) Expectoração purulenta;
d) Chiado no peito.
10 Qual é o papel da reabilitação pulmonar no tratamento
da DPOC?
a) Melhorar a capacidade física;
b) Reduzir a sensação de dispnéia;
c) Melhorar qualidade de vida;
d) Todas as anteriores.
Respostas: 1 - c; 2 - c; 3 - b; 4 - d; 5 - b; 6 - b; 7 - a; 8 - d; 9 - c; 10 - d.
Nas questões a seguir, assinale a resposta correta:
Revista Racine
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