Panorama Geral Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) no Brasil José Roberto Jardim e Oliver A. Nascimento 32 Revista Racine Panorama Geral Definição O Consenso da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), publicado em 2004, definiu a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) como uma enfermidade respiratória prevenível e tratável com manifestações sistêmicas e que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível, e associada a uma resposta inflamatória anormal à inalação de fumaça de cigarro e outras partículas e gases tóxicos (1, 2, 3). Esta definição tem por finalidade ressaltar alguns aspectos importantes da DPOC. Primeiro, que esta doença é prevenível, sendo a sua maior causa o cigarro. O não fumar poderia evitar o desenvolvimento da DPOC. Para isto é necessário um programa de educação da população, principalmente dos adolescentes. Segundo, e muito importante, é chamar a atenção dos profissionais da área da saúde que a DPOC é tratável. O conceito que vinha predominando nos últimos anos entre os não especialistas é que a DPOC é progressiva e que não há o que fazer pelo paciente. Atualmente, os especialistas da área têm procurado mostrar que os pacientes portadores de DPOC podem se beneficiar com uma série de medidas no tratamento. Por fim, a definição ressalta que a DPOC é uma inflamação, o que tem feito que alguns novos fármacos antiinflamatórios específicos para a DPOC comecem a ser avaliados em humanos. Os mecanismos determinantes da diminuição do fluxo aéreo na DPOC são multifatoriais, incluindo: espessamento da parede brôn- “Atualmente um terço da população mundial acima de 15 anos e aproximadamente um quinto de toda população quica, aumento da quantidade de muco intraluminal, alterações das pequenas vias aéreas, perda da retração elástica pulmonar e perda dos pontos de fixação das vias aéreas terminais aos alvéolos. Epidemiologia Prevalência o número de Em 2003 foi realizado um estudo de prevalência de DPOC na cidade de São Paulo, realizado pela Associação Latino-Americana de Tórax, o Projeto Platino (Projeto Latino-Americano de Investigação de Enfermidade Obstrutiva). Este projeto, que inclui outras grandes capitais da América Latina, foi baseado em uma randomização de áreas e casas, incluindo pessoas acima de 40 anos e aplicação de questionário de sintomas e realização de espirometria pré e pós-broncodilatador no domicilio (23, 25). A prevalência da DPOC, segundo a espirometria, foi de 15,8% na população com idade igual ou superior a 40 anos, o que representa uma população entre 5.000.000 e 6.900.000 indivíduos com DPOC no Brasil. mulheres tabagistas Morbidade mundial compõese de tabagistas, totalizando 1,1 bilhões de fumantes, sendo que 800 milhões se encontram em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Embora ainda exista uma predominância do sexo masculino, nas últimas décadas cresceu muito. Esta distribuição se repete pelo mundo com algumas exceções, como a China, onde é ainda maior o número de tabagistas.” Fonte: Associação Brasileira de Portadores de DPOC www.dpoc.org.br A incidência da DPOC ainda é maior no sexo masculino do que no sexo feminino e aumenta acentuadamente com a idade. No entanto, com o aumento do tabagismo entre as mulheres nos últimos 30 a 40 anos, espera-se que esta diferença fique bem menor nos próximos anos. Um fator etiológico importante para DPOC, descrito em países em desenvolvimento, é a exposição das mulheres à fumaça produzida pela combustão da lenha. Investigações na América Latina, particularmente na Colômbia, México e Guatemala Revista Racine 33 Panorama Geral mostram que as mulheres expostas à fumaça de lenha têm uma possibilidade de desenvolver sintomas respiratórios maior que as mulheres fumantes e não expostas à fumaça de lenha (20). Pelos dados do Ministério da Saúde (DATASUS) a DPOC foi a quinta maior causa de internamento no sistema público de saúde do Brasil, em maiores de 40 anos, com 196.698 internações em 2003, e gasto aproximado de 72 milhões de reais, o que a coloca entre as principais doenças consumidoras de recursos (21). Quadro 1 - Índice de dispnéia modificado do Medical Research Council 0 - Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso; Mortalidade 1 - Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou subo escadas ou ladeira; Estudos têm mostrado que entre as causas mais comuns de morte (doenças coronariana, cérebro vacular e tumorais), a DPOC e os tumores de pulmão são as únicas que apresentam um crescimento, o que parece ser reflexo de altas taxas de tabagismo no passado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em 2.740.000 o número de óbitos por DPOC no ano de 2000 no mundo e preconiza o seu aumento para a terceira causa de mortalidade em 2020 (1). 2 - Preciso parar algumas vezes quando ando no meu passo ou ando mais devagar que outras pessoas de minha idade; No Brasil houve um aumento do número de óbitos por DPOC nos últimos 20 anos, em ambos os sexos, tendo a taxa de mortalidade passado de 7,88 em cada 100.000 habitantes, na década de 1980, para 19,04 em cada 100.000 habitantes, na década de 1990. Houve um crescimento de óbitos por DPOC de 1980 para 2001 de 340%, mesmo ajustado para o crescimento populacional neste período. A mortalidade por DPOC no Brasil ocupa entre a quarta e sétima posição, com pequena diferença entre as condições que ocupam tais posições (21). 3 - Preciso parar muitas vezes devido à falta de ar quando ando perto de 100 metros ou poucos minutos de caminhada no plano; 4 - Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou preciso de ajuda para me vestir ou tomar banho sozinho. Modificado de: Ferrer M, Alonso J, Morera J et al. Chronic obstructive pulmonary disease and health-related quality of life. Ann Intern Med 1997, 127:1072-9 Diagnóstico Noventa por cento dos pacientes com DPOC são fumantes ou ex-fumantes. Existe uma relação entre o número de cigarros fumados e a perda da função pulmonar. No entanto, as estatísticas gerais apontam que dez por cento dos portadores de DPOC não são ou não foram fumantes. De um modo geral estes pacientes foram expostos à inalação de poeiras ou gases tóxicos em sua atividade laboral, principalmente exposição à fumaça de fogão à lenha, trabalhadores de indústrias de plásticos, borrachas e metalúrgicas. A DPOC é suspeitada na presença de sintomas respiratórios crônicos como tosse, secreção pulmonar e falta de ar. Os primeiros sintomas são tosse e produção de secreção pulmonar, que, geralmente, são negligenciados pelos pacientes, pois associam tais sintomas ao tabagismo. A falta de ar, geralmente, começa aos grandes esforços, como subir ladeira ou escadas e andar depressa no plano, posteriormente ela evolui para médios esforços, como tomar banho e andar no plano a passo normal, e, por fim, a falta de ar progride para os pequenos esforços, como atividades sociais e pequenas tarefas com os membros superiores. A falta de ar pode ser quantificada de diversas formas e a SBPT padronizou a avaliação pela escala do Medical Research Council (5, 7, 8) (Quadro 1). O diagnóstico definitivo da DPOC é realizado pela constatação de obstrução brônquica pela espirometria. A existência de obstrução do fluxo aéreo é definida pela presença da relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) pela capacidade vital forçada (CVF), VEF1/CVF, abaixo de 0,70, após a administração de broncodilatador. A Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD), movimento mundial para a disseminação do conhecimento sobre a DPOC, criou um questionário de cinco perguntas sobre aspectos relacionados à DPOC e a resposta positiva em três delas levanta a possibilidade do indivíduo ser portador de DPOC, gerando a necessidade da realização de uma espirometria (Quadro 2) (9, 13). 34 Revista Racine Panorama Geral Quadro 2 - Perguntas desenvolvidas pelo GOLD para inquérito de DPOC 1 - Você tem tosse diariamente? 2 - Você tem catarro todos os dias? 3 - Você cansa mais do que uma pessoa da sua idade? 4 - Você tem mais de 40 anos? 5 - Você é fumante ou ex-fumante? Três respostas positivas indicam a necessidade de realizar espirometria Estadiamento O estadiamento é semelhante ao do GOLD - 2003, com algumas pequenas modificações, de acordo com o Consenso de DPOC da SBPT - 2004 (30): Estádio I - Doença leve. Pacientes com VEF1 pós-BD ≥ 80% com relação VEF1/CVF inferior a 70% pós-BD do teórico; Estádio II - Doença moderada. Paciente com VEF1 pós-BD < 80% e > 50 %, com relação VEF1/CVF inferior a 70% pós-BD do teórico; Estádio III - Doença grave. VEF1/CVF < 70% pós-BD e VEF1 < 50% e ≥ 30% previsto. Ou pacientes com hipoxemia, mas sem hipercapnia independente do valor de VEF1 ou pacientes em fase estável com dispnéia grau 2 ou 3; Estádio IV - Doença muito grave. VEF1/CVF < 70% pós-BD e VEF1 < 30%, independentemente do VEF1, pacientes com hipercapnia ou sinais clínicos de insuficiência cardíaca direita ou pacientes com dispnéia que os incapacite a realizarem as atividades diárias necessárias à sustentação e higiene pessoais, dispnéia grau 4. Tratamento da DPOC O tratamento da DPOC visa diminuir os sintomas, aumentar a capacidade física, melhorar a qualidade de vida, diminuir a progressão da doença (diminuir a taxa de declínio do VEF1), evitar exacerbações e internações e aumentar a sobrevida. O tratamento inclui componentes farmacológicos e não farmacológicos, de acordo com 36 Revista Racine Panorama Geral a clínica da doença: tratamento da fase estável e tratamento da exacerbação. Tratamento da fase estável Define-se estabilidade clínica da doença quando os sintomas tosse, expectoração e dispnéia não apresentam mudanças nas últimas quatro semanas. O tratamento da DPOC na fase estável é baseado na gravidade da doença, conforme descrito no estadiamento. Na Tabela 1 está demonstrada a escolha dos fármacos de acordo com a gravidade da DPOC. Tratamento farmacológico Broncodilatadores Nos portadores de DPOC dois mecanismos são responsáveis pela Tabela 1 - Tratamento da DPOC estável conforme o estadiamento da doença Estádios Tratamento I - Leve (VEF1 > 70%) b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio, quando necessário; II - Moderado (VEF1 50-70% do previsto) Sintomas eventuais: b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio, quando necessário; Sintomas persistentes: b2-agonista de longa duração e/ou tiotrópio; Reabilitação pulmonar; III - Grave (VEF1 30-50% do previsto) b2-agonista de longa duração e tiotrópio; Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas; Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações no ano) Reabilitação pulmonar; IV - Muito Grave (VEF1 < 30% do previsto) b2-agonista e anticolinérgico de longa duração; Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas; Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações ao ano); Reabilitação pulmonar; Oxigenoterapia; Estudar indicações cirúrgicas para o tratamento do enfisema (cirurgia redutora de volume pulmonar, bulectomia ou transplante pulmonar). Panorama Geral sensação de dispnéia: hiperinsuflação pulmonar e obstrução do fluxo aéreo. A hiperinsuflação pulmonar estática está presente no repouso em níveis variados e ocorre devido à diminuição do recolhimento elástico pulmonar; durante a realização de esforços, a hiperinsuflação se intensifica e leva à interrupção precoce do esforço, sendo denominada de hiperinsuflação pulmonar dinâmica. A obstrução do fluxo aéreo é ocasionada pela broncoconstricção e pelo espessamento das paredes das vias aéreas. Os broncodilatadores têm a finalidade de promover o relaxamento das vias aéreas e diminuir o fenômeno de hiperinsuflação estática e dinâmica. Os broncodilatadores são classificados em três grupos: anticolinérgicos, b-2 agonistas e metilxantinas. Embora existam diversas apresentações comerciais, a via de escolha preferencial deve ser a inalatória, por ter ação direta nas vias aéreas e com menor índice de eventos adversos. Destas classes, a única que não possui apresentação na forma inalatória é a das metilxantinas. Existem broncodilatadores com tempo de ação curta e prolongada. São broncodilatadores b-2 agonistas de curta duração o salbutamol, o fenoterol e o terbutalino, e de ação prolongada o salmeterol e o formoterol. São broncodilatadores potentes e o mecanismo de ação baseia-se na abertura dos canais de potássio da célula muscular, com conseqüente aumento da AMPcíclico, promovendo o relaxamento da musculatura. É descrito que o tônus colinérgico das vias aéreas é importante componente da broncoconstricção na DPOC. Na transmissão nervosa do sistema parassimpático ou co38 Revista Racine Panorama Geral linérgico, o estímulo dos receptores M1 e M3 levam à broncoconstricção. O receptor M2 possui uma ação protetora, pois é capaz de captar a informação de que a acetilcolina está sendo liberada (o que leva à bronconstricção) e diminuir a sua liberação. Os anticolinérgicos ipratrópio e tiotrópio se ligam aos três receptores, porém o tiotrópio apresenta uma vantagem muito importante por se ligar por até 36 horas aos receptores M1 e M3, o que permite o uso de uma só vez ao dia e ter uma ação muito rápida sobre o M2. O sistema nervoso parassimpático inerva as glândulas mucosas das vias aéreas, de modo que o uso de anticolinérgicos diminui a produção de secreção para as vias aéreas. As metilxantinas são consideradas fármacos de terceira linha e são úteis quando há necessidade de associar-se um terceiro fármaco aos b-2 agonistas e anticolinérgicos. Deve-se dar preferência às metilxantinas de 12 horas de duração, como a teofilina e a bamifilina. Em uma recente metanálise verificou-se que as metilxantinas levaram à melhora discreta na função pulmonar, com mais efeitos colaterais, mas os pacientes 40 Revista Racine preferiram seu uso ao placebo. A associação de uma câmara de expansão (“espaçador”) ao uso de inaladores dosimetrados torna mais fácil seu uso e aumenta a deposição pulmonar do fármaco. Os dispositivos com pó seco são de mais fácil utilização e sofrem menor influência da falta de coordenação entre liberação da medicamento e inspiração. A escolha entre o uso isolado do fármaco b-2 agonista ou anticolinérgico para um paciente no estádio I é dependente da resposta do paciente e da disponibilidade dos medicamentos. A associação de broncodilatadores seria útil por combinar fármacos com diferentes mecanismos de ação, locais de atuação, início e duração de efeito e tem efeito broncodilatador superior ao de cada substância isoladamente. Os broncodilatadores de longa duração b-2 agonistas e tiotrópio estão indicados, isolados, nos pacientes em estádio II e em associação nos pacientes III e IV (Tabela 1). Na fase de exacerbação, os broncodilatadores de Panorama Geral curta duração podem ser utilizados mais de três a quatro vezes ao dia, como forma de resgate. Corticosteróides O processo inflamatório da DPOC é dependente de neutrófilos, linfócitos CD8 e macrófagos e, por isso, tem baixa resposta ao uso de corticóides. Apesar do conhecimento deste fato, uma grande parte dos doentes com DPOC ainda utiliza este medicamento. Na fase estável não deve ser prescrito corticosteróide sistêmico (oral ou injetável), pois não traz benefícios clínicos ou funcionais, além de desencadear eventos adversos clinicamente importantes como obesidade, diabetes, hipertensão, catarata e osteoporose. exacerbações. Em duas recentes metanálises sobre os benefícios de uso de corticóide inalatório em DPOC observou-se a ocorrência de diminuição no número de exacerbações, porém sem alteração na taxa de mortalidade e com maior índice de efeitos colaterais do que com o placebo. Observou-se, também, que o corticóide inalatório pode diminuir a taxa de declínio do VEF1 em 9,9 mL/ano quando comparado ao placebo, porém sem importância clínica. A indicação atual é que os corticóides inalatórios (800 a 1000mcg por dia) estão indicados somente para um grupo selecionado de pacientes: os com VEF1 menor que 50% do previsto (estádios III e IV) e com mais de duas exacerbações no último ano (Tabela 1). N-acetilcisteína (NAC) Os estudos de longo prazo (entre três e quatro anos de seguimento) sobre o uso de corticóides inalatórios na DPOC são muito heterogêneos quanto às amostras e desfechos estudados, o corticóide utilizado e a dose administrada. Aparentemente seu uso pode diminuir a deterioração da qualidade de vida e o número de A participação do estresse oxidativo na patogênese da DPOC é importante e se inicia antes do processo inflamatório, devido à inalação de radicais livres presentes na fumaça de cigarros, mas ele permanece e se intensifica durante o processo inflamatório. O uso da N-acetilcisteína Panorama Geral em pacientes com DPOC, pelo seu efeito antioxidante é ainda controverso. Um estudo retrospectivo realizado com pacientes com DPOC mostrou uma diminuição da taxa de reinternação por exacerbação da DPOC. Uma revisão sistemática recente mostrou diminuição das exacerbações e dias de internação em pacientes portadores de DPOC que utilizaram N-acetilcisteína. Todavia, nesta revisão havia trabalhos que não eram randomizados e controlados contra placebo, tornando os resultados também discutíveis e até o momento não há evidências suficientes na literatura que apóiem o uso de rotina da N-acetilcisteína em pacientes portadores de DPOC. Um grande estudo duplo cego, randomizado e controlado por placebo, com duração de três anos, demonstrou que a NAC não foi capaz de reduzir o número de exacerbações e a taxa de declínio da função pulmonar no grupo geral. Porém, no subgrupo de pacientes que não estavam utilizando corticóide inalatório, a NAC foi responsável por reduzir o número de exacerbações e reduzir a hiperinsuflação pulmonar. Porém, sua utilização ainda não está totalmente padronizada nos Consensos de DPOC. 42 Revista Racine Tratamento não farmacológico Cessação de tabagismo É o único tratamento que, definitivamente, diminui a taxa de declínio da função pulmonar em portadores de DPOC, além de aumentar a sobrevida. Deve ser estimulada a todos pacientes, independente do estadiamento. Vacinação Em todos os pacientes, desconsiderando a idade, devese utilizar, anualmente, a vacina antiinfluenza (gripe). A vacina antipneumocócica deve ser prescrita a cada cinco anos. Reabilitação pulmonar Reabilitação pulmonar é um programa multiprofissional de cuidados a pacientes com alteração respiratória crônica que engloba: 1) otimização do tratamento farma- Panorama Geral riana ou não, deve-se prescrever corticosteróides sistêmicos (oral ou endovenoso), pois há recuperação mais rápida do fluxo aéreo e da oxigenação arterial. Para os pacientes internados prescreve-se corticosteróides endovenosos como metilprednisolona ou hidrocortisona. Após melhora clínica a dose é diminuída e, consecutivamente, passada para via oral, como a prednisona e prednisolona. cológico, nutricional e fisioterapêutico; 2) recondicionamento físico; 3) apoio psicossocial; e 4) educação. O programa é adaptado às necessidades individuais para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social. Oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP) Está indicado o uso de ODP quando, durante doença estável, a pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) for ≤ 55mmHg ou a saturação ≤ 88% em repouso ou a PaO2 está entre 56 e 59mmHg mas há evidências de cor pulmonale ou policitemia. A ODP visa manter a PaO2 acima de 60mmHg, o que, comprovadamente, aumenta a sobrevida. Pacientes com hipoxemia após um episódio de exacerbação devem receber oxigenoterapia mas devem ser reavaliados entre 60 e 90 dias, pois a hipoxemia pode ser transitória. A ODP deve manter uma SpO2 entre 90 e 92% e ser utilizada 24 horas/dia. Nos dois estudos clássicos de oxigenoterapia foi demonstrado ganho na sobrevida no grupo que utilizou pelo menos 15 horas por dia em relação aos grupos sem oxigênio e com oxigênio 12 horas/dia. A ODP deve incluir as 12 horas noturnas, pois a hipoxemia se intensifica no período de sono. Durante viagem aérea a cabine dos aviões mantém pressão interna equivalente à altitude de 2400 metros e, portanto, com pressão parcial de O2 mais baixa. Viagens aéreas são seguras para portadores de hipoxemia crônica, desde que sejam orientados a aumentar o fluxo de oxigênio (que utilizam em repouso) em 1 a 2L/min durante o vôo. O ideal é manter-se a PaO2 durante o vôo ≥ 60mmHg. Pacientes com PaO2 ao nível do mar 44 Revista Racine Antibióticos > 70mmHg e sem comorbidades (anemia e insuficiência cardíaca) não necessitam de oxigênio suplementar durante o vôo. Tratamento da exacerbação da DPOC O diagnóstico clínico da exacerbação da DPOC baseia-se na piora dos sintomas com aumento da dispnéia, aumento da tosse e do volume de secreção pulmonar, com necessidade de aumento de medicamento usual. Quando a expectoração está clara a exacerbação é definida como não bacteriana e quando a expectoração está amarelada ou esverdeada é nomeada exacerbação bacteriana. A importância desta classificação reside na indicação do uso de antimicrobianos somente para a exacerbação bacteriana. Broncodilatadores Para os pacientes que já utilizam broncodilatadores de longa duração deve-se aumentar sua freqüência ou associar os broncodilatadores de curta duração. Corticosteróides Em todas as exacerbações, bacte- Os antibióticos devem ser prescritos somente na exacerbação bacteriana. A flora bacteriana nas vias aéreas de pacientes com DPOC está relacionada à gravidade da obstrução e a fatores de comorbidade. Na ausência de espirometria prévia pode-se classificar a DPOC baseada em características clínicas para a indicação de antibiótico (Tabela 2): Leve: menos de 65 anos, pouca dispnéia, fumante ou não, sem comorbidade ou necessidade de oxigênio contínuo, menos de quatro exacerbações ou hospitalização nos últimos 12 meses e sem usar antibióticos nos últimos 15 dias; Moderada: mais de 65 anos, tabagismo ativo, comorbidade (diabetes, insuficiência cardíaca, cor pulmonale ou desnutrição), mais de quatro exacerbações no último ano e uso de antibióticos nos últimos 15 dias; Grave: mais de 65 anos, tabagismo ativo, comorbidade (diabetes, insuficiência cardíaca, cor pulmonale ou desnutrição), mais de quatro exacerbações no último ano e uso de antibióticos nos últimos 15 dias, mais de uma internação nos últimos 12 meses e uso de oxigênio contínuo (ou indicação para uso). Panorama Geral Tabela 2 - Orientações de antibioticoterapia nas exacerbações da DPOC conforme estadiamento Grupo Patógenos mais freqüentes Tratamento recomendado I - DPOC leve com VEF1 > 50% e sem fatores de risco H. influenzae M. catarrhalis S. pneumoniae C. pneumoniae M. pneumoniae b-lactâmico + inibidor de blactamase1 Cefuroxima Azitromicina/claritromicina II - DPOC leve com VEF1 > 50% e fatores de risco* H. influenzae M. catarrhalis SPRP Os anteriores mais: Moxifloxacino/levofloxacina III - DPOC com VEF1 entre 35 a 50% H. influenzae M. catarrhalis SPRP Gram (-) entéricos Moxifloxacino/levofloxacino b-lactâmico + inibidor de blactamase1 IV - DPOC com VEF1 < 35% H. influenzae SPRP Gram (-) entéricos P. aeruginosa Moxifloxacino/levofloxacina Ciprofloxacina se há suspeita de Pseudomonas b-lactâmico + inibidor de blactamase1 (se há alergia às quinolonas)** SPRP = S. pneumoniae resistente a penicilina. Amoxicilina-clavulanato, amoxicilina-sulbactam e ampicilina-sulbactam. * Fatores de risco: idade > de 65 anos, dispnéia grave, comorbidade significativa (diabetes, cardiopatia, disfunção renal ou hepática), mais de quatro exacerbações nos últimos 12 meses, hospitalização por exacerbação no ano prévio, uso de esteróides sistêmicos nos últimos três meses, uso de antibióticos nos 15 dias prévios e desnutrição. ** Em certas ocasiões pode ser necessário o tratamento endovenoso em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por gram negativos, incluídas Pseudomonas. Neste caso pode se administrar piperacilina-tazobactam ou imipenem ou cefepima. José Roberto Jardim é professor livre docente da disciplina de pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)/Escola Paulista de Medicina (EPM), coordenador do programa de pós-graduação em reabilitação da UNIFESP/EPM e diretor do Centro de Reabilitação Pulmonar (CRP) da UNIFESP/EPM - Lar Escola São Francisco (LESF). Oliver A. Nascimento é médico da disciplina de pneumologia da UNIFESP/EPM e vice-diretor do CRP-UNIFESP/EPM-LESF. Referências Bibliográficas (1) Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease, 2003 - http:www.goldcopd. com; (2) Conferencia de consenso sobre enfermedad pulmonary obstructive cronica. RoisinRodrigues R, Miravitlles M. Archivos de Bronconeumologia, 2003, Vol 39 S 3, 5-6; (3) Management of chronic obstructive pulmonary disease, 2003, Canadian Thoracic Society; (4) Recommendations for Can Respir J Vol 10 Suppl A May/June 2003; (5) A comparasion of the level of dyspnea vs disease severity in indicating the health-related quality of life of patients with COPD. Hajiro T, Nishimura K. Chest 1999. 116: 1632-1637; (6) Usefulness of the Medical Research Council (MRC) dyspnea scale as a measure of disability in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Wedzicha JA, Jones PW. Thorax 1999, 54:581-586; 46 Revista Racine (7) Fiabilidad del diagnóstico de la EPOC en atención primaria y neumología en España. Factores predictivos. J. de Miguel Díeza, JL Izquierdo Alonsob. Arch Bronconeumol 2003, 39(5): 203-8; (8) Detection of asthma and chronic obstructive pulmonary disease in primary care. Van Schayck CP, Chavannes NH. European Respiratory Journal, 1 January 2003, vol 21, Supplement 39, pp 16-22 (7); (9) Interpreting COPD prevalence estimates what is the true burden of disease? Halbert RJ, IsonaKa S. Chest 2003, 123: 1684-1692; (10) Dennis RJ et al. Woodsmoke exposure and risk for obstructive airways disease among women. Chest 1996, 109: 115-119; (11) Ministério da Saúde - http://www.datasus. gov.br; (12) American Thoracic Society/European Respiratory Society Statement: Standards for the iagnosis and management of individuals with Alpha1 Antitrypsin Deficiency. 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Panorama Geral Teste seus Conhecimentos 1 Qual é a prevalência de DPOC na cidade de São Paulo em indivíduos maiores de 40 anos de idade? a) 10,2%; b) 20,3%; c) 15,8%; d) 25%. 2 a) b) c) d) 3 a) b) c) d) Qual é o critério diagnóstico espirométrico da DPOC? VEF1 < 80% do previsto; Relação VEF1/CVF > 0,70; Relação VEF1/CVF <0,70; CVF < 70% do previsto. Quais são os sintomas iniciais da DPOC? Dispnéia aos pequenos esforços; Tosse e expectoração crônicas; Palpitação; Dor torácica. 4 Quais são os fatores etiológicos externos mais comuns da DPOC? a) Tabagismo; b) Exposição a vapores e gases tóxicos no trabalho; c) Exposição à fumaça de fogão de lenha; d) Todas as anteriores. 5 Quando está indicado o uso de corticóide inalatório na DPOC? a) Todos os pacientes com VEF1 < 50% do previsto; b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações freqüentes no último ano; c) Pacientes com VEF1 < 80% do previsto e muitos sintomas respiratórios; d) Todos os pacientes com DPOC devem receber corticóide inalatório. 6 A partir de qual estádio da DPOC está indicado o uso contínuo de broncodilatadores de longa duração de ação? a) Estádio I; b) Estádio II; c) Estádio III; d) Estádio IV. 7 a) b) c) d) A qual classe de medicamentos pertence o tiotrópio? Anticolinérgico de longa duração de ação; Anticolinérgico de curta duração de ação; Beta-2 agonistas; Metilxantinas. 8 Quais pacientes com DPOC devem ser vacinados contra gripe? a) A vacina não deve ser prescrita aos pacientes com DPOC; b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações freqüentes no último ano; c) Pacientes com VEF1< 80% do previsto; d) Todos os pacientes com DPOC devem ser vacinados. 9 Qual é a característica clínica presente durante a exacerbação que define a prescrição de antibióticos nesta fase? a) Dispnéia muito intensa; b) Expectoração clara; c) Expectoração purulenta; d) Chiado no peito. 10 Qual é o papel da reabilitação pulmonar no tratamento da DPOC? a) Melhorar a capacidade física; b) Reduzir a sensação de dispnéia; c) Melhorar qualidade de vida; d) Todas as anteriores. Respostas: 1 - c; 2 - c; 3 - b; 4 - d; 5 - b; 6 - b; 7 - a; 8 - d; 9 - c; 10 - d. Nas questões a seguir, assinale a resposta correta: Revista Racine 47