Federação Brasileira de Gastroenterologia A Gastroenterologia na Prática Clínica Temas de Atualização do Curso Pré-Congresso X Semana Brasileira do Aparelho Digestivo Porto Alegre - RS • 2011 No Tratamento da Sii O nosso tratamento para o alívio da dor abdominal do seu paciente 1,2 Reduz em até 93% o principal sintoma da Sii: a 1 DOR. 3 Diminui a duração da dor de várias horas para alguns minutos.4 Contraindicações: hipersensibilidade conhecida aos componentes da fórmula. Interações medicamentosas: os estudos realizados não demonstraram interações medicamentosas com nenhum dos seguintes tratamentos concomitantemente prescritos: hipoglicemiantes orais, anticoagulantes e digitálicos. SIILIF* - brometo de pinavério - USO ADULTO - Apresentações e composição: Comprimido revestido de 50 mg em embalagens com 30 unidades. Comprimido revestido de 100 mg em embalagens com 10, 30 e 60 unidades. Indicações: Tratamento sintomático da dor ou desconforto abdominal, dos distúrbios da frequência ou consistência das evacuações (constipação ou diarréia) e da distensão abdominal, decorrentes dos transtornos funcionais do intestino (SII). Tratamento sintomático das dores decorrentes dos transtornos funcionais das vias biliares. Preparação de enemas opacos. Contraindicações: hipersensibilidade conhecida aos componentes da fórmula. Precauções e advertências: É desaconselhável a utilização do brometo de pinavério durante a gravidez. Além disso, deve-se observar a presença de bromo, cuja administração no final da gravidez pode causar alterações neurológicas no recém-nascido (hipotonia, sedação). Em função da falta de estudos, recomenda-se não utilizar o brometo de pinavério durante a lactação. Interações medicamentosas: os estudos realizados não demonstraram interações medicamentosas com nenhum dos seguintes tratamentos concomitantemente prescritos: hipoglicemiantes orais, anticoagulantes e digitálicos. Reações adversas: foram relatados, raramente, alguns casos de alterações digestivas leves e casos isolados de reações cutâneas, algumas do tipo alérgico. Raramente pode haver agravamento da constipação e epigastralgia. Em casos de erupção cutânea, é conveniente interromper a administração do medicamento. Posologia: recomenda-se a administração de 1 comprimido de 50 mg, 3 ou 4 vezes ao dia, ou 1 comprimido de 100 mg, 2 vezes ao dia (manhã e noite). Excepcionalmente, a posologia pode ser aumentada para 6 comprimidos de 50 mg ou 3 comprimidos de 100 mg ao dia. Os comprimidos devem ser deglutidos inteiros, sem mastigar, com um pouco de água, imediatamente antes ou durante as refeições. Na preparação de enemas opacos, a posologia é de 2 comprimidos diários de 100 mg ou 4 comprimidos diários de 50 mg, nos 3 dias anteriores ao exame. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO. MS - Registro MS – 1.0639.0254. Referências bibliográficas: 1) Guslandi M. Profilo farmacologico clinico del pinaverio bromuro. Minerva Med. 1994;85:179-85. 2) Siilif*[Bula]. São Paulo: Nycomed Pharma. 3) Cain KC et al. Abdominal pain impacts quality of life in women with irritable bowel syndrome. Am J Gastroenterol. 2006;101(1):124-32. 4) Awad R, Dibildox M, Ortiz F. Irritable bowel syndrome treatment using pinaverium bromide as a calcium channel blocker. Acta Gastroenterol Latinoam. 1995;25(3):137-44. SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. Material destinado exclusivamente a profissionais habilitados a prescrever e/ou dispensar medicamentos. Nov/2011. Material exclusivo à classe médica. Nycomed Pharma Ltda. Rua do Estilo Barroco, 721 - 04709-011 - São Paulo - SP. Mais informações poderão ser obtidas diretamente com o nosso Departamento Médico ou por meio de nossos representantes. * Marca Depositada. O brometo de pinavério da Nycomed Editores Dr. José Galvão-Alves Dra. Maria do Carmo Friche Passos Dra. Eponina O. Lemme Dr. Laércio T. Ribeiro A Gastroenterologia na Prática Clínica São Paulo • 2011 Editores Dr. José Galvão-Alves Presidente da FBG Dra. Maria do Carmo Friche Passos Coordenadora do FAPEGE Dra. Eponina O. Lemme Comissão do FAPEGE Dr. Laércio T. Ribeiro Comissão do FAPEGE Temas de Atualização do Curso Pré-Congresso X Semana Brasileira do Aparelho Digestivo Porto Alegre - RS • 2011 Federação Brasileira de Gastroenterologia A Gatroenterologia na Prática Clínica Copyright © 2011 Federação Brasileira de Gastroenterologia – FBG Todos os direitos reservados à FBG Av. Brig. Faria Lima, 2.391 - 10º andar CEP 01452 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3813-1610 – Fax: (11) 3032-1460 Site: www.fbg.org.br • e-mail: [email protected] Edição e Produção Office Editora e Publicidade Ltda. Rua General Eloy Alfaro, 239 04139-060 – São Paulo – SP Tels: (11) 5594-5455/5594-5300 São Paulo - SP - Brasil www.officeeditora.com.br Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévia autorização da FBG. Impresso no Brasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Federação Brasileira de Gastroenterologia 7 A Gatroenterologia na Prática Clínica DIRETORIA DA FBG Gestão 2010-2012 Dr. José Galvão-Alves (RJ) Presidente Dr. José Roberto de Almeida (PE) Vice-Presidente Presidente Eleito (2012-2014) Dr. Sender Jankiel Mizsputen (SP) Secretário Geral Dr. Adávio de Oliveira e Silva (SP) 1º Secretário Dr. Rubens Basile (RJ) Diretor Financeiro Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG) Coordenadora do FAPEGE Federação Brasileira de Gastroenterologia 9 Diretoria da FBG • Gestão 2010/2012 COMISSÕES PERMANENTES Título de Especialista • Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG) – Presidente • Dr. Mauro Bafutto (GO) • Dr. Celso Mirra de Paula e Silva (MG) • Dr. James Ramalho Marinho (AL) • Dr. José Miguel Luz Parente (AL) • Dr. Odery Ramos Junior (PR) FAPEGE • Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG) – Coordenadora • Dra. Eponina M. O. Lemme (RJ) • Dr. Laércio Tenório Ribeiro (AL) Departamento de Eventos FBG • Dr. Renato Dani (MG) – Diretor Ética Médica • Dr. Carlos Fernando de Magalhães Franciscone (RS) – Presidente • Dr. Joffre Rezende Filho (GO) • Dr. Carlos Sandoval Gonçalves (ES) Defesa Profissional • Dr. Gaspar de Jesus Lopes Filho (SP) • Dr. Jece Freitas Brandão (BA) • Dr. Julio M. Fonseca Chebli (MG) Conselho Fiscal • Dr. José Augusto da Silva Messias (RJ) • Dr. Pedro Ferreira de Souza Filho (PB) • Dr. Octavio Augusto B. Gomes de Souza Junior (PA) Suplentes • Dr. Sergio Pessoa (CE) • Dr. José Nonato Fernandes Spinelli (PB) • Dr. Fábio Gomes Teixeira (MA) Conferencista Nacional X SBAD 2011 • Dr. Jaime Natan Eisig (SP) Presidente Eleito Gestão 2012-2014 • Dr. José Roberto de Almeida (PE) 10 Federação Brasileira de Gastroenterologia Diretoria da FBG • Gestão 2010/2012 COMISSÕES TEMPORÁRIAS E REPRESENTANTES Relações Governamentais • Dr. Isac Jorge Filho (SP) • Dr. Pedro Braz Macedo Filho (PE) Relações Internacionais • Dr. Glaciomar Machado Olive (RJ) • Dr. Flavio Steinwurz (SP) • Dr. Ângelo Alves de Mattos (RS) • Dr. Igelmar Barreto Paes (BA) Comissão de Ensino • Dr. Farid Butros Iunan Nader (RS) • Dr. Flair J. Carrilho (SP) • Dr. Julio M. Fonseca Chebli (MG) • Dr. Paulo Pimentel de Assumpção (PA) • Dr. Luiz João Abrahão (RJ) Comissão Científica do Site • Dra. Maria do Carmo F. Passos (MG) • Dr. Marco Antonio Zerôncio (RN) • Dra. Marta Mitiko Deguti (SP) • Dr. Mário Reis Álvares-da-Silva (RS) • Dr. Laércio Tenório Ribeiro (AL) Comissão Acervo Histórico • Dr. Ulysses G. Meneghelli (SP) Representante na AMB • Dr. Rogério Toledo Junior (SP) Representante na CNA – Comissão Nacional de Acreditação • Dra. Dulce Reis Guarita (SP) Representante na Área Técnica Saúde do Homem no Ministério da Saúde • Dr. Ulysses G. Meneghelli (SP) • Dr. Rogério Toledo Junior (SP) Representante na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária • Dr. Sender Jankiel Miszputen (SP) Federação Brasileira de Gastroenterologia 11 Diretoria da FBG • Gestão 2010/2012 Revista GED • Dr. José Murilo Robilotta Zeitune (SP) – Editor de Gastroenterologia Revista Arquivos de Gastroenterologia • Dr. Flavio Antonio Quilici (SP) – Editor de Gastroenterologia Jornal da FBG • Dr. Heitor Rosa Comissão Jovem Gastroenterologista • Dr. Odery Ramos Junior (PR) • Dr. Silvando Barbalho Rodrigues (RJ) • Dr. Sergio Pessoa (CE) • Dr. Raul Carlos Wahle (SP) • Daniela A. Cavalcanti (RJ) - Residente Comissão do Selo de Certificação da FBG • Dr. Edson Braga Lameu (RJ) • Dr. Rubens Basile (RJ) • Dr. Sender Jankiel Mizsputen (SP) Comissão de Pesquisa Básica • Dra. Raquel Canzi Almada de Souza (PR) • Dr. André C. Lyra (BA) Clínica • Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG) • Dr. José Alves de Freitas (SP) Comissão de Acreditação Comissão Reforma Estatuto e Regimento • Dr. Laércio Tenório Ribeiro • Dr. Celso Mirra de Paula e Silva 12 Federação Brasileira de Gastroenterologia A Gatroenterologia na Prática Clínica SOCIEDADES FEDERADAS (2010-2012) Presidentes Sociedade Alagoana de Gastroenterologia • Dr. Edgar Valente de Lima Neto Sociedade de Gastroenterologia do Amazonas • Dr. Agostinho Massulo Sociedade de Gastroenterologia da Bahia • Dra. Nelma Pereira de Santana Sociedade Cearense de Gastroenterologia • Dr. Cícero Robério Motta Sociedade de Gastroenterologia do Espírito Santo • Dra. Maria da Penha Zago Gomes Sociedade Goiana de Gastroenterologia • Dr. Américo de Oliveira Silvério Sociedade de Gastroenterologia de Brasília • Dra. Adélia Carmen Silva de Jesus Sociedade Maranhense de Gastroenterologia • Dra. Licia Maria Rodrigues Fonseca Sociedade Mato-Grossense de Gastroenterologia e Nutrição • Dr. Elton Hugo Maia Teixeira Sociedade Sul-Mato-Grossense de Gastroenterologia • Dr. Jesus da Cunha Garcia Federação Brasileira de Gastroenterologia 13 Sociedades Federadas (2010/2012) Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de Minas Gerais • Dr. Áureo de Almeida Delgado Sociedade Paraense de Gastroenterologia • Dra. Betânia Cavalcante Pinheiro Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição da Paraíba • Dr. José Eymard M. de Medeiros Filho Sociedade Paranaense de Gastroenterologia e Nutrição • Dr. Julio Cesar Pisani Sociedade Pernambucana de Gastroenterologia • Dra. Ana Botler Wilheim Sociedade de Gastroenterologia do Piauí • Dra. Simone Barbosa da Silva Leal Sociedade de Gastroenterologia do Rio de Janeiro • Dr. Edson Jurado da Silva Sociedade de Gastroenterologia do Rio Grande do Norte • Dra. Auzelívia Pastora Rego Medeiros Sociedade Gaúcha de Gastroenterologia • Dr. Carlos Kupski Sociedade Catarinense de Gastroenterologia • Dr. Eduardo Nobuyuki Usuy Jr. Sociedade de Gastroenterologia de São Paulo • Dr. Joaquim Prado P. de Moraes Filho Sociedade de Gastroenterologia de Sergipe • Dr. Gilvan Pinto Monteiro 14 Federação Brasileira de Gastroenterologia A Gatroenterologia na Prática Clínica Autores Dr. Adávio de Oliveira e Silva Professor Livre-Docente do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP. Diretor Clínico do Centro Terapêutico Portuguesa de São Paulo. CRM-SP 13.739. Dra. Ana Flávia Passos Ramos Médica Assistente do Serviço de Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte e do Instituto Alfa de Gastroenterologia – HCUFMG. Mestre em Ciências Aplicadas ao Aparelho Digestivo. CRM-MG 39.458. Dra. Andrea Benevides Leite Gastroenterologista do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza - HGF. Mestre em Hepatologia pela UFCSPA. CRM-CE 7.919. Dr. Angelo Alves de Mattos Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). CRM-RS 7.089. Dr. Antonio de Barros Lopes GastroLab, Hospital de Clínicas de Porto Alegre & Universidade Federal do Rio Grande do Sul. CRM-RS 26.045. Dr. Alexandre Pelosi Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Staff do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Federal de Ipanema, Rio de Janeiro. Staff do Serviço de Endoscopia Digestiva do INCA I. CRM-RJ 52.64186-3. Federação Brasileira de Gastroenterologia 15 Autores Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito Professor Adjunto da UFPE. Mestre em Medicina Interna UFPE. Doutor em Ciência CpqAM/FIOCRUZ. Pós-Doutor em Imunologia FIOCRUZ. CRM-PE 10.107. Dr. Decio Chinzon Doutor em Medicina. Professor do Curso de Pós-Graduação em Gastroenterologia da Disciplina de Gastroenterologia Clínica FMUSP. CRM-SP 49.552. Dra. Dulce Reis Guarita Professora Livre-Docente e Chefe do Grupo de Pâncreas do Serviço de Gastroenterologia da Divisão de Clínica Médica II do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro da American Gastroenterological Association. CRM-SP 21.137. Dra. Eponina Maria de Oliveira Lemme Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ. Chefe da Unidade de Esôfago do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ. CRM-RJ 52. 12884-6. Dr. Fernando Magro Serviço de Gastrenterologia do Hospital de São João. Instituto de Farmacologia e Terapêutica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal. Dr. Guilherme Eduardo Gonçalves Felga Gastroenterologista, Hepatologista e Membro do Grupo de Pâncreas do Serviço de Gastroenterologia da Divisão de Clínica Médica II do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CRM-SP 122.055. Dr. Jaime Natan Eisig Médico Assistente Doutor da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. CRM-SP 19.922. Dr. João Galizzi Filho Hepatologista e Gastroenterologista. Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. CRM-MG 5.739. 16 Federação Brasileira de Gastroenterologia Autores Dr. José Galvão-Alves Chefe da 18ª Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Gama Filho e da Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Professor de Pós-Graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFMG. CRM-RJ 52.26254-8. Dra. Lorete Maria da Silva Kotze Professora Adjunta Aposentada da Disciplina de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Professora Adjunta do Curso de Medicina do Setor de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná. Professora do Curso de Especialização em Adolescência da PUC - Paraná. Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Cajuru da PUC - Paraná. Membro Internacional do American College of Gastroenterology. CRM-PR 2.219. Dra. Lucia Camara Castro Oliveira Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Chefe do Serviço de Fisiologia Anorretal da Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Fellow pela Cleveland Clinic Florida. CRM-RJ 52.51841-6. Dra. Luciana Dias Moretzsohn Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. CRM-MG 18.575. Dr. Luiz Edmundo Mazzoleni Mestre e Doutor em Gastroenterologia. Professor de Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). CRM-RS 10.471. Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Subchefe do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte - MG. CRM-MG 6.666. Federação Brasileira de Gastroenterologia 17 Autores Dr. Luiz Leite Luna Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital São Vicente de Paulo, Rio de Janeiro. Fellow em Gastroenterologia Lahey Clinic Boston, EUA. Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Membro Titular Especialista, Fundador e Honorário da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva SOBED. CRM-RJ 52.12305-6. Maria Clara Freitas Coelho Assistente Voluntária da VI Enfermaria de Mulheres da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - MG. Maria do Carmo Friche Passos Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG e da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Doutora em Gastroenterologia. Coordenadora Científica do Fundo de Pesquisa e Aperfeiçoamento (FAPEGE) e do site da Federação Brasileira de Gastroenterologia CRM-MG 18.599. Dra. Maria Helena Itaqui Lopes Médica Gastroenterologista, Doutora em Clínica Médica. Professora Titular do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da PUCRS. Coordenadora do Curso de Medicina da PUCRS. CRM-RS 8.668. Dra. Marianges Zadrozny Gouvea da Costa Mestre em Medicina pela FMUSP e Membro do Grupo de Pâncreas do Serviço de Gastroenterologia da Divisão de Clínica Médica II do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CRM-SP 114.571. Dra. Martha Regina Arcon Pedroso Doutora em Medicina pela FMUSP e Membro do Grupo de Pâncreas do Serviço de Gastroenterologia da Divisão de Clínica Médica II do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CRM-SP 37.455. Dr. Matheus Azevedo C. Freitas Médico Residente da Disciplina de Gastroenterologia Clínica FMUSP. CRM-SP 131.006. Dra. Munique Kurtz Médica Residente da Disciplina de Gastroenterologia Clínica FMUSP. CRM-SP 146.557. 18 Federação Brasileira de Gastroenterologia Autores Dra. Patrícia Abrantes Luna Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Staff do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital São Vicente de Paulo, Rio de Janeiro. Staff do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Federal de Bonsucesso, Rio de Janeiro. Staff do Serviço de Endoscopia Digestiva INCA II. CRM-RJ 52.69844-0. Dr. Renato Abrantes Luna Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Staff do Serviço de Cirurgia Geral II do Hospital Federal dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro. Fellow em Cirurgia Minimamente Invasiva.Oregon Health And acience University. CRM-RJ 52. 64414-5. Dr. Sérgio G. S. de Barros GastroLab, Hospital de Clínicas de Porto Alegre & Universidade Federal do Rio Grande do Sul. CRM-RS 5.456. Federação Brasileira de Gastroenterologia 19 A Gatroenterologia na Prática Clínica Apresentação A Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) estará, como habitualmente, realizando o seu conceituado Curso Pré-Congresso durante a X Semana Brasileira do Aparelho Digestivo - SBAD, em novembro de 2011, na hospitaleira Porto Alegre - RS. O FAPEGE - Fundo de Aperfeiçoamento e Pesquisa em Gastroenterologia enquanto Comissão da FBG, composta pelos doutores Maria do Carmo Friche Passos, Eponina M. O. Lemme e Laércio Tenório Ribeiro, preparou um programa atual e prático, contendo temas controversos para que professores habituados aos mesmos nos tragam o que há de mais recente na literatura. A exemplo do Digestive Disease Week (DDW) e do United European Gastroenterology Week (UEGW), o curso pré-congresso pretende impor-se como um ponto de excelência que une ampla revisão de inúmeros temas e condições que por si sós possam justificar a presença na SBAD. Agradecemos mais uma vez à Nycomed pela sólida, ética e longa parceria na viabilização da publicação, sob a forma de livro de nossas conferências. Aos queridos professores convidados nosso reconhecimento pelo compromisso com o ensino continuado, com nossos associados e com a FBG. Um abraço, Dr. José Galvão-Alves Presidente Federação Brasileira de Gastroenterologia 21 A Gatroenterologia na Prática Clínica Sumário Halitose Essencial - Existe Tratamento? Dra. Maria Helena Itaqui Lopes...................................................................... 25 Esôfago de Barrett Longo: Quando Tratar Clinicamente? Barrett Curto: Quando Operar? Dra. Eponina Maria de Oliveira Lemme........................................................ 29 Esofagite Eosinofílica: Como Tratar e Prevenir Recidiva? Dra. Luciana Dias Moretzsohn......................................................................... 37 DRGE: O que Fazer Quando o IBP Falha? Dr. Sérgio G. S. de Barros • Dr. Antonio B. Lopes....................................... 43 O Uso Prolongado de IBP é Realmente Seguro? Dr. Jaime Natan Eisig...................................................................................... 49 Dispepsia Funcional e Helicobacter pylori: Sempre Erradicar a Bactéria? Dr. Luiz Edmundo Mazzoleni......................................................................... 53 Pólipos Gástricos Dra. Munique Kurtz • Dr. Matheus Azevedo C. Freitas Dr. Decio Chinzon . ........................................................................................ 59 Metaplasia e Atrofia Gástrica - Como Conduzir? Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara Freitas Coelho........................ 67 Não Tenho Doença Celíaca, Mas Não Tolero o Glúten. O Que Fazer? Dra. Lorete Maria da Silva Kotze.................................................................... 79 Federação Brasileira de Gastroenterologia 23 Sumário Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? Dr. Luiz Leite Luna • Dr. Renato Abrantes Luna Dra. Patrícia Abrantes Luna • Dr. Alexandre Pelosi...................................... 87 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino Dr. Fernando Magro........................................................................................ 99 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? Dra. Lucia Camara Castro Oliveira.................................................................. 117 Doença de Crohn: Tratar Sempre? Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito......................................................... 127 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos........ 137 Insuficiência Exócrina do Pâncreas de Origem Não Pancreática Dr. José Galvão-Alves...................................................................................... 151 Diagnóstico Precoce da Pancreatite Crônica: É Possível? Dra. Dulce Reis Guarita • Dr. Guilherme Eduardo Gonçalves Felga • Dra. Marianges Zadrozny Gouvea da Costa Dra. Martha Regina Arcon Pedroso.............................................................. 159 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? Dr. Adávio de Oliveira e Silva...................................................................... 165 O Fibroscan Pode Substituir a Biópsia na Avaliação da Fibrose Hepática? Dr. João Galizzi Filho..................................................................................... 175 Como Tratar a Esteato-Hepatite Não Alcoólica? Dr. Angelo Alves de Mattos • Dra. Andrea Benevides Leite........................ 181 Qual o Melhor Betabloqueador em Cirróticos? Dr. Mário Reis Álvares-da-Silva......................................................................193 24 Federação Brasileira de Gastroenterologia Maria Helena Itaqui Lopes Capítulo 1 Halitose Essencial Existe Tratamento? Dra. Maria Helena Itaqui Lopes O problema em perspectiva O termo halitose origina-se do latim halitus (respiração) e osis (condição), tendo a definição de sensação subjetiva de odor desagradável que emana da boca percebida pelo paciente e/ou circunstantes.(1) É um sintoma extremamente frequente, que afeta um número significativo de pessoas, em qualquer faixa etária e ambos os sexos. Em pesquisa bibliográfica recente, observa-se que a terminologia de halitose essencial ou verdadeira, antigamente usada para definir a halitose sem nenhuma causa aparente, está em desuso. Pode-se fazer uma distinção entre halitose de origem fisiológica, que é usualmente temporária, reversível, podendo ter origem de substâncias que são liberadas pelos pulmões a partir da ingestão de alguns alimentos (alho e cebola), bem como a halitose pós-jejum prolongado ou matutina, onde existe diminuição do fluxo salivar, aumentado a proliferação bacteriana. Já a halitose patológica costuma ser persistente e decorre de situações específicas, requerendo também um tratamento determinado. Acredita-se hoje, e as evidências mostram, que halitose tem origem estabelecida. Sua etiologia é multifatorial, mas a causa principal deve-se à decomposição de material orgânico por micro-organismos da cavidade oral.(2) Nesse caso, é atribuída à eliminação de componentes sulfurados voláteis, tais como sulfito de hidrogênio, metilmercaptano, dimetilssulfito, etiolmetano e etioletano. Outros A Gastroenterologia na Prática Clínica 25 Halitose Essencial - Existe Tratamento? componentes que contribuem para a halitose são os ácidos orgânicos, acetona, acetaldeído e diaminas, tais como cadaverina e putrescina.(3) As bactérias identificadas como causadoras de halitose são as seguintes: Prevotella (Bacteroides) melaninogenica, Treponema denticola, Porphyromonas gingivalis, Porphyromonasendodontalis, Prevotella intermedia, Bacteroides loescheii, Enterobacteriaceae, Tannerella forsythensis (Bacteroides forsythus), Centipeda periodontii, Eikenella corrodens, Fusobacterium nucleatum vincentii, Fusobacterium nucleatum nucleatum, Fusobacterium nucleatum polymorphum e Fusobacterium periodonticum.(6) As causas mais comuns de halitose estão localizadas na cavidade oral (90%) (2) e podem ser decorrentes da higiene inadequada, especialmente do dorso da língua, xerostomia, problemas gengivais e periodontais, a própria putrefação na saliva provocada por micro-organismos bucais, lesões benignas ou malignas da boca. Outras situações também deverão ser investigadas, tais como tonsilites, faringites, rinites, sinusites, longos períodos de jejum, ingestão de alimentos como alho e cebola, uso de medicamentos (anticolinérgicos, antidepressivos tricíclicos, diazepínicos, derivados de iodo, anestésicos, hidrato de cloral, paraldeído e nitrato de amilo), drogas (tabagismo, etilismo), doenças pulmonares (bronquite, bronquiectasias, pneumonia, abscesso pulmonar, tuberculose, neoplasia de pulmão), gastrointestinais (regurgitação, carcinoma gástrico, bezoares, acalasia, existe controvérsia quanto à gastrite associada ao Helicobacter pylori ser causa de halitose). Em certas doenças metabólicas sabe-se que metilmercaptanos (no fetor hepaticus), corpos cetônicos (diabetes mellitus descompensado), degradação da ureia à amônia na saliva (uremia) causam halitose característica.(4-7) O quadro 1 resume os problemas prevalentes como causa de halitose. Quadro 1. Causas mais frequentes de halitose Cavidade oral: Cáries dentárias, doença periodontal Língua saburrosa, impactação de restos de alimentos Higiene de próteses inadequada, ulcerações, fístulas, câncer Problemas otorrinolaringológicos e sistema respiratório: Faringite, tonsilite, sinusite, corpo estranho no nariz Bronquite, carcinoma brônquico, bronquiectasia Sistema digestório: Regurgitação, acalasia, bezoares, Helicobacter pylori (?), câncer gástrico Outras: Insuficiência renal, diabetes, cirrose, halitofobia 26 Federação Brasileira de Gastroenterologia 90% 8% 1% 1% Maria Helena Itaqui Lopes Halitofobia é percepção equivocada pelo paciente de mau hálito, geralmente associada a sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, e muitos dos casos de halitose imaginária, descritos na literatura, lembram a síndrome psiquiátrica da fobia social.(8) Diante de mais de 50 causas possíveis isoladamente ou em combinação, reitera-se a necessidade da realização do diagnóstico etiológico para uma correta abordagem terapêutica. Como tratar a halitose Por vezes, existe relutância dos pacientes em consultar um médico por halitose, por não perceber o problema, não valorizar o sintoma ou por vergonha. A anamnese e o exame físico são fundamentais para a elaboração diagnóstica. Um cuidadoso exame, na maioria dos casos, pode determinar a origem do problema do paciente com halitose. Inicialmente a estratégia de tratamento deve ser focada na causa e na higiene oral.(4,5) Diversos produtos são indicados para o tratamento da halitose a partir de manipulações da cavidade bucal, mas todos eles salientam a importância da associação dos recursos rotineiros de higienização bucal, tais como a aplicação de sprays antissépticos nas gengivas, língua e paredes bucais, soluções para gargarejos à base de clorexidina, ou outras soluções à base de cloreto de cetilpiridínio, dioxidoclorina e cloreto de zinco, uso da pasta de dente (contendo triclosano e cloreto de zinco) e gomas de mascar que contenham zinco, por sua possível ação em diminuir a concentração de compostos de enxofre voláteis em não voláteis, na forma de sulfito de zinco.(9) Sabidamente a higiene mecânica reduz resíduos alimentares e igualmente a microflora da boca.(6) Dessa maneira, complementos diários, como os citados previamente e limpezas periódicas feitas por profissionais, garantem melhor controle do hálito saudável. Medidas preventivas adotadas pelos pacientes, como uso frequente de fio dental, ingestão de água como primeira refeição do dia e a raspagem diária da língua com escova dental ou uma colher, bem como uma dieta alimentar livre de alho, cebola, café e outros alimentos odoríferos, é também recomendada. Diversos instrumentos foram idealizados para permitir uma adequada remoção dos resíduos do dorso de língua nos processos de higienização bucal, incluindo a escova dental, colheres plásticas e raspadores especificamente idealizados para essa finalidade. As medidas fundamentais de tratamento são apresentadas no quadro 2, de acordo com as causas prevalentes de halitose. A Gastroenterologia na Prática Clínica 27 Halitose Essencial - Existe Tratamento? Quadro 2. Tratamento da halitose • Investigar e manejar possível fonte sistêmica (não oral) • Melhorar a higiene oral, uso de fio dental • Limpeza regular da língua (escovação, limpadores especiais) • Uso regular de pastas dentais e soluções bucais antimicrobianas: - Gluconato de clorexidina - Triclosano e cloreto de zinco - Cloreto de cetilpiridínio • Revisões dentárias periódicas Permanece ainda não confirmada a ação de probióticos como efetiva para o tratamento da halitose, tais como cepas de Weissella cibaria para inibir a proliferação de compostos sulfurados voláteis produzidos pela Fusobacterium nucleatum.(10) Referências 1. Messadi DV, Younai FS. Halitosis. Dermatol Clin 2003;21:147-155. 2. Dal Rio AC, Nicola EM, Teixeira AR. Halitosis - an assessment protocol proposal. Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(6):835-42. 3. Hasler WL. Garlic breath explained: why brushing your teeth won’t help. Gastroenterology 1999;117(5):1248-49. 4. Tonzetich J. 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Eponina Maria de Oliveira Lemme O esôfago de Barrett (EB) é definido, de maneira geral, como “a substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar, observado à endoscopia digestiva alta (EDA) e confirmado por exame histopatológico, pelo encontro de células intestinalizadas (metaplasia intestinal). Quanto este epitélio especializado tem menos de 3 cm é chamado de Barrett curto (EBC) e quando apresenta 3 cm ou mais, de Barrett longo (EBL).(1,2) O EB tem sido observado em cerca de 10% a 15% dos indivíduos submetidos à EDA que apresentam sintomas crônicos de refluxo. A prevalência do EB está aumentando no mundo ocidental. Estudos referem aumento significativo do diagnóstico de EB em indivíduos que realizaram EDA nos últimos anos.(3) Sabe-se que pacientes com EB têm risco 20-60 vezes maior do que a população em geral de desenvolver adenocarcinoma de esôfago e esta malignização ocorre após a cascata displasia de baixo grau e displasia de alto grau.(4) A etiopatogenia do EB é controversa, porém sugere-se que a metaplasia é consequência do refluxo áci do e biliar combinados de forma prolongada. (5) Alguns fatores de risco são associados ao EB, tais como sexo masculino, consumo de álcool, o hábito de fumar e principalmente a obesidade.(4) Alterações motoras e funcionais esofagianas, notadamente a falha mecânica do esfíncter inferior, são mais prevalentes no EB do que nos portadores de esofagite não complicada ou sem esofagite,(5) porém são menos intensas no BC do que no BL.(6) A Gastroenterologia na Prática Clínica 29 Esôfago de Barrett Longo: Quando Tratar Clinicamente? Tratamento do esôfago de Barrett Os objetivos do tratamento de pacientes com EB são: 1) interromper o refluxo; 2) promover a cicatrização das lesões; 3) induzir a regressão do epitélio metaplásico de tal forma que a mucosa de alto risco seja eliminada; 4) alterar a progressão de displasia para câncer.(3) Há três formas principais de tratamento: 1.Tratamento clínico; 2. Tratamento cirúrgico; 3. Tratamento endoscópico. Esôfago de Barrett longo: quando tratar clinicamente? O EBL acomete indivíduos brancos, mais frequentemente do sexo masculino, na proporção de 2:1 e sua prevalência aumenta com a idade, especialmente após os 40 anos.(1,3) Como o EB é uma consequência do refluxo crônico e prolongado, o tratamento clínico segue os mesmos preceitos do empregado na DRGE(1) e deve ser realizado em todos os pacientes com EBL. Tem como objetivos principais o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões erosivas que podem acompanhar a doença e a prevenção de sua recidiva.(3) Baseia-se fundamentalmente nas medidas comportamentais e no tratamento farmacológico. As medidas dietéticas e comportamentais (elevação da cabeceira da cama, refeições pouco volumosas e mais frequentes, não deitar imediatamente após as refeições, redução das condições que intensificam os sintomas de refluxo, redução ou eliminação de alimentos e medicamentos que provoquem ou intensifiquem o refluxo), devem ser individualizadas de tal forma que limitem o menos possível a qualidade de vida do paciente. Fundamental é a redução do peso corporal em obesos, uma vez que está demonstrada a relação da obesidade no agravamento do refluxo e surgimento de lesões.(4) O tratamento farmacológico é baseado na neutralização ou supressão da acidez intragástrica com o emprego dos inibidores da bomba de prótons (IBP). Pacientes com EB apresentam maior exposição ácida no esôfago,(7) necessitando de doses maiores de IBP para sua neutralização. As doses padrão destes medicamentos (40 mg de omeprazol, 30 mg de lanzoprazol, 40 mg de pantoprazol, 20 mg de rabeprazol e 40 mg de esomeprazol) devem ser administradas em duas tomadas, visando maior inibição da secreção, sempre a primeira 30 minutos antes do desjejum e a segunda 30 minutos antes do jantar.(1) Estas doses devem sem mantidas por 8-12 semanas, sendo aconselhável a repetição 30 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Eponina Maria de Oliveira Lemme da EDA para avaliar a cicatrização das lesões, uma vez que a maior parte dos pacientes com EBL, nas fases sintomáticas da doença, apresenta esofagite em maior ou menor grau, além da presença de hérnia de hiato que contribui para a manutenção do refluxo.(5) O controle dos sintomas em portadores do EBL não significa controle da doença, nem sempre significa cicatrização das lesões ou normalização da acidez intraesofágica. Muitos pacientes com EBL têm pouco ou nenhum sintoma devido à alteração da sensibilidade esofágica pela presença do epitélio metaplásico, vários são idosos, frequentemente menos sintomáticos. A recidiva é frequente na interrupção do tratamento devido à gravidade das alterações funcionais,(5) frequentemente nem percebida pelo paciente. Por estas razões, o paciente em tratamento clínico deve ser mantido com IBP e ter monitorização pHmétrica da acidez esofágica na vigência de medicação, objetivando preciso controle do refluxo. Os próximos objetivos do tratamento clínico seriam eliminar a mucosa intestinalizada e prevenir a progressão para displasia e câncer.(3) Trabalhos têm demonstrado que o tratamento clínico não causa regressão do epitélio metaplásico no EBL.(8,9) Em relação à prevenção da progressão do EBL para displasia e câncer, o assunto é controverso. Estudos não controlados sugerem que os IBPs, embora possam ter efeito protetor, não eliminam o risco de desenvolvimento de adenocarcinoma.(10) Outro estudo recente retrospectivo observacional em pacientes com EBL sugere que o uso de IBPs não previne a evolução para displasia, porém foi associado com diminuição da incidência de displasia de alto grau ou adenocarcinoma quando comparado a pacientes que não usavam tal medicação.(11) Em resumo, o tratamento clínico deve ser realizado em todos os pacientes com EBL objetivando redução dos sintomas, cicatrização de lesões e prevenção das recidivas. Na prática clínica, aos pacientes jovens e à maioria dos portadores de EBL deve ser oferecida a possibilidade de tratamento cirúrgico, pelo menos por meio das fundoplicaturas (FP). Os resultados do tratamento cirúrgico são bons na maioria dos pacientes, porém há referências a piores resultados com as FP no EBL, com taxa de recorrência elevada a longo prazo.(12) Há pacientes que não querem ser submetidos ao tratamento cirúrgico, por receio ou porque estão assintomáticos e podem ser controlados com a medicação. E ainda há outros que teriam elevado risco cirúrgico, tais como idosos com comorbidades. As perguntas seguintes seriam: 1) O paciente com EBL pode ser mantido em tratamento clínico? 2) Quando devemos preconizar exclusiva- A Gastroenterologia na Prática Clínica 31 Esôfago de Barrett Longo: Quando Tratar Clinicamente? mente o tratamento clínico para um portador de EBL? 3) Quais os cuidados a serem tomados? 4) Como realizar a vigilância? As respostas envolvem a conscientização do paciente de que o EBL não regride, mas pode ter controle dos sintomas e da importância do controle pHmétrico para titulação da dose de IBP que mantém o paciente em refluxo ácido zero ou com % tempo total de refluxo < 1,6.(13) Admite-se, embora o assunto seja controverso, que o controle estreito do refluxo possa reduzir a possibilidade de evolução para displasia de alto grau, porém o paciente deverá ser mantido em programa de vigilância como é recomendado pelos consensos vigentes.(1,2) É importante assinalar que o tratamento clínico envolve uso de IBP ad eternum,(1) além de vigilância e possíveis controles pHmétricos em períodos a serem definidos. Por outro lado, sabe-se que o uso prolongado de IBP acompanha-se do risco de fraturas em idosos, risco de candidíase esofagiana, maior número de infecções respiratórias e gastroenterites.(13) Tudo isto deve ser avaliado criteriosamente. Além de ser esclarecido a respeito da sua doença, o paciente deve também ser tranquilizado em relação à verdadeira incidência de evolução para displasia e câncer, que é baixa, sem se descuidar a vigilância. Esôfago de Barrett curto (EBC) Definido como “a substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar, observado à EDA e confirmado por exame histopatológico, pelo encontro da metaplasia intestinal, de comprimento < 3 cm”,(1,2) o EBC tem epidemiologia menos conhecida do que a do EBL. É mais frequente no sexo masculino, em menor proporção do que no EBL, predomina em indivíduos brancos e em torno de 10% dos pacientes com sintomas de DRGE, sendo encontrado em 9% a 36% das endoscopias.(14,15) Nem todos os pacientes com EBC apresentam sintomas típicos de DRGE(16) e a relação com displasia e adenocarcinoma de esôfago é menos clara do que a observada no EBL.(14) Esôfago de Barrett curto: quando operar? A avaliação clínica nestes pacientes é imprescindível. Um estudo revelou que clínica típica de refluxo está presente apenas na metade dos pacientes,(17) sendo esta também nossa experiência pessoal. O restante dos pacientes se apresenta com queixas dispépticas ou inespecíficas, sendo o EBC um achado de endoscopias realizadas na investigação destes sintomas. Esofagite erosiva 32 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Eponina Maria de Oliveira Lemme pode estar presente já ao diagnóstico em 44% dos pacientes(18) e também pode ocorrer que o EBC seja diagnosticado após a cicatrização endoscópica desta alteração, quando o epitélio especializado se torna aparente. Os pacientes com EBC devem ser tratados de acordo com suas queixas. Pacientes com queixa típica de refluxo são submetidos inicialmente a tratamento clínico, de maneira semelhante aos portadores de doença do refluxo não erosiva ou doença erosiva leve, com medidas comportamentais e IBP dose única, por 8-12 semanas(1) e a seguir colocados em manutenção com a dose suficiente para mantê-los assintomáticos, sendo desejável controle pHmétrico para titulação da dose do medicamento. Caso o paciente seja mantido em tratamento clínico, ele deverá seguir o programa de vigilância de acordo com os consensos vigentes.(1,2) Quando se pensa em indicar cirurgia para portadores de EBC? A literatura é escassa a esse respeito. Em nosso modo de ver, existem duas formas de se abordar esta questão. 1) Em relação à DRGE: pacientes mais jovens que apresentam sintomas típicos de difícil controle com o tratamento, o que é menos comum, portadores de esofagite erosiva, associada com recidivas frequentes após a cicatrização, pacientes com hérnias hiatais de médio a grande tamanho, que são os de mais difícil manuseio pela alta taxa de recidiva sintomática e pacientes que apresentam falha mecânica do esfíncter inferior ao estudo manométrico, seriam potenciais candidatos ao tratamento cirúrgico. Entretanto, como grupo, sabese que pacientes com EBC têm hérnias hiatais de menor tamanho, geralmente pressão normal do EEI e exposição ácida normal ou minimamente alterada.(16) Um estudo realizado em nosso Serviço, que envolveu pacientes com queixas típicas e pHmetria anormal, demonstrou que a intensidade do refluxo ácido por pHmetria prolongada foi significativamente menor no EBC do que no EBL, porém não houve diferença em relação à prevalência das alterações motoras, tanto no EEI como no corpo esofagiano.(19) Havia hipotensão do EEI em 66% dos pacientes com EBC X 82% dos pacientes com EBL (p=0,18) e hérnia hiatal em 84% e 96% respectivamente (p=0,2). 2) Em relação à existência do EBC: sabe-se que a chance de evolução para displasia e malignização do EBC é pequena, mas existe. Assim sendo, os pacientes com EBC que estejam em tratamento clínico devem ter a dose de medicamento titulada por pHmetria e serem conscientizados da necessidade de permanecer em vigilância de acordo com os consensos atuais.(1,2) Deve ser dada a opção cirúrgica aos que referem por qualquer motivo dificuldade de seguir um tratamento clínico rigoroso e com necessidade de controles mais estreitos. A Gastroenterologia na Prática Clínica 33 Esôfago de Barrett Longo: Quando Tratar Clinicamente? As fundoplicaturas (FP) por via laparoscópica têm sido empregadas para o tratamento cirúrgico da DRGE na atualidade e como procedimento, aboliriam todas as formas de refluxo, incluindo o refluxo biliar que se admite ter importância na patogenia do EB.(5) Entretanto, são descritos piores resultados com as FP no EBL, com taxa de recorrência elevada.(12) Csendes e col.(20) apresentaram recentemente seus resultados a longo prazo com o tratamento cirúrgico do EBC. Foram 125 pacientes submetidos a três tipos de cirurgias em diferentes períodos, de 1987 a 2009: 1.“switch” duodenal, vagotomia superseletiva e procedimento antirrefluxo; 2. gastrectomia parcial, vagotomia e gastrojejunostomia em y de Roux; 3. FP de Nissen por via laparoscópica. Foram realizados estudos manométrico e pHmétrico antes e após as cirurgias. Os resultados em relação aos procedimentos foram semelhantes, levando à conclusão de que a FP laparoscópica parece ser a opção cirúrgica indicada para os pacientes com EBC, uma vez que é menos invasiva, tem menos efeitos adversos e produz bons resultados a longo prazo. Há evidências de que pode haver regressão do EBC com o tratamento cirúrgico por FP: em 4 estudos, constatou-se regressão em 35-60% dos EBC (156 pacientes) com o tratamento cirúrgico por FP, porém a regressão do EBL não foi observada em qualquer paciente (zero de 92).(21) O estudo de Csendes e col.(20) também demonstrou regressão do epitélio especializado em 60% dos pacientes em prazo médio de 49 meses. Quanto à progressão do EB para displasia ou câncer após o tratamento cirúrgico da DRGE, o assunto também é controverso, pois envolve estudos retrospectivos, de diferentes metodologias e nem sempre com número grande de pacientes. Em uma revisão da literatura inglesa de 11 estudos, havia um total de 346 pacientes com EB seguidos em longo prazo após a FP. Em 7 dos 11 havia registro de câncer, 80% dos quais desenvolvidos dentro de 5 anos após a FP. Os restantes apresentaram a neoplasia 5-10 anos depois e em todos os casos havia evidências de recorrência do refluxo. Assim, uma FP funcionante parece dar proteção à progressão do EB para adenocarcinoma em pacientes cujo processo não se iniciou antes do procedimento cirúrgico.(22) Em relação à utilidade do tratamento para prevenção da evolução do EB para adenocarcinoma, até o momento não há provas convincentes de que a cirurgia antirrefluxo seja mais eficaz do que o tratamento clínico neste particular e conclui-se que a cirurgia antirrefluxo não deve ser indicada como procedimento para prevenir o câncer.(2) 34 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Eponina Maria de Oliveira Lemme Conclusão O tratamento do EB ainda é controverso, com muitas perguntas e respostas. Parece claro que, seja o tratamento clínico ou cirúrgico, é importante que esteja assegurado um rígido controle do refluxo. Entretanto, em que prazos e por quanto tempo esta certificação deve ser feita está para ser determinado. A vigilância endoscópica seguindo os protocolos preconizados é fundamental, tanto em pacientes tratados clinicamente como submetidos a FP.(1) Referências 1. Moraes-Filho JP, Ceconello I, Gama-Rodrigues J et al. Brazilian consensus on gastroesophageal reflux disease: proposals for assessment, classification and management. Am J Gastroenterol 2002;97:241-38. 2. Spechler SJ, Sharma P Souza R et al. AGA technical review on the management of Barrett´s Esophagus. Gastroenterology 2011;140:18-62. 3. Oh SD, DeMeester SR. Pathophysiology and treatment of Barrett´s esophagus World J Gastroenterol 2010;16:3762-72. 4. Lagergreen J. Adenocarcinoma of oesophagus: what exactly is the size of the problem. Gut 2005;54(suppl 1):11-5. 5. Zaninotto G, De Meester TR, Bremner CG. Esophageal function in patients with reflux-induced strictures and its relevance to surgical treatment, Ann Thorac Surg 1989;47:362-70. 6. Loughney T, Maydonovich, Wong R. 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O primeiro é constituído por portadores de DRGE com maior infiltrado eosinofílico esofágico, que apresentam uma pHmetria esofágica prolongada anormal e respondem de forma satisfatória ao uso de IBP. O segundo grupo é composto por indivíduos que têm um estudo pHmétrico esofágico normal mas também respondem ao uso de IBP. Até o momento não sabemos se esse grupo é constituído por portadores de DRGE com resultados falsos-negativos de estudos de pHmetria ou se sua resposta terapêutica deve-se à ação anti-inflamatória dos IBP.(2,3) O terceiro grupo é representado, de acordo com recente revisão de consenso, pelos portadores de EEo. Esses pacientes têm sintomas esofágicos, inflamação eosinofílica restrita à mucosa esofágica e ausência de resposta ao uso de IBP.(4) A Gastroenterologia na Prática Clínica 37 Esofagite Eosinofílica: Como Tratar e Prevenir Recidiva? Na prática médica, o diagnóstico da EEo é cogitado em pacientes com sintomas esofágicos e/ou digestivos altos, cuja esofagogastroduodenoscopia evidencia alterações no esôfago sugestivas (estrias longitudinais, anéis concêntricos, pontilhado branco, dentre outros) e estudo histopatológico da mucosa do órgão identifica infiltração eosinofílica. Dessa forma, somente após o tratamento com IBP podemos diagnosticar esses pacientes como portadores de EEo (ausência de resposta ao uso de IBP) ou de eosinofilia esofágica responsiva ao uso de IBP.(4) Tratamento da eosinofilia esofágica Inibidores de bomba protônica A primeira abordagem nos pacientes com eosinofilia esofágica consiste no uso de IBP duas vezes ao dia por oito a 12 semanas. Ausência de resposta ao uso dessas drogas é necessária para o diagnóstico de EEo como descrito anteriormente. Esses antissecretores são úteis no tratamento tanto de portadores de DRGE com eosinofilia esofágica como também podem auxiliar no alívio de sintomas relacionados à DRGE secundária a EEo.(5) Em caso de resposta ao uso de IBP, devemos considerar o uso por tempo prolongado da menor dose dessas drogas que mantenham o paciente assintomático. Avaliação alérgica e terapia dietética Vários estudos mostram que grande número de adultos com EEo apresentam sensibilização a alérgenos alimentares e/ou ambientais, demonstrados através de testes cutâneos e/ou avaliação de IgE específica. A prevalência de adultos portadores de eosinofilia esofágica com alergia respiratória ou cutânea como asma, rinite e eczema é alta. Variação sazonal relacionada com surgimento ou recrudescência da doença é também observada, sendo mais comum no verão e outono.(6,7) De acordo com esses dados, justifica-se uma avaliação de sensibilização a aeroalérgenos nesses pacientes, o que pode alterar a abordagem clínica nesses casos.(4) Testes cutâneos e avaliação de IgE específica podem orientar a identificação de alimentos associados a EEo. Entretanto, um teste positivo é insuficiente para diagnosticar uma alergia alimentar como causadora da EEo. Até o momento, um alimento só pode ser relacionado a essa afecção quando há melhora clínica e histológica com sua eliminação da dieta e recidiva com sua reintrodução.(4) Em crianças, a terapia dietética mostra-se muito eficaz, levando à remissão da clínica e histológica da EEo e talvez também da fibrose esofágica. A restrição 38 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Luciana Dias Moretzsohn alimentar pode ser baseada em testes alérgicos ou na eliminação de antígenos alimentares mais prováveis. Evidências sugerem que é improvável o desenvolvimento de tolerância a alimentos associados com a EEo. Dessa forma, esses alimentos, uma vez identificados, devem ser retirados da dieta definitivamente.(8,9) Em adultos motivados, a terapia dietética pode ser instituída, sendo importante avaliar o estilo de vida do paciente e sua aderência. Nesses casos, é prudente uma avaliação com nutricionista para evitar carências nutricionais decorrentes da restrição alimentar. Alimentos que sabidamente predispõem à EEo em determinado indivíduo devem ser abolidos definitivamente da dieta. Já aqueles apenas suspeitos podem ser reintroduzidos de forma sistemática, com monitorização da recidiva da doença.(4) Corticoides O uso de corticoides é capaz de melhorar aspectos clínico-patológicos da maioria dos pacientes com EEo. O uso de corticoides sistêmicos restringe-se a pacientes com disfagia muito grave, desnutridos ou que necessitem de internação hospitalar. Os efeitos colaterais dessas drogas contraindicam seu uso por tempo prolongado.(10) Os corticoides tópicos são efetivos na remissão da EEo na maioria dos casos e parecem ser seguros, exceto pelo risco de infecção fúngica no esôfago. Entretanto, é descrita a resistência a essas drogas em alguns indivíduos, caracterizada por ausência de resposta histológica e de modificação de expressão de gene esofágico local.(11) A fluticasona (440-880 µg bid) e mais recentemente a budesonida viscosa (2 mg bid) mostraram-se eficazes no tratamento da EEo. O uso da fluticasona associa-se com melhora clínica em quatro semanas e resolução histológica ocorre em 75% dos pacientes. A budesonida, segundo estudo de Straumann et al.,(12) mostrou-se muito eficiente no tratamento de adultos com EEo, bem como no controle de marcadores inflamatórios, o que poderia reverter a fibrose esofágica e prevenir a remodelação do órgão. A duração do tratamento não é bem definida e depende da gravidade da doença, estilo de vida e aderência do paciente.(4) Outras drogas O uso do cromoglicato de sódio não traz nenhum benefício aparente no tratamento da EEo. Os antagonistas do receptor de leucotrieno, quando usados em altas doses podem trazer um alívio sintomático, mas sem efeito significativo sobre a eosinofilia esofágica. Único estudo publicado não mostrou benefício do uso de drogas antifator de necrose tumoral (anti-TNFα) em pacientes com EEo. A Gastroenterologia na Prática Clínica 39 Esofagite Eosinofílica: Como Tratar e Prevenir Recidiva? Avaliados em pequenos estudos, os antagonistas de interleucina-5 mostraram-se úteis no controle da infiltração eosinofílica no esôfago e de fatores associados à remodelação do órgão, porém com resposta clínica variável. De acordo com recomendações de consenso, cromoglicato de sódio, imunossupressores, como aziotioprina e 6-mercaptopurina, bem como agentes biológicos não são indicados no tratamento da Eeo.(4) Acompanhamento da eosinofilia esofágica A maioria dos estudos que abordam o tratamento da EEo utiliza a melhora sintomática como critério de boa resposta. Entretanto, está claro que a resposta clínica não guarda relação com melhora endoscópica e/ou histológica.(13) Esse achado pode ter várias explicações como a intermitência do sintoma de disfagia e a limitação endoscópica ao avaliar estenoses fibróticas em esôfagos difusamente estreitados. A resposta histológica também não é bem definida: deve basear-se apenas na diminuição do número de eosinófilos da mucosa esofágica, na sua ausência, na normalização da zona basal do órgão?(14) Como a persistência do processo inflamatório do esôfago é determinante no processo de remodelação do órgão, é importante o controle endoscópico e histológico de pacientes com EEo. Até o momento, não está definido o intervalo de realização desses exames. A interrupção do uso de corticoides em portadores de EEo associa-se com alta taxa de recidiva de sintomas em período de três a 18 meses em média.(1) Dessa forma, revisão de consenso recente sugere que após indução da remissão da EEo deva ser instituída terapia de manutenção individualizada.(4) Até o momento, não há definição sobre tratamento de manutenção a longo prazo. O uso de menor dose de corticoide tópico ou reintrodução da droga obedecendo variação sazonal da doença são algumas opções. Estudo de Straumann et al.(15) utilizando budesonida 0,25 mg duas vezes ao dia como terapia de manutenção mostrou controle da inflamação eosinofílica em 50% dos casos, remissão histológica parcial ou total, discreta melhora do espessamento esofágico e controle inadequado de marcadores de lesão tissular (citocinas, células apoptóticas e inflamatórias). A recidiva dos sintomas ocorreu em 125 no grupo tratado e em 95 dias no grupo placebo. O uso de montelucaste (antagonista de receptor de leucotrieno) foi inefetivo como terapia de manutenção em portadores de EEo em remissão completa após uso de corticoides.(16) A figura 1 ilustra fluxograma sugerido na condução de pacientes com eosinofilia esofágica. 40 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Luciana Dias Moretzsohn Figura 1. Fluxograma sugerido na abordagem da eosinofilia esofágica Diagnóstico de eosinofilia esofágica IBP duas vezes ao dia, 8-12 semanas IBP duas vezes ao dia, 8-12 semanas Sem melhora = EEo - Excluir alérgeno evidente - Corticoide tópico (6-12 semanas) Titular menor dose eficaz Melhora clínica e histológica Tratamento manutenção: - Menor dose corticoide? - Reintrodução sazonal? - Controle endoscópico: • Intervalo? Sem melhora -Antagonista de interleucina 5? -Dilatação endoscópica? Referências 1. MH, Gupta SK, Justinich C, Putnam PE et al. Eosinophilic esophagitis in children and adults: a systematic review and consensus recommendations for diagnosis and treatment. Gastroenterology 2007 Oct;133(4):1342-63. 2. Rodrigo S, Abboud G, Oh D, DeMeester SR, Hagen J, Lipham J et al. High intraepithelial eosinophil counts in esophageal squamous epithelium are not specific for eosinophilic esophagitis in adults. Am J Gastroenterol 2008 Feb;103(2):435-42. 3. 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Otolaryngol Head Neck Surg 2011 Feb;144(2):186-90. 8. Abu-Sultaneh SM, Durst P, Maynard V, Elitsur Y. Fluticasone and food allergen elimination reverse sub-epithelial fibrosis in children with eosinophilic esophagitis. Dig Dis Sci 2011 Jan;56(1):97-102. 9. Chehade M, Aceves SS. Food allergy and eosinophilic esophagitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2010 Jun;10(3):231-7. 10.Schaefer ET, Fitzgerald JF, Molleston JP, Croffie JM, Pfefferkorn MD, Corkins MR et al. Comparison of oral prednisone and topical fluticasone in the treatment of eosinophilic esophagitis: a randomized trial in children. Clin Gastroenterol Hepatol 2008 Feb;6(2):165-73. 11.Caldwell JM, Blanchard C, Collins MH, Putnam PE, Kaul A, Aceves SS et al. Glucocorticoidregulated genes in eosinophilic esophagitis: a role for FKBP51. J Allergy Clin Immunol 2010 Apr;125(4):879-88 e8. 12.Straumann A, Conus S, Degen L, Felder S, Kummer M, Engel H et al. Budesonide is effective in adolescent and adult patients with active eosinophilic esophagitis. Gastroenterology 2010 Nov;139(5):1526-37, 37 e1. 13.Konikoff MR, Noel RJ, Blanchard C, Kirby C, Jameson SC, Buckmeier BK et al. A randomized, double-blind, placebo-controlled trial of fluticasone propionate for pediatric eosinophilic esophagitis. Gastroenterology 2006 Nov;131(5):1381-91. 14.Krishna SG, Kakati BR, Olden KW, Brown DK. Treatment of eosinophilic esophagitis: is oral viscous budesonide superior to swallowed fluticasone spray? Gastroenterol Hepatol (N Y) 2011 Jan;7(1):55-9. 15.Straumann A, Conus S, Degen L, Frei C, Bussmann C, Beglinger C et al. Long-term budesonide maintenance treatment is partially effective for patients with eosinophilic esophagitis. Clin Gastroenterol Hepatol 2011 May;9(5):400-9 e1. 16.Lucendo AJ, De Rezende LC, Jimenez-Contreras S, Yague-Compadre JL, Gonzalez-Cervera J, Mota-Huertas T et al. Montelukast Was Inefficient in Maintaining Steroid-Induced Remission in Adult Eosinophilic Esophagitis. Dig Dis Sci 2011 Jun 15. 42 Federação Brasileira de Gastroenterologia Capítulo 4 DRGE: O que Fazer Quando o IBP Falha? Dr. Sérgio G. S. de Barros Dr. Antonio B. Lopes Definição de “falha ao IBP” P acientes com pirose/ou regurgitação após tratamento com medidas gerais e IBPs têm melhora sintomática após quatro semanas, mas esta pode ser parcial ou até ausente. Quando a melhora não é satisfatória, na prática cínica recomenda-se aumentar a prescrição de IBP para dose dupla, diária, por um período adicional de quatro semanas. A insatisfação persistente do paciente após a 8ª semana com IBPs é considerada como “falha terapêutica” pela maioria dos autores e ocorre em até 10 a 40% dos casos. Conduta Os seguintes pontos devem ser considerados, antes de prosseguir à investigação diagnóstica complementar: 1. DRGE está presente? Os sintomas bem estabelecidos para DRGE e preditivos de boa resposta terapêutica são a pirose, que é “sensação de ardência irradiando-se à base do pescoço” repetitiva, pelo menos uma vez por semana, durante várias semanas. Regurgitação de alimentos também é aceita como indicativo de diagnóstico e tratamento da DRGE. Lembre que sintomas atípicos como tosse, rouquidão, A Gastroenterologia na Prática Clínica 43 DRGE: O que Fazer Quando o IBP Falha? broncoespasmo ou sintomas recorrentes como dor de garganta (faringites), rinorreia (rinossinusites) e/ou dor de ouvido (otites médias) não acompanhados por pirose e/ou regurgitação concomitante não têm indicação de tratamento com IBPs, exceto quando houver evidência de refluxo gastroesofágico à endoscopia e/ou à pHmetria/impedanciometria. 2. Há aderência (regularidade) e a tomada do IBP em horário correto? Aderência: É surpreendente, mas a manutenção dos IBPs de forma regular e diária durante as primeiras quatro semanas, como é recomendável, ocorre em apenas 50% dos pacientes entrevistados em estudos populacionais com grande número de indivíduos. As razões apontadas para tal são a variação semanal na intensidade dos sintomas, quando muitos pacientes suspendem, temporariamente, a medicação e só a reintroduzem quando a pirose retorna. O sabor e a consistência dos comprimidos, o preço da medicação e os efeitos colaterais também são apontados pelos pacientes. É comum, também, a descrição de uso irregular, concomitante ou em substituição aos IBPs, de outras medicações não prescritas pelos médicos, tais como antiácidos, cimetidina, ranitidina e chás que podem prejudicar a absorção e efeito dos IBPs. Horário: O melhor controle do pH intragástrico e do refluxo é alcançado pela ingestão de IBP antes do desjejum matinal; entretanto, contrariando essa recomendação, mais de 50% dos pacientes relatam a tomada de IBPs durante o dia ou à noite, antes de dormir, como relatado em estudos populacionais. 3. Há elevação da cabeceira do leito e modificação na dieta? A elevação da cabeceira do leito é uma medida simples que contribui ao controle do refluxo gastroesofágico. As almofadas antirrefluxo (não travesseiros duplos que deslizam durante a noite) estão amplamente disponíveis no comércio e substituem o uso de tijolos ou outros, para elevação dos pés da cama. Reforce o fracionamento das refeições, a diminuição das frituras, gorduras, café e estimule a perda de peso gradual e sustentada. 4. Há sintomas de depressão ou ansiedade presentes? Considere a prescrição de antidepressivos tricíclicos ou tetracíclicos (trazodona) e/ou avaliação psicológica. 5. Troque o tipo de IBP Além das medidas acima, troque o tipo de IBP e insista por mais quatro- 44 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Sérgio G. S. de Barros • Dr. Antonio B. Lopes oito semanas com o tratamento, pois tolerância metabólica seletiva a alguns IBPs tem sido demonstrada. Medicações genéricas podem ser usadas, pois o controle farmacêutico tem se tornado mais confiável no país, inclusive para os IBPs. Entretanto, medicações manipuladas em farmácias não possuem o mesmo grau de confiabilidade. Investigação diagnóstica A persistência de sintomas após observação dos pontos acima descritos leva à recomendação de investigação diagnóstica complementar para confirmação ou exclusão de DRGE. A. Endoscopia digestiva alta O III Consenso Brasileiro em DRGE recomenda iniciar a investigação com endoscopia digestiva alta (EDA) pela grande disponibilidade e o relativo baixo custo desse exame no Brasil. Quando a mucosa é normal à endoscopia, bíópsias devem ser obtidas no esôfago distal, 5 cm acima da linha “Z”. Quando, além da “falha aos IBPs” houver disfagia e/ou impactação alimentar associada, esofagite eosinofílica pode estar presente e o seu diagnóstico só será estabelecido através de múltiplas biópsias (> 5) nos terços proximal, médio e distal do esôfago. Essa entidade é comum em crianças, mas tem sido, crescentemente, descrita em adultos. A endoscopia contribui ao diagnóstico em menos de 40% dos pacientes investigados. B. pHmetria esofágica prolongada A investigação em pacientes recebendo IBPs em dose dupla com “falha” após exame endoscópico “normal” deve ser seguida por pHmetria esofágica prolongada (24 h), pois a persistência de refluxo ácido pode ser demonstrada em até 10 a 15% desses indivíduos após EDA normal. Em indivíduos com sintomas atípicos (tosse, rouquidão, broncoespasmo ou sintomas recorrentes como dor de garganta (faringites), rinorreia (rinossinusites) e/ou dor de ouvido ou erosões de esmalte dentário, sem pirose e/ou regurgitação evidentes, a pHmetria esofágica prolongada deve ser obtida. Esse exame é, crescentemente, disponível e muito útil para o diagnóstico de DRGE. Para identificar refluxo, o exame pode ser realizado, preferencialmente, sem IBP e é, particularmente, útil quando o índice de sintomas é positivo, isto é, correlação de sintomas com episódios de refluxo em mais de 50%. A Gastroenterologia na Prática Clínica 45 DRGE: O que Fazer Quando o IBP Falha? A hiperacidez gástrica noturna, isto é, o denominado rebote ácido noturno (RAN) pH gástrico < 4 por 1 hora ou mais pode ser detectada pela simples adição de um sensor gástrico ao exame esofágico convencional. O RAN, teoricamente, pode originar refluxo noturno com dano à mucosa esofágica, pois à noite há redução da proteção das deglutições e da saliva. A importância na prática clínica na detecção de RAN tem sido questionada pela baixa correlação com a pirose diurna ou noturna. C. Impedancio-pHmetria Sabemos que a pHmetria convencional permite o diagnóstico laboratorial, clássico, de refluxo gastroesofágico, quando o pH esofágico permanece < 4 por períodos prolongados, mas muitos pacientes com “falha ao IBP” têm sintomas com pH esofágico acima de 4! A impedancio-pHmetria pode detectar refluxo gastroesofágico “fracamente ácido” (pH > 4) ou até levemente alcalino (pH > 7) ou, ainda, com refluxo gasoso. Novamente, como no exame convencional, tem grande valor diagnóstico e terapêutico quando o índice de sintomas é positivo. A impedancio-pHmetria ainda tem custo elevado, e ainda é restrita a alguns centros, mas deverá substituir o exame pHmétrico convencional em pacientes com “falha aos IBPs”, pois tem maior sensibilidade que o exame convencional. Tratamento IBPs em doses acima da “dupla dose” não são recomendáveis mesmo quando há “falha”, pois não há evidência de benefício no controle de sintomas. O benefício de bloqueadores H2 da histamina do tipo ranitidina é controvertido em dose única noturna, pois há relato de rápida tolerância com perda do bloqueio do refluxo ácido noturno. Há um estudo que demonstra melhora de sintomas e também da qualidade do sono. Baclofeno em doses mais elevadas de até 20 mg repetidas em três doses diárias melhora sintomas de refluxo e diminui episódios de refluxo gastroesofágico, mas pode induzir efeitos colaterais como sonolência e confusão quando usado. O baclofeno tem sido adicionado, empiricamente, aos IBPs, em doses crescentes até o controle da pirose ou indução de efeitos colaterais. É droga disponível no mercado com baixo custo e, largamente, utilizada pelos neurologistas por sua ação em receptores gabaérgicos do sistema nervoso. O efeito dessa classe de fármacos é promissor, com a sua ação na DRGE ocorrendo na diminuição dos 46 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Sérgio G. S. de Barros • Dr. Antonio B. Lopes relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior (ReTEEI). Há pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos com ação seletiva no ReTTEI, mas sem os efeitos colaterais do baclofeno. O efeito modulador na sensibilidade visceral (além do efeito no humor) dos antidepressivos tricíclicos (ex.:amitriptilina) e tetracíclicos (ex.: trazodona) e inibidores da recaptação da serotonina tem sido utilizado, empiricamente, Figura 1. Algoritmo de manejo de pacientes com falha a inibidores de bombas de prótons (IBP) 1x/dia. Algoritmo de tratamento Sintomas de alarme IBP 1x/dia por 4 semanas Endoscopia digestiva alta Sintomas Sintomas Troque de IBP (1x/dia por 4 semanas) Falha* Tratar lesões mucosas Revise aderência, dose de IBP e horário de uso Sintomas IBP 2x/dia (manhã e noite) por mais 4 semanas Locais sem acesso à impedanciopHmetria Falha* Impedancio-pHmetria Tratamento empírico RGE fracamente ácido Negativa Sintoma predominante Regurgitação Pirose RGE ácido Amitriptilina REVISE Aderência, dose de IBP, horário de uso antirrefluxo Negativo Baclofeno, amitriptilina cirurgia antirrefluxo Bloqueador H2 noturno Falha* Amitriptilina Bloqueador H2 noturno Cirurgia antirrefluxo * parcial ou completa. A Gastroenterologia na Prática Clínica 47 DRGE: O que Fazer Quando o IBP Falha? em pacientes com “falha aos IBPs”. Quando há a presença de dor torácica não cardíaca associada com DRGE os resultados têm sido satisfatórios com baixas doses. O mais usado em nosso meio é a amitriptilina, que é bem tolerada, em baixas doses (25 mg/dia), mas pode induzir boca seca e constipação, especialmente em pacientes idosos. A modulação na sensibilidade visceral tem sido demonstrada também com acupuntura recentemente em pacientes com “falha ao IBP” com resposta satisfatória nos sintomas. A cirurgia antirrefluxo do tipo fundoplicatura é satisfatória quando há regurgitação associada à pirose, presença de hérnia hiatal deslizante com ou sem hipotonia do esfíncter esofágico inferior e boa resposta aos IBPs e medidas gerais. Entretanto, em pacientes com essas características e “falha aos IBPs”, os relatos recentes de resultados satisfatórios nos sintomas não foram obtidos em estudos controlados. A indicação de cirurgia deve ser criteriosa, que mesmo descartando pirose “funcional”, alterações emocionais psiquiátricas são comuns nestes indivíduos. A maioria (> 50%) dos pacientes com pirose após investigação diagnóstica não apresenta qualquer tipo de refluxo e o esôfago é normal à endoscopia com biópsias. Esses indivíduos são denominados como portando “pirose funcional” e constituem um grande desafio na prática clínica (figura 1). Bibliografia recomendada 1. Kahrilas PJ, Shaheen NJ, Vaezi MF Management of gastroesophageal reflux disease. AGA technical review. Gastroenterology 2008;135(4):1392-1413. 2. Fass, R, Sifrim D. Management of heartburn not responding to proton pump inhibitors. Gut 2009;58:295-309. 3. Herschcovich T et al. An algorithm for diagnosis and treatment of refractory GERD. Best Practice and Research Clinical Gastroenterology 2010;24:923-936. 4. Consenso de Montreal - Am J Gastroenterol 2006;101:1900-2. 48 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Jaime Natan Eisig Capítulo 5 O Uso Prolongado de IBP é Realmente Seguro? Dr. Jaime Natan Eisig O s inibidores de bomba de prótons (IBPs) estão entre os medicamentos mais prescritos no mundo, por serem seguros e efetivos, porém como qualquer outra droga podem ocasionar eventos adversos.(1,2) São várias as dúvidas sobre o potencial das complicações do uso crônico dessas drogas, particularmente no que diz respeito aos possíveis efeitos danosos da hipocloridria prolongada decorrente do bloqueio intenso e sustentado da acidez, da hipergastrinemia, com consequente hiperplasia das células enterocromafins símile e risco de carcinoide e das possíveis interações medicamentosas.(3) A hipocloridria persistente decorrente da gastrite atrófica ou da supressão ácida, em indivíduos não infectados pelo Helicobacter pylori poderia aumentar o risco de maior colonização bacteriana do estômago e do delgado, com consequente aumento de nitrosaminas e radicais livres no conteúdo gástrico, favorecendo eventualmente um risco maior do desenvolvimento de câncer gástrico. Em indivíduos infectados pelo Helicobacter pylori, a migração da bactéria do antro para o corpo provoca um processo inflamatório ativo, e com o decorrer dos anos leva a uma gastrite atrófica multifocal, metaplasia intestinal, displasia e câncer do estômago. A interação medicamentosa do IBP com outras drogas cujo metabolismo segue a cadeia do citocromo P450 pode, na realidade, ocorrer. O omeprazol pode interagir com diazepam, fenitoína e varfarina, ao passo que o rabeprazol e o pantoprazol não interagem com essas drogas. Devemos lembrar que todos os IBPs interferem em medicamentos cuja absorção é dependente do pH, como nos casos dos cetoconazóis e digoxina. A Gastroenterologia na Prática Clínica 49 O Uso Prolongado de IBP é Realmente Seguro? Outros riscos do uso do IBP a longo prazo que são motivo de discussão devem ser mencionados. Infecções entéricas Embora vários estudos tenham sugerido que uma maior supressão de ácido estaria associada a um risco maior de infecções intestinais, elas ainda são inconsistentes. Uma meta-análise mostrou que o uso de IBP estaria relacionado com um aumento 2-3 vezes maior de uma infecção intestinal pelo Clostridium difficile(4); entretanto, o papel do IBP na patogênese dessa doença é controverso e os mecanismos pelos quais a supressão do ácido poderia promover a infecção pelo Clostridium difficile não estão esclarecidos. Osteoporose A supressão ácida pode reduzir a absorção de cálcio e vitamina B12.(5-9) Diversos estudos epidemiológicos têm associado o uso prolongado de IBP com risco de fraturas ósseas, inclusive, demonstrando que quanto maior o tempo de uso, maior o risco.(10) Porém, outros trabalhos não mostraram os mesmos resultados, quando outros fatores de risco para osteoporose eram controlados. Nefrite intersticial aguda Desde 1992, quando foi relatada pela primeira vez a nefrite intersticial aguda induzida por omeprazol, vários trabalhos de meta-análise têm sido publicados, indicando o uso dessa classe de medicamentos como uma das causas mais comuns de nefrite intersticial aguda,(11,12) porém chamando a atenção de que novos estudos controlados devem ser realizados para confirmar essa associação. Pneumonia Embora vários trabalhos relacionem o uso prolongado de IBP como fator de risco para pneumonia adquirida pela comunidade, outros estudos não mostram esse resultado. De modo geral, evidências epidemiológicas em relação à associação do uso de IBP e pneumonia são extremamente controversas. Magnésio Nos últimos anos, vários casos de hipomagnesemia associados com uso prolongado de IBP, quando comparados com indivíduos sem uso ou que estão em uso há pouco tempo, têm sido relatados,(13) sugerindo-se a monitorização desses pacientes. O mecanismo dessa ocorrência ainda é pouco compreendido. 50 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Jaime Natan Eisig Clopidogrel O uso concomitante de clopidogrel e IBP é bastante comum na clínica. A preocupação que existe é a respeito da competição entre essas drogas, para a mesma via metabólica (P450), seja para o metabolismo e degradação, bem como para ativação da biotransformação necessária à ação antiplaquetária do clopidogrel.(14,15) Estudos clínicos controlados, prospectivos, longitudinais, são ainda necessários para confirmar a relevância da interação medicamentosa entre essas duas classes de medicamentos. Conclusão A descoberta dos IBPs revolucionou o tratamento e o prognóstico das doenças ácido-pépticas, proporcionando ótimos resultados em pacientes com doença do refluxo gastroesofágico, úlcera péptica e gastropatias por anti-inflamatórios não esteroidais. Embora essas drogas estejam associadas a vários efeitos adversos, quase todos os estudos apresentados são observacionais, suscetíveis a viés. É importante lembrar que todas as drogas podem acarretar riscos, e os IBPs não devem ser consideradas como nocivas ao paciente. Vários trabalhos da literatura, em que pacientes foram acompanhados por tempo prolongado, inclusive crianças, confirmam que os IBPs são drogas extremamente seguras, podendo ser mantidas naqueles pacientes que necessitam dessa indicação e que certamente se beneficiarão do uso dessa droga. Referências 1. Nealis TB, Howden CW. Is there a dark side to long-term próton pump inhibitor therapy? Am J Ther 2008;15:536-542. 2. Scarpignato C, Pelosini I. Review article: the opportunities and benefits of extended acid suppression. Aliment Pharmacol Ther 2006;23(Suppl 2):23-334. 3. Hunfeld NGM, Geus Wp, Kuipers EJ. Systematic review:rebound acid hypersecretion after therapy with proton pump inhibitors. 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Outcomes with concurrent use of clopidogrel and proton pump inhibitors: a cohort study. Ann Intern Med 2010;152:337-345. 52 Federação Brasileira de Gastroenterologia Capítulo 6 Dispepsia Funcional e Helicobacter pylori: Sempre Erradicar a Bactéria? Dr. Luiz Edmundo Mazzoleni S intomas dispépticos de dor ou desconforto na região epigástrica afetam de 15 a 40% da população adulta dos países ocidentais e são responsáveis por até 8% das consultas em nível de assistência primária de saúde. Os custos da dispepsia para a sociedade são substanciais. A maioria dos pacientes dispépticos não apresenta anormalidades anatômicas ou bioquímicas que justifiquem os sintomas e são classificados como portadores de dispepsia funcional (DF) ou dispepsia não ulcerosa. A fisiopatologia da dispepsia funcional é complexa e envolve alterações na motilidade gastroduodenal, na sensibilidade visceral, na suscetibilidade genética, em fatores psicossociais e potencialmente nas alterações gástricas causadas pela infecção pelo Helicobacter pylori (H. pylori). A descoberta dessa bactéria rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2005 para os dois médicos australianos que a identificaram. Pelo menos 50% da população mundial é portadora dessa infecção. A bactéria está inequivocamente associada com úlceras pépticas e tem participação definida no desenvolvimento do câncer gástrico. Entretanto, persistem dúvidas sobre o papel do H. pylori como causa dos sintomas da dispepsia funcional. Dispepsia não investigada e dispepsia funcional Estudo de base populacional avaliou a prevalência de dispepsia não investigada no Brasil (quadro 1).(1) A prevalência de sintomas dispépticos, segundo os critérios Roma III, foi de 40,9%. A Gastroenterologia na Prática Clínica 53 Dispepsia Funcional e Helicobacter pylori: Sempre Erradicar a Bactéria? Quadro 1. Prevalência da dispepsia no Brasil Dispepsia Não Investigada: Estudo Epidemiológico Brasileiro - Estudo de base populacional em 223 cidades brasileiras - 51% população (16 e 65 anos) = 83,5 milhões pessoas - Entrevista telefônica: questionário Roma III para dispepsia RESULTADOS: - Entrevistadas 1.510 pessoas - Idade média 37,6 anos - Prevalência da dispepsia: 40,9% Fonte: Sander, G.B, Francesconi, C.F, Mazzoleni, L.E, Lopes, M.H.I. Gut 2007; 56 (Suppl III) A195. Estudos de pacientes dispépticos têm demonstrado que apenas cerca de 30% apresentam anormalidades orgânicas definidas que possam explicar os sintomas.(2) Pesquisa do Rio Grande do Sul(3) realizou endoscopia digestiva alta em 842 pacientes adultos dispépticos da comunidade, sem sintomas ou sinais “de alarme” sugestivos de doenças orgânicas e sem sintomas sugestivos de doença do refluxo gastroesofágico. Os achados endoscópicos nos 842 pacientes dispépticos estão apresentados na tabela 1. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado no Canadá.(4) O quadro 2 mostra a relevância da dispepsia funcional H. pylori positiva. Dispepsia funcional e Helicobacter pylori Fisiopatologia da dispepsia funcional em portadores do H. Pylori Embora vários potenciais mecanismos patogênicos possam ligar a infecção pelo H. pylori com a dispepsia funcional, ainda não foi estabelecida uma clara Tabela 1. Achados endoscópicos em 842 dispépticos Úlcera péptica: 39 (4,6%) Neoplasia gástrica: 5 (0,6%) Esofagite péptica: 150 (18%) Outros: 6 (0,7%) Dispepsia funcional (DF): 642 (76%) H. pylori positivos (com DF): 424 (66%) Fonte: Mazzoleni LE e cols. Archives of Internal Medicine (no prelo). 54 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Edmundo Mazzoleni Quadro 2. Importância da dispepsia funcional H. pylori positiva Dispepsia funcional H. pylori positiva Importância no Brasil Dispepsia Não Investigada: 40,9% Dispepsia Funcional: 76% de 40,9% = 31% Dispepsia Funcional H. pylori +: 66% de 31% = 20% da população relação entre as alterações gástricas causadas pela bactéria e a presença de sintomas dispépticos. O primeiro mecanismo potencialmente envolvido seria o processo inflamatório provocado pela infecção, mas não está provado que gastrite seja causa dos sintomas na dispepsia funcional. O segundo mecanismo seria por disfunção da atividade muscular do estômago, mas estudos não têm demonstrado associação consistente entre o H. pylori e anormalidades motoras gástricas. Outro mecanismo seria através da diminuição do limiar da sensibilidade gástrica pela infecção. Entretanto, não têm sido encontradas diferenças na sensibilidade gástrica em dispépticos H. pylori positivos e negativos. Portanto, permanece controversa a participação de mecanismos patogênicos relacionados com a infecção pelo H. pylori, na etiologia dos sintomas da dispepsia funcional. Relação entre dispepsia funcional e o H. pylori Para avaliar o papel da bactéria na DF podem ser utilizados estudos de prevalência ou ensaios clínicos randomizados que tenham avaliado os efeitos da erradicação do H. pylori nos sintomas da dispepsia funcional. Estudos de prevalência Holtmann e colaboradores demonstraram maior prevalência do H. pylori entre pacientes com DF do que entre controles.(5) Bazzoli e colaboradores demonstraram, em 1.533 indivíduos, prevalência do H. pylori em 72% dos dispépticos e em 64% de controles assintomáticos (p<0,005), mas faltaram informações endoscópicas dessa população.(6) Entretanto, esses resultados têm sido refutados por estudos bem desenhados metodologicamente. Pesquisa no Japão evidenciou DF em 14,1% dos indivíduos estudados, não tendo sido constatada A Gastroenterologia na Prática Clínica 55 Dispepsia Funcional e Helicobacter pylori: Sempre Erradicar a Bactéria? nenhuma relação entre H. pylori e sintomas dispépticos funcionais.(7) Portanto, os estudos de prevalência não conseguiram definir se a infecção pelo H. pylori está associada com maior probabilidade de desenvolvimento de DF. Ensaios clínicos, meta-análises, consensos Persistem dúvidas sobre os efeitos da erradicação da infecção pelo H. pylori nos sintomas da DF. Falhas metodológicas nos estudos que avaliaram essa questão têm sido apontadas como a principal causa das dúvidas. Quatro grandes estudos tiveram resultados divergentes.(8-11) Seus dados, com apenas uma exceção,(10) sugeriram ausência de benefício com a erradicação do H. pylori na DF. Outro ensaio clínico com 800 pacientes demonstrou que a resolução dos sintomas foi maior nos pacientes que erradicaram o H. pylori (44% vs. 35%; p=0,036).(12) Portanto, grandes estudos sobre esse tema apresentaram resultados contraditórios. Os principais Consensos de Especialistas também não têm fornecido indicações definidas para os clínicos. E a última Cochrane Review(13) sobre a erradicação do H. pylori na dispepsia funcional incluiu 21 ensaios clínicos para a revisão sistemática, sendo que um desses foi realizado no Brasil.(14) Essa revisão observou redução do risco relativo de 10% no grupo que recebeu antibióticos (95% IC = 5% a 14%), e o NNT (número de pacientes que deve ser tratado para um ter benefício) foi de 14 (95% IC = 10% a 25%). Estudo brasileiro com mais de 400 pacientes dispépticos funcionais H. pylori positivos que receberam o esquema tríplice (omeprazol + amoxicilina + claritromicina; Omepramix® Aché Laboratórios Farmacêuticos SA) ou omeprazol + placebos dos antibióticos(3) demonstrou benefício sintomático estatisticamente significativo (p=0,014) no grupo que usou antibióticos, com NNT de 8. Os resultados desse estudo vêm reforçar a indicação de erradicar a bactéria na dispepsia funcional. Conclusões e recomendações Não existem definições absolutas sobre a melhor conduta no tratamento de pacientes dispépticos funcionais H. pylori positivos. A dispepsia funcional é uma doença com múltiplos mecanismos fisiopatogenéticos envolvidos e, certamente, a erradicação do H. pylori não será a solução para os sintomas em todos os pacientes. Se algum benefício pode ser obtido com a erradicação, ele deve ser restrito a um subgrupo de dispépticos funcionais. 56 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Edmundo Mazzoleni Apesar de todas essas controvérsias, muitos autores têm indicado a erradicação do H. pylori na dispepsia funcional acreditando que, mesmo que os benefícios sejam discretos, seriam suficientes para justificar a erradicação. Essa opinião, com a qual o autor dessa revisão concorda, estaria justificada tendo em vista que tratamentos anti-H. pylori são de curta duração, com custos relativamente baixos e com potencial de reduzir o risco de úlceras pépticas e câncer gástrico. E o desenvolvimento da doença do refluxo gastroesofágico, que seria o principal risco associado com a erradicação, parece ser pouco importante no nosso meio.(15) Por outro lado, os medicamentos para o tratamento da dispepsia funcional são paliativos, indicados para uso a longo prazo, onerosos e com apenas discretos benefícios no alívio sintomático. Por exemplo, o maior estudo que avaliou o benefício dos IBPs na dispepsia funcional encontrou benefício em 38% dos pacientes que usaram IBPs vs. 28% nos que usaram placebo,(16) com benefícios apenas no subgrupo “tipo dor epigástrica” (SDE) e não no subgrupo “tipo desconforto pós-prandial” (SDPP). Portanto, o tratamento com IBP mostrou benefício semelhante (ou inferior) ao que pode ser obtido com tratamento de curto prazo (7 a 10 dias) com a erradicação do H. pylori. Finalizando, embora com limitada eficácia, a erradicação do H. pylori pode ser uma boa opção terapêutica para essa doença sem tratamentos definitivos. Referências 1. Sander GB, Francesconi CF, Mazzoleni LE, Lopes MH. An unexpected high prevalence of non-investigated dyspepsia in Brazil: a population-based study. Gut 2007;56 (Suppl III): A 195. 2. Rabeneck L, Graham DY. Helicobacter pylori: when to test, when to treat. Ann Intern Med. 1997 Feb 15;126(4):315-6. 3. Mazzoleni LE, Sander GB, Francesconi CF, Mazzoleni F, Uchoa DM, De Bona LR et al. Helicobacter pylori eradication in functional dispepsia. Heroes Trial (Helicobacter Eradication Relief of Dyspeptic Symptoms). Archives of Internal Medicine (no prelo). 4. Thomson AB, Barkun AN, Armstrong D, Chiba N, White RJ, Daniels S et al. The prevalence of clinically significant endoscopic findings in primary care patients with uninvestigated dyspepsia: the Canadian Adult Dyspepsia Empiric Treatment - Prompt Endoscopy (CADETPE) study. Aliment Pharmacol Ther 2003 Jun 15;17(12):1481-91. 5. Holtmann G, Gschossmann J, Holtmann M, Talley NJ. 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The Optimal Regimen Cures Helicobacter Induced Dyspepsia (ORCHID) Study Group. BMJ 1999 Mar 27;318(7187):833-7. 9. Blum AL, Talley NJ, O’Morain C, van Zanten SV, Labenz J, Stolte M et al. Lack of effect of treating Helicobacter pylori infection in patients with nonulcer dyspepsia. Omeprazole plus Clarithromycin and Amoxicillin Effect One Year after Treatment (OCAY) Study Group. N Engl J Med 1998 Dec 24;339(26):1875-81. 10.McColl K, Murray L, El-Omar E, Dickson A, El-Nujumi A, Wirz A et al. Symptomatic benefit from eradicating Helicobacter pylori infection in patients with nonulcer dyspepsia. N Engl J Med 1998 Dec 24;339(26):1869-74. 11.Talley NJ, Vakil N, Ballard ED, 2nd, Fennerty MB. Absence of benefit of eradicating Helicobacter pylori in patients with nonulcer dyspepsia. N Engl J Med 1999 Oct 7;341(15):1106-11. 12.Malfertheiner P, J MO, Fischbach W, Layer P, Leodolter A, Stolte M et al. Helicobacter pylori eradication is beneficial in the treatment of functional dyspepsia. 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Efficacy of omeprazole in functional dyspepsia: double-blind, randomized, placebo-controlled trials (the Bond and Opera studies). Aliment Pharmacol Ther 1998 Nov;12(11):1055-65. 58 Federação Brasileira de Gastroenterologia Capítulo 7 Pólipos Gástricos Dra. Munique Kurtz Dr. Matheus Azevedo C. Freitas Dr. Decio Chinzon P ólipos gástricos são lesões que se originam no epitélio ou submucosa, sésseis ou pediculadas e projetam-se para o lúmen do estômago. Em geral, são detectados em cerca de 2% dos exames endoscópicos. A endoscopia digestiva alta (EDA) é o principal método diagnóstico, que na grande maioria dos pacientes (> 90%) são achados incidentais ao exame.(2) A definição histopatológica não é possível ao exame macroscópico (apesar da aparência endoscópica sugerir um subtipo específico), necessitando-se do auxílio do patologista, uma vez que o resultado da biópsia influenciará a conduta a ser adotada. Portanto, todos os pólipos gástricos devem biopsiados. Classificação Sob o ponto de vista histológico, os pólipos gástricos podem ser classificados em epiteliais e não epiteliais (tabela 1). Alguns pólipos são expressão de uma doença genética e podem também indicar um aumento do risco de malignidade gastrointestinal ou mesmo extraintestinal. Quando sintomáticos podem apresentar: plenitude pós-prandial, saciedade precoce, sangramento digestivo, anemia, dor abdominal e obstrução gástrica (lesões volumosas). Quando encontramos vários pólipos gástricos em um mesmo exame, estes são geralmente do mesmo tipo histológico. A frequência de pólipos gástricos e os tipos mais comumente encontrados A Gastroenterologia na Prática Clínica 59 Pólipos Gástricos Tabela 1. Classificação dos pólipos gástricos Pólipos epiteliais • Pólipos de glândulas fúndicas • Pólipos hiperplásicos • Pólipos adenomatosos • Pólipos hamartomatosos Pólipo juvenil • Síndrome de Peutz-Jegher • Síndrome de Cowden • Síndromes Polipoides Polipose Juvenil • Síndrome Adenomatosa Familiar Pólipos não epiteliais • Tumores estromais • Leiomioma • Pólipo inflamatório fibroide • Fibroma e fibroadenoma • Lipoma • Pâncreas ectópico • Tumores neuroendócrinos • Tumores neurogênicos e vasculares variam conforme a população estudada e suas características (prevalência de Helicobacter pylori (H. pylori), uso crônico de inibidores de bomba de prótons, etc.). Em um estudo brasileiro foram encontrados pólipos gástricos em 0,6% de 26.000 endoscopias, e destes, cerca de 70% eram hiperplásicos, 16% pólipos de glândulas fúndicas e 12% adenomas.(3) Alguns pólipos podem estar associados a síndromes neoplásicas hereditárias, como por exemplo, pólipos de glândulas fúndicas são encontrados em pacientes com Polipose Adenomatosa Familiar e pólipos hamartomatosos em pacientes com Síndrome de Peutz-Jeghers. Pólipos hiperplásicos Os pólipos hiperplásicos geralmente são associados a condições inflamatórias e correspondem à grande maioria dos pólipos gástricos em áreas onde a prevalência do H. pylori é alta. Apresentam-se como pólipos sésseis ou pediculados, geralmente menores do que 2 cm de diâmetro, únicos ou múltiplos, localizados 60 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Munique Kurtz • Dr. Matheus Azevedo C. Freitas • Dr. Decio Chinzon Figura 1. Pólipo hiperplásico. Fonte: CDG HCFMUSP. no antro ou distribuídos pelo corpo gástrico (figura 1).(1) Microscopicamente, observa-se um epitélio foveolar hiperplásico, distorcido, com edema e inflamação crônica da lâmina própria que pode conter glândulas pilóricas, células parietais e células principais. Desenvolvem-se, caracteristicamente, como uma resposta epitelial “hiper-regenerativa” a um estímulo inflamatório crônico, sendo associados a gastrite atrófica, anemia perniciosa, áreas adjacentes a erosões ou úlceras e gastrostomias.(4) Podem aumentar, estabilizar ou mesmo diminuir em tamanho, frequentemente regredindo com a erradicação do H. pylori. Pólipos hiperplásicos raramente apresentam malignização, mas estão associados a um risco aumentado de neoplasia sincrônica em outras regiões da mucosa gástrica. A incidência de adenocarcinoma varia de 0,6%-2,1% e desenvolve-se através da sequência displasia/carcinoma, associada a mutações no gene p53, aberrações cromossômicas e instabilidade de microssatélite.(1,5) Há maior risco de neoplasia em pólipos maiores que 2 cm.(5) Existem opiniões discordantes quanto à necessidade do pólipo hiperplásico ser rotineiramente ressecado ou quando apenas deva ser biopsiado para acompanhamento. Alguns autores recomendam realizar polipectomia de todos os pólipos pequenos e biópsias seriadas quando são muito grandes (maior dificuldade de ressecção). Outros recomendam que, devido ao risco aumentado de neoplasia, apenas os pólipos maiores de 2 cm devam ser retirados, considerando que o seguimento endoscópico das lesões menores seria mais seguro do que a realização de múltiplas polipectomias. Não existem estudos randomizados satisfatórios que assegurem uma ou outra recomendação. Uma revisão publicada A Gastroenterologia na Prática Clínica 61 Pólipos Gástricos Figura 2. Pólipos de glândulas fúndicas. Fonte: CDG HCFMUSP. em 2010 recomenda realização de biópsia dos pólipos, avaliação cuidadosa de toda a mucosa gástrica com biópsias dirigidas para áreas de alterações suspeitas e erradicação do H. pylori quando presente. Pólipos de glândulas fúndicas Os pólipos de glândulas fúndicas são lesões geralmente pequenas (1-5 mm), de superfície lisa e circunscrita, que ocorrem exclusivamente no fundo e corpo gástrico. Morfologicamente caracterizam-se pela transformação cística das glândulas oxínticas, revestidas por células parietais e principais (figura 2).(4) parecem em dois cenários clínicos distintos: como pólipos esporádicos (grande maioria dos casos) ou como pólipos associados à Síndrome da Polipose Adenomatosa Familiar (PAF). Os pólipos esporádicos são mais frequentemente encontrados em mulheres de meia-idade e pacientes em terapia prolongada com inibidores de bomba de prótons.(6) Um estudo argentino recente, que avaliou 1.780 endoscopias, destacou entre estes fatores de risco o uso de IBP como o mais fortemente associado ao desenvolvimento de pólipos de glândulas fúndicas.(7) Cabe ressaltar que a interrupção do IBP geralmente implica regressão destes pólipos, em aproximadamente 3 meses.(2) Raramente o número de pólipos esporádicos ultrapassa dez e displasia está presente em menos do que 1% destes, sendo inclusive discutido sobre o real potencial de transformação maligna destes.(2) Em pacientes com pólipos de glândulas fúndicas praticamente inexiste a infecção pelo H. pylori, não havendo explicação fisiopatológica definida para esse fato. Pólipos de glândulas fúndicas ocorrem em 12,2% a 84% dos pacientes com 62 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Munique Kurtz • Dr. Matheus Azevedo C. Freitas • Dr. Decio Chinzon Figura 3. Tumor carcinoide gástrico. Fonte: CDG HCFMUSP. PAF,(6) sendo a frequência semelhante em homens e mulheres e em idade mais precoce quando comparados aos pólipos esporádicos. Neste contexto, os pólipos geralmente são múltiplos (centenas) e displasia pode estar presente em até 40% deles. Não há maneira de diferenciar se o pólipo é esporádico ou associado à PAF apenas à macroscopia durante o exame endoscópico. Nos pacientes em uso crônico de IBP, com pólipos típicos, menores do que 5 mm, deve ser feita apenas uma biópsia para confirmação diagnóstica, sem indicação de descontinuação da terapia antiácida. Pólipos maiores do que 10 mm devem ser completamente retirados e, no caso de serem múltiplos, o IBP suspenso. Devido ao baixo potencial de malignização não há indicação de repetir o exame endoscópico, exceção aos pacientes com PAF ou com pólipos que apresentem displasia, em que novo exame deve ser realizado periodicamente a cada 1-3 anos.(6) Tumores carcinoides gástricos Os tumores carcinoides compreendem cerca de 0,5% a 2% das lesões polipoides gástricas.(2,4) São tumores derivados de células enterocromafins-like (ECL), que podem ser reconhecidos histopatologicamente por marcadores imuno-histoquímicos como cromogranina A e sinaptofisina (figura 3). Os carcinoides gástricos são divididos em três subtipos: • Tipo 1: Representam 65% a 80% da lesões, são usualmente pólipos sésseis, associados a gastrite atrófica (autoimune), anemia perniciosa, acloridria e hipergastrinemia (produzida pelas células G antrais). A Gastroenterologia na Prática Clínica 63 Pólipos Gástricos • Tipo 2: Correspondem a cerca de 5% das lesões e ocorrem em pacientes com Síndrome de Zollinger-Ellison, frequentemente no cenário de uma Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1. Associados a gastrinomas, hipergastrinemia e hiperacidez gástrica. • Tipo 3: Aproximam-se a 15% das lesões, são esporádicos e não estão associados a hipergastrinemia. Possuem o pior prognóstico entre os subtipos. Os carcinoides associados a hipergastrinemia (tipos 1 e 2) frequentemente são múltiplos, amarelados, com base ampla e localizam-se no corpo e fundo gástricos, raramente medindo mais do que 2 cm. As lesões esporádicas (tipo 3) usualmente são únicas, de localização pré-pilórica e maiores do que 2 cm5 (tabela 2). O tratamento dos tumores carcinoides vai basear-se principalmente nas características da neoplasia. Para os tipos 1 e 2, menores do que 1 cm, a ressecção endoscópica é a terapia de escolha. Caso as lesões do tipo 1 sejam múltiplas, uma alternativa de tratamento é a antrectomia, com a ressecção das células G. O tipo 3 deve ser tratado com gastrectomia parcial ou total, acompanhado de ressecção linfonodal local. Pólipos adenomatosos São lesões precursoras do câncer gástrico, ou seja, apresentam alto poder de malignização. São histologicamente classificados em: tubulares, tubulovilosos e vilosos. Tabela 2. Tumores carcinoides gástricos Característica Tipo 1 Tipo2 Tipo 3 Patologias associadas Gastrite atrófica, anemia perniciosa Sind. Zollinger-Ellison, NEM1 Nenhuma Proporção 80% 5% 15% Localização Fundo Fundo/Antro Antro/Fundo Número Múltiplos Múltiplos Único Tamanho < 1 cm < 1 cm 2-5 cm Nível de gastrina Elevado Elevado Normal Acidez gástrica Reduzida Elevada Normal Prognóstico Bom Bom na maioria dos casos Ruim 64 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Munique Kurtz • Dr. Matheus Azevedo C. Freitas • Dr. Decio Chinzon A prevalência varia amplamente, sendo estimada em 0,5-3,75% nos países do Ocidente, enquanto pode chegar a valores entre 9-27% em áreas com maior incidência do carcinoma gástrico, como China e Japão.(5) Endoscopicamente têm uma aparência aveludada, lobulada, geralmente são solitários (82%), localizados principalmente no antro e menores que 2,0 cm de diâmetro.(5) Frequentemente surgem sobre um fundo de gastrite atrófica e/ou metaplasia intestinal, mas não há associação comprovada com a infecção pelo H. pylori. Progressão neoplásica é maior nos pólipos maiores que 2,0 cm e ocorre em cerca de 28,5 a 40% dos adenomas vilosos e 5% dos adenomas tubulares.(2) Há também uma forte associação entre adenoma e adenocarcinoma gástrico sincrônico ou metacrônico; dessa forma, um exame minucioso do estômago deve ser realizado para pesquisa de anormalidades e irregularidades da mucosa, e qualquer anormalidade deve ser biopsiada. A polipectomia endoscópica é o tratamento de escolha se todo o pólipo for removido e não houver evidência de adenocarcinoma invasivo no espécime. Vigilância endoscópica é necessária após ressecção dos pólipos adenomatosos. A endoscopia deve ser repetida em seis meses para os pólipos parcialmente ressecados ou com displasia de alto grau, enquanto a EDA poderá ser repetida após um ano para todos os outros pólipos.(2) Pólipos inflamatórios fibroides Pólipos inflamatórios fibroides são lesões raras que representam de 0,1-3,0% de todos os pólipos gástricos. Embora estes pólipos possam se formar ao longo de todo o trato gastrointestinal, 80% surgem na região antropilórica.(5) Histologicamente essas lesões consistem de uma proliferação de células fusiformes e pequenos vasos na submucosa, e um marcante infiltrado inflamatório, em que os eosinófilos predominam. Ocorrem em pacientes de todas as idades, mais comumente na quinta a sexta décadas de vida, e mais frequentemente em mulheres.(2) Os pólipos são firmes, solitários, sésseis ou pediculados e muitas vezes estão associados com gastrite atrófica crônica. Os pólipos tendem a apresentar de 1 a 5 cm de diâmetro e as lesões maiores, muitas vezes, caracterizam-se por uma depressão ou ulceração central. Geralmente as lesões permanecem inalteradas e assintomáticas por muito tempo, entretanto têm propensão para crescer e causar sangramento ou obstrução gástrica.(2) Como os pólipos inflamatórios fibroides são encontrados acidentalmente e não recidivam após a excisão, nenhum tratamento específico ou vigilância é recomendado, além da excisão local.(5) A Gastroenterologia na Prática Clínica 65 Pólipos Gástricos Referências 1. Kelly PJ and Lauwers GY. Consensus for the management of patients with gastric polyps. Gastroenterology and Hepatology 2011;8:7-8. 2. Goddard AF, Badreldin R et al. 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Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho Maria Clara Freitas Coelho E m 1992, Pelayo Correa demonstrou que o desenvolvimento do câncer gástrico do tipo intestinal se seguia a uma cascata de eventos em que a inflamação crônica da mucosa gástrica progrediria, através de condições pré-malignas como gastrite atrófica, metaplasia intestinal e, eventualmente, displasia, para o adenocarcinoma gástrico.(1) Desde então, vários estudos têm mostrado a existência de risco aumentado de câncer gástrico em pacientes com lesões pré-malignas.(2-4) Recentemente, uma extensa coorte realizada na Holanda em portadores de lesões pré-malignas estimou os seguintes riscos para desenvolvimento de câncer gástrico, dentro de um período de dez anos após o diagnóstico inicial: 1. 0,8% para portadores de gastrite atrófica 2. 1,8% para portadores de metaplasia intestinal 3. 3,9% para portadores de displasia leve a moderada 4. 32,7% para aqueles portadores de displasia intensa.(5) Tais achados sugerem que programas de rastreamento de câncer gástrico podem reduzir a mortalidade e que o seguimento endoscópico poderia estar indicado em pacientes com lesões pré-malignas intensas. É objetivo deste capítulo rever as características histológicas principais da metaplasia intestinal e da gastrite atrófica e discutir as principais condutas hoje recomendadas na prática clínica para o seguimento de pacientes portadores de lesões pré-malignas do estômago. A Gastroenterologia na Prática Clínica 67 Metaplasia e Atrofia Gástrica – Como Conduzir? Metaplasia intestinal Metaplasia intestinal no estômago se refere à reposição progressiva do epitélio gástrico pelo epitélio tipo intestinal, ou seja, por um epitélio neoformado que apresenta características bioquímicas e morfológicas (tanto à microscopia óptica como eletrônica) do epitélio intestinal, seja do delgado ou do cólon. Assim sendo, o epitélio metaplásico pode ser constituído por diferentes linhagens de células próprias da mucosa intestinal, como células caliciformes, células absortivas, células de Paneth e células endócrinas.(6) A metaplasia intestinal classifica-se em geral em completa (tipo I) e incompleta (tipo II). Na metaplasia tipo I, ou completa, o epitélio intestinal metaplásico reproduz muito de perto, morfológica e bioquimicamente, o epitélio do intestino delgado, inclusive com o desenvolvimento de vilosidades e criptas nos estágios mais avançados. Na metaplasia tipo II, ou incompleta, as células absortivas, com borda em escova, estão ausentes, persistindo células mucosas com aspecto semelhante àquelas das fovéolas gástricas. Na metaplasia completa (tipo I) a sialomucina constitui o tipo predominante de glicoproteína, podendo ocorrer pequenas quantidades de mucinas neutras e mesmo sulfomucinas, estas últimas características da mucosa do cólon. Na metaplasia incompleta pode haver predomínio secretório de mucinas neutras ou de sulfomucinas. Dependendo deste comportamento funcional, estas células mucossecretoras podem ser identificadas histoquimicamente com facilidade, e com base nesta característica tintorial a metaplasia incompleta costuma ser subdividida em tipos IIA (predomínio de mucinas neutras) e tipo IIB ou III (predomínio de sulfomucinas). A presença de glândulas ou de epitélio tipo intestinal na mucosa gástrica pode ser reconhecida com facilidade na maioria das vezes através do exame histopatológico rotineiro corado pela hematoxilina e eosina. Entretanto, como a estrutura morfológica das células metaplásicas não mostra diferenças detectáveis entre um tipo e outro, e como já salientamos antes, são necessários métodos especiais de coloração para demonstrar, com bom grau de especificidade, os diferentes tipos de metaplasia intestinal, anteriormente descritos. A abordagem mais inicial consiste na utilização do método Alcian blue em pH 2,5 e da reação do ácido periódico e do reagente de Schiff (PAS), abreviadamente designados PAS/Alcian blue. Como o muco tipo intestinal é constituído predominantemente por mucinas ácidas (inclusive as sulfomucinas que são fortemente acídicas), em pH 2,5 a coloração pelo PAS/Alcian blue vai fornecer 68 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara Freitas Coelho boa individualização do muco intestinal (predominantemente ácido, Alcian blue positivo = azul), o que não ocorre com o muco neutro do estômago, que se mostrará PAS positivo = vermelho. Outros métodos são necessários para diferenciar os tipos II e III. A coloração pelo Alcian blue em pH 0,5 revela as células produtoras das sulfomucinas, fortemente acídicas, diferenciando daquelas produtoras principalmente de sialomucinas. Outra técnica tintorial utilizada com essa finalidade é a da diamina férrica, que revela com muita precisão células secretoras de sulfomucinas. Como já dito, a metaplasia intestinal representa um estágio dentro de um processo prolongado que pode chegar ao câncer gástrico. Infecção por H. pylori, ingestão elevada de sal na dieta, tabagismo, consumo de álcool e refluxo biliar crônico constituem fatores de risco para o desenvolvimento de metaplasia intestinal.(7-11) Habitualmente, o foco metaplásico surge inicialmente na junção antro-corpo na altura da incisura angular. Com o avanço do processo, os focos aumentam e tendem a coalescer, acometendo a mucosa subjacente do antro e do corpo. Focos de displasia podem ocorrer em áreas de metaplasia intestinal: por serem diminutos, são dificilmente identificáveis. A intensidade e o tempo de progressão de todas as etapas da cascata de lesões pré-malignas podem ser influenciados pela virulência da cepa infectante de H. pylori, por fatores genéticos do hospedeiro ou por fatores ambientais.(12) Gastrite atrófica Gastrite atrófica, atrofia gástrica e metaplasia intestinal constituem sequelas frequentes de gastrite crônica secundária à infecção por H. pylori. Um grande estudo multicêntrico japonês relatou a presença de gastrite atrófica em 89,2% dos indivíduos infectados e em apenas 9,8% naqueles não infectados. Da mesma forma, metaplasia intestinal foi detectada em 43,1% dos indivíduos H. pylori positivos, ao passo que somente 6,2% daqueles não infectados apresentavam tal anormalidade.(7) A atrofia glandular da mucosa gástrica, quando discreta, pode trazer dificuldades diagnósticas, principalmente na mucosa antral, que normalmente apresenta o conjuntivo da lâmina própria mais desenvolvido do que na mucosa do corpo gástrico; por isso, o reconhecimento histopatológico de atrofia glandular, discreta ou moderada, da mucosa do corpo guarda menor grau de subjetividade do que aquela do antro. A presença de infiltrado inflamatório denso de permeio às glândulas gástricas pode levar à conclusão errônea de atrofia e, em conse- A Gastroenterologia na Prática Clínica 69 Metaplasia e Atrofia Gástrica – Como Conduzir? quência, à interpretação equivocada de regressão da atrofia após erradicação do H. pylori e resolução do infiltrado inflamatório. Recentemente, biomarcadores sorológicos, como pepsinogênios séricos, gastrina-17 e anticorpos anti-H. pylori, entre outros, têm sido usados, isolados ou em conjunto, para predizer a presença ou não de gastrite atrófica intensa e auxiliando no manuseio desses pacientes (figura 1). Os pepsinogênios, pró-enzimas da pepsina, são classificados de acordo com suas propriedades bioquímicas e imunológicas em dois tipos: pepsinogênio I (PGI) e pepsinogênio II (PGII). Ambos são produzidos pela mucosa gástrica, porém em locais diferentes. Enquanto o PGI é produzido exclusivamente pelas células principais e mucosas do corpo gástrico, o PGII é produzido por essas células, mas também pelas células mucosas da região cárdica, glândulas pilóricas e glândulas de Brunner na mucosa duodenal. Ambos pró-enzimas são excretados principalmente para a luz gástrica, porém uma porção mínima (em torno de 1%) se difunde para a corrente sanguínea e pode ser mensurada. Sabe-se hoje que os níveis séricos de PGI reletem a morfologia e função da mucosa oxíntica bem como a presença de processo inflamatório.(13,14) Figura 1. Local de secreção dos biomarcadores sorológicos PGI: pepsinogênio I; PGII: pepsinogênio II; G-17: gastrina-17 CORPO ANTRO PGI e PGII PGII e G-17 Adaptado de Di Mario & Cavallaro. 70 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara Freitas Coelho Figura 2. Biomarcadores sorológicos e gastrite crônica PGI: pepsinogênio I; PGII: pepsinogênio II; N: normal PGI PGII Relação PGI/PGII Gastrina-17 N ou PGI PGII Relação PGI/PGII Gastrina-17 N Gastrite crônica e não-atrófica PGI PGII Relação PGI/PGII Gastrina-17 Gastrite atrófica do corpo Gastrite atrófica multifocal Adaptado de Di Mario & Cavallaro. A gastrina-17 pertence a um subgrupo da gastrina composto de 17 aminoácidos, sendo produzida exclusivamente pelas células G do antro gástrico e considerada um indicador da função antral. Seus níveis estão intimamente relacionados com o pH intraluminal do estômago, ou seja, acham-se reduzidos em meio ácido e anormalmente elevados em caso de hipo ou acloridria. Sipponen et al., na Finlândia, estudaram 100 pacientes dispépticos, com e sem atrofia antral, e observaram relação concordante entre o declínio dos níveis de gastrina-17 e a intensidade da atrofia antral.(15) O emprego conjunto da determinação sérica de pepsinogênios I e II e da relação PGI/PGII associados à dosagem da gastrina sérica e presença ou não de infecção por H. pylori detectada através da pesquisa sorológica de anticorpos anti-H. pylori (Gastro Panel) constiui ferramenta promissora para avaliação e manuseio das gastrites atróficas (figura 2). Como conduzir? A simples inclusão da presença do termo metaplasia intestinal no laudo histopatológico de uma biópsia gástrica é sempre acompanhada por senti- A Gastroenterologia na Prática Clínica 71 Metaplasia e Atrofia Gástrica – Como Conduzir? mento de incerteza pelo gastroenterologista, quanto à conduta a ser tomada e de preocupação, ou mesmo pânico, pelo paciente. Vale lembrar que, embora aumentado, o risco de câncer gástrico em portadores de metaplasia intestinal é baixo e considerado semelhante, ou mesmo inferior, ao risco de desenvolvimento de adenocarcinoma em portadores de esôfago de Barrett.(5,16) Infecção por H. pylori Como visto anteriormente, a infecção por H. pylori constitui a principal causa de condições pré-malignas, sendo a erradicação da bactéria recomendada em pacientes infectados. Embora exista ainda alguma controvérsia sobre os benefícios da erradicação da bactéria na prevenção do câncer gástrico quando a metaplasia intestinal acha-se já instalada,(17-19) outras evidências sugerem que a cura da infecção atenua o processo pré-maligno.(20-23) Em relação ao diagnóstico da presença de H. pylori, vale lembrar que a bactéria não coloniza o epitélio com metaplasia intestinal completa, podendo, entretanto, estar presente no epitélio não metaplásico adjacente e em nas áreas de metaplasia intestinal incompleta. (24) Assim, muitas vezes, outros métodos diagnósticos (urease, teste respiratório com 13C-ureia, pesquisa antígeno fecal ou sorologia) podem ser necessários para o correto diagnóstico da presença de infecção por H. pylori. Além do tratamento da infecção por H. pylori, outras recomendações para os portadores de metaplasia intestinal incluem o consumo adequado de frutas e vegetais (fontes de micronutrientes antioxidantes), além da supressão do tabagismo e do consumo excessivo de sal. Metaplasia intestinal Para uma melhor definição da conduta a ser tomada em pacientes com metaplasia intestinal é recomendado que o patologista a classifique, no mínimo, como completa ou incompleta e também avalie sua extensão. Sua classificação pode, quase sempre, ser obtida apenas pelo emprego da coloração de hematoxicilina-eosina. Para definição de sua extensão é sugerido que se considere como metaplasia extensa aquela acometendo, no mínimo, duas localizações no estômago ou, sendo moderada ou intensa, em mais que um fragmento de biópsia.(10) Tais recomendações implicam a necessidade de exame endoscópico com adequado mapeamento gástrico, com realização de biópsias no antro, corpo, incisura angular e quaisquer outras lesões visíveis ao exame endoscópico. Na avaliação do tipo de metaplasia intestinal encontrada (tipo I ou completa, tipo Iia, incompleta e tipos IIb ou III, incompleta, persistem dúvidas se 72 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara Freitas Coelho elas representam uma evolução cronológica do processo metaplásico.(25-27) A experiência acumulada em espécimes humanos sugere que as mucinas neutras (metaplasia completa), presentes na mucosa normal, decrescem gradualmente com o desenvolvimento inicial da metaplasia intestinal, dando lugar ao surgimento das sialomucinas que passam a predominar (metaplasia incompleta IIB). Nos estágios mais avançados de metaplasia intestinal surgem as sulfomucinas (metaplasia incompleta IIB ou III), tornando-se as mucinas predominantes. (2,12,28) Como regra, o achado de metaplasia completa não constitui indicação para seguimento e monitoração endoscópica prolongada, enquanto vários estudos sugerem uma relação significativa entre metaplasia incompleta e câncer gástrico.(2,12,29-31) Da mesma forma, diferentes estudos também demonstram que a extensão da metaplasia constitui fator de risco para o desenvolvimento do câncer gástrico.(20,32,33) Atrofia Para avaliação histológica da presença e intensidade da atrofia foi recentemente proposto,(34) e já validado,(35) um sistema que integra um escore de intensidade da atrofia com a topografia da mesma, denominado Sistema OLGA de estadiamento das gastrites (tabela 1). O emprego desse estadiamento, comTabela 1. Sistema OLGA para estadiamento das gastrites(34) Corpo Antro Escore de atrofia Sem atrofia (Escore 0) Atrofia leve Atrofia moderada Atrofia intensa (Escore 1) (Escore 2) (Escore 3) Sem atrofia (Escore 0) (incluindo incisura angular) Estágio 0 Estágio I Estágio I Estágio II Atrofia leve (Escore 1) (incluindo incisura angular) Estágio I Estágio I Estágio II Estágio III Atrofia moderada (Escore 2) (incluindo incisura angular) Estágio II Estágio II Estágio III Estágio IV Atrofia intensa (Escore 3) (incluindo incisura angular) Estágio III Estágio III Estágio IV Estágio IV OLGA: Operative Link on Gastritis Assessment. Atrofia: perda de glândulas apropriadas (com ou sem metaplasia). Atrofia é graduada em dois diferentes compartimentos gástricos: mucosa antral e mucosa oxíntica (corpo e fundo gástricos) em escala de 0 a 3, de acordo com a escala visual analógica do Sistema Sydney de Classificação das Gastrites, atualizado em Houston.(36) O estadiamento resulta da combinação de alterações atróficas encontradas em ambos os compartimentos. A Gastroenterologia na Prática Clínica 73 Metaplasia e Atrofia Gástrica – Como Conduzir? binado com a pesquisa de infecção por H. pylori, é capaz de fornecer informações relevantes para o correto manuseio dos pacientes portadores de lesões pré-malignas do estômago. Conquanto já propagada em vários países, principalmente no Japão, a utilização dos níveis séricos de PGI e PGII e da relação PGI/PGII associados à determinação dos níveis de gastrina-17 e presença de H. pylori, para avaliar a extensão das alterações atróficas, e, consequentemente, do risco de câncer gástrico, é ainda pouco comum entre nós.(14,37-41) A introdução de novas e fáceis metodologias (ELISA no lugar de radioimunoensaio) para avaliação dos pepsinogênios, assim como a possibilidade de realização simultânea de diversos biomarcadores deverão favorecer a disseminação de seu emprego em futuro próximo. A figura 3 exibe um algoritmo proposto por Pelayo Correa para seguimento de pacientes com lesões pré-neoplásicas.(12) Figura 3. Algoritmo proposto por Pelayo Correa para seguimento de pacientes com metaplasia intestinal(12) Laudo histopatológico com descrição de metaplasia intestinal em biópsia gástrica Investigue presença de H. pylori (se necessário por outros métodos) e trate se positivo Caracterize o tipo de metaplasia encontrada e sua extensão Metaplasia do tipo incompleta e/ou extensa* Sim ou ignorado Endoscopia com biópsias múltiplas ou determinação dos níveis de pepsinogênios séricos em um ano Endoscopia com biópsias múltiplas a cada três anos caso persistam metaplasia incompleta e/ou metaplasia extensa ou atrofia intensa** 74 Federação Brasileira de Gastroenterologia Não Seguimento não necessário * Metaplasia extensa: aquela que acomete, no mínimo, duas localizações no estômago ou é moderada ou intensa em mais de um fragmento de biópsia. ** Atrofia extensa: nível sérico de pepsinogênio I (PGI) < 70 μg/l e relação PGI/PGII < 3. Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara Freitas Coelho O achado de metaplasia intestinal completa não é, por si só, indicação de seguimento endoscópico prolongado, a não ser que existam outros indicadores de risco para desenvolvimento de câncer gástrico (história familiar de câncer gástrico, por exemplo). A presença ou não de infecção por H. pylori deve ser adequadamente investigada, empregando-se, quando necessário, outros métodos diagnósticos que não a histologia e teste da urease. Todos os pacientes infectados pela bactéria devem ser tratados e sua erradicação confirmada após o tratamento. Pacientes portadores de metaplasia intestinal do tipo incompleto devem ser submetidos à endoscopia digestiva com biópsias de antro, corpo e incisura angular para avaliação de sua extensão e eventual presença de lesões mais avançadas, como displasia ou adenocarcinoma precoce. A avaliação da extensão da atrofia pode ser determinada pela histologia (Sistema OLGA) e/ou pelos níveis séricos de pepsinogênio I e II. Portadores de metaplasia intestinal incompleta e portadores de metaplasia intestinal ou atrofia extensas deverão ser acompanhados com endoscopia digestiva com biópsias múltiplas a cada três anos. Concluindo, apesar de frequentemente encontradas na prática diária, não se tem ainda na literatura guidelines, com evidências científicas sólidas, para orientação adequada aos portadores de atrofia e metaplasia intestinal. Novos estudos são necessários para avaliar a contribuição de novas tecnologias endoscópicas (cromoscopia digital, endoscopia confocal, etc.) na otimização do diagnóstico dessas lesões, bem como o papel dos biomarcadores sorológicos na seleção daqueles pacientes, entre a imensa massa de portadores de lesões pré-neoplásicas, que, realmente, irão necessitar de seguimento clínico rigoroso para o diagnóstico precoce de neoplasia gástrica. 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O grupo de proteínas (gliadinas e gluteninas) que constituem o glúten são conhecidas como prolaminas. As prolaminas contêm aminoácidos (prolina e glutamina), que fazem o glúten ter digestão difícil, levando conteúdo com alta quantidade de oligopeptídeos chegar ao intestino delgado. A ingestão de alimentos contendo glúten faz com que o organismo detecte a presença de elementos estranhos e deflagra séries de atividades que, nos casos mais graves (doença celíaca - DC) podem destruir a mucosa intestinal; ou em casos menos graves (sensibilidade ao glúten - SG) deem lugar a sintomas gastrointestinais (GI). Em ambos os casos, os sintomas usualmente desaparecem com a adoção de dieta isenta de glúten (DIG) (tabela 1). DC, alergia ao trigo e sensibilidade ao glúten são três patologias que podem ser classificadas sob a simples denominação de doenças glúten-relacionadas. Experts caracterizaram as diferenças existentes entre estas doenças tanto em nível molecular como na resposta imune, para distinguir duas das condições deflagradas pela ingestão de glúten - a DC e a SG – como segue: Enquanto a DC deriva de mecanismo deflagrado pela resposta adaptativa do sistema imune, *Este texto baseia-se no “The First Consensus Conference on Gluten Sensitivity”, realizado em Londres, 11 e 12 de fevereiro de 2011. A Gastroenterologia na Prática Clínica 79 Não Tenho Doença Celíaca, Mas Não Tolero o Glúten. O Que Fazer? Tabela 1. Doenças glúten-relacionadas Patogênese Autoimune Alérgica Não autoimune Não alérgica (INATA) Doença celíaca Sintomática Silenciosa Potencial Alergia ao trigo Alergia respiratória Alergia alimentar Urticária de contato WDEIA* Sensibilidade ao glúten Dermatite herpetiforme Ataxia pelo glúten * WDEIA = Wheat Dependent Exercise Induced Anaphylaxis/ Anafilaxia ao trigo dependente de exercícios. a SG parece estar mais conectada com a ação do sistema imune inato e parece não envolver a função da barreira intestinal. Sensibilidade ao glúten (SG) A SG é uma condição que só recentemente foi clinicamente definida, mas tem sido observada com mais frequência por especialistas no Reino Unido: seguidamente os pacientes se queixam de sintomas intestinais e desconforto, e previamente receberam o diagnóstico de doença funcional ou síndrome do intestino irritável. Sintomatologia da SG • Sintomas gastrointestinais – dor abdominal, sensação de queimação epigástrica, náusea e vômito, borborigmos, distensão do estômago, constipação ou diarreia. • Articulações, ossos e músculos – fadiga, amortecimento nas pernas e braços, câimbras musculares e dores articulares. • Esfera neurológica – cefaleias, discreta sensação de tontura e enjôo e momentos de colapso (desmaio). • Pele/Mucosas – eczema e aparecimento de pequenas manchas vermelhas. A mucosa da língua também pode se tornar inflamada e edemaciada, levando a possível dor ao mastigar e ao falar e, se o problema se tornar crônico, pode causar surgimento de fissuras, úlceras e manchas brancas. • Sangue – os testes sanguíneos podem indicar anemia. O algoritmo diagnóstico é resultante da concordância do consenso referido 80 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lorete Maria da Silva Kotze Quadro 1. Algoritmo diagnóstico Alergia ao trigo DC ou SG Prick test IgE específica Desafio com glúten tTG, EmA, IgA AGA deamidada AGA Teste + Desafio + tTG e/ou dAGA + SIM NÃO SG SIM Alergia confirmada EDA com biópsias Desafio com glúten Biópsia + NÃO DC potencial SIM DC confirmada SIM SG confirmada Não Outros diagnósticos e foi desenhado para distinguir as doenças relacionados ao glúten: DC, alergia ao trigo e SG (quadro 1). Para o diagnóstico de SG, os médicos devem antes excluir DC e alergia ao glúten. A sequência dos procedimentos diagnósticos para determinar a SG é a que segue. Excluir alergia ao glúten Primeiro é necessário excluir se o paciente tem alergia ao glúten, que inclui alergias respiratórias (mais frequentes no adulto) tais como asma e rinite, alergias alimentares (mais encontradas em crianças) com sintomas GI, urticária e angioedema, obstrução brônquica, condição pior da dermatite atópica ou urticária de contato. Excluir DC Para excluir DC, o indivíduo deve realizar testes sorológicos marcadores A Gastroenterologia na Prática Clínica 81 Não Tenho Doença Celíaca, Mas Não Tolero o Glúten. O Que Fazer? específicos que caracterizam esta afecção: anti-tTG, EmA e deficiência de IgA. A presença de HLA DQ2/8 não é necessária para a SG. Entretanto, é útil para descartar estrutura genética. A ausência de heterodímeros DQ2/8 praticamente descarta DC. Ressalva-se que a presença de DQ2 ou DQ8 nem sempre significa DC. Para diferenciar se o paciente sofre de DC ou SG é necessário fazer biópsia da mucosa intestinal. Biópsia intestinal Uma pessoa com SG, diferente da DC, não manifestará atrofia vilositária, portanto a mucosa apresentará arquitetura normal. Devem ter contagem de linfócitos intraepiteliais (LIE) normal ou pouco elevada (Marsh 0-1). Anticorpos antigliadina de primeira geração (AGA) Anticorpos IgA estão presentes principalmente na saliva, lágrimas e muco e defendem o organismo contra agentes externos. Anticorpos IgG atacam e eliminam agente de fora (estranho). Ambos IgA e IgG perdem a especificidade para outras espécies de anticorpos. Por exemplo, elevados níveis destas imunoglobulinas podem ser encontrados em indivíduos com DC, mas também podem estar presentes na SG. Pacientes que preenchem os critérios diagnósticos mencionados acima para SG podem aliviar seus sintomas praticando DIG, mesmo de modo temporário e sintomas reincidindo após reiniciar após o início de uma dieta que seja livre de glúten. Diferenciando DC de SG DC é uma intolerância permanente ao glúten. Indivíduos sensíveis ao glúten, contudo, são intolerantes ao glúten, porém esta intolerância pode ser eliminada por meio de uma DIG temporária. Enquanto os intestinos de um indivíduo com DC contêm lesões que morfologicamente alteram a mucosa do intestino delgado, estudos cuidadosos têm mostrado que na SG os indivíduos não mostram atrofia vilositária e a estrutura da mucosa pode ser considerada normal. Tratamento Em resumo, se a história médica do paciente, associada com testes clínicos, descarta alergia ao glúten e DC, a SG pode ser considerada como um diagnóstico. Antes que isto ocorra são necessários os seguintes critérios: 82 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lorete Maria da Silva Kotze • Alergia ao glúten excluída (anti-IgE negativo) • DC excluída (anti-tTg/EmA/dAGA negativos, sem deficiência de IgA) • Sem restrição de HLA: ausência de heterodímeros DQ2/8 praticamente descarta DC; contudo, é importante salientar que a presença de DQ2 ou DQ8 nem sempre significa DC • Biópsia intestinal sem mostrar atrofia vilositária • Possível presença de anticorpos AGA IgA DIG Encontrando-se tais critérios, o paciente pode ser declarado como sensível ao glúten e tratado com DIG por certo período de tempo. Usualmente a suspensão do glúten da dieta acarreta o desaparecimento dos sinais e sintomas. Se o paciente é alérgico ao trigo, tem DC ou SG, deve-se notar que o tratamento é o mesmo: a remoção do glúten da dieta. Uma recente publicação apresenta as principais considerações acerca do assunto.(6) A doença celíaca atualmente é considerada muito mais que uma enteropatia por sensibilidade ao glúten, mas uma doença sistêmica, imune-mediada, desencadeada pelo glúten e prolaminas relacionadas, em indivíduos geneticamente suscetíveis. O denominador comum para todos os pacientes com DC é a presença de combinação variável de manifestações clínicas glúten-dependentes, autoanticorpos específicos (EmA e anti-tTG), a presença de haplotipos HLA DQ2 e/ou DQ8 e diferentes graus de enteropatia, variando desde infiltração linfocitária no epitélio até completa atrofia de vilosidades. Contudo, o glúten pode induzir outras condições patológicas, tais como alergia ao trigo – doença mediada por imunoglobulina IgE – muito bem caracterizada do ponto de vista imunonológico e clínico, mas completamente sem relação com a DC. Mais recentemente tem-se dado atenção para outra entidade, Sensibilidade ao Glúten (SG), cuja interface com a DC ainda não está bem definida. Atualmente, um número de doenças morfológicas, funcionais e imunológicas tem sido consideradas sobre o “guarda-chuva” de Sensibilidade ao Glúten, onde faltam uma ou mais chaves para os critérios de DC (enteropatia, haplotipos HLA e presença de anticorpos anti-TG2), mas que respondem à exclusão do glúten. Sensibilidade ao glúten sem autoanticorpos antitransglutaminase e sem enteropatia São entidades que perfazem um grande espectro de doenças que podem ter mecanismos básicos diferentes, mas que têm em comum a regressão dos A Gastroenterologia na Prática Clínica 83 Não Tenho Doença Celíaca, Mas Não Tolero o Glúten. O Que Fazer? sintomas com dieta isenta de glúten (DIG) na ausência de anticorpos anti-tTG e enteropatia histológica. Em muitas falta o esclarecimento de seu/s mecanismo/s. Discute-se se estariam ligadas à resposta imunológica adaptativa ao glúten ou a uma resposta inata ao estresse ao glúten. Síndrome do intestino irritável (SII) relacionada à sensibilidade ao glúten (SG) • SII e DC: ambas entidades cursam com sintomas que se sobrepõem; • Pacientes com SII com diarreia devem ser triados para DC; • DC predispõe à SII: talvez a inflamação mucosa induzida pela gliadina possa predispor à SII; • Pacientes com a SII, que não podem ser classificados como celíacos, podem apresentar resposta imune disfuncional e resposta sintomática à DIG (AGA IgA e IgM positivos, sem enteropatia). Na SII-SG, imunidade inata e não adaptativa antiglúten tem papel importante e as células epiteliais seriam os alvos (IL15). Sensibilidade ao glúten extraintestinal • Psoríase: 16% dos casos com altos níveis de AGA IgA e AGA IgG; melhora com DIG • Ulcerações orais: 85% dos pacientes com altos níveis de AGA respondem à DIG Anti-tTG negativos: enzima não ativada? • Diabetes tipo 1 e SG Associação DM 1 e DC: grupo sem anti-tTG ou EmA no soro Em resposta à assertiva “Não tenho doença celíaca, mas não tolero o glúten”, fica o esclarecimento de que o paciente não tem anticorpos específicos positivos (anti-tTG ou antiendomísio) e que sua biópsia intestinal é normal (sem atrofia e sem aumento de LIE), na presença de sintomas GI e gerais, os mais variados. Em resposta à pergunta “O que fazer?”, o tratamento é a dieta isenta de glúten (DIG) como teste: se os sintomas desaparecerem, fica confirmado o diagnóstico de sensibilidade ao glúten. O que ainda não se sabe é por quanto tempo a DIG deve ser obedecida, pois o transtorno é considerado temporário, e não permanente como na DC. 84 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lorete Maria da Silva Kotze Bibliografia recomendada 1. Kotze LMS, Brambila-Rodrigues AP, Kotze LR, Nisihara RM. A Brazilian experience of the self transglutaminase-based test for celiac disease finding and diet monitoring. World J Gastroenterol 2009;15:4423-8. 2. Kotze LMS & Utiyama SRR. Doença celíaca e outros distúrbios na absorção de nutrientes. In: Gastroenterologia Essencial. Dani R. 4a. ed. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 2011. pp. 294-330. 3. Niveloni S, Sugai E, Cabanne A et al. Antibodies against synthetic deamidates gliadin peptides as predictors of celiac disease: Prospective assessment in an adult population with high risk pretest probability of disease. Clin Chem 2007;53:2186-92. 4. Tack GJ, Verbeek WHM, Schreurs MWJ et al. 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Patrícia Abrantes Luna Dr. Alexandre Pelosi A pesar dos fantásticos progressos atingidos com a enteroscopia com cápsula (VCE), a enteroscopia assistida com balões (BAE) e a enteroscopia espiral (SE), que permitem uma visualização adequada do delgado, estes métodos ainda não atingiram a eficiência da endoscopia digestiva alta e da colonoscopia, tanto nos seus aspectos diagnósticos quanto terapêuticos. Os grandes obstáculos continuam sendo a longa extensão, tortuosidade e mobilidade do delgado. Até recentemente estas barreiras limitavam a visualização direta do delgado, exceto às suas porções proximal (com a endoscopia digestiva alta) e distal (com a colonoscopia). A enteroscopia total só era possível através da enteroscopia intraoperatória (IOE), com todas as suas dificuldades e complicações. A VCE, BAE e SE têm nos dias atuais uma participação central na avaliação de pacientes com suspeita de patologias do delgado, principalmente sangramento digestivo de origem obscura, doença de Crohn, tumores e doença celíaca. Por outro lado, os pacientes com cirurgias que excluem parte do trato digestivo (Y de Roux, Fobi Capela, etc.) passaram a ter estes segmentos examinados com os videoenteroscópios, permitindo além de diagnósticos procedimentos terapêuticos tais como dilatações de estenoses, CPER e litotomias, polipectomias, entre outras. A Gastroenterologia na Prática Clínica 87 Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? Hemorragia digestiva de origem obscura (HDOO) Denomina-se HDOO os sangramentos digestivos não diagnosticados pela Endoscopia Digestiva Alta (EDA) ou pela Colonoscopia (C). Nestes pacientes, em 20% das vezes uma outra EDA ou C cuidadosas evidenciam a etiologia do sangramento nos segmentos atingidos por estes exames, tornando a repetição destes mandatória. Estas HDOO podem ser do tipo aparente, quando existe exteriorização do sangramento em forma de perda sanguínea visível, ou oculta, quando o sangramento só se traduz por anemia hipocrômica microcítica. Aproximadamente, portanto, 80% das HDOO originam-se no delgado, segmento este de difícil exame. O surgimento da VCE e das enteroscopias assistidas por instrumentos (DAE), enteroscopia com duplo balão (DBE), enteroscopia com balão único (SBE) e enteroscopia espiral (SE) mudaram este panorama. Entretanto, por serem exames com peculiaridades próprias e de alto custo, a prioridade para a realização entre os métodos é importante. Enteroscopia com cápsula (VCE) É um método não invasivo que permite a visualização do delgado através de imagens transmitidas por uma cápsula deglutida pelo paciente e que, propelida aleatoriamente pela peristalse, percorre todo o delgado, emitindo imagens para um digitalizador externo. Posteriormente estas imagens são baixadas e analisadas em um computador. Em 20% dos exames de VCE a duração da bateria de 8 horas não permite visualização de todo o delgado. Em um trabalho prospectivo randomizado, o uso de eritromicina não mostrou vantagens neste aspecto. O autor sugere o uso do medicamento somente nos pacientes com conhecida gastroparesia.(1) Atualmente há quatro modelos de cápsulas (quadro 1). A literatura recente mostra que o diagnóstico fornecido com a VCE varia de 38%-83% e até 91% se a VCE for realizada em até duas semanas do sangramento.(2) Estudos têm mostrado resultados comparáveis com as várias cápsulas.(3) Estudo multicêntrico prospectivo e randomizado comparou a cápsula Given PillCam SB2 com a MiroCam. As duas cápsulas foram deglutidas pelos mesmos pacientes no mesmo dia, com um intervalo de 1 hora. Ambas proporcionaram excelentes imagens, com diagnóstico de 55,2% com a MiroCam e 44,7% com a PillCam SB2, existindo concordância entre elas de k=0,74. Houve mais problemas técnicos com a MiroCam (9 x 2).(4) 88 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Leite Luna • Dr. Renato Abrantes Luna Dra. Patrícia Abrantes Luna • Dr. Alexandre Pelosi Quadro 1. Modelos de cápsulas Especificação Origem MiroCam PillCam SB2 EndoCapsule OMOM Coreia Israel Japão China 11 x 23,6 11 x 26 11 x 26 13 x 27.9 Peso gr 3.4 3.45 3.7 6.0 Pixels 320 x 320 256 x 256 256 x 256 256 x 256 3 2 2 2 Tamanho mm Fotos/seg Duração bateria h 11 8 8 8 129.000 57.600 57.600 57.600 Human body Comunication rádio frequência rádio frequência rádio frequência Campo visual 150 140 145 140 Real time sim sim sim sim Número fotos Sist Transm Têm-se relatado falsos-negativos em 11% para todas as lesões do delgado e até 19% para massas isoladas, inclusive tumores.(5) Outro problema com VCE é sua retenção em divertículos e nos pacientes com disperistalse ou estenoses. Uma cápsula de patência foi desenvolvida pela Given, que permite a avaliação prévia de estenoses que contraindiquem a VCE. Trabalhos experimentais em animais usando campos magnéticos externos para controlar cápsulas endoscópicas apareceram recentemente.(6-9) Uma videocápsula com quatro ópticas, orientadas para as quatro faces externas, está em estudo pela Capso Vision, Saratoga, California, USA. Teoricamente este desenho permitirá observação circunferencial do delgado, melhorando a visibilidade. Outro desenvolvimento em estudo é a integração da PillCam com o sistema FICE da Fujinon, permitindo cromoenteroscopia virtual. Enteroscopia assistida com instrumentos: Device Assisted Enteroscopy – DAE (balloon assisted enteroscopy: DBE Double Balloon Enteroscopy, SBE Single Balloon e Spiral Enteroscopy SE) A DAE (enteroscopia assistida com instrumento – DBE, SBE, SE) também tem conseguido bons resultados nos pacientes com HDOO. A Gastroenterologia na Prática Clínica 89 Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? Estas formas de enteroscopia permitem uma penetração mais profunda no delgado do que a push enteroscopy (PE) e a ileocolonoscopia.(IC). Existem dois enteroscópios assistidos com balões, o fabricado pela Fujinon-Japão, com dois balões de látex: um na extremidade do enteroscópio e o outro na do overtube (DBE) e o produzido pela Olympus – Japão, com um único balão de silicone na extremidade do overtube (SBE). Detalhes técnicos dos vários enteroscópios e overtubes são mostrados no quadro 2. A técnica de introdução dos enteroscópios assistidos por balões foi detalhada em Temas de Atualização em Gastroenterologias 2008.(10) Um terceiro tipo de enteroscopia assistida é a enteroscopia espiral, que usa um overtube dedicado de 118 cm, que possui uma espiral de 22 cm de Quadro 2. Detalhes técnicos dos videoscópios Enteroscópio de duplo balão – Fujinon Tipo de visão Especificações do enteroscópio de balão único EM-450P5 EM-450TS Campo de visão 140 Frontal Frontal Prof. de campo 3 a 100 mm Prof. de campo 5-100 mm 4-100 mm Direção da visão Frontal Ângulo visão 120 140 Diâmetro 9,2 mm Diâm. ponta 8,5 mm 9,4 mm Angulação cima e baixo 180 Flexão cima/baixo dir. e esq. 180/180 180/180 160/160 160/160 Comprimento de Inserção 2000 mm dir. e esq. 160 Comprimento trab. 2000 mm 2000 mm Comprimento total 2345 mm Overtube TS-12140 TS-13140 Canal de instrumentação 2,8 mm Diâm. Int 10 mm 10,8 mm Overtube (ST-SB1) Comprim. total 1400 mm Diâm. Ext. 12,2 mm 13,2 mm Comprim. trabalho 1320 mm Diâm. Balão 40 mm 40 mm Diâmetro externo 13,2 mm Comprimento 1450 mm 1450 mm Diâmetro interno 11 mm Enteroscópio de balão único da Olympus Enteroscópios de duplo balão da Fujinon 90 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Leite Luna • Dr. Renato Abrantes Luna Dra. Patrícia Abrantes Luna • Dr. Alexandre Pelosi Figura 1. Overtube para enteroscopia espiral comprimento na sua extremidade, permitindo com movimentos de rotação a penetração no delgado à semelhança de um parafuso e que pode ser usado com qualquer videoendoscópio de até 9,4 mm de diâmetro, longo (figura 1). Sua introdução é por via oral, embora já exista um overtube (Endo-ease Vista Retrograde - Spirus Medical) que pode ser usado por via anal para uma ileoscopia, como também para colonoscopias difíceis. Um estudo preliminar com a SE mostrou resultados positivos em 33% e uma penetração de 176 cm além do ângulo de Treitz.(11) Outro estudo(12) relata uma profundidade de inserção média de 262+/-5 cm e um tempo de procedimento de 33,6 +/- 8 minutos. Complicações severas ocorreram em 0,3% (0,27% de perfuração de delgado).(13) Um estudo prospectivo comparou DBE e SE(14) envolvendo 35 pacientes (SE = 18, DBE = 17). Os pacientes eram comparáveis nas indicações e demografia. Não foi encontrada diferença significativa quanto a duração de exame, profundidade de penetração, analgesia necessária e achados patológicos. Entretanto, do ponto de vista clínico o ganho diagnóstico foi maior na DBE (47,1% x 33,4% n.s). Desta maneira, o diagnóstico da hemorragia digestiva intermediária em muito avançou com VCE e a DAE e seu tratamento com a DAE. Entretanto, entre as duas técnicas, qual delas devemos priorizar? Esta escolha não é simples por várias razões, tais como diferenças fundamentais entre as duas tecnologias, diferenças dos pacientes (alto/baixo risco), a forma de apresentação do sangramento (sangramento agudo severo, etc.), facilidades locais, curva de aprendizado com os métodos, entre outras. Vantagens óbvias da VCE, entre outras, incluem sua pouca invasividade, realização ambulatorial, bom índice de diagnóstico, alto valor preditivo negativo, ótima tolerância e poucas complicações quando bem indicada. Entretanto, a VCE não indica com precisão o local do sangramento, a qualidade de suas fotografias é inferior às da DBE, sua progressão no trato digestivo é aleatória A Gastroenterologia na Prática Clínica 91 Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? e sem controle, pode ocasionar falsos-negativos, principalmente nos segmentos proximais do delgado, está contraindicada nos pacientes com estenose e, sobretudo não permite a realização de lavagens, aspiração, biópsias ou procedimentos hemostáticos. Por outro lado, a DBE só consegue examinar todo o delgado pelas vias alta (oral) e baixa (anal) entre 16%-86% das vezes. Pessoalmente, somente em 1 paciente conseguimos examinar todo o delgado com introdução do instrumento por uma via somente (no caso via oral). Vários estudos têm demonstrado diagnóstico com esta técnica na faixa de 43%-81% e sucesso terapêutico entre 43%-84%. Não existem dúvidas, portanto, de que as DBE são eficazes também no diagnóstico e na terapêutica dos sangramentos digestivos intermediários, tornando desnecessárias técnicas diagnósticas e terapêuticas mais complicadas, arriscadas e dispendiosas. Entretanto, ela é muito mais invasiva que a VCE, necessita sedação/anestesia, é sempre realizada em ambiente hospitalar preferencialmente por dois endoscopistas bem treinados no método, é laboriosa e tem complicações mais frequentes (entre 0,8%-4%). A sua curva de aprendizado é maior que a da VCE. Estes fatos levam a maioria dos endoscopistas a preferir a VCE como método de screening e a DBE orientada pela VCE (facilitando inclusive a escolha da via oral/anal) quando torna-se necessária a realização de biópsias ou procedimentos terapêuticos. Entretanto, quase sempre é difícil prever estas condições. Estudos comparativos entre os dois métodos, inclusive meta-análises, são raros e de n pequeno na sua maioria. Thesima et al.,(15) em meta-análise específica para HDOO, comparam os achados entre a VCE e a DBE e concluem que ambos fornecem resultados equivalentes. Essa meta-análise de 10 publicações comparando VCE com DBE em HDOO envolveu 651 exames com cápsula e 642 com duplo balão. A análise final mostrou um diagnóstico de 62% com VCE e 56% com DBE. O odds ratio (OR) para um diagnóstico positivo com VCE comparado com DBE foi 1,39 (95% IC 0.88-2.20; p=0,16). Os achados da DBE depois de uma VCE positiva mostraram 75% de diagnóstico. Estes números comprovam que os dois métodos são complementares e não competitivos. Arakawa et al.(16) relatam resultados semelhantes entre DBE (64%) e VCE (54%) em HDOO, sem diferença estatística significante, sugerindo que na maioria dos casos VCE deva ser o primeiro exame a ser realizado, seguida de DBE, se for necessário, biópsias ou terapêutica endoscópica. Tendo em vista a sua não invasividade, boa tolerância e maior possibilidade de visualização de todo o delgado, a VCE deve preceder a DBE, 92 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Leite Luna • Dr. Renato Abrantes Luna Dra. Patrícia Abrantes Luna • Dr. Alexandre Pelosi na maioria das vezes. Sua realização prévia à DBE também indica a melhor via (via oral ou anal) da DBE. Outra meta-análise(17) de 11 trabalhos comparou VCE com DBE mostrando resultados comparáveis: (60% x 57%) para todos os achados (lesões vasculares, inflamatórias e neoplásicas. Mais uma meta-análise(18) com 8 estudos entre VCE e DBE mostrou resultados similares (OR 1.21; 95% IC 0.64-2.29). Entretanto, em pacientes com HDIOO, a VCE foi mais efetiva que a DBE somente a via oral (OR 1.61; 95% IC 1.07-2.43), mas inferior a esta quando as duas vias oral e anal foram utilizadas (OR 0.12; 95% IC 0.03-0.52 p<0,05). Um trabalho retrospectivo envolvendo 56 pacientes com sangramento obscuro evidente(19) durante o uso de anticoagulantes mostrou em análise com regressão logística que a continuação do anticoagulante foi o único fator preditor da positividade da VCE, com um diagnóstico de 71% contra somente 28,6% nos que pararam o anticoagulante. Infelizmente não foram fornecidos detalhes sobre as patologias diagnosticadas, mas os autores sugerem não só continuar o anticoagulante durante a VCE ou até mesmo reintroduzi-lo na tentativa de aumentar a positividade no exame. Certamente esta conduta merece mais estudos. Classicamente tem-se afirmado que um resultado negativo com a VCE em pacientes com HDOO pressupõe um ressangramento baixo na ordem de 6%11%,(20) sugerindo que nesta eventualidade poder-se-ia assumir uma conduta expectante. Entretanto dois estudos recentes(21,22) mostraram ressangramento em 36% em follow-up de 32 meses e 23% em 16 meses, respectivamente. Lai et al.(23) estudaram 103 pacientes por 50 meses procurando fatores de risco para ressangramento e morte; 35 pacientes tiveram VCE negativas com menor ressangramento (69,1% x 28,6%) e mortalidade (30,9% x 5,7%) que os com VCE positivos. Fatores de risco positivos para ambos, ressangramento e mortalidade, foram VCE positivas, idade maior de 65 anos, sendo que hemoglobina menor de 8 gr% na apresentação foi fator de risco somente para ressangramento. Pacientes com VCE negativas, menores de 65 anos e com hemoglobina acima de 8 gr% não tiveram ressangramento ou mortalidade durante o seguimento, enquanto 64,8% com VCE positivos ressangraram e 27,3% morreram. Os autores advertem que embora uma VCE falso-negativa não deva ser subestimada, pois esta conduta pode retardar o diagnóstico e piorar o prognóstico, parece existir um subgrupo de pacientes com SGIOO com baixo risco e uma conduta expectante poderia ser empregada. Os tumores primários do delgado são raros, correspondendo a aproximadamente 5% das neoplasias primárias gastrointestinais.(24) Costumam ser de A Gastroenterologia na Prática Clínica 93 Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? diagnóstico difícil. A VCE realizada para SGIOO diagnostica tumores em 6-12%. Aproximadamente 60% destes tumores são malignos. A VCE tem sido comparada com raio X contrastado do delgado e com push enteroscopia (PE) com melhores resultados, especialmente nas lesões além do alcance da PE. As evidências do uso emergencial de BAE em pacientes com HDIOO são escassas. Em um estudo retrospectivo em pacientes com HDIOO evidente e em curso(25) em 41 pacientes observados por 2 anos nos quais foram realizadas 47 BAE de emergência (36 via oral e 11 anal), a fonte do sangramento foi identificada em 25 dos 41 pacientes (61%). A maioria tinha lesões vasculares (só 2 com sangramento ativo) e 2 tinham tumores de delgado. Embora todos os pacientes tenham realizado endoscopia digestiva alta e colonoscopia prévias, 20% das lesões vistas à enteroscopia tinham as lesões em níveis passíveis de serem vistas pelas endoscopias altas ou colonoscopias; 90% das lesões diagnosticadas foram tratadas endoscopicamente e não ocorreram complicações. Um estudo incluindo 56 pacientes com HDIOO(26) com enteroscopia visualizando todo o delgado, em 24 (42,8%) a fonte do sangramento foi identificada no delgado, em 10 (17,9%) em outros segmentos e não identificada em 22 (39,3%). Dos 24 pacientes com achados, 18 foram submetidos a intervenções endoscópicas. 45 pacientes (80%) foram acompanhados por mais de 1 ano (33,4 +/- 12,9 meses). Somente 4 pacientes (8,9%) tiveram recorrência do sangramento e não houve diferença significativa nos pacientes com esteroscopia total nos quais foram encontradas e tratadas lesões (12,5%) daqueles em que não foram diagnosticadas patologias (4,8%). Gerson et al.(27) compararam PE, DBE, DBE guiada por VCE angiografia e enteroscopia peroperatória em HDIOO evidente e concluíram que a DBE foi o mais custo-efetivo e também o que teve mais sucesso em controlar o sangramento. Monkemuller, bem conhecido dos endoscopistas brasileiros,(28) em um pequeno estudo retrospectivo sugere que a DBE em caráter de urgência, nos pacientes com sangramento maciço originado do delgado, é tecnicamente factível e facilita o diagnóstico e manuseio destes pacientes, dispensando a VCE prévia. Vários trabalhos têm comparado o uso do SBE com DBE. Assim uma RCT de um único centro comparou 88 enteroscopias feitas em 79 pacientes, 51 com DBE e 37 com SBE.(29) O tempo para preparação dos enteroscópios foi menor com o SBE (3 x 12 minutos), mas o tempo total de exame foi similar (90 minutos) para ambas as técnicas e não houve diferença significativa na profundidade de inserção (SBE = 205 cm DBE = 250 cm via oral e 100 cm via anal em ambas as técnicas). Tampouco houve diferença significante nas patologias encontradas 94 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Luiz Leite Luna • Dr. Renato Abrantes Luna Dra. Patrícia Abrantes Luna • Dr. Alexandre Pelosi (SBE = 65%, DBE = 49%). Não foram relatadas complicações. Nanako et al.(30) interromperam trabalho prospectivo controlado comparando a DBE e SBE tendo em vista as evidentes vantagens da DBE. Com as novas modalidades de enteroscopia, a avaliação das patologias do delgado tem progredido enormemente. Nossa habilidade de diagnosticar e tratar pacientes com HDOO, DC e tumores do delgado e outras patologias deste segmento do trato digestivo obteve um grande desenvolvimento. Comparando com o século passado, graças aos significantes e rápidos progressos das enteroscopias, é incontestável que atualmente temos testes acurados para o diagnóstico e tratamento das enteropatias. Entretanto, o impacto real destas novas tecnologias nos resultados clínicos dos pacientes tem que aguardar trabalhos prospectivos com grandes N e longos seguimentos. Em conclusão, qual é o melhor procedimento para indicarmos em pacientes com HDOO? Evidentemente várias circunstâncias pesam para esta decisão, tais como recursos locais, tipo e estado do paciente, características do sangramento, etc. Baseados nas características da VCE e do DBE e nos trabalhos existentes, achamos que na maioria das vezes a VCE deva preceder a DBE, inclusive Patologias frequentemente observadas em enteroscopias nos pacientes com HDOO Adenocarcinoma de jejuno Divertículo de Meckel Angioectasia do delgado - VCE Angioectasias de delgado - DBE A Gastroenterologia na Prática Clínica 95 Hemorragia Digestiva Obscura do Intestino Médio: Enteroscopia ou Cápsula Endoscópica Como Primeira Opção? orientando a via de acesso (oral-anal). Nos casos em que existe evidência de uma localização do ponto de sangramento, podemos indicar de início a DBE e naqueles pacientes com HDOO severa, a DBE inicial salvaria preciosas horas normalmente requeridas para a realização da VCE. Estas ideias certamente devem ser corroboradas por estudos futuros. Referências 1. 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Cosnes et al. demonstraram em 2002 que o curso da doença é evolutivo, com maior número de acontecimentos penetrantes e estenosantes ao longo do tempo (aos 20 anos 12, 18 e 70% de doença inflamatória, estenosante e penetrante, respectivamente).(2,3) No ensaio clínico de Geert D’Haens et al., em que a introdução precoce de imunossupressores e terapêutica biológica foi comparada com a abordagem tradicional (dois ciclos de corticosteroides, imunossupressão e terapêutica biológica nos doentes refractários), 60% dos doentes necessitaram de imunossupressores no primeiro ano.(4) Seguindo as normas da European Crohn and Colitis Organization (ECCO), dever-se-á efectuar a introdução de imunomoduladores após agudização grave, dois cursos de corticosteroides (primeiro ano de doença), recaída com corticosteroides em doses superiores a 15 mg/dia, recaída nos primeiros 3 meses A Gastroenterologia na Prática Clínica 99 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino após corticosteroides, duração de corticosteroides por períodos superiores a 3 meses ou na profilaxia do pós-operatório.(5) A azatioprina tem sido o pilar da imunossupressão na doença inflamatória do intestino (DII), contudo aos 15 meses de terapêutica 58% dos doentes recidivam.(6,7) A este facto acresce que numa recente revisão da Cohrane foi evidenciado que o número de doentes necessários tratar com azatioprina para observar um efeito adverso é de 14.(8) E é relativamente consensual que existe um aumento de linfomas em doentes com DII tratados com purinas. Kandiel et al.(9) demonstraram um risco relativo de 4 e no estudo CESAME a incidência de doença linfoproliferativa foi de 0,90 por 1.000 (95% IC 0.50-1.49) doentes-ano para os que estavam a efectuar tiopurinas, 0,20/1.000 (0.02-0.72) doentes-ano para os que descontinuaram o fármaco e de 0,26/1.000 (0.10-0.57) doentes-ano para os que nunca efectuaram o fármaco. Em análise multivariada evidenciou-se que o risco de doença proliferativa para os que recebem tiopurinas foi de 5,28 (2,01-13,9, p=0,0007).(10) Existem dúvidas se a azatioprina altera a história natural da doença inflamatória, uma vez que não diminui o número de cirurgias no estudo de J. Cosnes et al.,(11) embora só 9% dos doentes tenham efectuado azatioprina antes de cirurgia, e Gisbert et al.(12) constataram uma diminuição de hospitalizações e cirurgias após a introdução deste fármaco, contudo com um número reduzido de doentes. Pelo exposto, parece claro que a azatioprina actua na doença corticodependente, associada a um número não desprezível de efeitos adversos, embora não seja um bom fármaco na manutenção da remissão induzida pelos biológicos.(13) Os paradigmas de tratamento da DII estão em mudança. Os nossos conceitos limitados à indução da remissão são cada vez mais questionáveis e pretendemos remissões sem corticosteroides e a remissão endoscópica é um objectivo perseguido. A terapêutica biológica diminui o número de hospitalizações e é promissora como estratégia a longo prazo na diminuição do número de cirurgias.(14,15) Os estudos mais importantes na DII foram efectuados com doentes submetidos a múltiplas terapêuticas e o tempo de doença do ACENT I(16) foi de 8 anos, isto é, doentes com longa evolução da doença e com algumas alterações estruturais do intestino induzidas por doença prolongada, contudo a introdução precoce de agentes biológicos poderá ter um efeito modificador das alterações temporais induzidas pela inflamação persistente. O estudo Sonic,(17) recentemente publicado, comparou a azatioprina com o infliximab em monoterapia e em terapêutica combinda (azatioprina + infliximab) em doentes nunca submetidos a terapêutica com imunomoduladores e com tempo médio de doença de 2 anos. Foram incluídos doentes corticodependentes, doentes refractários à 100 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro 5-asa ou ao budenosido com actividade moderada a grave. Foi demonstrado que o infliximab foi superior à azatioprina quando foi avaliada a remissão livre de corticosteroides. Em doentes com elevação da PCR e com lesão da mucosa a estratégia com biológico foi superior. Este ensaio consubstanciou que: 1) A terapêutica biológica foi superior à azatioprina em doentes com lesão endoscópica e com marcadores biológicos de inflamação e 2) foi o melhor indutor de remissão endoscópica. Factores preditivos É possível, quando do diagnóstico, identificar marcadores de um curso agressivo, justificando a introdução precoce de terapêutica imunossupressora/biológica? Na última década, a experiência terapêutica com biológicos tem mostrado que a intervenção precoce com estes fármacos pode modificar a progressão inflamação-destruição/fibrose, alterando a história natural da doença. Globalmente, a terapêutica da DC dicotomizou-se em duas estratégias: «step-up», o tratamento sequencial tradicional versus «top-down», que se traduz no uso precoce de imunossupressores e/ou biológicos. No entanto, o curso da DC é muito variável e não está definido o ponto temporal exacto de introdução dos imunossupressores e/ou biológicos. A evolução para doença complicada torna imperativo identificar factores de risco (clínicos, bioquímicos, endoscópicos, serológicos, genéticos) que permitam, no momento do diagnóstico, a estratificação em grupos de baixo e elevado risco, possibilitando desta forma estimar a probabilidade, doente a doente, de progressão para doença complicada e consequentemente optimizar planos terapêuticos que impeçam o desenvolvimento de lesões intestinais irreversíveis e resseções intestinais. Nos quadros 1, 2 e 3 podemos observar os factores clínicos preditivos de Quadro 1. Factores clínicos preditivos de alteração do comportamento da doença (B1 para B2/B3) - Doença ileal(18-22) - Doença ileo-cólica(18) - Doença perianal(19,22) - Doença do tubo digestivo superior(22) - Tabagismo(18,19,23) - Uso de corticosteroides(19) - Diagnóstico da doença antes dos 40 anos(21) A Gastroenterologia na Prática Clínica 101 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino Quadro 2. Factores clínicos preditivos de cirurgia - Diagnóstico da doença antes dos 40 anos(21) - Doença ileal(21,24) - Doença do tubo digestivo superior(24) - Comportamento estenosante(21,24) - Comportamento penetrante(21) - Tabagismo(25) Quadro 3. Factores clínicos preditivos de doença incapacitante - Idade do diagnóstico < 40 anos - Doença ileo-cólica(26) - Doença perianal(27) - Necessidade de corticoides na primeira agudização(26) alteração do comportamento, de cirurgia e de doença incapacitante. Num estudo prospetivo de base populacional, o nível de PCR, quando do diagnóstico, associou-se a maior risco de cirurgia em doentes com doença de Crohn do íleon terminal, e a associação manteve-se após análise multivariada, contudo o número de doentes neste subgrupo foi muito reduzido.(27) A evidência científica sobre o valor preditivo da endoscopia, quando do diagnóstico, na avaliação de evolução para doença complicada é escassa, existindo apenas um estudo na literatura(28) que evidenciou que a ulceração intestinal extensa e profunda, na ileocolonoscopia, é um factor preditivo de cirurgia.(28) A noção de que na DC a resposta imune a determinados antigénios microbianos se relaciona com determinados fenótipos, foi introduzida em 2000 por Vasiliauskas et al.,(29) demonstrando-se que títulos elevados de ASCA se associavam a um fenótipo estenosante e penetrante e a uma maior necessidade de cirurgia do intestino delgado. Desde então, novos marcadores serológicos foram identificados e, como tem sido sugerido por vários estudos coorte, poderão ser úteis na estratificação do risco de complicações, como marcadores preditivos de um curso agressivo. Além dos ASCA, novos anticorpos da família antiglicanos (polissacarídeos componentes da parede bacteriana) foram identificados, verificando-se associação dos ASCA, ALCA, AMCA, ACCA, anti-C e anti-L com uma mais rápida progressão para doença complicada (fenótipo estenosante ou penetrante), maior risco de cirurgia e manifestação da doença em idade mais jovem.(30-33) A positividade para os anticorpos anti-ompC (anti- 102 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro porina C da membrana da E. coli) correlaciona-se com fenótipo penetrante e a presença de anticorpos anti-I2 (proteína da Pseudomonas fluorescens) com fenótipo estenosante, ambos associados a um maior risco de cirurgia. Neste estudo observou-se que não só a reatividade (presença dos anticorpos), mas também a magnitude de resposta (títulos dos anticorpos) se correlacionaram com o risco de estenoses, doença penetrante e cirurgia.(34) Targan et al.(35) verificaram que a presença de anticorpos antiflagelina CBir1, não só é um marcador de DC, como se associa independentemente com doença do intestino delgado e com fenótipo estenosante ou penetrante. No entanto, a maioria destes estudos são retrospectivos, em que a determinação dos anticorpos foi feita após a ocorrência das complicações, não sendo dessa forma avaliado o potencial destes marcadores serológicos para prever a sua ocorrência e o intervalo de tempo. Mais recentemente avaliaram-se, de forma prospectiva, coortes de doentes pediátricos com DC, doseando-se os anticorpos (ASCA, anti-ompC, anti-CBir1, anti-I2) aquando do diagnóstico. O seguimento destes doentes mostrou que a presença e a magnitude das respostas imunes se associavam de forma significativa com a progressão mais rápida para doença complicada (fenótipo estenosante ou penetrante, necessidade de cirurgia), sugerindo o potencial destes marcadores para prever um curso mais agressivo da doença.(36-39) Apesar de determinados marcadores serológicos (anticorpos contra antigénios microbianos), presentes desde o diagnóstico, se associarem significativamente com fenótipos complicados (estenosante e penetrante) e com risco aumentado de cirurgia, ainda não é possível, com base em evidência, recomendar a sua utilização para decidir sobre a introdução precoce de terapêutica imunossupressora. As vantagens dos marcadores genéticos como marcadores prognósticos são: (a) a sua estabilidade ao longo do tempo, (b) o não serem alterados pela atividade da doença, (c) o estarem presentes antes do desenvolvimento da doença, e (d) antes dos factores ambientais intervirem, o serem testes não invasivos e objectivos.(40-34) Na DC, a maioria dos genes e alelos de risco têm uma penetrância incompleta, uma frequência baixa a moderada e isoladamente não explicam ou predizem a evolução da doença, pois representam apenas uma fração do conjunto de factores de risco que contribuem para o desenvolvimento e modulação da doença. Mesmo um painel de marcadores genéticos pode não ser adequado para ser usado como marcador de curso agressivo da DC e provavelmente tem que ser integrado com outros factores moleculares, clínicos, endoscópicos e ambientais.(40,42) A Gastroenterologia na Prática Clínica 103 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino Existem vários estudos que estabelecem uma correlação genótipo-fenótipo na DC. No entanto, muitos destes resultados não foram ainda replicados e alguns são controversos, com outros estudos a apresentarem resultados díspares. As mutações mais consistentemente associadas a características da doença com possíveis implicações prognósticas são: 1) Mutações NOD 2/CARD15 (já foram descritas pelo menos 27 mutações neste gene, mas a maioria da susceptibilidade foi atribuída às mutações R702W, G908R e 1007fs): a) Localização ileal (OR 2,8; 95% IC: 1,6-5,2; p=0,001);(43) (OR 2,53; 95% IC: 2,01-3,16);(44) (OR 1,83; IC: 1,37-2,41; p<0,001);(45) (p=0,0001);(46) b) Comportamento estenosante (OR 1,94; 95% IC: 1,61-2,34);(44) (OR 9,44; IC: 3,21-27,77; p=0,00028);(47) (OR 2,277; IC: 1,064-4,871; p<0,001);(48) (OR 1,38; IC: 1,04-1,83; p=0,027);(43) (p=0,01);(46) c) Comportamento penetrante (OR 1,47; 95% IC: 1,01-2,15; p=0,004);(41) outros estudos apresentam resultados diferentes;(33) d) Cirurgia intestinal (OR 1,69; IC: 1,28-2,23; p<0,001);(45) (OR 3,58; 95% IC: 1,21-10,5), com recorrência pos-operatória mais frequente (OR 3,29; 95% IC: 1,13-9,56);(50) (p=0,0001);(36) noutros estudos não se confirmaram estes resultados;(41,51) e) Dupla mutação NOD2: idade mais jovem de diagnóstico (16,9 anos vs. 19,8 anos; p=0,01), comportamento estenosante (OR 2,92; p=0,00003), envolvimento cólico menos frequente (OR 0,44; p=0,003;);(52) f) Na idade pediátrica, verificou-se um risco aumentado de doença ileal (p=0,003), comportamento estenosante (p<0,0001), maior risco de cirurgia intestinal;(51) g) Ausência de variantes NOD2: desenvolvimento de fístula perianal (OR 0,56; 95% IC: 0,38-0,83; p=0,004), principalmente em doentes com envolvimento cólico e tabagismo activo.(41) 2) Haplotipo 5q31 (IBD 5): doença perianal penetrante (RR 1,7; p=0,0005; indivíduos homozigóticos (RR 3,0; p=0,0005);(53) comportamento penetrante (OR 1,474, IC: 1,028-2,114; p=0,035).(52) 3) Homozigotia do alelo G no AK097548 rs1363670: comportamento estenosante (OR 5,48; 95% IC: 1,60-18,83; p=0,007), menor tempo de evolução para doença estenosante (p=0,01), principalmente nos doentes com envolvimento ileal (p=0,0002).(41) 4) Alelo T no U7 rs12704036: comportamento penetrante (OR 1,74; 95%IC: 1,20-2,54; p=0,004); doentes do sexo masculino apresentaram um tempo mais curto de evolução para fístula não-perianal (p<0,0001).(41) 104 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro 5) Alelo C no CDKAL1 rs6908425: desenvolvimento de fístula perianal (OR 8,86; 95%IC: 1,13-69,78; p=0,04), principalmente em doentes com envolvimento cólico e tabagismo activo.(41) 6) Alelo G no IRGM rs4958847: comportamento penetrante (OR 9,22; 95% IC: 1,17-72,94; p=0,004).(45) 7) Alelo G no ATG16L1 rs2241880: comportamento estenosante (OR 1,27; IC: 1,07-1,50; p=0,005) e doença perianal (OR 1,19; IC: 1,01-1,40; p=0,035).(45) 8) Variante DLG5 R30Q: doença corticorresistente (OR 2,4; 95% IC: 1,3-4,5; p=0,013).(39) Observou-se que os doentes com maior número de alelos de risco nas variantes genéticas NOD2, IBD5, DLG5, ATG16L1 e IL23R apresentavam uma idade de diagnóstico mais jovem (p=0,048), comportamento estenosante ou penetrante (p=0,001) e maior necessidade de intervenções cirúrgicas (p=0,03). No entanto, esta associação tornou-se não significativa após 10 anos de evolução de doença, reflectindo que outros factores (nomeadamente ambientais, terapêuticos) contribuem para a evolução a longo prazo da doença.(45) Outros estudos mostraram ainda uma correlação entre alterações genéticas e marcadores serológicos na DC. Das variantes de NOD2/CARD15 com a presença de ASCA.(46,56,57) AMCA(56) e ALCA,(57) verificando-se que a positividade destes anticorpos antiglicanos se torna mais frequente à medida que o número de mutações do gene NOD2/CARD15 aumenta.(56,57) Das mutações do NOD1/ CARD4 com uma maior prevalência de ASCA.(57) Por outro lado, verificou-se uma relação inversa e com efeito número de mutações/prevalência reduzida de anticorpos, entre as mutações TLR4 e ACCA e as mutações TLR2 e OmpC. (57) Assim, as alterações genéticas parecem modular a sero-reatividade aos antigénios microbianos, podendo ter um papel primordial na patogénese e prognóstico da DC.(42,57) Os polimorfismos genéticos associados à DC têm um potencial papel na progressão da doença e podem vir a ter utilidade na estratificação de risco dos doentes.(41,45) No entanto, ainda não estão definidos quais os marcadores genéticos associados a um curso agressivo de doença, e nenhuma das variantes genéticas demonstrou sensibilidade e especificidade suficientes para serem implementadas na clínica, não sendo possível elaborar uma classificação genética prognóstica.(40,42) Existe alguma evidencia de actuação terapêutica em doentes com alteração dos marcadores inflamatórios e assintomáticos? A Gastroenterologia na Prática Clínica 105 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino Marcadores bioquímicos Os doentes com marcadores bioquímicos de atividade (nomeadamente a PCR e a calprotectina) têm maior probabilidade de recidiva. O contributo dos marcadores biológicos (serológicos e fecais, sobretudo) tem a vantagem e o atractivo de serem supostamente de fácil execução, não invasivos e permitirem uma aferição mais correcta da atividade da doença, sobretudo no contexto de remissão clínica e, eventualmente ajudar a prever o curso da doença. Vários marcadores têm sido avaliados e propostos, com maior ou menor utilidade e evidência variável, nomeadamente a PCR, velocidade de sedimentação (VS), albumina, leucograma, contagem plaquetas, orosomucoide, calprotectina fecal e outros. De todos os marcadores bioquímicos estudados, têm especial destaque a PCR e a calprotectina fecal. A PCR é uma proteína de fase aguda que em circunstâncias normais é produzida em pequenas quantidades (< 1 mg/l) no hepatócito. Encontra-se ligeiramente elevada (10-40 mg/l) em situações inflamatórias ligeiras e infecções víricas. Encontra-se mais elevada (50-200 mg/l) em inflamações graves e infecções bacterianas e significativamente elevada (> 200 mg/l) em situações inflamatórias muito graves e queimaduras extensas. Tem uma semi-vida curta pelo que se eleva rapidamente no início da situação inflamatória mas também reduz rapidamente após a resolução da mesma. Apesar desta relação com as situações inflamatórias, é um marcador com resposta muito heterogénea especialmente no que diz respeito à DC e à CU.(58) É, no entanto, entre todos os marcadores laboratoriais estudados na DII, o que mostra melhor desempenho e correlação com atividade da DII, sobretudo da DC. A PCR tem importante papel na avaliação da resposta à terapêutica. A terapêutica com anti-TNF foi mais eficaz em doentes com PCR > 5 mg/l quando comparado com doentes com PCR < 5 mg/l, num estudo belga que incluiu 153 doentes tratados com infliximab.(59) Os marcadores fecais de inflamação têm a vantagem de serem facilmente acessíveis através de análise às fezes e de não estarem elevados em condições inflamatórias extraintestinais, ao contrário dos marcadores serológicos. Traduzem, com elevada acuidade, inflamação da mucosa intestinal, o que pode evitar alguns exames endoscópicos no seguimento dos doentes com DII. A calprotectina fecal representa 6% das proteínas citosólicas dos granulócitos. A presença de calprotectina nas fezes é, portanto, directamente proporcional à migração dos neutrófilos para o tracto digestivo. É o marcador fecal mais estudado e com melhores resultados na DII. É um marcador sensível, mas não específico 106 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro para inflamação intestinal, podendo estar também aumentado nas neoplasias e infecções intestinais e pode também encontrar-se aumentada após toma de AINEs e em doentes com idade avançada. Um estudo de Fagan et al.(60) mostrou uma melhor correlação dos marcadores bioquímicos (nomeadamente a PCR) com a atividade da doença, mais na DC que na CU. Solem et al.(61) estabeleceram uma importante correlação entre PCR e atividades endoscópica e histológica, embora de forma mais significativa na doença de Crohn que na colite ulcerosa. Num estudo prospetivo, Boirivant et al.(62) constataram que num período de 2 anos o risco de recaída na DC é maior em doentes com PCR elevada que nos doentes com PCR normal. O grupo GETAID, através do trabalho de Consigny et al.,(63) em 2006 sugeriram um score biológico baseado em parâmetros clínicos para prever possibilidade de recidiva precoce em doentes com DC em remissão induzida por corticoterapia. Para isso, estudaram 71 doentes com medições de PCR e VS, de 6/6 semanas. Consideraram score positivo ou negativo, conforme positividade ou negatividade dos 2 marcadores (PCR > 20 mg/l e VS > 15 mm). Da análise multivariada destes factores, concluem que o risco relativo de recidiva precoce em doentes com score positivo, comparada com os que têm score negativo é de 8,0, com sensibilidade de 89% e especificidade de 43%. Brignola et al.(64) propuseram também um índice para prever recidiva em doentes assintomáticos com DC, em 1986. Analisaram 41 doentes com DC clinicamente inactiva através de avaliação bioquímica de um painel de marcadores inflamatórios (VS, PCR, albumina, alfa1-antitripsina…). Baseados nestes marcadores, estabeleceram um índice de prognóstico que quando elevado previa maior probabilidade de recidiva em 1-2 anos. Num estudo de base populacional, verificaram que nos doentes com DC do íleon terminal, um valor de PCR > 53 mg/l é um factor associado a um maior risco de cirurgia. Num trabalho de 2000, Tibble et al.(65) avaliaram a permeabilidade intestinal e a inflamação como preditores de recidiva de DII. Estudaram 43 doentes com DC e 37 com CU, em remissão clínica e fizeram uma avaliação da calprotectina fecal em todos e, além desta avaliação, nos doentes com DC fizeram também um teste de permeabilidade intestinal. 58% dos doentes com DC e 51% com CU tiveram recidiva nos 12 meses seguintes. Os níveis médios de calprotectina no grupo com recidiva diferiram significativamente do grupo sem recidiva (p<0,0001). Neste grupo de doentes a sensibilidade e especificidade da calprotectina para prever recidiva foi de 90 e 83%, respectivamente (para todos os doentes com DII). Os autores concluem que a calprotectina é útil para prever recidiva em doentes A Gastroenterologia na Prática Clínica 107 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino com DII e sugerem que poderá ser um indicador para iniciar tratamento mais precocemente em doentes assintomáticos. Tibble et al.(65) demonstraram que para a calprotectina fecal um cut off de 30ug/g tem uma sensibilidade de 100% para distinguir entre DC activa e síndrome do cólon irritável. Fagerberg et al.(66) verificaram que em doentes pediátricos com suspeita de inflamação do cólon a calprotectina pode ser um marcador muito útil e, na presença de um teste positivo, deve orientar para endoscopia. Roseth et al.(67) mostraram que a CF tem uma boa correlação com a atividade endoscópica e histológica em doentes com CU e com DC e que os valores elevados daquela normalizam rapidamente após a resolução da inflamação. Gerasimidis et al.(68) avaliaram as diferenças na determinação seriada (4 amostras durante o tratamento) de calprotectina fecal em 15 crianças com DC tratadas com nutrição entérica exclusiva. Neste estudo piloto, a calprotectina diminui em doentes que alcançam remissão clínica e pode ser útil para prever resposta ao tratamento. Parece que o valor da calprotectina fecal é maior para prever recidiva clínica na CU que na DC, segundo conclusão de um estudo de Costa et al.(69) em que foram avaliados 79 doentes com DII em remissão clínica, sendo 38 com DC e 41 com CU. Concluíram que valores de 150 ug/g ou superiores eram preditivos de recaída a um ano. A sensibilidade foi elevada quer na DC (87%) quer na CU (89%) mas a especificidade foi muito mais baixa na DC (43%) que na UC (82%). Vários trabalhos corroboram esta evidência de que os níveis de calprotectina fecal elevados significam inflamação activa e que em doentes assintomáticos ajudam a distinguir entre aqueles que têm maior ou menor probabilidade de recidiva. Marcadores endoscópicos Os doentes com atividade endoscópica ou com lesões mais graves, têm pior prognóstico, designadamente, menor probabilidade de remissão mantida e maior risco de cirurgia. Em 2002 Allez et al.(70) concretizaram um trabalho cujo objectivo foi verificar se a existência de lesões endoscópicas graves (LEG), definidas pela existência de úlceras extensas e profundas em mais de 10% de pelo menos um segmento colo-rectal, tinha valor preditivo relativamente ao risco de desenvolver complicações penetrantes (abcessos e/ou fístulas) e à necessidade de colectomia. Dos 102 doentes incluídos, 53 tinham LEG na colonoscopia índex e, durante um follow-up médio de 52 meses, 6 doentes desenvolveram complicações penetrantes e 37 foram alvo de colectomia. A análise cruzada destes dados revelou que o risco de colectomia e de desenvol- 108 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro ver complicações penetrantes foi significativamente superior nos doentes que tinham LEG na colonoscopia índex. Pormenorizando, a incidência cumulativa de colectomia foi de 31% vs. 6% após 1 ano, 42% vs. 8% após 3 anos e de 62% vs. 18% aos 8 anos, nos doentes com e sem LEG, respectivamente. Relativamente aos 6 doentes que desenvolveram complicações penetrantes, todos tinham LEG na colonoscopia índex. No subestudo endoscópico do ACCENT I(71) foi analisada a proporção de doentes que apresentavam cicatrização da mucosa às semanas 10 e 54 e qual a sua influência no curso clínico, nomeadamente no número de hospitalizações. Apesar dos doentes com cicatrização da mucosa em ambas as observações terem uma taxa de hospitalizações (0,0%) inferior à dos que apresentavam cicatrização apenas numa das visitas (18,8%), a qual, por sua vez, foi inferior à dos doentes que apresentavam lesões em ambas as ocasiões (28,0%), os resultados não atingiram significado estatístico. Numa série de base populacional o impacto da cicatrização da mucosa ao fim do primeiro ano foi correlacionado com o percurso clínico nos quatro anos seguintes. Os doentes com cicatrização da mucosa apresentaram menor atividade inflamatória (endoscopia) e menor necessidade de corticosteroides a longo prazo. Apesar de ter sido objectivada uma tendência para menor necessidade de cirurgia e menos complicações locais os valores não alcançaram significado estatístico.(72) Num estudo proveniente de um único centro(73) o impacto da cicatrização da mucosa foi avaliado através da realização de uma segunda colonoscopia após terem iniciado infliximab. A cicatrização (total ou parcial) foi observada em 68% dos doentes que responderam à terapêutica e verificou-se que estes doentes apresentaram uma taxa de cirurgia abdominal (14,1%) significativamente inferior à dos doentes sem cicatrização da mucosa (38,4%). Uma análise post-hoc do estudo EXTEND(74) permitiu verificar que os doentes com cicatrização da mucosa à semana 12 tinham, em comparação com os doentes sem cicatrização da mucosa, uma diminuição do CDAI à semana 52 significativamente superior (46 pontos) e uma melhoria no índice de qualidade de vida às semanas 28 e 52 (p<0,05). Além disso, os doentes com SES-CD (Simple Endoscopic Score for Crohn’s Disease) elevado tinham associada uma menor probabilidade de remissão clínica à semana 52 (OR 0,6; p<0,05). Finalmente, num outro estudo(75) no qual se compararam duas estratégias terapêuticas (step-up versus top-down) verificou-se que os doentes que apresentaram cicatrização da mucosa aos 2 anos (SES-CD de 0) mantiveram remissão clínica nos 2 anos seguintes em 70% dos casos contra 22% nos que mantinham alterações endoscópicas. A Gastroenterologia na Prática Clínica 109 Quando Indicar Agentes Biológicos na Doença Inflamatória do Intestino Embora haja evidência suficiente de que a presença de marcadores laboratoriais alterados ou a existência de lesões endoscópicas, em doentes assintomáticos, esteja relacionada com uma evolução clínica negativa, não existem estudos que suportem a necessidade de uma alteração (escalada) terapêutica nestes doentes. Existem, de facto, muito poucos estudos que se dirijam a esta questão específica. Lennard-Jones et al.(76) avaliaram a eficácia da sulfassalazina em evitar a recorrência clínica em doentes com DC assintomática mas com lesões endoscópicas. Foi um estudo pequeno (43 doentes) e que envolveu quer doentes submetidos a ressecção cirúrgica, quer doentes não operados. Num período de um ano verificou-se, em ambos os grupos, que a incidência de recidiva clínica nos doentes a tomar sulfassalazina foi semelhante à dos doentes expostos ao placebo. O único estudo que testou, com um número satisfatório de doentes e com um desenho apropriado, o eventual benefício da intensificação do tratamento em doentes com remissão medicamente induzida mas com manutenção de atividade endoscópica, foi conduzido por Landi et al.,(77) publicado em 1992. Neste estudo multicêntrico do GETAID, 147 doentes foram inicialmente tratados com prednisolona. Dos 136 que entraram em remissão 96 apresentavam ainda alterações endoscópicas. Esses doentes foram aleatorizados em dois grupos, um em que a redução progressiva da corticoterapia foi imediatamente iniciada e outro, no qual o tratamento foi mantido por 5 semanas adicionais. Verificou-se que o curso clínico a curto e a médio prazo (18 meses) foi sobreponível nos dois grupos e semelhante ao dos doentes sem lesões endoscópicas no final do tratamento inicial. Existem algumas evidências indirectas de que uma alteração/ escalada terapêutica neste tipo de doentes possa ser benéfica. Na prevenção da recorrência póscirurgia, a azatioprina parece ser eficaz na redução da recorrência clínica na presença de lesões endoscópicas.(77,78) Conclusões É importante a introdução mais precoce e atempada da imunossupressão e da terapêutica biológica na DII. Para o efeitos devemos identificar grupos de pior prognóstico ou reconhecer marcadores biológicos de actividade que possam identificar os grupos adequados de atuação intensiva. 110 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Fernando Magro Referências 1. Magro F, Portela F, Lago P, Ramos de Deus J, Vieira A, Peixe P et al. GEDII. Crohn disease in a southern European country: Montreal classification and clinical activity. 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Lucia Camara Castro Oliveira A constipação intestinal é um sintoma comum, com uma prevalência estimada em torno de 15% da população, sendo causa frequente de consultas médicas nos ambulatórios e consultórios de gastroenterologia e coloproctologia.(1) Felizmente, raramente associa-se a condições que podem levar ao óbito, sendo importante diferenciarmos a constipação decorrente de uma doença orgânica, como o câncer colorretal, da constipação funcional, identificando-se assim indivíduos nos quais uma avaliação diagnóstica especializada será necessária, porém evitando-se exames desnecessários. As recomendações para a investigação de pacientes constipados devem levar em consideração o custo-benefício da propedêutica utilizada, proporcionando também melhorias na qualidade de vida destes pacientes. A definição de constipação refratária permanece pouco esclarecida na literatura, mas se levarmos em consideração alguns aspectos descritos nos critérios de Roma III,(2) poderíamos dizer que um paciente tratado entre três meses e um ano sem uma melhora clínica baseada no aumento do número de evacuações semanais poderia apresentar uma constipação refratária. A dificuldade conceitual que o profissional pode enfrentar nestes casos reside no fato de alguns pacientes não apresentarem melhora com as medidas iniciais devido a uma intolerância ao tratamento instituído, principalmente intolerância à introdução de fibras que causam flatulência, por não responderem realmente ao tratamento ou por não terem acesso ao mesmo. A Gastroenterologia na Prática Clínica 117 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? Quadro 1. Métodos de investigação funcional Tempo de trânsito colônico com marcadores Cintigrafia Manometria anorretal Teste de expulsão do balão Cinedefecografia Ultrassonografia endoanal dinâmica ou ecodefecografia Ressonância magnética dinâmica ou defecorressonância Eletromiografia anal Teste do hidrogênio expirado Quadro 2. Causas de constipação refratária Inércia colônica (IC) ou constipação de trânsito lento com megaintestino Inércia colônica (IC) ou constipação de trânsito lento sem megaintestino Inércia colônica (IC) ou constipação de trânsito lento como parte de uma síndrome de dismotilidade generalizada do intestino (dismotilidade pan-entérica) Disfunção do Assoalho Pélvico (DAP) com anormalidades anatômicas: doença de Hirschsprung, queda do períneo, retocele, sigmoidocele, intussuscepção ou invaginação retal. Disfunção do Assoalho Pélvico (DAP) sem anormalidades anatômicas: contração paradoxal do puborretal, espasmo do elevador Constipação de trânsito lento associada a disfunção do assoalho pélvico Afastadas as causas orgânicas e corrigidos os erros alimentares, iniciamos a investigação da constipação refratária solicitando exames que visam à investigação de um distúrbio de motilidade (quadro 1), principalmente objetivando-se o diagnóstico de condições como a inércia colônica e a síndrome de obstrução de saída, representada pelas diferentes situações que causam um obstáculo à evacuação (quadros 2 e 3). Em geral, os primeiros exames solicitados são o tempo de trânsito colônico e a manometria anorretal. Existem diferentes métodos de avaliação do trânsito colônico, sendo o mais utilizado o método de marcadores radiopacos, representando o de menor custo e maior simplicidade.(3) Uma cápsula com 24 marcadores é ingerida (Sitzmark’s) e o tempo de chegada ao reto é determinado através de radiografias abdominais realizadas no quinto e sétimo dia. Em indivíduos normais, 80% dos marcadores passam até o 5º dia após a ingestão e a totalidade deles já foi eliminada até o 7º dia. Este teste simples permite identificar três situações básicas: aqueles 118 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lucia Camara Castro Oliveira Quadro 3. Algoritmo de investigação da constipação refratária Constipação refratária Tempo de trânsito colônico (marcadores ou cintigrafia) Normal Marcadores distribuidos pelo cólon: inércia colônica Avaliação do tubo digestivo alto: trânsito delgado, esvaziamento gástrico, teste hidrogênio expirado Manometria gastrica Patológico Distúrbio da motilidade pan-entérica Normal Marcadores na região retossigmoide Síndrome obstrução saída Manometria anorretal Teste expulsão balão Cinedefecografia Eletromiografia Ecodefecografia Defecorressonância Funcional Anismo Proctologia Anatômico Retocele Sigmoidocele Enterocele pacientes com tempo de trânsito normal, os que têm uma retenção em todo o cólon (figura 1) e os que têm uma obstrução de saída (figura 2). A cintigrafia também vem sendo utilizada com este propósito, sendo entretanto associada a um maior custo. Esta técnica envolve, basicamente, a marcação de um composto com um radionuclídeo que emite radiações gama, permitindo, assim, o seu acompanhamento exterior através do uso de uma gamacâmara.(4) A manometria anorretal tem importância na constipação para a avaliação A Gastroenterologia na Prática Clínica 119 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? Figura 1. Tempo de trânsito colônico na inércia. Figura 2. Tempo de trânsito colônico na defecação obstruída. da presença do reflexo inibitório retoanal, do tônus da musculatura lisa involuntária, da capacidade, complacência e limiar de sensação retal.(5) Pode ser utilizada também como o primeiro método funcional na suspeita de anismo, ou dissinergia do assoalho pélvico. É ainda um exame importante nos pacientes com suspeita de megacólon congênito ou doença de Hirschsprung: a avaliação do reflexo retoanal é simples e de fácil obtenção. Nestes pacientes, não observamos o relaxamento do esfíncter interno normal, em resposta à distensão retal, o que indica a presença da aganglionose. Por outro lado, a presença do reflexo praticamente exclui o diagnóstico. A displasia neuronal intestinal (DNI) é caracterizada por uma redução da motilidade do intestino grosso devido a anormalidades do sistema nervoso entérico e pode ser diagnosticada logo após o nascimento ou simular a doença de Hirschsprung. Portanto, em casos selecionados, a manometria poderia ser importante na diferenciação destes casos. Caso a avaliação inicial do trânsito colônico demonstre uma retenção dos marcadores em todo o cólon, a hipótese de um distúrbio de motilidade do tipo inércia colônica é o principal diagnóstico (quadro 4). Nestes casos, a investigação de um distúrbio motor de todo o tubo digestivo deve ser realizada, através do teste de hidrogênio expirado e outros métodos de motilidade do tubo digestivo, como o trânsito de delgado, a manometria gastroduodenal e a avaliação do esvaziamento gástrico. 120 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lucia Camara Castro Oliveira O teste do hidrogênio expirado possui limitações, sendo porém de simples realização, permitindo a avaliação do tempo de trânsito orocecal e auxiliando na diferenciação da inércia colônica isolada, da hipomotilidade intestinal generalizada. O paciente é orientado a ingerir 10 a 20 gramas de lactulose, que, ao ser metabolizada pelas bactérias intestinais, produz ácidos graxos e gás hidrogênio.(6) O hidrogênio, por tratar-se de um gás de fácil difusão, pode ser coletado e analisado através de um aparelho próprio. São colhidas amostras de ar expirado pelo paciente a cada 10 minutos em um intervalo de 2 horas. O indivíduo é considerado produtor quando a concentração de hidrogênio expirado exceder 2 ppm (partes por milhão) em qualquer fase do teste. Cinco Quadro 4. Algoritmo de investigação e tratamento da inércia colônica Constipação refratária Tempo de trânsito colônico (marcadores ou cintigrafia) Retenção em todo o cólon (1) INÉRCIA COLÔNICA Laxante osmótico Melhora inalterado repetir TTC Retenção dos marcadores Teste hidrogênio expirado Manometria gastroesofagiana (afastar distúrbio de motilidade de todo o TGI) considerar procinéticos probióticos inalterado melhora neuromodulação ou cirurgia manter A Gastroenterologia na Prática Clínica 121 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? a 20% dos indivíduos considerados normais apresentam uma deficiência de bactérias metabolizadoras de hidrogênio, inviabilizando o exame. A retenção dos marcadores na região do retossigmoide ou ampola retal após o quinto dia sugere um distúrbio da defecação e neste caso associamos também algum método de imagem para a avaliação dinâmica da defecação, tais como a cinedefecografia, a ecodefecografia ou a defecorressonância (quadro 5). Todos estes métodos de imagem são complementares e podem diagnosticar retoceles, invaginação ou prolapso interno do reto, sigmoidoceles e contração paradoxal do puborretal. Neste último caso, a contração paradoxal do puborretal ou anismo pode ter sido suspeitado durante a manometria e cinedefecografia, mas deve ser confirmado através da eletromiografia anal, único exame que permite a demonstração fidedigna do não relaxamento muscular nas tentativas de expulsão através do aumento dos potenciais de ação. Na Quadro 5. Algoritmo de Investigação e tratamento da síndrome de obstrução de saída Constipação refratária Tempo de trânsito colônico (marcadores ou cintigrafia) retenção na ampola retal Manometria anorretal e teste expulsão balão não relaxamento do puborretal Hipertonia anal e não eliminação do balão SÍNDROME DE OBSTRUÇÃO DE SAÍDA Cinedefecografia Ecodefecografia Defecorressonância Retocele > 4 cm sintomática retocele anismo Biofeedback/Toxina botulínica sigmoidocele, enterocele Enterocele/Sigmoidocele Grau III Tratamento cirúrgico 122 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lucia Camara Castro Oliveira prática clínica, entretanto, a eletromiografia é um método pouco acessível e de baixa tolerância pelos pacientes. Assim, em nosso meio é pouco realizado, sendo substituído pelos métodos disponíveis menos complexos.Entre eles, citamos o teste de expulsão do balão, que por representar um método simples, torna-se muito útil em clínicas ou hospitais de recursos escassos. Este teste é realizado através do próprio cateter de manometria anorretal, acoplando-se um balão de látex na sua extremidade. O balão é posicionado na região da ampola retal, sendo então preenchido com 50 ml de água destilada. Neste momento, é solicitado ao paciente que realize movimentos evacuatórios na tentativa de expelir o balão. Sua principal aplicação encontra-se no diagnóstico das chamadas obstruções de saída, as quais inviabilizam a perfeita expulsão do balão.(7) A cinedefecografia foi o primeiro método radiográfico capaz de avaliar a dinâmica da evacuação, fornecendo dados importantes como o grau de abertura do canal anal, descida perineal durante a fase de expulsão e esvaziamento retal.(8) Permite ainda o diagnóstico de alterações anatomofuncionais, como a contração paradoxal do músculo puborretal ou anismo, retoceles, sigmoidoceles, prolapso retal e intussuscepção ou invaginação retal. O exame é realizado com o paciente sentado em uma cômoda especialmente desenhada para simular um assento sanitário, integrada a um aparelho de radioscopia. Após a introdução de bário líquido e de uma pasta baritada na ampola retal, o paciente é solicitado a evacuar o meio de contraste enquanto se observa a dinâmica de sua evacuação. Realiza-se a gravação de toda a sequência da evacuação, bem como radiografias com o paciente nas posições de repouso, contração, expulsão e após evacuação. A necessidade da utilização da radioscopia vem trazendo limitações ao método e recentemente novas abordagens da dinâmica da defecação vêm sendo propostas, principalmente através da ressonância magnética e da ultrassonografia tridimensional. A defecorressonância (DRM) magnética é uma nova modalidade de imagem dos órgãos da pelve, que possibilita a avaliação de todo o assoalho pélvico e os compartimentos da pelve, tanto em repouso como de forma dinâmica, fornecendo assim informações essenciais para o planejamento cirúrgico e escolha do melhor método de tratamento para os diferentes distúrbios que afetam o mecanismo da defecação.(9) A avaliação dinâmica da defecação é claramente demonstrada nas três modalidades, mesmo quando a avaliação é realizada na posição de decúbito. A DRM pode avaliar a abertura do canal anal e do ângulo anorretal durante a contração esfincteriana e o esforço evacuatório, e a elimi- A Gastroenterologia na Prática Clínica 123 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? nação do gel de ultrassom utilizado como contraste pode ser quantificada. A parede retal também pode ser avaliada, e alterações tais como retocele, enteroceles e intussuscepção podem ser claramente identificadas. A introdução dos transdutores tridimensionais vem permitindo a utilização da ultrassonografia endoanal para a avaliação dos distúrbios da defecação.(10) Assim, a demonstração de retoceles, cistoceles, invaginações internas, enteroceles e até pacientes com anismo culminou na denominação de ecodefecografia para este tipo de avaliação. Os pacientes são avaliados na mesma posição de decúbito lateral esquerdo e o exame permite avaliar todo o complexo esfincteriano e a relação dinâmica do reto com a vagina e bexiga após introdução de gel de ultrassom na ampola retal. As vantagens da ecodefecografia são a ausência de radiação, a possibilidade de demonstração dos distúrbios do assoalho pélvico e da musculatura esfincteriana. Retoceles podem ser bem demonstradas e classificadas de acordo com o seu tamanho, sendo este critério utilizado para a recomendação cirúrgica: retoceles maiores do que 3 cm em pacientes com sintomas de evacuação obstruída e necessidade de manobras digitais em geral se beneficiam do tratamento cirúrgico.(11) A avaliação funcional nos pacientes com constipação refratária tem como objetivo principal identificar as condições citadas na tabela 2, possibilitando assim oferecer um tratamento individualizado para cada um destes distúrbios funcionais. O tratamento conservador através de medidas clínicas e biofeedback anal deve ser realizado por pelo menos seis meses. O tratamento cirúrgico, quando necessário, deve ser indicado baseando-se primeiramente no quadro clínico do paciente, evitando-se tratar um exame e não o doente. O tratamento cirúrgico deve ser reservado para uma minoria dos pacientes. A colectomia subtotal com anastomose ileo-retal é a opção mais indicada nos casos de inércia colônica.(12) A ressecção segmentar do cólon pode ser uma boa opção para o megassigmoide isolado, sigmoidocele ou volvo sigmoidiano recorrente. Pacientes com dismotilidade pan-entérica não são bons candidatos cirúrgicos, bem como aqueles que apresentam algum distúrbio psiquiátrico obsessivo-compulsivo. Para aqueles que receberam alguma indicação cirúrgica, é fundamental informar-lhes que alguns sintomas pré-operatórios, principalmente dor ou distensão abdominal poderão persistir, mesmo que a cirurgia normalize a frequência intestinal. Pacientes com problemas clínicos associados podem ser melhor tratados através da derivação intestinal, sem a ressecção do cólon, quer para uma tentativa de diagnóstico quer como uma manobra terapêutica. Novas drogas procinéticas, como o lubiprostone e o prucalopride poderão 124 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Lucia Camara Castro Oliveira contribuir para o manejo conservador dos casos mais refratários. O lubiprostone é um ácido graxo oral bicíclico que, seletivamente, ativa os canais de cloro tipo 2 na membrana apical do epitélio gastrointestinal, resultando em aumento da secreção de fluidos.(13) O prucalopride é um agonista dos receptores 5-hidroxitriptamina, aumentando assim a motilidade intestinal.(14) O uso de probióticos na constipação tem demonstrado resultados satisfatórios em algumas situações, como nos pacientes com doença de Parkinson, não havendo entretanto evidências suficientes para que sejam recomendados rotineiramente. A neuromodulação ou estimulação sacral é uma nova modalidade de tratamento minimamente invasiva, que embora ainda de alto custo e com mecanismo pouco esclarecido, vem demonstrando resultados promissores para o tratamento da constipação refratária.(15) Embora estudos prospectivos e randomizados sejam necessários para o estabelecimento dos protocolos utilizando estas recentes aquisições, felizmente, na maioria dos casos, a constipação pode ser tratada com sucesso através de terapias convencionais. Referências 1. Sonnenberg A, Koch TR. Epidemiology of constipation in the United States. Dis Colon Rectum 1989;32:1-8. 2. Longstreth GF, Thompson WG, Chey WD et al. Functional bowel disorders. Gastroenteroloy 2006;130:1480-91. 3. Metcalf AM. Phillips SF, Zinsmeister AR et al. Simplified assessment of segmental colonic transit. Gastroenterology 1987;92:40-47. 4. Lundin E, Graf W, Garske U, Nilsson S, Maripuu E, Karlbom U. Segmental colonic transit studies: comparison of a radiological and a scintigraphic method. Colorectal Dis 2007 May;9(4):344-51. 5. Pfeifer J, Oliveira L. Anorectal manometry and the rectoanal inhibitory reflex. In: Constipation, Wexner SD, Duthie GS (eds.) Springer-Verlag, London, 2006;71-83. 6. Rivadeneira DE, Barret RC, Roberts P. Métodos de Fisiologia Anorretal. Em: “Fisiologia Anorretal”, Oliveira LCC (ed.). Editora Rubio 2010;49-72. 7. Minguez M, Herreros B, Sanchiz V, Hernandez V, Almela P, Añon R et al. Predictive value of the balloon expulsion test for excluding thediagnosis of pelvic floor dyssynergia in constipation. Gastroenterology 2004 Jan;126(1):57-62. 8. Pfeifer J, Oliveira L, Park UC, Gonzales A, Agachan SD, Wexner SD. Are interpretation of video defecographies reliable and reproducible? Int J Colorect Disease 1997;12:67-72. 9. Colaiacomo MC, Masselli G, Polettini E, Lanciotti S, Casciani E, Bertini L et al. Dynamic MR imaging of the pelvic floor: a pictorial review. Radiographics 2009;6. A Gastroenterologia na Prática Clínica 125 Constipação Intestinal Refratária: Qual é a Sequência Propedêutica? 10. Murad-Regadas SM, Regadas FS, Rodrigues LV, Silva FR, Soares FA, Escalante RD. A novel three-dimensional dynamic anorectal ultrasonography technique (echodefecography) to assess obstructed defecation, a comparison with defecography. Surg Endosc 2008;22(4):974-9. 11. Beck DE, Allen NL. Rectocele. Clin Colon Rectal Surg 2010 Jun;23(2):90-8. 12. Pfeifer J, Agachan F, Wexner SD. Surgery for constipation: a review. Dis Colon Rectum 1996;39:444-460. 13. McKeage K, Plosker GI, Sidiqui MA. Lubiprostone Drug 2006;66:873-9. 14. C amilleri M, Deiteren A. Prucalopride for constipation. Expert Opin Pharmacother 2010;11(3):451-61. 15. van Wunnik BP, Baeten CG, Southwell BR. Neuromodulation for constipation:sacral and transcutaneous stimulation. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2011 Feb;25(1):181-91. 126 Federação Brasileira de Gastroenterologia Capítulo 13 Doença de Crohn: Tratar Sempre? Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito A doença de Crohn (DC) faz parte do Grupo das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) e difere da Retocolite Ulcerativa Idiopática (RCUI) por ter localização anatômica ampla, podendo acometer todo o trato gastrointestinal. Não há cura e o arsenal terapêutico disponível apresenta respostas variáveis e está associado a efeitos adversos. Nos EUA, a prevalência de RCUI e de DC é 11 por 100.000 e 7 por 100.000 habitantes, respectivamente. Os estudos na Ásia e América são limitados, porém classicamente aceitos como regiões de baixa prevalência, com prevalência de 0,5 e 0,08 para RCUI e DC, respectivamente. Porém, estes resultados podem estar subestimados, em virtude do limitado número de trabalhos publicados nestas regiões. Mas recentemente publicações nestas regiões vêm registrando um aumento de casos, com prevalências variáveis que vão de 7,5/100.000 habitantes em Cingapura a valores tão altos quanto 44,3/100.000 habitantes na Índia para RCUI.(1,2) No Brasil não há estudos de prevalência publicados em revistas indexadas, porém observa-se crescente aumento do número de casos e de unidades ambulatoriais para atendimento específico destas patologias, bem como padronização de medicamentos especiais pelas Secretarias de Saúde fornecida gratuitamente.(3) A doença de Crohn está associada a importante morbidade, caracterizada pela sua cronicidade, com frequentes recidivas, necessidade de uso prolongado de medicamentos, frequentemente associados a efeitos adversos, que incluem sintomas gástricos, imunossupressão e até desenvolvimento de neoplasias. Com- A Gastroenterologia na Prática Clínica 127 Doença de Crohn: Tratar Sempre? plicações graves como hemorragias, obstrução intestinal, perfuração, neoplasias e necessidade de múltiplas cirurgias como ocorre na DC reforçam ainda mais o impacto da doença. Há ainda os custos com a DII, estimados nos EUA em cerca de $ 500 milhões, com 250.000 consultas, 20.000 hospitalizações, com um custo adicional de $ 1 milhão considerando os dias não trabalhados, por atingir uma faixa etária economicamente ativa. Novas drogas surgiram para o tratamento da doença, como anti-TNF, indicado inicialmente para a doença de Crohn fistulosa, doença grave, não responsiva à terapia usual. Em virtude do aumento da demanda de pacientes com indicação da utilização desta droga no Brasil, centro de infusões em hospitais públicos têm sido criados em todo o país para administração da mesma. O custo por paciente com esta nova terapia no primeiro ano é em média de 250.000 reais. Na DC o sítio da doença influencia a manifestação clínica. Até 50% dos pacientes podem apresentar acometimento de íleo e cólon, principalmente íleo terminal e ceco. Cerca de um terço apresentam envolvimento limitado ao delgado, principalmente íleo terminal, podendo também envolver áreas salteadas do jejuno, enquanto aproximadamente 20 a 25% terão apenas acometimento do cólon. DC de esôfago, estômago ou duodeno é rara e geralmente associa-se a acometimento de íleo e/ou cólon.(4) Doença perianal é outra manifestação comum da DC, podendo preceder em anos os sintomas intestinais. Os achados podem ser caracterizados como lesões cutâneas ou do canal anal e fístulas perianais, com formação de fissuras, abscessos e estenose do canal anal. A manifestação perianal é mais comum quando há envolvimento colônico. O escore mais utilizado para determinação da gravidade do acometimento e da atividade inflamatória da DC é o CDAI (Crohn’s Disease Activity Index), que é utilizado principalmente em trabalhos científicos para definição de remissão clínica (CDAI < 150) e para acompanhamento de resposta ao tratamento. Classifica a doença de acordo com a pontuação em leve (150-220), moderada (220-450) e intensa (> 450)(tabela 1). Doença de Crohn: tratar sempre? Apesar do espectro amplo de apresentação clínica da doença, podendo estar associado a morbidade e complicações graves, uma parte significativa dos pacientes apresenta uma doença localizada e de leve intensidade, surgindo por parte dos especialistas um questionamento se para todo paciente com doença 128 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito Tabela 1. Grau de atividade de doença em DC Leve Moderada Intensa CDAI de 150-220, Ambulatorial, comendo e bebendo, < 10% de perda de peso. Sem clínica de obstrução, febre, desidratação, massa abdominal, ou dor. PCR usualmente aumentado acima do limite superior da normalidade CDAI de 220-450 Vômito intermitente, ou perda de peso > 10%. Tratamento para doença leve inefetivo, ou massa dolorosa. Sem obstrução. PCR usualmente aumentado acima do limite superior da normalidade CDAI > 450 Caquexia (IMC < 18 kg m2), ou evidência de obstrução ou abscesso. Persistente sintomas apesar de tratamento agressivo. PCR elevado. Obs.: sintomas de obstrução nem sempre estão relacionados à atividade inflamatória e podem ser investigados com adicional método de imagem. de Crohn deve ser iniciada terapia para indução de remissão e prescritas drogas para manutenção. O Consenso Europeu (ECCO, 2010) sugere como opção não instituir nenhum tratamento para doença ativa em pacientes com doença ileocecal com sintomas leves e o mesmo para manutenção após a primeira apresentação de doença localizada, em casos que não necessitaram de corticoide. É importante ressaltar que o grupo considerou esta recomendação com nível de evidência científica baixa e baseado na opinião dos especialistas (EL5, RG D, Oxford Center MBE).(5) Na prática clínica, os especialistas não se sentem seguros em deixar o paciente sem medicamentos, baseados no argumento que podem evoluir para uma forma agressiva da doença ou apresentarem complicações graves. Para nortear a tomada de decisão diante desta discussão é necessário analisar alguns aspectos da doença de Crohn, respondendo a outros importantes questionamentos: 1. Qual a história natural da doença? Definir a frequência de doença leve na primeira apresentação não é suficiente, mas é preciso traçar o perfil de progressão desta doença; 2. Há marcadores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais que permitam definir pacientes de risco para doença progressiva norteando a decisão terapêutica? A cicatrização da mucosa pode influenciar a história natural da doença? 3. Apenas as manifestações clínicas e marcadores de atividade inflamatória são suficientes para monitorizar estes pacientes sem terapia? A Gastroenterologia na Prática Clínica 129 Doença de Crohn: Tratar Sempre? 4. Há uniformidade na conduta de apenas observar pacientes com doença leve? O que recomendam os consensos? Qual a história natural da doença? A argumentação de que apenas uma parte dos pacientes com doença de Crohn evolui para formas intensas respalda os que defendem não introduzir terapia medicamentosa para todos os pacientes. Um estudo dinamarquês, com seguimento de mais de 20 anos, observou que após o primeiro ano de doença, 55% dos pacientes tinham doença em remissão e outros 15% doença com baixa atividade inflamatória.(6) Um outro estudo, em uma coorte de base populacional, mostrou que 65% do tempo de seguimento de 174 pacientes era caracterizado por doença em remissão.(7) Porém, os resultados de outros estudos mostram uma realidade diferente, com padrão de evolução diferente dos trabalhos iniciais. No estudo de Cosnes,(8) envolvendo 2002 pacientes seguidos por até 20 anos, demonstrou-se que em 5 e 20 anos a presença de apenas doença inflamatória era de 50% e 12%, respectivamente, porém o risco de doença penetrante foi de 40 e 70% e de doença estenosante de 12 e 18%, respectivamente. Nesse estudo observa-se baixo percentual de utilização de terapia mais agressiva como imunossupressores. Um estudo de base populacional na Dinamarca analisou pacientes em três coortes de 1962 a 2004, com média de seguimento de 17 (1962-1987), 10 (19911993) e 1 (2003-2004) anos para as três coortes, respectivamente.(9) Em seu curso a doença nos primeiros cinco anos era considerada moderada e intensa em 55,7% e 24,5%, respectivamente, na coorte 1 e de 57% e 24,5% na coorte 2, com apenas 19,8% e 18,4% de doença indolente nas duas cortes, respectivamente. Apenas no segundo período do estudo há utilização de imunossupressor e em apenas 28% dos pacientes, podendo tal evolução estar relacionada a uma terapia menos agressiva nos pacientes, com a terapia limitada ao uso de corticoide e sulfassalazina. No estudo de Loly C, 37,4% de 361 pacientes evoluíram para doença intensa em 5 anos e 57,9% apresentaram doença incapacitante, definida como a presença de pelo menos 1 dos seguintes critérios: mais que dois cursos de corticoide; corticodependência; necessidade de hospitalização; sintomas crônicos incapacitantes; necessidade de imunossupressor; ressecção intestinal ou cirurgia perianal.(10) Mais recentemente o estudo de Pigneur B avaliou pacientes com doença de início na infância e na fase adulta com duração média de 15 anos, subme- 130 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito tidos a diferentes terapias; a atividade de doença declinou ao longo dos anos de doença, com atividade presente em 37% do grupo de início na infância e em apenas 31% dos pacientes com doença de início na fase adulta.(11) Com dez anos de doença o percentual livre de doença estenosante e penetrante era superior a 75%. Neste estudo, o uso de imunossupressor (azatioprina) era prevalente, sendo prescrito para 71% dos pacientes jovens e em 61% dos com início na fase adulta. Apesar de diferenças de resultados entre estudos, muitos trabalhos apontam para um padrão de doença agressiva em um grupo significativo de portadores da DC, e trabalhos como os de Pigneur B reforçam que a instituição de terapia após o diagnóstico, incluindo utilização de imunossupressor, pode mudar a história natural da doença e evitar suas complicações, justificando-se instituir terapia para todos os doentes.(11) Há marcadores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais que permitam definir pacientes de risco para doença progressiva norteando a decisão terapêutica? A cicatrização da mucosa pode influenciar a história natural da doença? Por se tratar de doença crônica e recidivante, com evolução variável, uma alternativa seria identificar marcadores capazes de predizer quais os pacientes de risco para desenvolver a forma grave da doença e consequentemente na ausência destes não instituir terapêutica medicamentosa no momento do diagnóstico. Diferentes estudos têm analisado pacientes que evoluíram no curso de sua doença com uma forma agressiva e incapacitante, identificando como preditores de desfecho desfavorável doença iniciada antes dos 40 anos, necessidade de uso de corticoide para controle de atividade no primeiro episódio de atividade, doença perineal, doença acometendo o delgado. Um estudo francês analisou a evolução de 1.526 pacientes e considerou como doença grave, incapacitante, os pacientes que ao longo da observação de 5 anos apresentavam pelo menos um dos seguintes critérios: mais que dois cursos de corticoide; corticodependência; necessidade de hospitalização; sintomas crônicos incapacitantes; necessidade de imunossupressor; ressecção intestinal ou cirurgia perianal.(12) O estudo concluiu que os fatores associados a uma doença agressiva foram: Uso de corticoide (OR 3.1); idade < 40 anos (OR 2.1); presença de doença perianal (OR 1.8); doença restrita ao delgado e que a presença de 2 e 3 fatores de risco apresentava um valor preditivo positivo de 0,91 e 0,93 para doença intensa. A Gastroenterologia na Prática Clínica 131 Doença de Crohn: Tratar Sempre? Em um outro estudo envolvendo 361 pacientes, acompanhados por 5 anos, a partir do diagnóstico da doença, formas incapacitantes da doença estavam associadas a necessidade de uso de corticoide para controlar o primeiro episódio de atividade de doença e início da doença abaixo de 40 anos não esteve associado a risco, mostrando que nem sempre há uniformidade entre os estudos na identificação de marcadores clínicos.(10) Além dos marcadores clínicos-epidemiológicos, há estudos correlacionando marcadores genéticos e sorológicos com prognóstico de doença, entre os candidados estão: mutações do gene NOD2/CARD5; anticorpos contra S. cerevisiae (ASCA), pANCA, anti-OmpC, anti-I2, antiglycan.(13-15) Apesar da identificação de marcadores associados às formas graves da doença, ainda não existe uniformidade de resultados, nem evidências científicas que demonstrem que na ausência dos mesmos o paciente não irá evoluir para uma forma grave. No momento, a presença destes marcadores está associada a um valor preditivo positivo mais alto para doença progressiva, ou seja, na presença do mesmo o risco de evoluir para a forma grave pode ser alto, justificando instituir terapia mais agressiva como imunossupressores e terapia biológica. Porém, o tema em discussão diz respeito a predizer os pacientes que não irão evoluir para doença intensa e permitir ao clínico não introduzir terapia medicamentosa, e neste caso não há estudos que sinalizam um padrão de evolução para uma doença estável e em remissão na ausência destes marcadores. Apenas as manifestações clínicas e marcadores de atividade inflamatória são suficientes para monitorizar estes pacientes sem terapia? Um dos argumentos para não tratar pacientes com a forma leve da doença é que os mesmos podem ser monitorizados e na presença de sintomas ou evidências de atividade (laboratorial e exames complementares) instituir a terapia. Porém, diferente da RCUI, em que habitualmente a reativação da doença está associada a diarreia com muco e sangue, na doença de Crohn, apesar de diarreia, dor abdominal e sintomas sistêmicos estarem frequentemente presentes, a apresentação é heterogênea, podendo a reativação surgir apenas com dor abdominal, ou mesmo com quadro de obstrução ou perfuração. Na prática clínica não é infrequente pacientes com aparente remissão clínica apresentarem atividade inflamatória de mucosa e evoluírem com estenose detectada por método endoscópico ou de imagem. A possibilidade de não ter o 132 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito controle seguro da presença de atividade inflamatória e progressão de doença para formas complicadas como estenose leva alguns especialistas a decidir por tratar todos os pacientes diagnosticados. A utilização de marcadores de atividade inflamatória como calprotectina e lactoferrina fecal, proteína C-reativa (PCR) e VSH pode ser feita para a monitorização destes pacientes. Na prática clínica, o PCR e VSH pelo baixo custo estão acessíveis para o acompanhamento destes pacientes, porém os níveis séricos são variáveis em diferentes pacientes. Métodos de imagem como tomografia e ressonância podem detectar a presença de atividade inflamatória, diferenciando inclusive estenose de doença em atividade na doença de delgado, porém o custo elevado limita a sua utilização no rastreamento de atividade de doença. Mais recentemente vem surgindo o conceito de que não é suficiente apenas remissão clínica, mais também obter cicatrização da mucosa. Estudos mostram que comparados a pacientes com atividade macroscópica, aqueles com cicatrização da mucosa teriam um menor risco de hospitalizações, de realizar procedimentos cirúrgicos e ter remissão clínica sustentada.(16-19) Estes dados reforçam ainda mais a necessidade de instituir terapia em todos os pacientes com o objetivo de modificar a história natural da doença. Há uniformidade na conduta de apenas observar paciente com doença leve? O que recomendam os consensos? A indicação de não instituir terapia nas formas leves e localizadas da doença para alguns pacientes com sintomas leves, tanto para indução de remissão e na manutenção é descrita pelo Consenso Europeu (ECCO, 2010), apesar de não ser recomendação baseada em evidências científicas e classificada como evidência (El 5, RG D, Oxford),(5) onde a indicação foi baseada em opinião de especialistas, na ausência de estudos científicos conclusivos. É importante ressaltar que para os casos com doença ileocecal leve, porém sintomáticos, o consenso orientou iniciar terapia medicamentosa. O Consenso Brasileiro (2010) considerou que pacientes com doença ileocecal leve podem permanecer sem terapia medicamentosa de manutenção após entrar em remissão.(20) No Consenso Britânico publicado em 2011 considerou-se que apenas para pacientes diagnosticados incidentalmente ao realizar screening para câncer, a terapia poderia não ser instituída.(21) Os demais consensos recomendam tratamento de todos os pacientes diag- A Gastroenterologia na Prática Clínica 133 Doença de Crohn: Tratar Sempre? nosticados, sem referência a conduzir algum subgrupo de doentes sem terapia medicamentosa.(22-24) (tabela 2). Conclusões A doença de Crohn tem um padrão de doença com comportamento bastante variável, porém são frequentes os casos que evoluem para a forma grave da doença, com complicações como estenose e fístulas. No momento não dispomos de marcadores de gravidade seguros, capazes de predizer quais os pacientes que irão evoluir em remissão prolongada e consequentemente optar por não introduzir terapia medicamentosa. A falta de correlação entre remissão clínica e inflamação de mucosa, e no seguimento ambulatorial destes pacientes, com a possibilidade de progressão da doença nestes casos, os estudos que demonstram que a terapia medicamentosa pode mudar a história natural da doença e a possibilidade que a cicatrização da mucosa melhore a evolução dos doentes, reforçam a necessidade de instituir a terapia para todos os casos, devendo o médico orientar sua terapia baseado nos consensos, estando atento aos efeitos adversos das drogas e realizando a monitorização recomendada. Apesar da maioria dos consensos recomendar tratamento para os pacientes tanto na fase de indução, como na manutenção, aqueles que optarem por não Tabela 2. Recomendação dos consensos para tratamento medicamentoso da doença ileocecal de leve intensidade Consensos e protocolos Indução de remissão Terapia: Sim ou Não Manutenção Terapia: Sim ou Não Ásia-Pacífico (2006) SIM NÃO (apenas para casos leves ou lesões limitadas em completa remissão após primeiro ataque) China (2007) SIM SIM Americano – AGA (2009) SIM SIM World Gastroenterology Organization (2010) SIM SIM Europeu - ECCO (2010) NÃO (subgrupo dos casos ileocecal de leve intensidade com sintomas leves) NÃO (pacientes que não necessitaram de corticoide na indução) Brasileiro (2010) SIM NÃO 134 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Carlos Alexandre Antunes de Brito instituir terapia, baseados na recomendação da opinião de alguns especialistas, devem limitar esta conduta a casos de doença ileocecal de leve intensidade, para pacientes que neste grupo apresentem sintomas leves, definindo a monitorização que será realizada para estes casos. Referências 1. Kornbluth A, Sachar DB. 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Os distúrbios gastrointestinais associados (verdadeira ou presumivelmente) à presença excessiva de gases no tubo digestivo são muito frequentes; contudo, estabelecer este diagnóstico de forma precisa constitui um dos grandes desafios da prática médica, uma vez que o volume e a taxa de eliminação do gás intestinal não são facilmente medidos. Na verdade, a maioria dos pesquisadores acredita que os sintomas de eructação, flatulência e distensão abdominal decorrem muito mais de alterações motoras e da hipersensibilidade visceral à presença dos gases do que propriamente a um volume aumentado dos mesmos. Temse observado que os pacientes com sensação de apresentar maior produção de gases intestinais, mas com sensibilidade e motilidade digestivas normais, apresentam aumento da eliminação retal de gás com discreta sintomatologia de dor e desconforto abdominal. Portanto, o grande acúmulo de gás no tubo digestivo é evitado pela eliminação retal aumentada. A Gastroenterologia na Prática Clínica 137 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? Faremos inicialmente uma breve revisão sobre a fisiologia e fisiopatologia dos gases intestinais, para posteriormente discutirmos sobre o diagnóstico e tratamento das síndromes clínicas relacionadas à presença de gás no tubo digestivo. Volume, composição e eliminação dos gases intestinais O volume do gás presente no interior do intestino delgado e cólon, medido através da pletismografia corporal ou da infusão rápida de argônio no intestino, é inferior a 200 ml. Acredita-se que aproximadamente 100 a 200 ml de gases estejam presentes nas pessoas saudáveis, tanto em jejum como após as refeições. Volumes semelhantes têm sido obtidos nos pacientes que referem sensação de excesso de gás no intestino e distensão abdominal. O conteúdo gasoso presente na luz intestinal é constituído basicamente de cinco gases: nitrogênio (N2), oxigênio (O2), gás carbônico (CO2), hidrogênio (H2) e metano (CH4), que representam 99% do volume eliminado pelo reto. A concentração desses cinco gases no intestino não é constante, variando especialmente em função da dieta, sendo assim estimada: N2: 11 a 92%; O2: 0 a 11%; H2: 0 a 86%; CO2: 3 a 54% e CH4: 0 a 56%. Todos eles são incolores e inodoros, sugerindo que outros gases (aminas, ácidos orgânicos voláteis, mercaptanas e indol), presentes em concentrações mínimas, sejam os responsáveis pelo odor característico dos flatos. A eliminação do gás intestinal se processa por quatro mecanismos principais: eructação, absorção, consumo bacteriano e eliminação retal. A eructação é produzida como resposta ao acúmulo de gás a nível gástrico e por meio deste mecanismo são expulsos fundamentalmente gases atmosféricos (N2 e O2). Por outro lado, H2, CO2 e CH4 são eliminados do intestino através da absorção sanguínea. As bactérias do cólon, de maneira especial as aeróbicas, utilizam o gás, sobretudo O2, para manutenção de seu metabolismo. A taxa de eliminação diária dos gases pelo reto é muito variável, estimandose que, em condições normais o ser humano excreta de 476 a 1.491 ml por dia, em média 700 ml/dia. O número de passagens de ar pelo reto (flatos) é também muito variável. De acordo com vários estudos realizados em voluntários assintomáticos, este número é de 13,6 + 6, sendo estes valores influenciados pela dieta, deglutição de ar e por condições que determinam alterações da flora bacteriana, como nas deficiências enzimáticas específicas e má absorção intestinal. A ingestão de alguns alimentos que contêm alto teor de polissacarídeos não digeríveis (feijão, fava, brócolis, repolho) pode provocar aumento na formação de gases intestinais. Foi demonstrado aumento significativo na eliminação dos 138 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos gases após a introdução de 10 g de lactulose na dieta. Considera-se que a expulsão de mais de 20 flatos/dia associa-se a anormalidades na produção e/ou eliminação dos gases. Origem O gás intestinal provém basicamente de três fontes: deglutição do ar, produção intraluminal e difusão entre o lúmen e o sangue. A deglutição de ar é a maior, se não a única, fonte de gás do estômago. Em condições normais, quando ingerimos alimentos também ingerimos grandes quantidades de gás. A composição do gás ingerido é a mesma do gás atmosférico, contendo N2 e O2. Considerando que a eliminação diária de N2 nos flatos é, em média, de 400 ml e a absorção intestinal deste gás é mínima, é lógico concluir que a maior parte do ar deglutido é realmente eructado (regurgitado). Acredita-se que algumas pessoas reajam à ansiedade, medo, mágoa ou tensão emocional com aumento da ingestão de ar. A aerofagia exagerada também se associa a ingestão de bebidas carbonatadas como a cerveja e ao hábito de deglutir o ar durante a fala. A produção de gases no intestino ocorre basicamente em consequência da proliferação da flora bacteriana normal, presença anormal da flora anaeróbica e aumento da quantidade de substratos que alcançam o íleo distal e cólon. Três gases (CO2, H2 e CH4) são produzidos em grande quantidade na luz intestinal. O H2 provém da ação bacteriana sobre carboidratos que chegam ao intestino grosso como o amido, a lactose e a celulose, sendo utilizado pelas próprias bactérias ou absorvido e exalado pelos pulmões. A constatação da presença de flatos com altas concentrações de H2 sugere a possibilidade de má absorção de carboidratos. Os testes respiratórios com H2 têm sido muito úteis na determinação da má absorção dos hidratos de carbono. O CO2 é produzido pela reação do ácido clorídrico com o bicarbonato no duodeno, sendo absorvido não participando da composição dos gases do intestino grosso. Já o metano (CH4) é produzido exclusivamente pela flora bacteriana anaeróbica e apenas cerca de um terço dos adultos albergam no cólon bactérias capazes de produzi-lo. Trânsito e expulsão Para que o gás intestinal seja eliminado por via retal é necessário que ele seja transportado em direção orocaudal ao longo de todo o trato gastrointestinal. Em condições normais, o tubo digestivo está preparado para transportar e eliminar grandes quantidades de gás com rapidez e eficiência, evitando, dessa forma, a A Gastroenterologia na Prática Clínica 139 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? sua retenção e os sintomas abdominais. A expulsão do gás pelo ânus ocorre de maneira voluntária mediante uma combinação de manobras semelhantes àquela observada na defecação, onde participam ondas fásicas retossigmoidianas, uma leve compreensão abdominal e um relaxamento do esfíncter anal. A figura 1 nos ajuda a compreender o processo de difusão dos gases entre a luz intestinal e o sangue, representando esquematicamente a fisiologia de produção dos gases intestinais e da sua eliminação do trato gastrointestinal. Figura 1. Fisiologia da produção dos gases e da remoção dos mesmos do trato gastrointestinal. Deglute-se o ar e logo eructa-se uma fração considerável. O O2 do ar deglutido difunde até o sangue. A reação de ácido e bicarbonato no duodeno produz CO2, que rapidamente difunde para o sangue, enquanto o N2 difunde para o duodeno pelo gradiente estabelecido na produção de CO2. No cólon o material ingerido mal absorvido e o muco são fermentados por bactérias que liberam H2, CO2, CH4 e outros gases em quantidades ínfimas. Uma pequena parcela destes gases é absorvida pelo sangue que irriga o cólon. O O2 e o N2 difundem-se do sangue para a luz do cólon por um gradiente criado pela produção dos gases pelas bactérias. O resultado final deste processo determina a composição e a taxa de eliminação de gás pelo reto. 140 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos Existem vários fatores capazes de modular as variações motoras secundárias à presença do gás intestinal, como por exemplo a distensão retal ou duodenal, que produz respostas reflexas facilitando o trânsito e a expulsão dos gases. Por outro lado, a chegada de lípides ao duodeno retarda o movimento intestinal e favorece a retenção de gás. As respostas sensoriais (sintomas) à presença do gás não dependem unicamente do seu volume, mas também da atividade motora gastrointestinal e da distribuição dos gases ao longo do intestino. Nesse sentido, é importante ressaltar que os pacientes com transtornos funcionais digestivos apresentam alterações motoras e sensoriais que podem facilitar o aparecimento dos sintomas. Pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII) e Distensão Abdominal Funcional, por exemplo, apresentam hipersensibilidade intestinal à distensão e alteração no trânsito colônico, favorecendo assim o acúmulo do gás. Problemas clínicos relacionados à presença de gás Frequentemente os pacientes atribuem uma série de sintomas gastrointestinais à presença de um excesso de gás no tubo digestivo. Nestes casos, é fundamental que o médico realize uma minuciosa anamnese para que possa definir se o quadro clínico é compatível com o diagnóstico de 1) eructações recorrentes; 2) eliminação excessiva de flatos (flatulência); 3) eliminação de gases fétidos; 4) dificuldade na eliminação do gás; ou 5) plenitude e distensão abdominal. Esta abordagem classificando os pacientes de acordo com a sintomatologia predominante se justifica pela diversidade da fisiopatologia, a abordagem propedêutica e terapêutica será bastante diversa. Eructações repetitivas Alguns pacientes apresentam como sintoma principal eructações repetitivas e recorrentes, mais frequentes após alimentação e associadas a deglutições secas. Estes pacientes, de maneira semiconsciente, adquirem o hábito de ingerir compulsiva e repetidamente o ar para dentro do esôfago para, imediatamente depois, regurgitá-lo. Por motivo ainda não definido, estes pacientes relatam que a eructação alivia a distensão e o desconforto abdominal e, sem se darem conta de que estão engolindo ar, se convencem de que sofrem de uma anormalidade digestiva grave. Estas eructações são, portanto, resultantes do ar que entra no esôfago, sendo que a maior parte é expelida ruidosamente e nunca alcança o estômago. O Consenso de Roma III classifica as eructações repetitivas dentre os distúrbios gastrointestinais funcionais e sugere que para o diagnóstico de aerofagia A Gastroenterologia na Prática Clínica 141 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? devem ser cumpridos os seguintes requisitos: (a) presença de sintomas durante os últimos três meses e estes devem ter se iniciado, no mínimo, seis meses antes do diagnóstico; (b) constatação evidente e objetiva da deglutição de ar; e (c) presença de eructações frequentes e repetidas, no mínimo várias vezes por semana. Exames endoscópicos ou de imagem não estão indicados rotineiramente, devendo estar reservados para pacientes com real suspeita de patologia torácica ou abdominal. Tratamento: Para esses pacientes uma explicação detalhada dos prováveis mecanismos das eructações repetidas geralmente desfaz o círculo vicioso e alivia os sintomas. Modificações posturais e dietéticas visando reduzir a formação dos gases podem ser benéficas, mas ainda não foram definitivamente estabelecidas. Obviamente, devemos respeitar as intolerâncias específicas de cada paciente sem deixar de explicar que o gás eructado geralmente não provém do estômago ou intestino, e sim do ar deglutido. Beber líquidos em pequenos goles após as refeições pode ajudar a reduzir a deglutição de ar que ocorre neste período. Os pacientes devem ser orientados a mastigar bem os alimentos, evitar mascar chicletes, chupar balas, fumar, falar enquanto come e ingerir saliva em excesso. Flatulência ou eliminação excessiva de flatos A flatulência excessiva quase sempre resulta de uma flora proficiente na produção de gás (provavelmente pela redução no consumo do gás), especialmente quando associada a uma ingestão rica de resíduos fermentáveis. A maioria dos pacientes com esta queixa não apresenta doença orgânica intestinal e os estudos demonstram que o volume do gás eliminado geralmente está dentro dos valores normais (expulsão entre 13 a 19 flatos/dia). Em uma parcela pequena de pacientes, a passagem de ar pelo reto, de fato, ocorre em demasia (superior a 20 flatos eliminados por dia) e, nesses casos, deve-se investigar a presença de má absorção, fundamentalmente de açúcares (intolerância à lactose, doença celíaca). Se existe queixa de flatulência associada a eructações frequentes e volume aumentado de gás no estômago, o problema deve ser a ingestão de ar. Em geral, a flatulência se associa não somente com fatores dietéticos, mas também com fatores psíquicos, aumentando nos períodos de estresse, ansiedade e depressão. Através da cromatografia gasosa pode se determinar especificamente qual gás está sendo eliminado em maior concentração, sendo possível, desta maneira, determinar se a flatulência é devida a um excesso do ar atmosférico deglutido ou a um aumento da produção intraluminal. Esse exame, contudo, não é realizado rotineiramente, estando ainda restrito aos laboratórios de investigação. 142 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos Tratamento: A flatulência constitui, quase sempre, situação constrangedora para os pacientes e, nestes casos, é sempre necessário esclarecer sobre os possíveis fatores fisiopatológicos envolvidos. Embora seja muito difícil determinar o padrão de normalidade na eliminação dos gases, contudo considera-se que mais de 20 flatos eliminados ao dia associam-se a anormalidades na produção e/ou eliminação dos gases. Nesses casos está indicado iniciar a propedêutica para uma possível má absorção de carboidratos, especialmente intolerância à lactose e ao glúten. Se confirmado o diagnóstico, o tratamento dietético dessas doenças reduz significativamente a flatulência. A produção do gás pode ser reduzida através da introdução de uma dieta contendo alimentos que forneçam o mínimo de substratos para as bactérias colônicas, incluindo proteínas (carne vermelha, frango, peixe e ovos), alguns carboidratos (pães sem glúten e arroz), além de algumas verduras, legumes e frutas (alface, tomate, cerejas e uvas). Os alimentos contendo carboidratos não absorvíveis e que teoricamente são capazes de aumentar a produção do gás intestinal devem ser evitados, como feijão, soja, brócolis, cebola, aipo, repolho, couve-flor, ervilhas, pepino, rabanete, cenoura, passas, bananas, fibras fermentáveis e amidos complexos como o trigo e batata. Muitos pacientes notam uma grande redução na eliminação dos gases logo após o início dessa dieta, porém a sua aderência a longo prazo é muito difícil. Os fatores emocionais devem ser abordados através de uma conversa franca e aberta, tentando esclarecer ao paciente inclusive a provável associação de seus sintomas com distúrbios emocionais. Muitas vezes está indicada a psicoterapia ou outras técnicas que objetivem a redução do stress e, em alguns casos, observa-se uma excelente resposta clínica. Os preparados comerciais contendo β-galactosidase (Beano) parecem capazes de digerir carboidratos complexos, normalmente não digeríveis pelas enzimas humanas (feijão, soja e alguns legumes). Ainda é questionável o real benefício dessa medicação, mas a sua eficácia tem sido demonstrada por alguns autores, especialmente quando utilizados na forma líquida. A grande vantagem é possibilitar a ingestão dos carboidratos, antes excluídos da dieta. Este medicamento ainda não está disponível no Brasil. Outra opção terapêutica para estes pacientes seria o carvão ativado, que possui um importante poder de absorção e parece capaz de reduzir os flatos após refeições contendo feijão ou lactose, contudo não parece reduzir o timpanismo e o desconforto abdominal. Para os pacientes com exagerada fermentação colônica e que se acom- A Gastroenterologia na Prática Clínica 143 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? panha comumente de supercrescimento bacteriano do intestino delgado, os antibióticos, especialmente quinolonas, metronidazol e tetraciclina podem ser extremamente eficazes. Estes medicamentos reduzem a formação dos gases pela eliminação das bactérias capazes de produzi-los. Estudos recentes demonstram maior eficácia com o emprego de rifaximina (droga ainda não disponível no Brasil), um agente antimicrobiano não absorvível, que parece capaz de reduzir a produção e a eliminação dos gases intestinais, sendo superior ao carvão ativado. Os possíveis efeitos adversos com o uso de antibióticos por período prolongado devem ser sempre lembrados e a prescrição dos mesmos deve ser feita de modo bastante criterioso. Eliminação excessiva de flatos fétidos Como já descrito, os gases N2, O2, H2, CO2 e CH4 representam 99% da composição dos gases intestinais e são inodoros, o que sugere que outros gases, especialmente aqueles que contêm enxofre (aminas, ácidos orgânicos voláteis, mercaptanas e indol) que estão presentes em concentrações mínimas (traços), sejam os responsáveis pelo odor característico dos flatos. O odor desagradável dos flatos está quase sempre associado ao aumento na concentração desses gases, o que pode ocorrer com a ingestão habitual e em maior quantidade de feijão, vegetais crucíferos como couve-flor, repolho, agrião, brócolis, couve e também carne vermelha. Muito raramente a eliminação de flatos fétidos pode se associar à presença de infecção e/ou inflamação intestinal e câncer de cólon esquerdo. Obviamente, nestes casos, o paciente apresenta outros sintomas associados que vão nos indicar a presença de uma doença orgânica associada. Tratamento: Recomenda-se ao paciente reduzir radicalmente de sua dieta os alimentos que contêm enxofre (feijão, vegetais crucíferos e carne), embora os resultados sejam bastante controversos. Alguns autores sugerem também que sejam evitados os alimentos que sabidamente aumentam a produção dos gases, como as frutas ou vegetais que contenham carboidratos não absorvíveis, como feijão, soja, brócolis, cebola, repolho, couve-flor, ervilhas, pepino, rabanete, entre muitos outros, além da restrição de alimentos contendo lactose em pacientes lactase-deficientes. Existem relatos isolados na literatura de que o carvão ativado melhora o odor dos flatos, mas os resultados são bastante discutíveis. Dificuldade na eliminação do gás Ao contrário daqueles que se queixam da eliminação excessiva de gás, alguns pacientes apresentam dificuldade para expulsar gases, com consequente 144 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos retenção dos mesmos. Normalmente a evacuação do gás resulta de um leve aumento da pressão intra-abdominal associado a um relaxamento da musculatura anal. A falta de coordenação neste processo ocasiona uma obstrução de saída que pode se associar à sensação de dificuldade na expulsão do gás e também das fezes, ocasionando constipação intestinal quase sempre refratária ao tratamento convencional. A retenção dos gases prolonga a fermentação no cólon, ocasionando aumento da sua produção. Tratamento: Nesses casos, as técnicas de biofeedback estão indicadas, pois auxiliam tanto na evacuação dos gases como das fezes, com melhora da sensação da retenção gasosa e da constipação intestinal, quase sempre presente. A retenção gasosa e a consequente fermentação pode ser abrandada com a redução de carboidratos não absorvíveis da dieta (como enfatizado nos itens anteriores). Outra opção terapêutica para estes pacientes seria o carvão ativado, que possui um importante poder de absorção e parece capaz de reduzir os flatos após refeições contendo feijão ou lactose, contudo não parece reduzir o timpanismo e o desconforto abdominal. Plenitude e distensão abdominal A sensação de plenitude e distensão abdominal, acompanhada quase sempre de desconforto e dor, atribuíveis ao excesso de gases intestinais, constituem queixas muito comuns em pacientes portadores de distúrbios funcionais gastrointestinais. Ao contrário do que ocorre na aerofagia e na flatulência, a distensão e a dor abdominal parecem secundárias à retenção dos gases intestinais consequente a uma deficiente eliminação dos mesmos. Por falta de métodos objetivos que determinem o volume gasoso do intestino, os médicos quase sempre aceitam a convicção dos pacientes de que os seus sintomas são, de fato, causados por excesso de gases. No entanto, os estudos não têm demonstrado diferenças significativas entre o volume e a composição do gás intestinal nos dois grupos. Por outro lado, a infusão de gás no intestino provoca mais desconforto e dor nos pacientes do que nos controles, sugerindo desta forma que a dor e a distensão abdominal sejam, provavelmente, secundárias à presença de distúrbios da sensibilidade visceral e/ou dos reflexos motores intestinais que interferem com a passagem do gás e não exatamente devido ao excesso dos mesmos. Recentemente foi demonstrado que pacientes com a SII apresentam um trânsito de gás mais lento e uma tendência a acumular este gás e desenvolver sintomas. O consenso de Roma III considera entre os distúrbios funcionais digestivos A Gastroenterologia na Prática Clínica 145 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? algumas síndromes que se associam diretamente à alteração na dinâmica (produção e eliminação) dos gases, como a síndrome de distensão abdominal e a dor abdominal funcional, como descrito a seguir. A síndrome de distensão abdominal funcional é caracterizada por distensão e plenitude que geralmente estão ausentes pela manhã e aparecem com o correr do dia. Os sintomas podem ser intermitentes e relacionados à ingestão de determinados alimentos. De acordo com os critérios de Roma III, o diagnóstico desta síndrome é definido pela (a) presença de sensação de plenitude, e/ou distensão abdominal visível, no mínimo três vezes por mês nos últimos três meses; (b) ausência de critérios para o diagnóstico da SII e de outros distúrbios funcionais intestinais. A dor abdominal funcional pode ser recorrente ou contínua e, em geral, tem pouca relação com a alimentação ou defecação, sendo mais frequente em mulheres. Algumas vezes a dor abdominal se acompanha de alterações do hábito intestinal, constipação ou diarreia, e o diagnóstico provavelmente será de SII; outras vezes se apresenta como sintoma isolado, configurando um transtorno independente. Pacientes com dor funcional geralmente relatam concomitantemente flatulência, eructação e distensão abdominal. O gás acumulado junto à flexura hepática pode causar dor no quadrante superior direito do abdome, simulando, por vezes, doença de vias biliares. Quando o acúmulo de gases se faz na flexura esplênica, pode provocar sintomas conhecidos como síndrome do ângulo esplênico. A maioria dos pacientes apresenta dor ou opressão na borda costal ou hipocôndrio esquerdo, além da sensação de distensão e plenitude abdominal. A dor pode se irradiar para a região precordial, pescoço e braço esquerdo, simulando insuficiência coronariana aguda, embora ocorra sua melhora com a eliminação de flatos ou fezes. Diagnóstico a) Clínico: Deve ser realizada cuidadosa e detalhada anamnese, uma vez que o diagnóstico é fundamentalmente clínico. É preciso estar atento para a possibilidade de intolerância aos carboidratos ou a outros alimentos, exigindo também minuciosa anamnese alimentar. Deve-se pesquisar a presença de doenças sistêmicas associadas, como por exemplo diabetes e hipotireoidismo. Relato de emagrecimento, alteração recente do hábito intestinal, diarreia, anorexia, enterorragia ou anemia (sinais de alarme) implicam imediata investigação clínica, com extensa propedêutica. Em pacientes jovens com sintomas funcionais e sem evidências de doenças graves pode-se tentar uma abordagem terapêutica por curto período, antes de se iniciar os exames complementares. 146 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos No exame físico devemos ficar atentos para a presença de cicatrizes cirúrgicas abdominais, ascite, peristaltismo de luta e sinais de peritonite. É importante também lembrar que os pacientes com queixas crônicas, de longa duração, não estão imunes a intercorrências agudas. b) Exames complementares: A radiografia simples do abdome pode demonstrar excesso de gás intestinal, porém nem sempre há correlação entre a sua presença excessiva e a sintomatologia intestinal. Os testes de rastreamento da má absorção somente estão indicados quando existe a suspeita clínica e, nestes casos, devem ser realizadas a pesquisa de substâncias redutoras nas fezes, a determinação do pH fecal e a dosagem dos ácidos de fermentação (ácido lático) na matéria fecal. Também são muito utilizados os testes de sobrecarga com diversos açúcares, que apesar de serem métodos indiretos são valiosos na determinação da intolerância e/ou má absorção aos carboidratos. O melhor método para estudar a fermentação intestinal consiste na determinação da concentração de H2 no ar expirado antes e depois (várias medidas em intervalos fixos) da ingestão de determinados alimentos hidrocarbonatos ou carboidrato de origem alimentar, como a lactose, lactulose, glicose, xilose, frutose, entre outros. Quando se ingere um carboidrato, restos do mesmo que não são digeridos e absorvidos no intestino delgado chegam ao cólon, onde são fermentados pelas bactérias locais, produzindo, desta forma, H2, que se difunde rápida e facilmente através da mucosa colônica, passando à circulação e posteriormente ao ar expirado. A concentração do H2 no ar expirado reflete a quantidade do carboidrato que chegou ao cólon e que sofreu a fermentação e o seu aumento indica uma absorção incompleta. Estes testes têm a grande vantagem de serem baratos, de fácil realização e não invasivos. Existem vários outros métodos diagnósticos para a determinação do volume, da frequência de eliminação do gás intestinal e de sensibilidade visceral, contudo são ainda restritos a investigação clínica, não estando disponíveis para utilização na rotina médica diária. Tratamento: O tratamento tem como objetivos diminuir a produção do gás intestinal e/ou atuar na função motora ou sensorial, facilitando o trânsito e a expulsão de gás ou aumentando a tolerância ao mesmo. Medidas não farmacológicas Devemos explicar aos pacientes os prováveis mecanismos de alteração da motilidade e da sensibilidade visceral, que em parte justificam os sintomas, A Gastroenterologia na Prática Clínica 147 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? esclarecendo-os quanto à sua moléstia e tranquilizando-os quanto à presença de doenças graves subjacentes. Não há evidências convincentes de que o incremento de fibras na dieta possa melhorar os sintomas de distensão ou de dor abdominal. Ao contrário, alguns estudos sugerem que as fibras aumentam a produção do gás intestinal e devem ser indicadas apenas quando os pacientes apresentarem constipação intestinal associada. Recomenda-se também a dieta pobre em carboidratos não absorvíveis, como feijão, soja, brócolis, cebola, repolho, couve-flor, ervilhas, pepino, rabanete, entre muitos outros (ver itens anteriores). Devemos sempre abordar com os pacientes uma possível participação de fatores emocionais na gênese dos sintomas. O tratamento psicoterápico apresenta excelente resposta em alguns casos. Alguns estudos demonstraram também que os exercícios físicos aceleraram o trânsito e a eliminação dos gases intestinais e por isto devem ser recomendados rotineiramente a estes pacientes. Tratamento farmacológico Os medicamentos teoricamente capazes de reduzir o volume do gás intestinal como a simeticona têm sido amplamente prescritos, porém não existem na literatura estudos que demonstrem de fato o seu real benefício. Este fármaco tem propriedades antiespumantes e repelentes na água, sendo capaz de modificar a tensão superficial dos gases, favorecendo a coalescência das bolhas gasosas e a sua eliminação. Alguns estudos demonstram que a simeticona alivia a distensão gasosa, tanto funcional como no pós-operatório, mas os resultados são controvertidos. É uma droga segura com pouquíssimos efeitos colaterais, em geral leves e transitórios. O carvão ativado, como descrito antes, tem se mostrado capaz de reduzir os flatos após refeições contendo feijão ou lactose, contudo não se demonstra eficaz em reduzir o timpanismo e o desconforto abdominal. Para alívio da dor estão indicados as drogas antiespasmódicas e os relaxantes da musculatura lisa, como antimuscarínicos, hioscina, brometo de otilônio, brometo de pinavério, trimebutina e mebeverina. Em várias meta-análises e na revisão Cochrane (16 estudos) tem sido confirmada a eficácia clínica dos antiespasmódicos, tanto em relação à melhora global como em relação ao alívio da dor e distensão abdominal. A justificativa para o emprego desses medicamentos é a observação, em modelos experimentais, de que a redução da atividade motora intestinal aumenta a tolerância ao gás. Estes fármacos, no 148 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Maria do Carmo Friche Passos • Dra. Ana Flávia Passos Ramos entanto, não são capazes de melhorar o trânsito e a evacuação dos gases e, por isto, sua indicação é para alívio da dor e do desconforto, ou seja, um tratamento meramente sintomático. Estudos recentes demonstraram melhora da dor abdominal, plenitude e distensão abdominal com a utilização da Mentha piperita. Tem sido descrito que o óleo de menta apresenta ação relaxante na musculatura lisa mediada via bloqueio do canal de cálcio e poderia ter uma eficiente ação antiespasmódica e antifisética interessante. Novos estudos devem ser realizados para comprovar a real eficácia desse medicamento no alívio da flatulência e distensão abdominal. Outra opção terapêutica seriam os procinéticos, com o objetivo de estimular a motilidade digestiva, teoricamente evitando-se a retenção dos gases e seus sintomas. Foi demonstrado que a administração endovenosa de uma substância procinética potente como a neostigmina produz uma aceleração do trânsito e favorece a eliminação do gás em pacientes com distensão abdominal, ao mesmo tempo em que alivia os sintomas. Para os pacientes com exagerada fermentação colônica e supercrescimento bacteriano, os antibióticos, especialmente metronidazol, quinolonas e tetraciclina, podem ser úteis. Estes medicamentos reduzem a formação dos gases pela eliminação das bactérias capazes de produzi-los. Estudos recentes demonstram a eficácia da rifaximina, um agente antimicrobiano não absorvível, que parece capaz de reduzir a produção e a eliminação dos gases intestinais, sendo superior ao carvão ativado. O supercrescimento bacteriano tem sido observado em parcela significativa de pacientes com SII, especialmente no subgrupo que apresenta distensão abdominal e flatulência excessiva. As enzimas pancreáticas parecem úteis nos casos de má absorção (doença celíaca) ou má digestão secundária (pancreatites, câncer ou pancreatectomia), onde comumente ocorre um acúmulo dos gases intestinais. Como já comentamos, um preparado enzimático, a β-galactosidase parece capaz de digerir carboidratos complexos, normalmente não digeríveis pelas enzimas humanas, possibilitando a ingestão de alguns carboidratos, antes excluídos da dieta. Ainda não existem comprovações do real beneficio desta droga (não disponível no Brasil). Alguns antidepressivos que atuam na inibição da captação de serotonina dos neurotransmissores, como a fluoxetina e a amitriptilina, apresentam efeitos benéficos sobre a sensibilidade visceral e parecem capazes de bloquear a transmissão da dor do trato digestivo para o cérebro. Estes fármacos têm sido recomendados para o tratamento de pacientes com distúrbios funcionais mesmo nos casos onde a depressão não seja evidente, devendo ser usados em doses A Gastroenterologia na Prática Clínica 149 Gases Intestinais: Quando Investigar e Como Tratar? baixas e os resultados são animadores. Agentes hipnóticos parecem ser de ajuda para alguns pacientes, porém o seu uso rotineiro não é recomendado. Vários estudos atuais avaliam o efeito dos probióticos na distensão abdominal e flatulência e os resultados iniciais têm sido muito promissores. Um estudo controlado com placebo demonstrou redução consistente da plenitude e distensão abdominal após 21 dias de tratamento no grupo que recebeu Lactobacillus. Outros trabalhos, no entanto, não encontraram os mesmos resultados e novos estudos bem elaborados do ponto de vista metodológico se fazem necessários para esclarecer o real valor dos probióticos no tratamento da síndrome da distensão e dor abdominal funcional. Bibliografia recomendada 1. Accarino A, Perez F, Azpiroz F et al. Intestinal gas and bloating: effect of prokinetic stimulation. Am J Gastroenterol 2008;103:2036-42. 2. Agrawal A, Whorwell P. Treatment of bloating and distension - role of probiotics. Aliment Pharmacol Ther 2011;34:580-3. 3. Azpiroz F, Levitt MD. Intestinal Gas. In: Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ eds. Sleisenger and Fordtran’s: Gastrointestinal and Liver Disease: Pathophysiology/Diagnosis/Management: 9a. Edition. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2010: 233-40. 4. Azpiroz F. Abdominal distention: old hypotheses and new concepts. Gastroenterology 2006;131:1337-9. 5. Azpiroz F, Malagelada JR. Abdominal Bloating. Gastroenterology 2005;129:1060-78. 6. Dainese R, Serra J, Azpiroz F, Malagelada JR. Effects of physical activity on intestinal gas transit and evacuation in healthy subjects. Am J Med 2004;116:536-9. 7. Harder H, Passos MCF, Serra J et al. Intestinal gas distribution determines abdominal symptoms. 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A importância da secreção exócrina do pâncreas na digestão fica clara nos quadros de má absorção, caracterizados principalmente por emagrecimento e esteatorreia (> 7 g de gordura fecal/24 h) e observados quando existe uma insuficiência exócrina da glândula devido a inúmeras condições.(1) Destaca-se a importância nestes casos de se administrar preparados de enzimas pancreáticas, mesmo com algumas desvantagens em relação à secreção enzimática fisiológica. Em particular a absorção de lipídeos que não é completamente normal em muitos pacientes que necessitam dessa reposição exógena, porém fundamental para preservação nutricional. Fisiologia da secreção pancreática(2) O pâncreas é responsável pela secreção de insulina, enzimas digestivas e bicarbonato de sódio. A regulação de secreção exócrina do pâncreas é feita através da acetilcolina, colecistocinina e secretina. As duas primeiras A Gastroenterologia na Prática Clínica 151 Insuficiência Exócrina do Pâncreas de Origem Não Pancreática têm ação na produção das enzimas digestivas, enquanto a secretina é a principal responsável pela secreção de grandes quantidades de bicarbonato de sódio e água. A secreção pancreática é dividida em três fases. Nas fases cefálica e gástrica, ocorre a liberação de acetilcolina pelas terminações nervosas vagais no pâncreas, o que provoca a secreção de pequena quantidade de enzimas nos ácinos e ductos pancreáticos (cerca de 20% da secreção total na fase cefálica e 5% a 10% na fase gástrica). A fase intestinal começa quando o quimo ácido proveniente do estômago penetra no intestino delgado. Nesse momento a secretina estimula a secreção abundante de bicarbonato de sódio, que é responsável pela transformação do meio ácido (pH inferior a 4,5-5,0) em básico (pH 8 em média), tornando possível a ação das enzimas pancreáticas e neutralizando a ação digestiva do suco ácido gástrico no intestino delgado. Simultaneamente, ocorre a liberação de um segundo hormônio, a colecistocinina, que é a responsável pela secreção de grandes quantidades de enzimas digestivas pelas células acinares. A atividade das enzimas pancreáticas é diferenciada de acordo com o nível anatômico do tubo digestivo. A amilase e a tripsina mantêm suas atividades em todo o intestino delgado;já a lípase tem sua ação máxima a nível duodenal, tornando-se praticamente inativa no jejuno e íleo. Testes de função pancreática São utilizados para avaliação da função pancreática e podem ser divididos em direto e indireto. O teste direto é considerado o padrão ouro e consiste na utilização de secretina e colecistocinina para estimulação da função do pâncreas e avaliação de sua resposta.(3) Na tabela 1 encontram-se os testes mais comumente utilizados na literatura atual. Tabela 1 Testes de função exócrina Sensibilidade Especificidade Secretina / CCK 90% 94% Elastase Fecal 70% 85% Pancreolauril 82% 90% Adaptada de Domínguez-Muñoz, 2005. 152 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. José Galvão-Alves Os indiretos, como o próprio nome diz, avaliam a função pancreática indiretamente. São eles: • Dosagem da gordura fecal • Dosagem da elastase fecal • Avaliação do consumo de aminoácidos • Teste respiratório do ¹³C • NBT - PABA Na prática, em nosso meio, estes testes (direto e indireto) têm sido pouco utilizados por sua baixa disponibilidade. Poderíamos afirmar que o teste Secretina/Colecistocinina não é disponível e a mensuração da Elastase Fecal, embora disponível, é realizada por poucos laboratórios e muito dispendiosa, o que também a inviabiliza. Doenças que interferem na produção de enzimas pancreáticas A crucial importância da função exócrina do pâncreas fica evidente quando ocorrem sinais clínicos como emagrecimento e má absorção presentes em algumas doenças listadas a seguir. Pancreatite crônica É a causa mais comum de insuficiência exócrina do pâncreas. Na pancreatite crônica, o parênquima pancreático se encontra com várias alterações morfológicas irreversíveis, que causam a diminuição da sua função. A insuficiência exócrina do pâncreas sem que haja alterações morfológicas é rara (menos que 5%), porém é possível.(1,4) A esteatorreia é a mais significativa manifestação de disfunção exócrina do pâncreas e associa-se à carência de absorção das vitaminas lipossolúveis como A, D, E e K. Essas alterações ocorrem principalmente devido a uma diminuição da síntese e secreção da lipase, e a secreção inapropriada de bicarbonato de sódio, consequentemente, a inativação da lipase no duodeno devido ao baixo pH. Pancreatite aguda O conhecimento da capacidade secretora do pâncreas durante a fase aguda da pancreatite aguda ainda é limitado. Durante a fase subaguda parece ocorrer uma alteração na função pancreática exócrina em uma considerável porcentagem de pacientes com doença necrosante. Dependendo da gravidade da pancreatite A Gastroenterologia na Prática Clínica 153 Insuficiência Exócrina do Pâncreas de Origem Não Pancreática aguda e do grau de necrose, as alterações podem ser permanentes, embora isto seja incomum. Tumores pancreáticos Devido ao prognóstico sombrio, ainda é limitado o número de estudos que avaliam a secreção exócrina do pâncreas nessas doenças. Evidências indicam que a disfunção exócrina e a má absorção – (presentes em 80% a 90% dos pacientes) estão associadas a uma secreção diminuída de enzimas, e a obstruções dos ductos que carreiam o suco pancreático ao duodeno.(2) Fibrose cística É uma doença hereditária que afeta as funções secretora e motora no trato gastrointestinal e causa alterações morfológicas no pâncreas. Com isso, ocorrem mudanças do pH, da motilidade e do trânsito. Estudos recentes mostram que ocorre insuficiência exócrina em mais de 80% dos portadores desta doença, principalmente em crianças. Cirurgias gastrointestinais Ressecções pancreáticas naturalmente causam uma diminuição na capacidade secretora do pâncreas, porém isso depende muito da doença que originou o procedimento cirúrgico, e também do tipo e extensão da ressecção realizada. Em pacientes com função pancreática previamente normal, ressecções de 90% a 95% do pâncreas geralmente são bem toleradas sem que os pacientes apresentem alterações clínicas de insuficiência exócrina importante (tabela 2).(2) Ressecções gástricas parciais e totais, e a síndrome da alça curta, também estão associadas à carência de enzimas pancreáticas; isto por que ocorre uma falta de sincronia entre a chegada do alimento e a liberação de enzimas pancreáticas no duodeno. Tabela 2. Esteatorreia nas cirurgias pancreáticas Cirurgia Pré-cirurgia Pós-cirurgia Duodenopancreatectomia 5% 55% Duodenopancreatectomia preservando piloro 4% 64% Ressecção distal (40-80%) 3% 19% Ressecção distal (80-95%) 9% 38% Pancreatojejunostomia 19% 33% Adaptada de Julio Iglesias Garcia, 2005 - Santiago de Compostela. 154 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. José Galvão-Alves Em pacientes operados devido a tumores malignos, uma extensa desenervação do pâncreas, incluindo a vagotomia, também contribui para disfunções pancreáticas. Doença celíaca Aproximadamente 40% dos pacientes com doença celíaca apresentam uma insuficiência exócrina de leve a moderada, sendo que geralmente esta disfunção não está diretamente ligada ao pâncreas, e sim a alterações da mucosa intestinal. Estas alterações provocam a diminuição dos mediadores estimulatórios causando redução na secreção de enzimas e bicarbonato de sódio, e ainda, assincronia entre as funções secretora e motora do tubo digestivo.(1,2) Diabetes mellitus O diabetes mellitus é uma doença ligada principalmente à função endócrina do pâncreas, porém não é raro pacientes diabéticos também apresentarem certo grau de insuficiência exócrina pancreática (tabela 3). Isto ocorre devido a vários fatores, como a atrofia glandular que ocorre pela diminuição na produção de insulina e pela isquemia causada pelas arteriopatias, a alteração de hormônios produzidos nas ilhotas que atuam na regulação da função exócrina, e a neuropatia diabética que causa uma diminuição do reflexo enteropancreático.(2,5) Doença de Crohn Alguns sinais de patologia pancreática frequentemente estão presentes na doença de Crohn. Uma diminuição da função exócrina do pâncreas é observada em cerca de 5% a 15% dos portadores dessa doença. Esses pacientes apresentam fatores de risco para desenvolvimento de doença pancreática, como aumento da incidência de litíase biliar, envolvimento da papila duodenal, e reações adversas a drogas (sulfassalazina, azatioprina). Em geral, o distúrbio na regulação da secreção pancreática e o distúrbio entre a interação da secreção gastrointestinal e a função motora explicam a diminuição na secreção de enzimas e bicarbonato.(1) Tabela 3. Insuficiência exócrina do pâncreas no diabetes mellitus (1.015 pacientes) Função exócrina Elastase fecal N % Normal > 200 μg/g 602 59,3% Insuficiência leve 100-200 μg/g 181 17,8% Insuficiência grave < 100 µg/g 232 22,9% Adaptada de Hardt PD. Pancreatology 2003;3:395-402. A Gastroenterologia na Prática Clínica 155 Insuficiência Exócrina do Pâncreas de Origem Não Pancreática Síndrome de Zollinger-Ellison É uma causa rara de insuficiência exócrina do pâncreas. Está associada à produção de gastrina por tumores (gastrinomas), estimulando a hipersecreção ácida e biliopancreática, causando uma incapacidade absortiva intestinal. A lipase, por exemplo, acaba não exercendo sua função lipolítica, já que sua ação ocorre na porção proximal do delgado (duodeno) e essa região se encontra com um pH muito baixo, o que a inativa.(1) Aids A esteatorreia é um sintoma muito comum nos pacientes com Aids, estando presente em aproximadamente 26% das crianças e 71% dos adultos. Isto ocorre devido a alterações intestinais (atrofia das vilosidades, hipertrofia de criptas e coinfecções por organismos oportunistas e não oportunistas), alterações pancreáticas (estando a insuficiência exócrina presente em 30% desses pacientes) devido aos medicamentos utilizados para o tratamento da própria doença (DDI, DDC) e das infecções decorrentes dela (citomegalovírus, Cryptosporidium).(2) Reposição enzimática(1,6,7) A reposição enzimática está indicada em todos os casos em que os pacientes apresentem sinais clínicos de disfunção exócrina do pâncreas, ou nos casos em que os preparados enzimáticos possam ser benéficos para pacientes com doença pancreática em curso – na pancreatite aguda, por exemplo. Em uma pessoa saudável, apenas 5% a 10% da função exócrina do pâncreas já seriam o suficiente para evitar-se complicações como esteatorreia, já que o débito enzimático excede em 10 vezes a quantidade necessária para uma boa digestão. O débito médio de lipase no adulto saudável é de 194.522UI nas 2 horas que se seguem a uma refeição. Com isso, calculando 10% do total da secreção enzimática do pâncreas, teríamos em torno de 20.000UI por refeição, que teoricamente seria a quantidade necessária para uma boa digestão em condições ideais. Porém, como já foi discutido anteriormente, muitos são os fatores que interferem na atividade enzimática, como o pH e a motilidade digestiva. A reposição enzimática deve ser iniciada com doses pequenas que devem ser aumentadas progressivamente levando em conta a melhora dos sintomas clínicos, como ganho ponderal e melhora da esteatorreia. Preconiza-se o início do tratamento com 25.000UI de preparado enzimático, que podem ser aumentados progressivamente até 50.000UI, administrados durante cada refeição. Pre- 156 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. José Galvão-Alves parações modernas são protegidas da acidez gástrica e misturam-se facilmente aos alimentos, atingindo o duodeno intactas, e com o meio alcalino ideal não apresentam interferências na sua ação. Caso não haja uma resposta ideal, deve-se associar um inibidor da secreção ácida com o objetivo de evitar a inativação enzimática no estômago e duodeno devido ao pH ácido. De preferência, devemos utilizar um inibidor da bomba de prótons uma vez ao dia, já que essa classe de droga apresenta resultados mais efetivos que os bloqueadores H2 de histaminas. A não adesão ao tratamento é uma causa importante de falha terapêutica. Deve-se também ser descartada a presença de parasitoses como giardíase e/ ou estrongiloidíase, comuns no nosso meio. As doenças intestinais, como as doenças inflamatórias intestinais, infecções bacterianas e doença celíaca também podem influenciar na resposta terapêutica. Referências 1. Dominguez-Muñoz JE. 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Martha Regina Arcon Pedroso O diagnóstico das pancreatites crônicas depende de um contexto clínico apropriado (ex.: paciente do sexo masculino jovem, com intenso e prolongado consumo alcoólico e dor abdominal típica, perda ponderal, insuficiência exócrina e/ou endócrina), associado a exames que reflitam a perda da função pancreática e a presença de anormalidades anatômicas compatíveis (tabela 1).(5) O diagnóstico precoce da doença é difícil, por envolver tanto testes funcionais quanto detalhes de exames de imagem, nem sempre observados com facilidade.(3,4,8) No sangue, a dosagem das enzimas pancreáticas, em particular da amilase e da lipase, pode estar alterada nas crises de agudização da doença, especialmente nas fases iniciais da mesma, quando o parênquima pancreático ainda se encontra relativamente preservado. Nas fases finais da afecção, é relativamente comum o encontro de níveis normais destas enzimas, o que se justifica pela escassez da produção enzimática, secundária à extensa substituição do parênquima pancreático por fibrose. Quando houver colestase, a fosfatase alcalina e a gama-glutamiltransferase, além das bilirrubinas séricas, também podem se elevar. Excepcionalmente, a hipertrigliceridemia ou a hipercalcemia, esta última associada ao hiperparatireoidismo, podem sugerir o fator etiológico para um quadro de pancreatite crônica. Nos derrames cavitários (abdominal, pleural ou pericárdico), a quantifica- A Gastroenterologia na Prática Clínica 159 Diagnóstico Precoce da Pacreatite Crônica: É Possível? Tabela 1. Exames complementares para o diagnóstico da pancreatite crônica Funcionais Estruturais Glicemia Ultrassonografia de abdômen Pesquisa qualitativa de gordura fecal Radiografia simples de abdômen Balanço de gordura fecal Tomografia computadorizada de abdômen Elastase fecal Ressonância magnética de abdômen com pancreato-colangiorressonância Teste da secretina-colecistocinina Ecoendoscopia Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica Adaptada de Gupta & Toskes, 2005. ção da amilase e da proteína total no líquido obtido por punção possibilita a caracterização da origem pancreática do derrame, já que ambos os parâmetros estão elevados, em especial a proteína. No suco duodenal ou no suco pancreático puro, obtidos respectivamente pela tubagem duodenal ou por cateterismo transpapilar, a determinação quantitativa dos componentes do suco pancreático (secreções hidreletrolítica e enzimática), após estímulo hormonal com secretina e colecistocinina (ou ceruleína) é, até o presente momento, o melhor método de avaliação da função exócrina do pâncreas. No entanto, este exame não é passível de realização habitual entre nós, face o alto custo para importação dos hormônios.(3,4,8) Nas fezes, a pesquisa qualitativa de gordura pode sugerir a síndrome de má absorção relacionada à insuficiência pancreática. A dosagem de gordura, após dieta padronizada (balanço de gordura fecal), é útil para o diagnóstico do grau de envolvimento do pâncreas, mas tanto a pesquisa qualitativa, quanto a quantitativa, só se alteram quando a fibrose acomete mais de 75% da glândula pancreática. Outro teste mencionado pela literatura é a dosagem fecal da elastase pancreática por técnica de ELISA. Tal exame reflete a reserva funcional do pâncreas exócrino por quantificar nas fezes esta enzima pancreática que sofre pouca degradação durante o trânsito intestinal. No entanto, é pouco sensível por não identificar pacientes com função pancreática minimamente reduzida. Quanto menores são os níveis de elastase fecal, mais grave é a insuficiência exócrina apresentada pelo paciente.(7,9) Após a introdução da ultrassonografia, da tomografia computadorizada e da ressonância magnética abdominais, os exames contrastados do tubo digestivo, a colangiografia venosa, a esplenoportografia e a arteriografia seletiva do tronco celíaco e da artéria mesentérica superior são realizados excepcionalmente. 160 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Dulce Reis Guarita • Dr. Guilherme Eduardo Gonçalves Felga Dra. Marianges Zadrozny Gouvea da Costa • Dra. Martha Regina Arcon Pedroso O exame radiológico simples do abdômen, sem preparação, pela facilidade de realização e pelas informações que traz, revelando a presença da calcificação pancreática em cerca de 50% dos pacientes com PC, deverá ser o ponto de partida, juntamente com a ultrassonografia abdominal, para a investigação diagnóstica, sobretudo nos pacientes com história clínica sugestiva de comprometimento pancreático há mais de cinco anos. A ausência de calcificação pancreática ao exame radiológico simples do abdômen não afasta o diagnóstico de comprometimento crônico da glândula, pois os cálculos surgem, em média, cinco a dez anos após o início das manifestações clínicas.(3,4,8) A ultrassonografia abdominal, método não invasivo e que pode ser repetido várias vezes, tem elevada especificidade diagnóstica e detecta eventuais complicações, sendo a textura heterogênea do parênquima, a presença de calcificações e a dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal as principais alterações ecográficas observadas. No entanto, não é um bom método para diagnóstico precoce da doença pancreática crônica. A tomografia computadorizada abdominal, sobretudo a helicoidal, é útil no diagnóstico das afecções pancreáticas, possibilitando o acesso ao retroperitônio, com observação direta da glândula pancreática e dos tecidos adjacentes, sendo os principais achados tomográficos os cálculos intraductais, a dilatação do ducto pancreático principal e as alterações do parênquima glandular por edema, fibrose ou necrose e atrofia do mesmo. Possibilita também, como a ultrassonografia, diagnosticar e acompanhar determinadas complicações das pancreatites crônicas, em particular os cistos intra ou extraglandulares, a ascite, a necrose, infectada ou não, as fístulas, os abscessos, as coleções líquidas, além de dilatações das vias biliares intra ou extra-hepáticas. A pancreatocolangiorressonância magnética é útil para a observação de alterações do ducto pancreático principal, da via biliar principal e de complicações como os cistos de pâncreas. Gradativamente, com o aprimoramento das imagens que fornece, ocupa cada vez maior espaço no estudo dos pancreatopatas crônicos, especialmente em relação aos métodos endoscópicos. A pancreatocolangiorressonância, quando associada à estimulação pancreática por secretina, pode ser um recurso útil para o diagnóstico precoce das pancreatites crônicas.(6) Nos raros casos em que se verifica a presença de uma massa pancreática e permaneçam dúvidas quanto a tratar-se de uma pancreatite crônica em fase de reagudização ou uma neoplasia pancreática, a tomografia por emissão de pósitrons (PET – pósitron emission tomography) pode ser de grande valia. Durante este exame, fornece-se ao paciente um radiofármaco contendo glicose que A Gastroenterologia na Prática Clínica 161 Diagnóstico Precoce da Pacreatite Crônica: É Possível? é avidamente captada por células neoplásicas, diferentemente do que ocorre com as lesões inflamatórias. Este efeito pode ser flagrado por uma câmara de cintilação modificada e o método, embora não suficientemente sensível, tem alta especificidade. A pancreatocolangiografia endoscópica permite o detalhado delineamento da anatomia ductal, mas, com o desenvolvimento de técnicas não invasivas, é reservada hoje para o pré-operatório de cirurgias pancreáticas ou para procedimentos terapêuticos. É particularmente útil naqueles casos que evoluem com derrames cavitários (ascítico e pleural) por permitir, na maioria das vezes, localizar a fístula pancreática ou, mesmo, um cisto roto. Não é um exame isento de riscos e sua principal complicação relaciona-se à infecção, tanto do pâncreas quanto das vias biliares, condição esta mais comum naqueles casos com ducto pancreático principal muito dilatado, com cistos com comunicação com os ductos pancreáticos ou quando há compressão do colédoco.(3,4,8) A ecoendoscopia realiza criterioso estudo anatômico do parênquima pancreático e do sistema ductal sem sofrer com a interposição gasosa que limita a ultrassonografia convencional. Os principais achados de uma ecoendoscopia são a textura heterogênea do parênquima, os cistos, as dilatações e irregularidades ductais e as calcificações, sendo um exame valioso para o diagnóstico precoce do comprometimento pancreático crônico. Além das imagens obtidas, esta técnica permite punção aspirativa por agulha fina do próprio parênquima ou de cistos, sendo fundamental para o diagnóstico diferencial de lesões císticas pancreáticas. A elastografia pancreática por ecoendoscopia, disponível em poucos centros, é capaz de avaliar a distorção do tecido sob pressão, permitindo diagnóstico diferencial entre pancreatite crônica e câncer de pâncreas, com 80 a 90% de acurácia.(10) Quando o fator etiológico para a pancreatite crônica não for esclarecido, não deve ser esquecida a possibilidade da presença de mutações genéticas, especialmente no CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator), relacionadas à fibrose cística, e no PRSS1 (cationic trypsinogen), relacionadas à pancreatite crônica hereditária. Nestes casos, mais do que diagnóstico precoce, os estudos genéticos permitem antever a possibilidade de surgimento de uma doença.(1,11,12) Para investigar as pancreatites crônicas autoimunes, além da busca de doenças autoimunes concomitantes, níveis elevados de IGg4 sérica ou em tecido reforçam a hipótese diagnóstica, embora sua ausência não a afaste.(2) 162 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dra. Dulce Reis Guarita • Dr. Guilherme Eduardo Gonçalves Felga Dra. Marianges Zadrozny Gouvea da Costa • Dra. Martha Regina Arcon Pedroso Em resumo, o diagnóstico precoce da pancreatite crônica NÃO é tarefa fácil. Deve ser baseado na história clínica do paciente e nas provas de função pancreática exócrina, quando disponíveis, nos estudos genéticos, quando há suspeita de afecções relacionadas a mutações nos genes CFTR e PRSS1 e, principalmente, na cuidadosa avaliação da tomografia computadorizada de abdômen, da pancreatocolangiografia por ressonância magnética, se possível com estímulo por secretina, e na ultrassonografia endoscópica.(3,4) Referências 1. Costa MZG, Guarita DR, Ono-Nita SK, Nogueira JA, Nita ME, Paranaguá-Vezozzo DC et al. CFTR polymorphisms in patients with alcoholic chronic pancreatitis. Pancreatology 2009;9: 173-181. 2. Finkelberg DL, Sahani D, Deshpande V, Brugge WR. Autoimmune pancreatitis. N Eng J Med 2006;355:2670-2676. 3. Guarita DR, Felga GEG, Pedroso MRA, Mott CB. 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Dr. Adávio de Oliveira e Silva D iferentes autores abominam o termo “provas de função hepática alteradas”. Advogam que deveriam ser definidas apenas como painel de testes bioquímicos que definem agressão hepatocelular, restringindo-se a determinações de níveis séricos de algumas enzimas: bilirrubina total e suas frações, de albumina, atividade de protrombina e fator V. No entanto, embora se entenda que tal fato se constitui uma realidade, não se pode negar que tais provas são: 1. úteis no rastreamento de doenças hepáticas de curso assintomático; 2. importantes na confirmação da presença de agressão hepatobiliar; 3. muito úteis enquanto existem dúvidas quanto ao diagnóstico diferencial e prognóstico evolutivo de diferentes hepatopatias; 4. significativas para monitorização evolutiva das enfermidades e definição sobre resposta à terapêutica adotada e; 5. empregadas na composição de pesquisas clínicas podem atuar, sobretudo, na avaliação de eficácia de terapêutica instituída. Diante disso, embora em certas situações clínicas possa faltar especificidade, permitirá definir a existência de lesão hepatocelular valendo-se de valores séricos de aminotransferases (ALT, AST), doença colestática determinando-se níveis de fosfatase alcalina (FA) e gamaglutamil-transferase (GGT) e icterícias de despertar congênito através de mensuração da bilirrubina indireta (BI). Por sua vez, definição de síntese hepatocelular se mostra possível quando definidas determinações de níveis séricos de albumina, atividade de protrombina e fator V, enquanto doenças metabólicas se expressam por marcadores específicos e as autoimunes são definidas através de pesquisas de dosagens de autoanti- A Gastroenterologia na Prática Clínica 165 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? corpos. Por outro lado, testes imunes sorológicos específicos são importantes na definição das etiologias das hepatites virais. Finalmente, tais aspectos serão comentados neste capítulo, tornando possível hoje quando empregados, permitirão a construção de escores que expressam fielmente a intensidade da fibrose presente naqueles com hepatopatias crônicas, a nossa última preocupação nessa explanação. Aspectos anatômicos macro e microscópicos do fígado O fígado é normalmente perfundido por sangue proveniente da veia porta, formada pela confluência da veia mesentérica superior e esplênica, disposta posteriormente ao pâncreas, bifurcando-se em ramos direito e esquerdo antes de adentrar no fígado, órgão que passa então a receber nutrientes provenientes do estômago, intestino delgado e grosso. Complementam os 1.200 a 1.400 ml de sangue que o órgão recebe por minuto, que são provenientes da artéria hepática originária do tronco celíaco, em cerca de 80% dos casos, rico em oxigênio. Esta dupla irrigação forma no interior do parênquima um sistema típico de circulação, gerando aspectos hemodinâmicos que definem topograficamente a zona 1 periportal, responsável pelo metabolismo energético, liberação de glicose e utilização de aminoácidos, formação de ureia, colesterol e bile; zona 2 intermediária onde ocorre maior captação de sais biliares e geração da fração de bile canalicular dependente de sal biliar e, finalmente, a zona 3 perivenosa, realizadora de captação de glicose, da lipogênese, além da formação de glutamina e cetogênese. Resumidamente, o fígado exerce papel no metabolismo: dos carboidratos (armazena glicogênio, converte galactose e frutose em glicose e mantém níveis séricos normais de glicemia), das gorduras (oxidação beta dos ácidos graxos para produção de colesterol, sendo 80% deste convertido em sal biliar) e de fosfolípides, através de conversão de carboidratos em gorduras. Envolve-se também no metabolismo das proteínas, deaminando aminoácidos, formando ureia visando eliminação da amônia, geração e produção de proteínas plasmáticas, bem como de fatores de coagulação (fibrinogênio, complexo protrombínico composto dos fatores V, VII, IX, X e alguns outros) e globulinas. Volta-se também ao armazenamento de vitaminas (A, D e B12), metabolização de drogas e hormônios, e excreção de várias substâncias através da bile. Todos esses passos obedecem a um modelo de zoneamento metabólico que confere heterogeneidade funcional ao ácino hepático (tabela 1). Essa heterogeneidade funcional não depende apenas das condições hemo- 166 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Adávio de Oliveira e Silva dinâmicas já descritas, mas sobretudo da atuação de suas células parenquimatosas, os hepatócitos com seu citoplasma envolvido por membranas plasmáticas permeáveis dotadas de microvilos, mas também de suas organelas, sobretudo de mitocôndrias, retículo endoplasmático rugoso e liso, aparelho de Golgi, lisossomos e peroxissomos. São essas que para execução de suas funções dependem não apenas da integridade anatômica e funcional, mas também de sua matriz extracelular, responsável pela promoção de coesão, indução de polarização intracelular, comunicações intercelulares e de expressão gênica. Para execução desses passos metabólicos vale-se também do funcionamento harmônico de outras estruturas, tais como as células sinusoidais, representadas pelas: 1. endoteliais, fenestradas e responsáveis pela formação de uma barreira entre sinusoides e espaço de Disse; 2. células de Kupffer, de forma estelar, com grandes diâmetros móveis e responsáveis por executar fagocitose de células mais velhas, tecidos tumorais, vírus, parasitas e bactérias; 3. lipócitos ou células de Ito, precursores inativos dos fibroblastos, Tabela 1. Modelo do zoneamento metabólico (heterogeneidade funcional) do ácino hepático Zona periportal Zona perivenosa Metabolismo oxidativo energético - Oxidação de ácidos graxos - Ciclo do ácido cítrico - Cadeia respiratória Metabolismo de carboidratos - Gliconeogênese - Síntese de lactato - Degradação do glicogênio a glicose Glicólise - Síntese de glicogênio a partir da glicose - Degradação do glicogênio a lactato Metabolismo de lipídios - Síntese de colesterol Cetogênese - Síntese de ácidos graxos Metabolismo de aminoácidos - Conversão para glicose - Degradação de aminoácidos - Formação de ureia - Uso de glutamina Detoxificação da amônia - Formação de glutamina - Metabolismo de xenobióticos - Mono-oxigenação - Formação de ácido mercaptúrico - Glicuronidação Metabolismo de proteção - Peroxidação de glutation - Conjugação de glutation Formação de bile - Excreção de ácido cólico - Excreção de bilirrubina A Gastroenterologia na Prática Clínica 167 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? esses mais numerosos nas áreas pericentrais, encerrando gotículas de gordura ricas em retículo endoplasmático rugoso, além de actina e miosina. Tornam-se assim responsáveis pela formação de colágenos tipos I, III, IV e laminina, além de inibidores das metaloproteinases e, finalmente; 4. células pit e linfócitos NK, atuantes contra células neoplásicas ou proteínas virais. Desse universo participa também o espaço de Disse, o qual se estende entre hepatócitos contíguos, encerrando lipócitos, microvilos dos hepatócitos e plasma, além de fibras de reticulina com diâmetros entre 5-10 mm. Tem a função de condução da linfa que se forma no fígado a partir da filtração do plasma originário dos sinusoides, continuando-se pelo espaço de Mall, tendo seu livre fluxo facilitado por fibras colágenas, as quais penetram junto com vênulas e arteríolas na placa limitante. Mostra-se importante ainda o sistema de canais biliares intralobulares com 1-2 mm de diâmetro, dispostos entre hepatócitos aos quais se ligam as membranas de sua porção apical. Distribuem-se pelos lóbulos, penetrando nos canais de Hering. São estruturas típicas voltadas à secreção e condução da bile, desde o interior do parênquima até o intestino, sendo compostas pelos: 1. colangíolos, revestidos por células epiteliais, com núcleos ovais; 2. ductos interlobulares, com diâmetros entre 15-80 mm, revestidos também por células epiteliais que repousam sobre a membrana basal e, envolvidos por tecido colágeno; 3. ductos septais, também revestidos por células colunares epiteliais e envolvidos por feixes colágenos. Drenagem da bile então formada se processa pelos ductos biliares, direito anterior e posterior, enquanto o esquerdo se origina da convergência entre ramos medial e lateral, todos formando o ducto hepático comum. Assume importância ainda o seu sistema linfático, o qual se volta à drenagem de linfa dotada de elevado teor proteico, sendo originário do espaço perisinusoidal de Disse e dos espaços portais. Assume disposição periarterial, alargando-se seus diâmetros em torno de veias porta e dos ductos biliares, até atingirem gânglios celíacos, ligamento falciforme, gânglios paraesternais ou dispondo-se ao longo das veias gástrica esquerda e mediastinais posteriores. Além disso, o fígado tem rica inervação parassimpática e simpática, formadoras de um rico feixe perivascular que envolve também células perisinusoidais e hepatócitos, inervando ramos extra-hepáticos e intra-hepáticos da artéria hepática, veias porta e hepáticas, participando das junções rígidas dos ductos biliares. As lesões que se estabelecem sobre essas estruturas constituem-se na base das doenças hepatobiliares, as quais se traduzem por manifestações agudas ou crônicas, síndromes colestáticas ou não, diagnosticadas através de sintomas e 168 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Adávio de Oliveira e Silva sinais típicos, aspectos do exame físico, com expressão laboratorial própria. Tais aspectos serão comentados em sequência, logo a seguir. Sintomas e sinais típicos de doenças hepatobiliares Algumas doenças hepatobiliares podem cursar assintomáticas durante longos anos. Este comportamento pode ser observado nas hepatites crônicas ou na colangite esclerosante primária, e na cirrose biliar primária, bem como em afecções metabólicas, como hemocromatose hereditária, na doença de Wilson ou deficiência de α-1-antitripsina, mesmo nas fases cirróticas. Outras vezes expressam-se por quadro agudo, traduzido por adinamia, náusea, vômito, febre, calafrio e manifestações sistêmicas típicas, tal como se observa nas hepatites aguda viral e autoimune. Ascite, encefalopatia ou distúrbios da coagulação ocorrem nas fases descompensadas da cirrose, mas podem constituir sinais de instalação rápida nas necroses fulminantes do parênquima hepático, típicas da redução da reserva funcional parenquimatosa. A avaliação desses pacientes obedece a uma sequência típica (quadro 1). Quadro 1. Comportamento diante de suspeita de doença hepatobiliar I. IDENTIFICAÇÃO DE FATORES DE RISCO Caracterização dos aspectos demográficos (idade, sexo e raça) Importante, pois determinadas doenças são mais comuns entre os jovens (hepatites virais), enquanto outras entre os mais idosos (câncer). Por sua vez, mulheres são mais afetadas por processos como hepatite autoimune e cirrose biliar primária, enquanto homens pela hemocromatose hereditária e colangite esclerosante primária II. HISTÓRIA FAMILIAR Extremamente importante na caracterização de doenças herdadas, como hemocromatose hereditária, Doença de Wilson, deficiência de a-1-antitripsina, fibrose cística, etc. III. HÁBITOS PESSOAIS Nesses casos se mostram importantes as histórias de alcoolismo, ingesta de fármacos, uso de drogas ilícitas parenterais, comportamento sexual promíscuo, parceiro sexual portador de hepatite pelo vírus B ou C, transfusões de sangue ou cirurgia pretéritas. IV. HISTÓRIA DE SURTOS ICTÉRICOS PREGRESSOS Pode indicar hepatite de evolução insidiosa, coledocolitíase (sempre acompanhada de dor abdominal, febre e calafrios) ou obstrução biliar nos casos de cirurgia biliar prévia. Esse comportamento pode também ser observado em pacientes com colangite esclerosante primária. A Gastroenterologia na Prática Clínica 169 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? Aspectos do exame físico A icterícia é um sinal importante na suspeita de doença hepatobiliar. Pode evoluir silenciosamente ou acompanhada de sinais típicos agudos, como náusea, vômito e adinamia, como ocorre nas hepatites virais. Também pode ser encontrada naqueles que cursam com febre, calafrio e prurido, comportamento observado nas obstruções de vias biliares intra ou extra-hepáticas. A sua acentuação com rápida progressão, quando acompanhada de aranhas vasculares, desnutrição, eritema palmar, ginecomastia, atrofia testicular, perda de pelos corpóreos, petéquias, hematomas, edema periférico e ascite, é mais observada na cirrose, em decorrência da redução da população de hepatócitos. Circulação colateral abdominal e torácica, ascite e edema, esplenomegalia e hemorroidas traduzem existência de hipertensão portal. Outras manifestações físicas são: a contratura de Dupuytren e o aumento de volume das parótidas, identificados em alcoólatras. Pele bronzeada, artropatia, testículo doloroso e reduzido de volume e sinais de insuficiência cardíaca, são identificados em doentes com hemocromatose hereditária e síndrome metabólica de resistência à insulina. Distúrbios da movimentação, tremores, espasticidade e disartria são próprios do envolvimento neurológico na doença de Wilson. Enfisema faz parte do quadro clínico de pacientes com deficiência de α-1-antitripsina. Icterícia, colúria, acolia, prurido cutâneo, febre e calafrio são identificados, sobretudo, nas colestases intra ou extra-hepáticas. Também tais sinais são típicos de pacientes submetidos a cirurgia hepatobiliar ou transplante de fígado, quando pacientes cursam com estenose de anastomose biliodigestiva ou devendo-se a fenômenos de rejeição celular aguda ou crônica, ou naqueles com doença veno-oclusiva pós-transplante de medula óssea. Expressão laboratorial Pacientes com lesão hepatocelular ou doença colestática podem ser avaliados através do emprego de múltiplos testes bioquímicos, os quais poderão expressar agressão hepatocelular e definir a etiologia das doenças metabólicas (tabela 2). Testes imune-sorológicos definirão os marcadores das hepatites virais (tabela 3), anticorpos não órgãos específicos caracterizarão as doenças autoimunes (tabela 4) e o comportamento da coagulação sanguínea, expressando 170 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Adávio de Oliveira e Silva Tabela 2. Testes bioquímicos úteis na avaliação de doenças hepatobiliares Testes bioquímicos Aspartato aminotransferase Alanina aminotransferase Bilirrubina Total Bilirrubina Direta Fosfatase alcalina Gamaglumil-transferase Albumina Tempo de protrombina Doenças metabólicas Hemocromatose Valores normais (5-40 UI/L) (5-35 UI/L) (0,5-1 mg/DL) (0,2-0,4 mg/DL) (35-150 UI/L) (10-48 UI/L) (3,5-5,0 g/L) (12-16²) Lesão hepatocelular > 8 X LSN > 10 X LSN > 15 X LSN < 10 X LSN > 3 X LSN > 3 X LSN N, exceto cirrose Alargado, não-responsivo A Vitamina K Teste inicial Teste confirmação Ferritina sérica > 400 μg/L Índice de saturação 55% Colestase < 3 X LSN < 3 X LSN > 20 X LSN > 15 X LSN > 4 X LSN > 5 X LSN N Alargado, responsivo A Vitamina K Teste definitivo Índice fé/idade ≥ 2 Deficiência de a-1-At > Nível sérico a-1-At Doença de Wilson Ceruloplasmina < 10 mg/Dl CUU: CUS > 80 μg/24 H Biópsia hepática com glóbulos Pas (+) Positivos Biópsia hepática Cu > 50 μg/G de tecido seco Fenótipo PI LSN = Limite Superior Normal; a-1-AT = a-1-Antitripsina; CU = Cobre; FE = Ferro; CUU = Cobre Urinário; CUS = Cobre Sérico; N = Normal. Tabela 3. Testes imune-sorológicos úteis na avaliação de hepatites virais Hepatites virais A Aguda ANTI-VHA Crônica – B IgAgHBs, AgHBe, ANTI-AgHBc IgM e DNAVHB D C E G AgHBs (+) ANTI-VHD (+) RNAVHC (+) RNAVHE (+) RNAVHG (+) I – AgHBs (+) DNAVHB (+) II – AgHBs (+) AgHBe (-) DNAVHB (-) III – AgHBs (+) AgHBe (-) DNAVHB (+) AgHBs (+) ANTI-VHD IgG (+) RNAVHC (+) RNAVHE IgG (+) RNAVHG (+) + = Positivo; 2 = Negativo. Tabela 4. Anticorpos nas doenças hepáticas autoimunes Doenças hepáticas autoimunes Hepatite autoimune Tipo I Tipo II Tipo III Cirrose biliar primária Colangite esclerosante primária Autoanticorpos Antinúcleo e/ou antimúsculo liso Antimicrossomal fígado-rim (ANTI-LKM-1) Antígeno solúvel de fígado Antimitocôndria p-ANCA (60%) A Gastroenterologia na Prática Clínica 171 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? diferentes situações clínicas (quadro 2). São, portanto, indicativos de diferentes formas de doenças hepatobiliares e participam juntamente com outras provas que quantificam a reserva funcional do órgão (tabela 5). Quadro 2. Comportamento da coagulação sanguínea Síntese reduzida dos fatores de coagulação Menor massa de hepatócitos funcionantes Deficiência de síntese ou absorção de vitamina K (Esteatorreia) Síntese reduzida dos inibidores da coagulação Produção de proteínas anormais Maior atividade fibrinolítica Clareamentro reduzido de ativadores de fibrinólise Proporção reduzida de inibidores de fibrinólise Reduzido clareamento hepático de fatores ativados de coagulação Coagulação intravascular disseminada (Multifatorial) Anormalidades plaquetárias Tabela 5. Provas de quantificação da reserva funcional parenquimatosa Sítio Substrato Função Técnica Galactose Galactoquinase (Fosforilação) Injeção endovenosa para saturação do sistema enzimático responsável pela eliminação. N-Demetilação Aminopirina marca com 14C, administrada v.o. resultado a cada 2 horas, traduzido pelo desaparecimento da radioatividade plasmática. N-Demetilação Correlacionam-se clearance sérico e da saliva Interferência da idade e fumo com o resultado da prova Concentrações séricas dos metabólitos de linocaína (MEGx) Reduzem-se na cirrose avançada. Hidroxilação/ Metilação Vida média ultrapassa 30 horas na cirrose grave. Citosol Aminopirina Microssomo (Cit P450) Cafeína Antipirina 172 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Adávio de Oliveira e Silva Mais recentemente, ferramentas laboratoriais não invasivas têm sido empregadas, visando construções de escores que baseados em exames bioquímicos definirão graus de fibrose em portadores de doenças hepáticas crônicas. Permitirão, inclusive, ao serem expressos tais escores em números, abolir a variabilidade interpretativa existente interobservdor e intraobservador dos fragmentos resultantes de biópsias hepáticas. Além disso, tornam possível o acompanhamento em mais curtos espaços de tempo dos pacientes, pois não se revelam invasivos e são dotados de elevada acuidade, avaliando a intensidade e progressão da fibrose sem impor riscos aos pacientes advindos da punção do fígado, valendo-se de agulhas de fino ou grosso calibre orientadas por ultrassonografia ou videolaparoscopia. São testes válidos, sobretudo para acompanhamento evolutivo de pacientes portadores de hepatite crônica viral C e esteato-hepatite não alcoólica, segundo algumas proposições, tais como: 1. valendo-se do escore MELD, proposto, sobretudo, para indicações dos transplantes de fígado adotando-se a equação: MELD = 0,378 x (log e bilirrubina total mg/dl) + 1,120 x (log e INR) + 0,957 x (log e creatinina mg/dL) + 0643; 2. também esse objetivo pode ser conseguido pelo emprego do escore APRI, baseado na fórmula: APRI [AST (x LSN)/plaquetas (10ª/LJ x 100)]; 3. em paralelo a esse desenvolvimento, propõe-se acompanhá-los através de algoritmo SAFE (algoritmo sequencial para avaliação de fibrose), atualmente validado em população de 2.035 pacientes com hepatite crônica, encontrando-se correlação de seus valores com o diagnóstico de fibrose significativa (> cF2; AUROC 0,89) e cirrose (F4; AUROC 0,92). Concluem os autores que caso fosse adotado, em torno de 46,5% das biópsias poderiam ser evitadas naqueles com fibrose significativa e 81,5% dos cirróticos se conduzidos valendo-se dessa proposição. Esse terreno estará ampliado já nesses próximos anos, valendo-se da definição de atividade sérica de biomarcadores indiretos como metaloproteinases, degradadoras da matriz extracelular (MEC), além de seus inibidores tais como TIMP-1 e TIMP-2, bem como dos constituintes do colágeno/MEC (procolágeno tipo III) peptídeo aminoterminal (P III NP), YKL-40 e ácido hialurônico, refletindo o comportamento desses elementos, o processo de fibrogênese hepática. Bibliografia recomendada 1. Baker AL. Liver chemistry. Em: Kaplowitz N. Liver and Biliary Disease. 2th ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1996. A Gastroenterologia na Prática Clínica 173 Provas de Função Hepática Alteradas. O Que Significam? 2. Bodily KO & Fitz G. Approach to the patients with suspected liver disease. 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Com efeito, este importante procedimento tem várias limitações: sendo invasivo, acarreta desconforto e dor significativa em pelo menos um quinto dos pacientes, além de pequeno risco – 0,5% - de sangramento ou de hemobilia que, em certas situações, pode tornar-se maior. Além disso, o fragmento hepático obtido por punção-biópsia corresponde a apenas cerca de 1/.50.000 do parênquima hepático e pode não refletir fielmente as alterações predominantes no órgão - “erro de amostragem” -, já que as doenças crônicas do fígado, embora difusas, são geralmente heterogêneas em sua expressão morfológica.(1) Acrescente-se que a interpretação da histologia hepática está sujeita a variações intra e interexaminadores, mesmo com o uso de critérios protocolares validados de observação e descrição. Tais desvantagens limitam o uso da biópsia hepática especialmente para o seguimento de pacientes hepatopatas, quando o procedimento precisaria ser repetido. Por outro lado, há natural resistência ao uso dos novos métodos não invasivos em vista do pequeno número de estudos para validá-los cientificamente A Gastroenterologia na Prática Clínica 175 O Fibroscan Pode Substituir a Biópsia na Avaliação da Fibrose Hepática? em vários casos e de dificuldades várias em se aceitar mudanças num comportamento diagnóstico - uso da biópsia hepática - consolidado há muitos anos. O fato de a biópsia hepática ser usada como “gold standard” apesar de suas importantes limitações impede uma concordância ideal (AUROC ~ 1) dos testes não invasivos de detecção de fibrose. Alem disso, deve-se considerar que o estadiamento da fibrose é feito por critérios morfológicos - alterações arquiteturais -, bem diferentes da “quantidade total de fibrose”. Torna-se problemática, pois, a pretensão de uma correlação direta entre os estágios de fibrose e os valores obtidos com os diferentes métodos não invasivos que usam, isoladamente ou em diferentes combinações, marcadores sorológicos rotineiros, marcadores biológicos de fibrose e métodos de imagem como ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Variações destes métodos, como ARFI (acoustic radiation force impulse) e outros têm sido investigadas.(1-3) A elastografia hepática transitória (ET) utilizando o aparelho Fibroscan baseiase na emissão de onda vibratória de pequena amplitude e baixa frequência que se propaga pelo parênquima hepático em velocidade medida através de aquisições ultrassônicas. A velocidade de propagação da onda relaciona-se diretamente com a “dureza” ou “firmeza” (stiffness), do parênquima hepático, sendo que quanto mais duro for o parênquima, maior será a velocidade medida em quilopascais (kPa). É método não invasivo e reprodutível, avaliando uma área do parênquima hepático cerca de 100 vezes maior que a biópsia hepática e reduzindo muito o risco de erro de amostragem.(1,4) Pode ser utilizado em diferentes tipos de hepatopatias e ser repetido várias vezes para seguimento. Sendo de execução rápida, parece ter adequada relação custo/eficácia. Entre suas limitações, estão as dificuldades em indivíduos com obesidade mórbida, além do fato de que nem sempre a dureza do parênquima hepático reflete presença de fibrose. Com efeito, fatores como edema, inflamação, colestase e congestão podem interferir com a medida da consistência do fígado independentemente de haver fibrose. No entanto, já há um considerável número de publicações médicas avaliando a eficácia da ET por Fibroscan em diferentes patologias hepáticas, atestando sua capacidade de detectar fibrose significativa e em especial, cirrose hepática, principalmente quando se considera o tipo de hepatopatia subjacente.(4-6) As hepatites crônicas, em especial a hepatite C crônica, são as doenças hepáticas nas quais os métodos não invasivos para detecção de fibrose foram mais testados, separadamente ou em diferentes combinações. A ET por Fibroscan foi validada em vários estudos com pacientes com hepatite C crônica, demons- 176 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. João Galizzi Filho trando grande capacidade de detecção de fibrose significativa e cirrose.(6-8) Na hepatite B crônica o número de estudos é menor, mas eles mostram comparável eficiência, embora elevações das aminotransferases séricas, refletindo processo inflamatório em atividade, possam interferir com as medidas.(9) (tabela 1). Na doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), a ET por Fibroscan tem demonstrado boa eficácia diagnóstica de fibrose em estudos com adequado número de pacientes que não revelaram influência de esteatose, processo necroinflamatório e IMC nos resultados. No entanto, algumas observações sugerem que em pacientes obesos com IMC mais elevado, os resultados possam ser afetados pela gordura hepática.(10-12) O exato papel do Fibroscan na detecção de fibrose na DHGNA/EHNA necessita ainda de maiores estudos, inclusive do possível benefício de se quantificar a gordura hepática com o novo dispositivo C.A.P. (Controlled Attenuation Parameter). A doença hepática alcoólica apresenta um espectro de alterações histopatológicas, incluindo esteatose, hepatite alcoólica e cirrose, frequentemente em associação. Neste contexto, a fibrose tem características diferentes, sendo frequentes as formas perisinusoidal e perivenular. Outros fatores que podem interferir com a avaliação com Fibroscan ou outros métodos não invasivos são esteatose e processo necroinflamatório.(1) Estudo recente avaliou a eficácia do Fibroscan e de outros métodos não invasivos – Fibrotest, Fibrometer, Hepatoscore, APRI (índice de relação AST/plaquetas), PGA (tempo de protrombina, GGT, apolipoproteína A1), PGAA (PGA + alfa-2 macroglobulina) e ácido hialurônico – em pacientes com hepatopatia alcoólica, sendo a ET o mais eficiente método Tabela 1. Métodos não invasivos utilizados na avaliação de fibrose hepática em pacientes com hepatite C crônica(1) Métodos Marcadores séricos/Fibroscan Fibroscan Elastografia hepática Fibrotest GGT, haptoglobina, bilirrubina, apolipoproteína A1, alfa-2 macroglobulina Forns Idade, GGT, colesterol, plaquetas APRI TGO, plaquetas FIB-4 Idade, TGP, TGO, plaquetas Hepascore Idade, sexo, alfa-2 macroglobulina, hialuronato, bilirrubina, GGT Fibrometer Plaquetas, tempo de protrombina, macroglobulina, TGO, hialuronato, idade, ureia ELF Propeptídeo N-terminal do colágeno tipo III, ácido hialurônico, TIMP-1 (inibidor tissular da proteinase-1), idade A Gastroenterologia na Prática Clínica 177 O Fibroscan Pode Substituir a Biópsia na Avaliação da Fibrose Hepática? em caracterizar diferentes estágios de fibrose hepática, com valores de cut-off mais elevados para caracterizar fibrose significativa e cirrose que os encontrados na hepatite C crônica.(13) Tal fato reafirma a necessidade de se considerar cut-offs diversos para diferentes patologias hepáticas. Este e outros estudos confirmam o valor da ET por Fibroscan na hepatopatia alcoólica. Alguns poucas investigações clínicas comprovaram a eficácia da ET por Fibroscan em detectar fibrose avançada e cirrose em outros tipos de hepatopatias, como as doenças colestáticas cirrose biliar primária e colangite esclerosante, ampliando o leque de patologias cuja investigação se beneficia do método.(1,6) O metotrexato é droga com reconhecido potencial de produção de fibrose hepática, sendo importante no tratamento da artrite reumatoide, da psoríase e de alguns casos de doença de Crohn. O Fibroscan pode ser útil no controle de tais pacientes, restringindo as indicações de biópsia hepática e usando-se cut-off semelhante ao de pacientes com esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), que tem bom valor preditivo negativo para excluir fibrose significativa.(14) A ET com Fibroscan parece ter grande potencial para o acompanhamento de pacientes submetidos a transplante hepático que apresentem fibrose significativa e/ou hipertensão porta após recorrência da hepatite C, com vários estudos revelando boa correlação entre a pressão portal e a dureza do fígado. Tal fato tem grande importância por predizer os pacientes com risco de descompensação hepática após o transplante.(1,16) Uma das aplicações mais importantes do Fibroscan parece ser na avaliação do prognóstico de várias hepatopatias, já que os resultados do método mostram boa correlação com a pressão venosa portal e, consequentemente, com suas complicações clínicas. Alguns estudos demonstraram que valores da consistência hepática abaixo de 19 kPa são altamente predizíveis de ausência de varizes esofágicas de maior volume, com valor preditivo negativo de 93%. No entanto, deve-se considerar que a correlação entre a pressão portal e a dureza do fígado diminui quando o gradiente de pressão venosa hepática ultrapassa 12 mmHg.(1,16) A ET por Fibroscan poderá ser útil também em predizer a probabilidade de surgimento de carcinoma hepatocelular (CHC) em hepatopatas crônicos. Isto foi demonstrado num amplo estudo japonês com pacientes com hepatite C crônica. A probabilidade cumulativa de desenvolver CHC em três anos teve elevado grau de correlação com os resultados basais da ET por Fibroscan (0,4% em pacientes com valores iguais ou abaixo de 10 kPa e 38% naqueles com valores acima de 25 kPa).(17) Outra provável utilidade do método é na avaliação dos resultados da tera- 178 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. João Galizzi Filho pêutica das hepatites B e C crônicas sobre a fibrose hepática, já que a resposta virológica sustentada associa-se a melhoria do processo necroinflamatório e a regressão da fibrose, que podem ser detectados pelo Fibroscan e por alguns outros marcadores não invasivos.(1) (tabela 2). Em conclusão, a ET por Fibroscan tem validade já estabelecida para detectar e estadiar fibrose significativa ou cirrose em importantes situações clínicas como hepatites B e C crônicas, coinfecção HCV-HIV, receptores de transplante hepático, doenças colestáticas e hemocromatose. Mostra-se promissora, mas necessitando de maiores estudos, em várias outras condições clínicas, como no seguimento e predição das complicações da cirrose hepática. Para evitar interpretações errôneas dos resultados da ET deve-se considerar os mencionados fatores obesidade, aminotransferases elevadas ou resultados muito variados, com elevado grau de dispersão. Certamente a ausência de valores de cut-off validados para os vários estágios de fibrose e para as diferentes etiologias de doenças hepáticas são desafios a serem resolvidos. Por outro lado, é possível que os resultados do Fibroscan devam ser interpretados não apenas em comparação com os estágios histológicos de fibrose, mas entendendo melhor o significado físico de suas medidas e explorando seu potencial prognóstico em predizer complicações das hepatopatias crônicas.(5) Embora a biópsia hepática continue importante em muitas situações, a utilização da ET por Fibroscan pode torná-la prescindível em vários contextos clínicos. Tabela 2. Diferentes pontuações de cut-off propostas para estadiamento de fibrose por Fibroscan de acordo com etiologias das doenças hepáticas(6) Populações estudadas Hepatite C (n=327) Hepatite C (n=193) Várias etiologias (n=711) Hepatite C com ALT normal (n=40) Hepatite C/hepatite B (n=228) Hepatite B (n=287) Cirrose biliar primária/colangite esclerosante (n=23) Doença gordurosa hepática não alcoólica (n=67) Hepatite C pós-transplante hepático (n=95) Valores de cut-off (sensibilidade/especificidade) Fibrose significativa Cirrose 8.7 (73/84) 7.1 (67/89) 7.2 (64/85) 8.7 (100/100) 8.3 (85/91) 7.5 (94/88) 7.3 (84/87) 6.6 (83/81) 7.9 (81/76) 14.5 (87/96) 12.5 (87/91) 17.6 (77/97) -14.0 (78/98) 11.8 (86/96) 17.3 (93/95) 17.0 (100/98) 12.0 (93/93) Um cut-off de 5,6 +/- 1,6 kPa foi proposto para indivíduos normais. A Gastroenterologia na Prática Clínica 179 O Fibroscan Pode Substituir a Biópsia na Avaliação da Fibrose Hepática? Referências 1. Martínez SM, Creso G, Navasa M, Forns X. 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Outro motivo que desperta o interesse da comunidade científica é o reconhecimento do seu potencial evolutivo, pois pode, inclusive, evoluir para cirrose.(1-4) Desta forma entendese fundamental o conhecimento da conduta terapêutica mais adequada a ser ofertada a esta população de pacientes. É importante ressaltar que a DHGNA vem sendo considerada como o componente hepático da síndrome metabólica (SM).(5,6) Esta síndrome (tabela 1), um conjunto de fatores de risco para doença cardiovascular aterosclerótica, reúne condições diretamente promotoras de aterogênese e de resistência à insulina (RI).(7) O consenso capitaneado pela International Diabetes Federation,(8) publicado em 2009, mantém os critérios de 2005, mas sugere que cada país determine seu ponto de corte para circunferência abdominal. Para a América do Sul, recomenda > 90 cm em homens e ≥ 80 cm em mulheres. Ao se identificar um paciente com DHGNA, deve-se avaliá-lo quanto aos critérios de SM. Os que preenchem os critérios estão sob risco cinco vezes maior de A Gastroenterologia na Prática Clínica 181 Como Tratar a Esteato-Hepatite Não Alcoólica? Tabela 1. Critérios de Síndrome Metabólica (AHA, 2005) Pressão arterial sistólica ≥ 130 mmHg e/ou diastólica ≥ 85 mmHg. Triglicerídeos ≥ 150 mg/dL. HDL < 40 mg/dL para homens / < 50 mg/dL para mulheres. Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL. Circunferência abdominal ≥ 102 cm em homens / ≥ 88 cm em mulheres. Para diagnóstico devem ser preenchidos pelo menos 3 dos 5 critérios. evoluir para diabetes mellitus;(9) duas vezes maior de morbidade cardiovascular e 1,5 vez maior de mortalidade geral.(10) Um dos objetivos na intervenção clínica nesses pacientes é prevenir ou retardar o aparecimento de diabetes mellitus do tipo 2 e/ou doença cardiovascular aterosclerótica.(7) Redução da gordura visceral e da RI é a medida terapêutica mais abrangente, mas cada critério alterado da SM tem seu tratamento bem definido, inclusive por diretrizes brasileiras.(11-14) A RI talvez seja o fator sobrejacente mais relevante nos pacientes com DHGNA “primária”, ou seja, não secundária a fatores pontuais, como uso de drogas ou contato com derivados petroquímicos, por exemplo. A medida da circunferência abdominal, a determinação da glicemia de jejum, o teste de tolerância à glicose e o cálculo do índice de HOMA-IR(15) são ferramentas simples que dão ao médico substrato para uma eventual intervenção e medida de comparação no acompanhamento do tratamento de seu paciente. O cálculo do índice de HOMA-IR está descrito no quadro abaixo (quadro 1). Valores acima de 2,71 são indicativos de resistência à insulina na população nacional, segundo pesquisa do Brazilian Metabolic Syndrome Study Group (BRAMS)(16) realizada em 2006. Em 2009, o mesmo grupo definiu o ponto de corte do HOMA-IR em 2,3 como tendo boa correlação com o diagnóstico de SM.(17) Em 2010, Salgado e col.(18) realizaram um estudo na Escola Paulista de Medicina para definir o melhor ponto de corte do HOMA-IR para o diagnóstico de DHGNA, chegando ao valor de 2, com sensibilidade de 85% e especificidade de 83% (AUC = 0,84), ou 2,5 com sensibilidade de 72% e especificidade de 94% (AUC = 0,83). Quadro 1. Cálculo do índice de HOMA-IR Glicemia de jejum mg/dL x Insulina de jejum µU/mL 405 182 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Angelo Alves de Mattos • Dra. Andrea Benevides Leite Outro desafio a ser considerado é a identificação da EHNA, e seu correto estadiamento, diante de pacientes com esteatose à ultrassonografia. Para tanto, o método padrão áureo continua sendo a biópsia hepática, apesar das limitações de amostragem e variabilidade entre observadores. Por ser um procedimento invasivo, uma opção no estadiamento da doença, ainda que insatisfatória, é o uso de modelos não invasivos preditores de fibrose hepática. Aparelhos como o Fibroscan® e escores computadorizados tais como o Fibrometer® têm boa acurácia na determinação de fibrose avançada das hepatites virais.(19,20) No entanto, a falta de precisão na determinação de fibrose mais incipiente e a carência de estudos em DHGNA são limitações desse tipo de ferramenta. Um escore fácil de ser usado na prática clínica, mas também limitado quanto à detecção de fibrose mais inicial, foi desenhado por Angulo e col.(21) em 2007, sendo específico para fibrose da DHGNA. O teste se propõe a separar pacientes com e sem fibrose avançada. O cálculo está disponível na internet: http://nafldscore.com. Em 2008, este escore foi validado para uma população de obesos mórbidos no Paraná. (22) Enfatizamos que os métodos não invasivos atualmente não são capazes de diagnosticar a EHNA. Os pacientes com EHNA necessitam de tratamento para evitar uma possível progressão para cirrose, além de ser oportuna uma vigilância para o risco de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. Em uma abordagem inicial, a dieta com redução de calorias e o exercício físico continuam sendo as bases do tratamento da EHNA, posto que a perda de tecido adiposo intervém no mecanismo básico da doença ao reduzir a RI, além de melhorar os níveis pressóricos, glicêmicos e o perfil lipídico.(7,23) Em 2010, Promrat e col.(24) realizaram um estudo randomizado e controlado em 31 pacientes com índice de massa corpórea (IMC) entre 25 e 40 kg/m2, de um ano de duração, com o objetivo de detectar o efeito da intervenção do estilo de vida nos níveis de aminotransferases e achados histológicos na EHNA. Os autores concluíram que a magnitude da perda de peso correlaciona-se fortemente com a melhora nos marcadores de EHNA, e que um mínimo de 7% de perda de peso é necessário para se atingir algum impacto nas alterações histológicas. Ressalte-se que nenhum participante mostrou melhora no grau de fibrose. O tratamento farmacológico da obesidade, indicado a obesos ou pacientes com sobrepeso e comorbidades que não conseguiram emagrecer com mudança no estilo de vida, inclui diversas drogas, sendo sibutramina e orlistate as mais seguras.(14) Um trabalho com 25 pacientes, onde estes medicamentos foram utilizados, relata significativa melhora na bioquímica hepática, na RI medida A Gastroenterologia na Prática Clínica 183 Como Tratar a Esteato-Hepatite Não Alcoólica? pelo HOMA-IR e redução de peso, além de regressão da esteatose avaliada pela ultrassonografia na maioria dos pacientes. A falta de biópsia hepática seriada é uma limitação deste estudo.(25) A atividade física, além de contribuir para a perda de peso, traz benefícios adicionais relacionados à regulação das vias metabólicas de controle do metabolismo, inflamação e fibrose.(26,27) Dessa forma, a prática regular de exercícios, mesmo quando não resulta em perda de peso, é capaz de retardar a progressão para o diabetes mellitus, melhorar o perfil lipídico(28,29) e, naqueles com DHGNA, reduzir enzimas hepáticas e esteatose.(30-32) A quantidade, intensidade e modalidade de exercício necessárias para obterse benefício na DHGNA ainda não foi precisamente estabelecida.(33) Podemos apenas supor que quanto mais, melhor. O trabalho de Kistler e col.(34) vem ao encontro dessa questão. Nesta pesquisa transversal foram estudados 813 adultos com DHGNA comprovada por biópsia. Os participantes foram alocados em três grupos: praticantes de atividade física intensa, moderada ou inativos, de acordo com a recomendação americana de prática de atividade física. Os autores observaram que os praticantes de atividade intensa tinham uma menor chance de ter EHNA que os demais (OR 0,65); aqueles que ultrapassavam os critérios de atividade intensa tinham chance ainda menor de apresentar fibrose avançada (OR 0,53). Os praticantes de atividade moderada não obtiveram resultado estatisticamente diferente daquele dos inativos. Para o tratamento da EHNA, nenhuma droga isoladamente foi aprovada até o presente momento como primeira linha de tratamento.(35-37) A literatura é escassa em dar respostas mais definitivas e os ensaios clínicos em EHNA sofrem uma série de limitações. Talvez a mais relevante seja a curta duração dos ensaios, e consequente incapacidade de se refletir melhora histológica em benefício clínico, como redução de morbimortalidade. Dentre as drogas elencadas aquela que, ultimamente, tem conseguido maior prestígio parece ser a vitamina E, graças ao seu papel antioxidante. O estudo PIVENS,(38) conduzido pela NASH Clinical Research Network, comparou o efeito de 800 UI/dia de vitamina E e de 30 mg/dia de pioglitazona com placebo no tratamento da EHNA em 247 adultos não diabéticos. O estudo durou 2 anos e foram feitas biópsias hepáticas antes e depois do tratamento. Ambas as drogas mostraram redução no escore de atividade de DHGNA (NAS(39)), sendo que a resolução da EHNA ocorreu em 21% dos pacientes em uso de placebo, 36% daqueles em uso de vitamina E e em 47% dos que estavam em uso de pioglitazona. Nos dois grupos de tratamento ocorreu redução significativa da esteatose 184 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Angelo Alves de Mattos • Dra. Andrea Benevides Leite e da inflamação lobular quando comparados ao placebo. A balonização celular foi reduzida em maior proporção nos grupos de tratamento, mas no grupo da pioglitazona só houve diferença significativa em uma segunda análise. Nenhuma das drogas demonstrou melhora no índice de fibrose. Existem formulações de vitamina E de 400 UI, em cápsulas. Atenção deve ser dada ao uso prolongado dessa dose, já que uma meta-análise(40) com 11 estudos de uso de vitamina E em doses superiores a 400 UI/dia mostrou risco aumentado de mortalidade geral. As tiazolidinedionas, como a pioglitazona e a rosiglitazona, são drogas usadas no tratamento do DM por promoverem melhora da sensibilidade à insulina no tecido adiposo, hepático e músculo-esquelético.(41) Estudos anteriores ao PIVENS já foram conduzidos para avaliar o poten­cial terapêutico da pioglitazona na EHNA, a maioria obtendo resposta histológica.(42-44) Um deles foi conduzido para observar os efeitos da suspensão da droga, constatando-se perda dos benefícios obtidos após o fim do tratamento. (45) Seria então necessário seu uso de forma prolongada. Atualmente há alguma inquietação no uso da pioglitazona devido à observação recente de uma possível associação da droga com câncer de bexiga.(46) A rosiglitazona também foi satisfatoriamente eficaz no tratamento da EHNA, ao longo de 1 ano, segundo alguns estudos(47-49) mas, no Brasil, teve sua comercialização suspensa após suspeitas de que estivesse associada a risco aumentado de infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca.(50-53) Levando em consideração o mecanismo fisiopatogênico básico da maioria dos casos de DHGNA, parece ser racional o tratamento da EHNA com metformina, um agente redutor da RI. Na prática clínica, a metformina é uma droga largamente utilizada no tratamento de pacientes com diabetes mellitus e prédiabetes, sendo de baixo custo e estando disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). É sabido que esta droga também melhora o perfil lipídico e pode induzir alguma perda de peso.(54) Alguns estudos com metformina foram realizados em pacientes com EHNA, demonstrando alguma melhora bioquímica na maioria, porém, naqueles em que havia controle histológico, não houve mudança ou melhora estatisticamente significativa.(55-58) Um único estudo demonstrou resposta bioquímica e histológica após 1 ano de tratamento com 2 g/dia de metformina, sendo a melhora significativa ao ser comparada com o braço tratado com vitamina E 800 UI/dia e com aqueles tratados com dieta hipocalórica. No entanto, dos 55 casos em uso de metformina, apenas 17 submeteram-se a biópsia ao fim do tratamento, além do que não houve biópsia pós-tratamento dos contro- A Gastroenterologia na Prática Clínica 185 Como Tratar a Esteato-Hepatite Não Alcoólica? les. (59) Portanto, ainda não existem fortes evidências para a indicação específica da metformina no tratamento da EHNA. Nos casos de sua indicação dentro de um contexto clínico, afora os cuidados de prescrição quanto à acidose láctica, deve-se dar atenção ao nível de vitamina B12 no uso prolongado da droga, para evitar deficiência da vitamina.(60,61) Ao abordar o tratamento da EHNA é preciso estar ciente da complexidade da fisiopatogenia da doença, ainda não totalmente elucidada. Atentar apenas para a resolução da RI e supor que todos os casos respondem da mesma forma é uma abordagem simplista para uma doença de etiologia e fisiopatogenia multifatorial. O mais recente estudo sobre o efeito da rosiglitazona na EHNA, o FLIRT 2,(62) colocou em evidência essa questão. Nesse estudo, os autores observaram que a melhora da esteatose, verificada no primeiro ano de uso (estudo FLIRT(48)), não se repetiu nos dois anos subsequentes, mesmo tendo novamente havido melhora nas aminotransferases e na sensibilidade à insulina. O tratamento por três anos não foi capaz de alterar o escore de inflamação e houve, inclusive, um discreto e não significativo aumento no escore global de fibrose. Ou seja, a queda no índice de HOMA-IR não é preditor de resposta histológica. Isso reforça o conceito de múltiplos mecanismos envolvidos na patogênese da EHNA, que podem vir a ser alvo de tratamento, sendo este um vasto campo de pesquisa. Ao largo dessa vertente, alguns estudos têm focado no papel dos antioxidantes, do fator antinecrose tumoral alfa (anti-TNFα) e do ácido ursodesoxicólico (AUDC). Além da vitamina E, outros antioxidantes, como a betaína e a N-acetilcisteína vêm sendo estudados. Em 2009, Abdelmalek e col.(63) publicaram um estudo placebo-controlado de 1 ano de tratamento com betaína anidra em 55 pacientes com EHNA, não encontrando alterações na biópsia pós-tratamento. Também não houve aumento nos níveis de adiponectina, ou diminuição nos níveis de glicemia, insulina e S-adenosil-homocisteína. No entanto, a maioria dos pacientes interrompeu a droga por efeitos adversos. Quanto à N-acetilcisteína, o único estudo randomizado e controlado(64) disponível até o momento não avaliou resposta histológica. O resultado desse trabalho mostrou alguma melhora na bioquímica hepática, mas não estatisticamente significativa. A pentoxifilina apresentou resposta histológica em um pequeno estudo(65) de 25 pacientes com EHNA. Outros dois ensaios estão para ser publicados, ambos com algum grau de resposta histológica. Uma meta-análise recente concluiu que a pentoxifilina não diminui os níveis de IL-6 ou TNFα.(66) O efeito do AUDC (na dose de 12–15 mg/kg) nas alterações histológicas da 186 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Angelo Alves de Mattos • Dra. Andrea Benevides Leite EHNA foi relatado em alguns estudos, havendo dois randomizados e placebocontrolados ambos com dois anos de duração. O de Lindor e col.,(67) com 166 pacientes, encontrou melhora não significativa das lesões histológicas, assim como das enzimas hepáticas. O de Dufour e col.(68) constatou ausência de efeito na histologia hepática daqueles em uso exclusivo da droga, apesar da resposta bioquímica. Recentemente, um terceiro ensaio clínico randomizado, placebocontrolado,(69) com biópsias seriadas, foi realizado com doses altas de AUDC (23–28 mg/kg); este também não encontrou mudanças na histologia hepática, exceto por melhora na inflamação lobular. Em resumo, até o momento também não há evidências na literatura que dêem suporte ao uso de betaína, N-acetilcisteína, pentoxifilina ou AUDC, no tratamento da EHNA. Voltando à intervenção na síndrome metabólica, drogas que atuam no metabolismo dos lipídeos e anti-hipertensivos também foram avaliadas em pequenos estudos para tratamento de EHNA, com resultados interessantes para o telmisartan.(70-74) Mais evidências são necessárias antes de alguma dessas drogas se estabelecer como tratamento da EHNA. O papel da flebotomia no tratamento da EHNA, tendo em vista eventual sobrecarga secundária de ferro, é discutível. A flebotomia melhora a RI e diminui os níveis de aminotransferases, no entanto, deve-se aguardar estudos controlados antes de uma postura mais definitiva.(75) Vários estudos têm surgido na literatura abordando o reflexo que a cirurgia bariátrica poderia ter na EHNA. No entanto, ainda não é possível estabelecer seu papel no tratamento da DHGNA pela falta de ensaios clínicos randomizados, com desenhos metodológicos adequados, segundo uma revisão feita em 2010 pela base de dados Cochrane.(76) Em resumo, o tratamento da EHNA envolve primordialmente mudança do estilo de vida. Reduzir a gordura visceral através de exercícios físicos e dieta hipocalórica retira o estímulo fisiopatogênico básico indutor da DHGNA. Algumas drogas podem ser utilizadas para tratamento da EHNA, em associação com essas medidas, no entanto, a literatura carece de dados conclusivos para respaldar uma conduta medicamentosa mais definitiva. Os medicamentos mais promissores são a vitamina E e a pioglitazona, com a ressalva do possível aumento de mortalidade induzido pela vitamina E a longo prazo e do possível risco de câncer de bexiga associado à pioglitazona. Na prática clínica, a metformina pode ser utilizada nos casos de RI, como se verifica naqueles pacientes com circunferência abdominal aumentada ou HOMA-IR elevado. Faz parte do A Gastroenterologia na Prática Clínica 187 Como Tratar a Esteato-Hepatite Não Alcoólica? trabalho do gastroenterologista/hepatologista, enquanto médico, tratar os pacientes quanto aos fatores de risco para DHGNA, estimulando a mudança no estilo de vida e lançando mão de anti-hipertensivos ou hipolipemiantes quando julgar necessário. Referências 1. Powell EE, Cooksley WG, Hanson R, Searle J, Halliday JW, Powell LW. The natural history of nonalcoholic steatohepatitis: a follow-up study of forty-two patients for up to 21 years. Hepatology 1990;11:74-80. 2. Adams LA, Sanderson S, Lindor KD, Angulo P. The histological course of nonalcoholic fatty liver disease: a longitudinal study of 103 patients with sequential liver biopsies. J Hepatol 2005;42:132-8. 3. Teli MR, James OF, Burt AD, Bennett MK, Day CP. 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Bariatric surgery for non-alcoholic steatohepatitis in obese patients. Cochrane Database Syst Rev 2010;1:CD007340. 192 Federação Brasileira de Gastroenterologia Capítulo 20 Qual o Melhor Betabloqueador em Cirróticos? Dr. Mário Reis Álvares-da-Silva A hipertensão portal é uma complicação importante da cirrose e está por trás de muitas de suas complicações, como sangramento de varizes esofagogástricas, gastropatia hipertensiva, hiperesplenismo, ascite, peritonite bacteriana espontânea, síndrome hepatorrenal, encefalopatia hepática. Quando aferida pelo gradiente de pressão venosa hepática (HVPG), a pressão portal acima de 10 mmHg representa uma situação de risco, sendo que o sangramento digestivo costuma ocorrer em valores superiores a 12 mmHg. O surgimento de varizes esofágicas em um paciente cirrótico é um marco. Isto atesta a passagem para um patamar mais grave da doença. A classificação do status clínico da cirrose leva em consideração a presença de varizes. O surgimento de ascite em momento seguinte demonstra que a hipertensão portal está se tornando mais grave, o que se correlaciona com o risco de mortalidade. A figura 1 demonstra os status clínicos da cirrose e a mortalidade em um ano, incorporando o conceito de hipertensão portal clinicamente significativa, que associa o aumento progressivo da pressão portal à descompensação da cirrose e ao óbito. Estratégias para reverter a hipertensão portal são de grande interesse, mas infelizmente ainda limitadas ao uso de betabloqueadores não seletivos (NSBBs). As recomendações habitualmente seguidas no seu controle advêm das Reuniões de Consenso de Baveno, desenvolvidas desde a segunda metade da década de 80. Os consensos de Baveno baseiam a intervenção na hipertensão portal de acordo com a presença de varizes de esôfago. Estas intervenções podem ser feitas em diferentes momentos: a) profilaxia pré-primária, para evitar A Gastroenterologia na Prática Clínica 193 Qual o Melhor Betabloqueador em Cirróticos? Figura 1. Status clínicos da cirrose. Onde HVPG = gradiente de pressão venosa hepática. Status I Status II Status III Status IV 1% 3% 20% 57% Varizes Varizes Varizes sangrantes Ascite + Ascite Mortalidade 1 ano HVPG 6 mmHg 100 mmHg 200 mmHg a formação de varizes; b) profilaxia primária, a fim de evitar o sangramento de varizes já existentes; c) profilaxia secundária, com o propósito de evitar um novo sangramento em paciente com história de sangramento varicoso prévio. O consenso mais recente é Baveno V, do ano de 2010. A tabela 1 resume os principais pontos sugeridos por Baveno V em relação ao uso de NSBBs. Onde: NSBBs= betabloqueadores não seletivos; ISMN= mononitrato de isossorbida; LEVE= ligadura endoscópica de varizes de esôfago; HVPG= gradiente de pressão venosa hepática; EEVE= escleroterapia endoscópica de varizes de esôfago. Na coluna Baveno V, números e letras se referem, respectivamente, a evidência e grau de recomendação (sistema Oxford). O fármaco mais empregado no controle da hipertensão portal é o propranolol. Largamente utilizado, o propranolol carrega a alcunha de “aspirina do hepatologista”. Seu uso reduz a pressão portal em 2/3 dos pacientes, através da diminuição do fluxo sanguíneo portal e do índice e da frequência cardíacos. Em torno de 30% deles surgem sintomas de intolerância que impedem que a droga seja mantida. Além disso, a evidência clínica de betabloqueio atestada pela redução em 25% da frequência cardíaca não reflete necessariamente a redução da pressão portal. De fato, para que se determine a eficácia da droga deve-se indicar um procedimento invasivo – a aferição do HVPG. Na prática 194 Federação Brasileira de Gastroenterologia Dr. Mário Reis Álvares-da-Silva Tabela 1. Recomendações para o controle da hipertensão portal de acordo com as mais recentes Reuniões de Consenso de Baveno Critério O que estava em Baveno IV O que mudou em Baveno V Profilaxia pré-primária Cirrose = endoscopia para avaliar varizes; não está indicado o uso de NSBBs sem endoscopia prévia; não há indicação para tratamento na prevenção da formação de varizes. Inclui o HVPG ≥ 10 mmHg como preditor da formação de varizes (1b;A), mas restringe seu uso com este propósito apenas a ensaios clínicos (5;D); recomenda o tratamento da doença hepática de base como forma de reduzir a pressão portal e a formação de varizes (1b;A). Profilaxia primária (VE pequeno calibre) Recomenda o uso de NSBB caso haja sinais vermelhos ou pacientes Child-Pugh C. Discute a possibilidade de serem indicados NSBBs para qualquer paciente com varizes de pequeno calibre (1b;A). Profilaxia primária (VE médio-grande calibre) Não faz comentários específicos. NSBB ou LEVE recomendados para a profilaxia primária (1a;A); a escolha depende da expertise do local, preferências do paciente, efeitos adversos e contraindicações (5;D); NSBB + LEVE não é recomendada, assim como não há evidências de que NSBB + ISMN ou espironolactona devam ser associados (1b;A); carvedilol é uma alternativa promissora, mas necessita de maiores estudos (1b;A); EEVE, shunts ou ISMN não devem ser usados neste cenário (1a;A). Profilaxia primária (varizes gástricas) Sugere ensaios clínicos randomizados para definir a conduta. Recomenda NSBBs. Aferição do HVPG (para controle do tratamento) Não faz comentários específicos. A diminuição de ao menos 20% em relação ao baseline ou a queda para ≤12 mmHg após tratamento crônico com NSBBs é útil para profilaxia primária (1a;A); resposta aguda após propranolol IV pode ser usada para identificar respondedores a NSBBs queda de 10% do HVPG ou HVPG ≤12 mmHg (1b;A). Profilaxia secundária em cirróticos NSBBs, LEVE ou ambos devem ser usados na prevenção do ressangramento. Avaliação da resposta hemodinâmica à droga dá informações sobre o risco de ressangramento. A associação de ISMN a NSBB pode aumentar a eficácia do tratamento em pacientes que não responderem do ponto de vista hemodinâmico (5;D). Nos pacientes que não podem ou não querem ser tratados com LEVE, NSBB+ISMN é o tratamento de escolha (1a;A). A Gastroenterologia na Prática Clínica 195 Qual o Melhor Betabloqueador em Cirróticos? clínica não se costuma aferir o gradiente e a maior parte dos pacientes que utiliza propranolol a longo prazo o faz sem que se saiba se está sendo efetivo ou não. O nadolol é outro agente bastante estudado para o controle da pressão portal, embora não seja tão empregado clinicamente como o propranolol. Um recente estudo francês mostrou que há risco na administração de NSBBs na cirrose avançada. Os autores avaliaram de forma prospectiva, porém observacional, 151 pacientes portadores de cirrose e ascite refratária em uso ou não de propranolol para a profilaxia de sangramento varicoso. A probabilidade de sobrevida em 1 ano no grupo controle foi de 64% vs. 19% naqueles que recebiam propranolol (p<0,0001), sugerindo que NSBBs não devam ser usados nesta população. O estudo tem sido criticado por suas deficiências metodológicas, mas teve o grande mérito de trazer esta questão à tela. O uso de propranolol em cirróticos avançados provavelmente será tema de ensaios clínicos randomizados no futuro. Dentre os NSBBs o mais promissor, talvez o agente ideal, é o carvedilol. Ele é um potente agente betabloqueador e em menor escala (1/10 da atividade betabloqueadora), uma droga anti-α-adrenérgica. O carvedilol, como betabloqueador, por ação nos receptores β1 do miocárdio, diminui o débito cardíaco, enquanto sua ação nos receptores β2 da circulação mesentérica promove vasoconstrição esplâncnica. Sua ação anti-α- -adrenérgica diminui o tono vascular hepático (figura 2). O efeito benéfico da associação das ações betabloqueadora Figura 2. Mecanismos associados à redução da pressão portal com o uso de carvedilol. Onde: FC= frequência cardíaca. Carvedilol E tono vascular hepático Efeito bbloqueador seletivo Efeito betabloqueador a1adrenérgico E da resistência hepática E do fluxo portal E da pressão portal 196 Federação Brasileira de Gastroenterologia E FC e do índice cardíaco Vasoconstrição esplâncnica Dr. Mário Reis Álvares-da-Silva e bloqueadora-α-adrenérgica já havia sido testado no passado com a associação de propranolol e prazosina. Desenvolvido para o tratamento da hipertensão arterial e insuficiência cardíaca, o carvedilol tem 2 a 4 vezes maior potência betabloqueadora que o propranolol. Além disso, tem efeito antioxidante que poderia ser especialmente útil em cirróticos. No entanto, há riscos de que sua ação vasodilatadora sistêmica promova hipotensão arterial e retenção de sódio. Vários estudos demonstram efeitos benéficos do carvedilol no controle da pressão portal, superiores àqueles obtidos com propranolol. Alguns estudos sugerem que em doses relativamente baixas (12,5 mg/dia ou 6,25 mg 2 vezes ao dia) há queda significativa da pressão portal com menor risco de hipotensão sistêmica. No entanto, ainda são necessários mais estudos para determinar sua eficácia clínica e sua segurança. Em resumo, os NSBBs são importantes agentes para o controle da hipertensão portal em pacientes portadores de cirrose. Propranolol e nadolol são os agentes mais estudados, mas apresentam limitações. Carvedilol parece ser a melhor alternativa. No entanto, ainda no consenso Baveno V é recomendado que este agente venha a ser melhor estudado antes que venha a substituir o propranolol como droga de escolha. De tal forma que em resposta à pergunta formulada no título pode-se hoje afirmar que não há ainda um agente betabloqueador que preencha todas as características necessárias para que seja classificado como o betabloqueador ideal. Bibliografia recomendada 1. De Franchis R. Revising consensus in portal hypertension: Report of the Baveno V consensus workshop on methodology of diagnosis and therapy in portal hypertension. J Hepatol 2010;53:762-68. 2. Bosch J. Carvedilol for portal hypertension in patients with cirrhosis. Hepatology 2010;2214-18. 3. Tripathi D, Hayes PC. The role of carvedilol in the management of portal hypertension. Eur J Gastroenterol Hepatol 2010;22:905-11. 4. Sersté T, Melot C, Francoz C et al. Deleterious effects of beta-blockers in patients with cirrhosis and refractory ascites. Hepatology 2010;52:1017-22. A Gastroenterologia na Prática Clínica 197 198 Federação Brasileira de Gastroenterologia A Gastroenterologia na Prática Clínica 199 As opiniões e/ou conclusões do(s) autor(es) são de responsabilidade do(s) mesmo(s) e não refletem necessariamente as da NYCOMED. 200 Federação Brasileira de Gastroenterologia Lançamento Uma Dose Diária1-3 No tratamento da RETOCOLITE ULCERATIVA1,4 Nã geno pos éric sui o 10 Exclusiva Tec no *11 log ia MMX Manutenção 5-7 Indução à remissão 4,8,9 Mesacol® MMX* 2400mg/dia 1x ao dia Mesacol® MMX* 4800mg/dia 1x ao dia Mesacol® MMX* não é recomendado em casos de hipersensibilidade a salicilatos. A administração da mesalazina pode potencializar a toxicidade do metotrexato. Referências bibliográficas: 1) Mesacol® MMX* [Bula]. São Paulo: Nycomed Pharma. 2) Lakatos PL. Use of new once-daily 5-aminosalicylic acid preparations in the treatment of ulcerative colitis: Is there anything new under the sun? World J Gastroenterol. 2009; 15(15):1799-804. 3) D’Haens GD et al. Once daily MMX mesalazine for the treatment of mild-to-moderate ulcerative colitis: a phase II, dose-ranging study. Aliment Pharmacol Ther. 2006;24:1087-97. 4) Kamm MA et al. Once-daily, high-concentration MMX mesalamine in active ulcerative colitis. Gastroenterology. 2007;132:66-75. 5) Kamm MA et al. Randomised trial of once- or twice-daily MMX mesalazine for maintenance of remission in ulcerative colitis. Gut. 2008;57(7):893-902. 6) Kamm MA et al. MMX mesalazine is well tolerated during 12 month’s maintenance treatment of mild to moderate ulcerative colitis. 7) Prantera C et al. Clinical trial: ulcerative colitis maintenance treatment with 5-ASA: a 1-year, randomized multicentre study comparing MMX with Asacol. Aliment Pharmacol Ther. 2009; 30: 908-18. 8) Kruis W et al. Once daily versus three times daily mesalazine granules in active ulcerative colitis: a double-blind, double-dummy, randomized, non-inferiority trial. Gut. 2009;58(2):233-40. 9) Lichtenstein GR et al. Effect of once or twice-daily MMX mesalamine (SPD476) for the induction of remission of mild to moderately active ulcerative colitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2007;5:95-102. 10) Lista de genéricos. Guia da Farmácia. 2011;18(220 Supl):2-32. 11) Hu MY, Peppercorn MA. MMX mesalamine: a novel high-dose, once-daily 5-aminosalicylate formulation for the treatment of ulcerative colitis. Expert Opin Pharmacother. 2008;9(6):1049-58. Mesacol® MMX* - mesalazina - Uso adulto - Apresentações e composição: Comprimidos revestidos de liberação prolongada, com 1,2 g de mesalazina cada. Embalagens com 10 e 30 unidades. Indicações: antiinflamatório de ação local no tratamento da colite ulcerativa ativa leve a moderada, na fase aguda (indução da remissão) e na manutenção da remissão. Contra-indicações: Este medicamento não deve ser usado por pacientes com história de hipersensibilidade aos salicilatos (que inclui o ácido acetilsalicílico), à mesalazina, à sulfassalazina ou a qualquer dos componentes da fórmula; pacientes com insuficiência hepática e/ou renal graves; pacientes com úlcera gástrica e duodenal ativa; pacientes com tendência elevada a sangramento. Este medicamento é contra-indicado para menores de 18 anos. Precauções e advertências: As mesmas precauções e advertências relacionadas com o uso de preparações contendo mesalazina ou pró-drogas de mesalazina devem ser consideradas para Mesacol® MMX*. Assim como todos os salicilatos, a mesalazina deve ser utilizada com cautela em pacientes com história de úlcera gástrica ou duodenal, por pacientes asmáticos (em função das reações de hipersensibilidade), com disfunção renal ou hepática (leve a moderada), ou com história de miocardite ou pericardite. Mesalazina não é recomendada para pacientes com disfunção renal grave e deve-se ter cautela com pacientes com níveis sangüíneos aumentados de uréia ou com proteinúria. A mesalazina é rapidamente excretada pelos rins, principalmente o seu metabólito ácido N-acetil-5-aminossalicílico. Em ratos, altas doses da mesalazina, administradas por via intravenosa, causaram toxicidade tubular e glomerular. Em caso de aparecimento de disfunção renal durante o tratamento deve-se suspeitar de nefrotoxicidade induzida pela mesalazina. Nestes casos é recomendado monitorar a função renal, especialmente no início do tratamento. Durante tratamento prolongado, é também necessário monitorar regularmente a função renal (creatinina sérica). Ainda não está estabelecida a segurança do produto em crianças. Gravidez e lactação: Mesacol® MMX* está classificado na Categoria B de risco de fármacos destinados ao uso em grávidas. O produto, a princípio, não deve ser empregado em gestantes e lactantes, exceto quando absolutamente necessário. A segurança de Mesacol® MMX* para uso durante a gravidez ou a amamentação ainda não foi estabelecida, mas sabe-se que a mesalazina atravessa a placenta e é excretada pelo leite materno em pequenas quantidades. Estudos pré-clínicos não revelaram evidência de efeitos teratogênicos ou de toxicidade fetal oriundos da mesalazina, nem na evolução da gestação ou no desenvolvimento perinatal e pós-natal. A pequena experiência de uso da mesalazina em outras formulações durante a gravidez não mostrou efeito prejudicial ao feto; entretanto, a mesalazina deve ser usada com cautela durante a gravidez e somente quando os benefícios para a mãe forem superiores aos riscos potenciais ao feto. Baixas concentrações de mesalazina e de seu metabólito N-acetilado foram detectadas no leite materno, mas o significado clínico desta evidência ainda não foi determinado. Portanto, deve-se ter cautela na administração da mesalazina a lactantes. Categoria B de risco na gravidez – Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. Pacientes pediátricos: Devido à falta de dados sobre a administração da mesalazina em altas doses na população pediátrica, Mesacol® MMX* não é recomendado para pacientes menores de 18 anos. Pacientes idosos: Não existe experiência suficiente sobre o uso de Mesacol® MMX* em pacientes com idade acima de 65 anos. No entanto, não foram identificadas diferenças entre o uso em pacientes mais jovens e em idosos com outras formulações de mesalazina. Pacientes com insuficiência renal: não são disponíveis informações sobre o uso em pacientes com insuficiência renal leve ou moderada. O medico deverá avaliar a relação risco/benefício para o seu uso. Pacientes com insuficiência hepática: não são disponíveis informações sobre o uso em pacientes com insuficiência hepática leve ou moderada. O medico deverá avaliar a relação risco/benefício para o seu uso. Dirigir e operar máquinas: É improvável que o uso deste medicamento tenha qualquer efeito na capacidade de dirigir veículos ou de usar máquinas. Interações medicamentosas: Nenhum estudo formal de interação foi conduzido. Não são disponíveis informações sobre interações entre Mesacol® MMX* e outros fármacos. Entretanto, existem relatos de interação entre a mesalazina (outras formulações) e outros medicamentos. O uso concomitante da mesalazina com agentes sabidamente nefrotóxicos, inclusive com os anti-inflamatórios não-hormonais (AINHs – como aspirina, ibuprofeno, diclofenaco, etc.) e azatioprina, pode aumentar o risco de reações renais; o potencial para discrasias sangüíneas da azatioprina e da 6-mercaptopurina pode ser aumentado; a ação hipoglicemiante das sulfoniluréias pode ser intensificada; a atividade anticoagulante dos derivados cumarínicos (varfarina) pode ser reduzida; a toxicidade do metotrexato pode ser potencializada; o efeito uricosúrico da probenecida e da sulfimpirazona pode ser diminuído, assim como a ação diurética da furosemida e da espironolactona e a ação tuberculostática da rifampicina. Em tese, a administração concomitante de anticoagulantes orais deve ser feita com cautela. Substâncias como a lactulose, que diminuem o pH do cólon, podem reduzir a liberação da mesalazina dos comprimidos revestidos de Mesacol® MMX*. Reações adversas: A maioria das reações adversas relatadas com Mesacol® MMX* foi transitória, e de intensidade leve a moderada. Foram descritas as seguintes reações adversas, distribuídas em grupos de freqüências: Reação comum (> 1/100 e < 1/10): Gastrintestinal: Flatulência e Náusea. Sistema Nervoso: Cefaléia. Estas reações ocorreram em menos de 3% dos pacientes, independente da dose administrada. Reação incomum (> 1/1.000 e < 1/100): Gastrintestinal: vômito, dor abdominal, distensão abdominal, diarréia, dispepsia, pancreatite, colite e pólipo retal. Hepatobiliar: aumento das transaminases, anormalidades no teste da função hepática. Sistema nervoso: tontura, sonolência, tremores. Cardiovascular: taquicardia, hipertensão e hipotensão arterial. Respiratório: dor faringolaríngea. Ouvido e labirinto: otalgia. Pele e tecido subcutâneo: acne, alopécia, prurigo, urticária, exantema, prurido. Sangue e linfa: Redução do número de plaquetas. Musculosqueléticas: artralgia, lombalgia. Gerais: Astenia, fadiga, pirexia, edema da face. Posologia e modo de usar: Mesacol® MMX* é para uso exclusivo por via oral. Para o tratamento da colite ulcerativa leve a moderada, a dose usual para adultos acima de 18 anos é de 2.400 mg a 4.800 mg (2 a 4 comprimidos) ao dia, administrada em dose única, de preferência sempre à mesma hora de cada dia, acompanhada de uma refeição. Caso o paciente esteja tomando a dose mais elevada (4.800 mg/dia), deve ser reavaliado após 8 (oito) semanas de tratamento. Não apresentando mais sintomas, pode-se prescrever uma dose diária de 2.400 mg (2 comprimidos) para prevenir a recorrência de novas crises da doença (manutenção da remissão). A duração recomendada é de 8 semanas consecutivas, salvo critério médico diferente. Este medicamento não deve ser partido, mastigado ou dissolvido. A PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO. USO ADULTO, ACIMA DE 18 ANOS. Registro MS - 1.0639. 0248 MEMX_0109_1210_VP. Material destinado exclusivamente a profissionais habilitados a prescrever e/ou dispensar medicamentos. Nov/2011. Nycomed Pharma Ltda. Rua do Estilo Barroco, 721 - 04709-011 - São Paulo - SP Mais informações poderão ser obtidas diretamente com o nosso Departamento Médico ou por meio de nossos representantes. MESACOL® é Marca Registrada da Nycomed Pharma Ltda., MMX* é Marca Depositada de Giuliani S.p.A. u o egou 40mg * pantoprazol magnésico di-hidratado Apresentações:3 A evolução no tratamento da DRGE. 1,2 30 e 60 comprimidos 3 Posologia na DRGE: 1 comprimido de 40mg, 1x ao dia 6060441 – TE LIVRO PRÉ-CONGRESSO – Nov/2011 CChheg Contraindicação: Tecta não deve ser usado em casos de hipersensibilidade conhecida ao pantoprazol ou aos demais componentes da fórmula. Interação medicamentosa: Tecta , assim como outros medicamentos da mesma classe, não deve ser coadministrado com atazanavir/nelfinazir. ® ® USO ORAL USO ADULTO ACIMA DE 18 ANOS Apresentações e composição: Comprimidos gastrorresistentes de 40 mg. Embalagens com 2, 15, 28,30, ou 60 comprimidos. Indicações: TECTA® 40 mg está indicado para o tratamento das esofagites de refluxo moderada ou grave e dos sintomas de refluxo gastroesofágico. Também é indicado para tratamento intermitente de sintomas de acordo com a necessidade (on demand). Contra-indicações: TECTA® não deve ser usado em casos de hipersensibilidade conhecida ao pantoprazol ou aos demais componentes da fórmula. TECTA®, assim como outros IBPs, não deve ser coadministrado com atazanavir/nelfinazir (vide Advertências e Precauções/Interações Medicamentosas). TECTA® não deve ser administrado em terapia combinada para erradicação do Helicobacter pylori a pacientes com disfunção hepática ou renal moderada a grave, uma vez que não existe experiência clínica sobre a eficácia e a segurança da terapia combinada nesses pacientes. Este medicamento é contra-indicado na faixa etária de 0 a 18 anos. Categoria B de risco na gravidez: Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. Advertências e Precauções: Quando prescrito dentro de uma terapia combinada, as instruções de uso de cada uma dos fármacos devem ser seguidas. Na presença de qualquer sintoma de alarme (como significante perda de peso não intencional, vômitos recorrentes, disfagia, hematêmese, anemia ou melena) e quando houver suspeita ou presença de úlcera gástrica, deve ser excluída a possibilidade de malignidade, já que o tratamento com pantoprazol pode aliviar os sintomas e retardar o diagnóstico. Casos os sintomas persistam apesar de tratamento adequado, investigações adicionais devem ser consideradas. Gravidez e lactação: Categoria B de risco na gravidez. Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. TECTA® não deve ser administrado em gestantes e lactantes, a menos que absolutamente necessário, uma vez que a experiência clínica sobre seu uso em mulheres nestas condições é limitada. Estudos de reprodução em animais demonstraram uma fetotoxicidade leve com doses acima de 5 mg/kg. Os dados disponíveis sobre o uso de pantoprazol em lactantes são limitados. A excreção do pantoprazol no leite humano foi detectada em caso isolado após uma única dose oral de 40 mg. A relevância clínica desta descoberta não é conhecida. TECTA® só deve ser utilizado durante a gravidez e a lactação quando o benefício para a mãe for considerado maior que o risco potencial ao feto ou à criança. Pacientes idosos: Não é necessária nenhuma adaptação posológica para pacientes idosos. TECTA® pode ser utilizado por pessoas com mais de 65 anos. Em voluntários idosos, a ASC e a Cmax (concentração máxima) aumentam discretamente, quando comparadas às de indivíduos jovens; porém, estes aumentos não são clinicamente significativos. Não se recomenda nenhum ajuste posológico baseado na idade. A dose diária em pacientes idosos, via de regra, não deve ultrapassar os regimes posológicos recomendados. Pacientes pediátricos: A segurança e eficácia do emprego de TECTA® não foram estabelecidas em menores de 18 anos, portanto o seu uso não está indicado para pessoas menores de 18 anos. Insuficiência renal: para paciente com disfunção renal leve a moderada não é necessário ajuste posológico; a dose diária não deve ultrapassar os regimes posológicos recomendados. Nos casos de insuficiência renal grave o paciente deve ser cuidadosamente monitorado. Em pacientes com função renal reduzida (p. ex., pacientes em diálise), nenhum ajuste de dose é necessário. Assim como para indivíduos sadios, a meia-vida do pantoprazol é curta. Somente pequenas quantidades de pantoprazol são dialisáveis. Embora a meia-vida do principal metabólito tenha sido moderadamente aumentada para 2-3 h, a excreção é ainda rápida e, portanto não ocorre acúmulo. Insuficiência hepática: não é recomendado ajuste posológico para paciente com disfunção hepática leve a moderada. Em caso de redução intensa da função hepática a dose deve ser ajustada para 1 comprimido de 40 mg a cada dois dias. Em pacientes com insuficiência hepática grave, devem ser regularmente monitoradas as enzimas hepáticas durante o tratamento com TECTA®; se houver aumento nos valores enzimáticos, o tratamento deve ser descontinuado. A meia-vida aumentou para 7 e 9 horas, a ASC aumentou em um fator de 5 a 7 e a Cmax aumentou em um fator de 1,5 em pacientes com cirrose hepática em comparação com indivíduos sadios após a administração de 40 mg de pantoprazol sódico. Efeitos na capacidade de dirigir e operar máquinas: não há efeitos conhecidos na capacidade de dirigir e operar máquinas. Interações medicamentosas: O conteúdo de magnésico em um comprimido de TECTA® não é clinicamente significante (1,268 g a cada comprimido de 40 mg). Assim, não são esperadas diferenças nas interações medicamentosas entre o pantoprazol magnésico e o pantoprazol sódico. Como os demais membros de sua classe, TECTA® pode alterar a absorção de medicamentos cuja biodisponibilidade seja dependente do pH do suco gástrico, como o cetoconazol e itraconazol. Isso se aplica também a medicamentos ingeridos pouco tempo antes de TECTA®. Assim como outros medicamentos da mesma classe, não deve ser coadministrado com atazanavir/nelfinazir, pois a absorção desses antirretovirais é pH dependente, podendo ocorrer uma redução substancial na biodisponibilidade dos mesmos (ver Contra-Indicações). Pantoprazol é extensivamente metabolizado no fígado. Inicialmente sofre desmetilação e oxidação a sulfonas pelas subenzimas CYP2C19 e CYP3A4 do citocromo P 450 (Fase I do metabolismo). Como conseqüência da baixa afinidade do pantoprazol e de seus metabólitos, o hidroxipantoprazol e o hidroxipantoprazol sulfona pelas enzimas do citocromo P 450, seu potencial de interação na Fase I é limitado, o que permite que o fármaco saia rapidamente do retículo endoplasmático e seja transferido subsequentemente para o citoplasma para ser conjugado com sulfato, na Fase II do metabolismo. Esta baixa afinidade resulta em predominância do metabolismo no sistema de conjugação (Fase II) que, ao contrário do sistema P 450, não é saturável e consequentemente não-interativa. Esta etapa independe do sistema enzimático citocromo P 450. A interação entre pantoprazol e outras substâncias metabolizadas na Fase I do metabolismo não pode, em princípio, ser excluída. Nos estudos sobre interações medicamentosas conduzidos até o momento, onde foram analisados os substratos de todas as famílias do citocromo P450 envolvidas no metabolismo de fármacos no homem, verificou-se que pantoprazol não afeta a farmacocinética ou a farmacodinâmica da carbamazepina, cafeína, diazepam, diclofenaco, digoxina, etanol, glibenclamida, metoprolol, naproxeno, nifedipina, fenitoína, piroxicam, teofilina, e contraceptivos orais. TECTA® não aumenta a excreção urinária dos marcadores de indução, ácido D-glucarídico e 6 ß-hidroxicortisol. Da mesma forma, os fármacos investigados não influenciaram a farmacocinética do pantoprazol. Embora, em estudos clínicos farmacocinéticos não tenha sido observada nenhuma interação durante a administração concomitante à femprocumona ou à varfarina, foram observados no período de pós-comercialização alguns casos isolados de alterações no INR (tempo de protrombina do paciente/média normal do tempo de protrombina) nessas situações. Consequentemente, em pacientes que estão sendo tratados com anticoagulantes cumarínicos, é recomendada a monitoração do tempo de protrombina/INR após o início, término ou durante o uso irregular de pantoprazol. Não existe interação na administração concomitante com antiácidos. De maneira geral, o tratamento diário com qualquer medicamento bloqueador de ácido por um longo tempo (p. ex., mais que três anos) pode levar a uma má absorção da cianocobalamina (vitamina B12). Estudos de interação farmacocinética em humanos, administrando-se pantoprazol simultaneamente aos antibióticos claritromicina, metronidazol e amoxicilina não demonstraram nenhuma interação clinicamente significativa. Ingestão com alimentos: O consumo de alimentos não interfere com as ações do TECTA® no organismo. Interferência em testes de laboratório: Em alguns poucos casos isolados, detectou-se alterações no tempo de coagulação durante o uso de pantoprazol. Desta forma, em pacientes tratados com anticoagulantes cumarínicos, recomenda-se a monitoração do tempo de coagulação após início, final ou durante o tratamento com pantoprazol. Reações adversas: O perfil de segurança do TECTA® não deve diferir do observado com o pantoprazol sódico, uma vez que ambos contêm o mesmo princípio ativo – o pantoprazol “livre” dissociado (ânion pantoprazol, íons Mg ou Na). Embora o pantoprazol (a substância ativa) seja muito bem tolerado, a maioria dos eventos adversos observados tem sido leve e transitória, não apresentando nenhuma relação consistente com o tratamento. Assim, podem ocorrer as seguintes reações adversas com o uso do produto: Reações comuns (ocorrem entre 1% e 10% dos pacientes que utilizam este medicamento): dor abdominal, diarréia, constipação, flatulência, cefaléia. Reações incomuns (ocorrem entre 0,1% e 1% dos pacientes que utilizam este medicamento): náusea/vômito, vertigem, distúrbios visuais (visão turva), reações alérgicas como prurido e exantema. Reações raras (ocorrem entre 0,01% e 0,1% dos pacientes que utilizam este medicamento): boca seca, artralgia. Reações muito raras (ocorrem em menos de 0,01% dos pacientes que utilizam este medicamento): depressão, leucopenia, trombocitopenia, edema periférico, dano hepatocelular grave levando a icterícia com ou sem insuficiência hepática, reações anafiláticas, incluindo choque anafilático, aumento nos níveis de enzimas hepáticas (transaminases, γ-GT), aumento nos níveis de triglicerídios, elevação da temperatura corporal, mialgia, nefrite intersticial, reações dermatológicas graves como síndrome de Stevens Johnson, eritema multiforme, síndrome de Lyell, fotossensibilidade, urticária e angioedema. Atenção: este produto é um medicamento novo e, embora as pesquisas tenham indicado eficácia e segurança aceitáveis, mesmo que indicado e utilizado corretamente, podem ocorrer eventos adversos imprevisíveis ou desconhecidos. Nesse caso, notifique os eventos adversos pelo Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária NOTIVISA, disponível em http://www8.anvisa.gov.br/notivisa/frmCadastro.asp, ou para a Vigilância Sanitária Estadual ou Municipal. Posologia e modo de usar: A posologia habitualmente recomendada é de 1 comprimido de 40 mg ao dia, antes, durante ou após o café da manhã, a menos que seja prescrito de outra maneira pelo seu médico. A duração do tratamento fica a critério médico e dependente da indicação. Na maioria dos pacientes, o alívio dos sintomas é rápido e um período de tratamento de 4 a 8 semanas é, em geral suficiente. TECTA® é para uso exclusivamente oral e os comprimidos devem ser ingeridos inteiros com um pouco de líquido. Na doença de refluxo gastroesofágico: Tratamento da esofagite de refluxo - 1 comprimido de 40 mg ao dia em um período de 4 semanas. Nos casos com esofagite não cicatrizada ou com sintomas persistentes é recomendado um período adicional de 4 semanas. Os sintomas recorrentes poderão ser controlados administrando-se 1 comprimido de TECTA® 40 mg ao dia, quando necessário (“on demand”), de acordo com a intensidade dos mesmos. A mudança para terapia contínua deve ser considerada nos casos em que os sintomas não puderem ser devidamente controlados sob terapia “on demand”. Em casos isolados de esofagite por refluxo, a dose diária pode ser aumentada para 2 comprimidos ao dia, particularmente nos casos de pacientes refratários a outros medicamentos antiulcerosos. MS – 1.0639.0256. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO.TC40_1004_0611_VPS. Referências bibliográficas: 1) Hein J. Comparison of the efficacy and safety of pantoprazole magnesium and pantoprazole sodium in the treatment of gastro-oesophageal reflux disease: a randomized, double-blind, controlled, multicentre trial. Clin Drug Investig. 2011;31(9):655-64. 2) Nycomed Clinical Trial Report.Trial ID: TS2.6.7.5, 310. 2003. Data on file. 3) Tecta® [Bula]. São Paulo: Nycomed Pharma. Material exclusivo à classe médica. Nycomed Pharma Ltda. Rua do Estilo Barroco, 721 - 04709-011 - São Paulo - SP. Mais informações poderão ser obtidas diretamente com o nosso Departamento Médico ou por meio de nossos representantes. *Marca depositada. a persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado.