O PENSAMENTO MEDIEVAL: A Patrística e a Escolástica.

Propaganda
O PENSAMENTO MEDIEVAL: A Patrística e a Escolástica.
Antonio Victor F. Silva1
RESUMO:
O pensamento medieval está repleto de uma intensa constituição simbólica,
seja na perspectiva imaginária como os medievais concebiam o universo, como também
pelo lado filosófico. Este artigo pretende abordar em linhas gerais a construção do
pensamento ocidental neste intervalo histórico a partir da patrística e da escolástica,
levando em consideração a importância da Idade Média para o desenvolvimento dos
principais arquétipos da nossa cultura greco-latina, buscando superar, portanto a ideia
de “Idade das trevas”, atribuída a posteriori no século XVI e usada comumente para
expressar um desprezo indisfarçado em relação aos séculos anteriores ao próprio século
XVI. Pretende-se analisar por um viés crítico a constituição da Patrística e da
Escolástica para aquele período como pensamento expressivo da conjuntura econômica,
política, social e religiosa e por fim relacioná-la com alguns dos valores culturais ainda
em evidência em grupos sociais na contemporaneidade.
Palavras-chave: Pensamento; Escolasticismo; Patrística e sociedade.
RESUMEN:
El pensamiento medieval está lleno de una fuerte constitución simbológica, sea
en la prospectiva imaginaria como los medievales comprendían el universo, sino
también por lo lado filosófico. Ese artículo intenta abordar en líneas generales la
construcción del pensamiento occidental en este rato histórico a partir de la Patrística y
de la Escolástica, llevando en consideración los principales arquetipos de la nuestra
cultura greco-latina, buscando superar, por lo tanto, la idea de “Edad de las tinieblas”.
Atribuida a posteriori en el siglo XVI y usada comúnmente para expresar un desprecio
indisfrazado en relación a los siglos anteriores al propio siglo XVI. Intentase analizar
por un bies crítico la constitución de la Patrística y de la Escolástica para aquello
período como pensamiento expresivo de la coyuntura económica, política, social y
religiosa y al cabo relaciónala con algunos de los valores culturales aun en evidencia en
grupos sociales en la contemporaneidad.
Palabras-clave: Pensamiento; Escolasticismo; Cultura y sociedad.
1
Docente do curso de pedagogia na Universidade Federal do Pará – UFPA; E-mail:
[email protected]. Orientado pelo Prof. Msc. José de Morais.
INTRODUÇÃO:
O problema existente entre a fé e a razão no período medieval ilustrou um
importante momento da história que de sobremaneira ainda desperta a curiosidade de
renomados pesquisadores. Tratar sobre o pensamento na Idade Média não significa
abordar um assunto estéril e obsoleto, relegado a um passado distante e desprezível por
meio do eminente esclarecimento contemporâneo. Cabe aqui sim, analisar em linhas
histórico-filosófica um entendimento próprio gestado no tempo e no espaço do ethos
religioso e social daquele tempo, que foi meticulosamente imantado pelo desejo
pungente do homem de buscar as suas respostas a partir de si mesmo, ou seja, da razão
como também em sua espiritualidade. Ao estabelecer tais conexões dialéticas fundadas
no princípio da fé versus razão nos deparamos frente a um modelo de homem que se
empenha em conciliar duas de suas dimensões ontológicas seja no plano místicotranscendental como também em nível imanente centrado nas concepções absorvidas
dos grandes pensadores gregos redescobertos e que, portanto vão servir de álibi para a
consolidação do cristianismo na sociedade europeia.
Trata-se de uma conciliação mediada por um estado de crise e angústia
favorecido pelas mudanças dos tempos onde o temor e o tremor confundiam-se e
acossava as populações campesinas. Fala-se neste tom devido ao fato de que a
sociedade medieval vivia em um cenário povoado de um forte imaginário religioso
baseado na ideia do “fim do mundo”. Entre as luzes e sombras que pairavam sobre os
medievais e imersos neste cenário pessimista se desenvolverá as correntes da filosofia
Patrística e Escolástica com ênfase em Platão e Aristóteles, Agostinho e Aquino
respectivamente.
A idade Média, assim denominada a posteriori, seria qualificada como a era da
interrupção do progresso humano, que havia sido inaugurado pelos gregos, entretanto só
teria sido retomado pelos homens do século XVI, ou seja, os séculos que se seguiram
foram marcados por incisivas rotulações depreciativas em relação aos ‘tempos
medievais’ vistos geralmente pela perspectiva da barbárie, ignorância e superstição por
parte dos renascentistas iluministas. Depreende-se, portanto, uma visão de certo modo
preconceituosa em relação à ideia de Idade Média que se difundiu ao longo dos tempos.
O que se deve ressaltar em nossa abordagem compreende a contribuição da
maneira de conceber as coisas, típicas deste intervalo histórico no âmbito da Patrística e
da Escolástica, para a construção do pensamento ocidental e à própria filosofia. Não
cabe a nós julgarmos a novidade dos seus arquétipos, haja vista que a visão que se tem
de uma época contemporânea para uma passada será sempre imperfeita e, portanto, não
acabada por si mesma. Tal pretensão nos levaria a um ideal loquaz de supressão da
dinâmica da história e à depauperação do seu aspecto “sacro” que encerra em si muitos
mistérios que transpõem o próprio aparato material e documental.
1. OS TEMPOS MEDIEVAIS
O cenário histórico que figurou a construção do pensamento medieval foi
marcado por um período de instabilidade. No século V d.C. o império romano do
ocidente sofrera muitas invasões dos povos bárbaros, o que levou paulatinamente os
habitantes dos pequenos povoados a sucessivos confrontos. O termo bárbaro seria uma
espécie de definição dada pelos povos europeus de linhagem latina carregada de certo
etnocentrismo para designar os povos germânicos, celtas, iberos e trácios. Seus
costumes eram fortemente reprovados e por este motivo a presença destes grupos em
territórios da Europa ocidental consistia em uma verdadeira ameaça à cultura grecoromana.
A sociedade europeia a partir desses eventos sofreu uma espécie de
reorganização social, os bárbaros conquistaram terras europeias e consequentemente a
convivência deles com os povos romanos tratou de hibridizar os costumes locais. Essa
nova estruturação dos valores e da vida social corresponde ao que chamamos de Idade
Média.
A doutrina cristã, que antes se difundia de forma quase que ‘marginal’ no
interior das catacumbas devido à perseguição dos imperadores de Roma se fortalece e se
inclina para um processo de consolidação no intuito de assumir um papel que ora se
confundirá com o judaísmo cristão de seus ritos ora com suas práticas políticocentralizadoras no seio da sociedade medieval. Vale ressaltar que, antes de tais
acontecimentos o cristianismo não era uma igreja Estatal como foi nos tempos
Medievais, mas sim uma espécie de pensamento religioso heterodoxo que mais se
parecia com uma paródia do judaísmo feita pelos seguidores de Jesus de Nazaré. No
entanto, em meio às mudanças esse ideal religioso solidificou-se a ponto de organizar-se
como uma igreja com pretensões universais – daí a origem do termo católico, que deriva
do grego Katholikos que significa geral, universal – Assim, ela conseguiu manter-se
como instituição social. Consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo,
preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana (COTRIM, 2010, p.
203). Será esta uma das principais e mais poderosa instituição que se responsabilizará
por quase toda estratificação da sociedade feudal e mantenedora do status quo da
tradicional e hermética cultura greco-latina.
Assim, toda a forma de manifestação social estava sob a égide da Igreja
Católica que se autodenominava como guardiã da verdade e propositora dos princípios
autênticos da ação coletiva. E, como sua aura era a universalidade quem fugia de suas
normas era encarado como transgressor.
No mundo medieval a religiosidade estava carregada de preocupações com a
proximidade do fim do mundo. A crença no apocalipse vinha de uma
interpretação literal de um dos mais obscuros textos bíblicos, o Apocalipse de
São João. Ali se lê que – grifo do autor – “depois de se consumirem mil anos,
Satanás será solto da prisão para seduzir as nações do mundo”. Um eclipse,
um incêndio inexplicável, pragas agrícolas, o nascimento de um bebê
monstruoso, a passagem de um cometa no céu, o relato da aparição de uma
baleia do tamanho de uma ilha na costa francesa, a grande epidemia de 997;
tudo isso era interpretado como sinais claros da proximidade do fim do
mundo.
CAMPOS, 2010, p. 117.
Forte religiosidade, guerras e invasões, declínio do comércio e da vida urbana,
ausência de uma autoridade centralizadora são as marcas da conjuntura da então
conhecida idade das trevas – termo pejorativo empregado pelos modernos para designar
a Idade Média. Frente a essa situação buscavam-se respostas improvisadas para as
circunstâncias, um exemplo disso foi o próprio feudalismo que não compreendia uma
teoria propriamente dita, mas uma tentativa emergencial de suprir a necessidade humana
de uma organização eficaz da qual carecia a sociedade europeia deste período.
2. FILOSOFIA MEDIEVAL E CRISTIANISMO
Na Idade Média a igreja católica era a única representante do cristianismo, isso
vai perdurar por muitos séculos até a idade moderna, período em que o homem vai
buscar emancipar-se da razão teológica. Era uma época de grande penetração da
filosofia grega entre as autoridades e as camadas mais cultas da população de Roma e
de suas províncias e posteriormente, da Europa Medieval (COTRIM e FERNANDES
2010, p.203). Estamos falando de um período histórico relevante na compreensão das
bases do pensamento humano, na história medieval as coisas não acontecem de maneira
abrupta como se parece, mas tudo corresponde a um longo processo de agregação.
Levamos em consideração o fato de que existem muitos detalhes específicos desse
processo que foram abordados por importantes pensadores, mas nos convém neste
trabalho estabelecer essa conexão que envolve a crise entre o humano e o divino, já que
devido a essa influência filosófica uma boa parte da doutrina cristã difundida entre os
médios integra elementos de diversas correntes do pensamento grego reelaborados pelos
Padres da Igreja.
Fala-se, portanto em uma espécie de cosmovisão metafísico-religiosa que em
grande parte foi um fator preponderante para uma explicação racional da fé no intento
de cristianizar a filosofia e por ela despaganizar as pessoas. Os pensadores da Idade
Média, denominados clássicos, tiveram diante de si os mesmos problemas dos filósofos
gregos da Grécia Antiga como, por exemplo, as questões essencialistas do ser, do
conhecer e do agir que passaram a fazer parte da investigação filosófica desde os
tempos da escola eleática na Idade Antiga especificamente nas concepções de
Xenófanes, Empédocles, Parmênides e Anaxágoras, posteriormente discutidas de
maneira mais intensa pela tríade da filosofia humanista figurada em Sócrates, Platão e
Aristóteles com ênfase nos dois últimos.
Todavia, no período medieval, foi acrescentada a questão religiosa à
experiência anterior, especialmente via Igreja Católica, que foi constituída
por Constantino, no século IV, tendo por base doutrinária as tradições
judaico-cristãs. Esse fato punha a revelação religiosa como um elemento
novo no contexto da meditação filosófica. Melhor dizendo: a experiência
religiosa que fora oficializada necessitava de suporte filosófico para sua
vigência histórica. Agostinho encontrou em Platão e Tomás de Aquino em
Aristóteles, elementos da razão que pudessem auxiliar a compreensão
“racional” da fé religiosa. Assim sendo, as soluções filosóficas para a questão
do ser contaram com a mediação da doutrina religiosa católica.
LUCKESI, 2004, p.161-62.
Apesar da ênfase em Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, expõe-se de
forma clarividente que o pensamento filosófico medieval não se resumiu nestes dois
pensadores, outros como Boécio, Scotus, Abelardo, Avicena, Averróis, Salsbury, o
franciscano Boaventura, Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Nicolau de Cusa são
exemplos de pensadores que contribuíram para o desenvolvimento de interpretações e
produção de novas ideias filosóficas para aquele período. Assim, falamos em
“Filosofias Medievais” e não o contrário no singular.
Diante do exposto poderíamos até nos perguntar o que é mesmo Idade Média?
E em sentido mais amplo, o que é mesmo filosofia Medieval? Em cada época da
história foram criados (pré) conceitos no esforço de dar uma resposta a essas duas
perguntas, entretanto, os resultados obtidos foram por vias gerais repletos de muitos
estereótipos. Assim, quero me referir à tessitura de conceitos a respeito da idade média
próprios para os renascentistas e iluministas, para os românticos e para o século XX.
Aqueles, a quem chamamos de medievais, jamais se consideraram medievais; como é,
pois, que nós os chamamos de medievais? Sabe-se que a expressão media aetas provém
da área das artes e foi aplicada à história geral por Keller (Celarius) em fins do século
XVII (DE BONI, 2005, p. 25.)
Quando falamos em Filosofia Medieval e Idade Média, estamos, na
realidade, absolutizando o modo ocidental-cristão de ler a História, de
delimitar a Filosofia. Erigimos nosso tempo em tempo universal e com isso
perdemos algo de importante: a noção de pluralidade dos tempos. Assim, por
exemplo, quando os Árabes expandiram-se para o Oriente, no século VII,
encontraram não só os cristãos gregos, expulsos do Império Bizantino, que
mantinham as escolas filosóficas; encontraram também filósofos pagãos
remanescentes da Academia de Atenas. Ora, a definição ocidental de
Filosofia Medieval não cabe nem aqueles árabes, nem aos cristãos orientais e
menos ainda aqueles filósofos gregos pagãos.
(Idem, p. 27).
No entendimento de BONI, 2005 há que se considerarem as diversidades que
envolvem uma forma de pensar que foi apropriada por uma época indebitamente e que
em seu entendimento não é posse de ninguém senão fruto das diversas colaborações de
povos e culturas; por vezes, nossa visão histórica é colonialista no sentido da elaboração
de um pensamento dominante. Há tempos diversos que se interpolam correndo
paralelos, mas também fazendo com que aqueles que vivem a própria história possam
interpretar de diferentes ângulos a cultura e o mundo de forma diferente.
2.1. AURELIANO AGOSTINHO E A MATRIZ PLATÔNICA DE
APOIO À FÉ.
Mais conhecido como Santo Agostinho (354-430), este pensador nascido em
Tagaste, província romana situada no norte da África, converteu-se ao cristianismo após
ter sido maniqueu – doutrina filosófica de origem persa que afirmava ser o universo
dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal, em uma incessante luta
entre si, era uma doutrina muito influente em parte religiosa ora em parte filosófica,
pregava também que com a ajuda do espírito, o ser humano poderia sobrepor-se ao
mundo material e assim salvar a alma. Em Roma e já insatisfeito com o maniqueísmo
entrou em contato com o ceticismo e posteriormente com o neoplatonismo, movimento
filosófico do período greco-romano, desenvolvido por pensadores inspirados em Platão,
que se espalhou por diversas cidades do império romano, sendo marcado por
sentimentos religiosos e crenças místicas. Em Milão Agostinho se encontra com o bispo
Ambrósio que o fascina por suas pregações que pouco a pouco conduzirá o filósofo à
conversão a fé cristã. Posteriormente é ordenado sacerdote e depois é sagrado bispo de
Hipona.
Agostinho vai ser, de certo modo, o sistematizador da experiência cristã até o
século V, na medida em que, anteriormente a ele, os autores cristãos (os
padres da igreja); por em termos de filosofia esse período é denominado de
patrística) se debateram no afã de produzir um ordenamento doutrinário. Foi
um período muito polêmico, na medida em que uma doutrina nova para se
estabelecer, tem de agir e reagir em um meio que já tem práticas e
concepções arraigadas a respeito do mundo e da vida. A organização da
doutrina cristã se debateu com as formulações gregas cristalizadas. Assim,
nesse contexto, os padres ditos de tradição oriental ou grega, esforçaram-se
por harmonizar o pensamento grego com a nova doutrina, e os padres ditos
ocidentais ou latinos trabalharam no sentido de exorcizar o paganismo e
firmar o valor da doutrina cristã.
LUCKESI, 2004, p. 164.
Agostinho parte do princípio da compreensão da fé para melhor se crer, sua
análise de linhagem platônica é repleta de um forte dualismo que é transubstanciado em
termos como a graça e o pecado que é semelhante ao que foi proposto por Platão ao
tratar da alma e do corpo. Assim, o homem vive em constante situação de
vulnerabilidade em relação à frágil constituição do invólucro da alma – o corpo -
fortemente inclinado às coisas da carne e opostas ao espírito. Depreende-se desse
pensamento uma presença intensa das catequeses dedicadas às conhecidas práticas
penitenciais que visavam maltratar o corpo no afã de domá-lo como se fosse algo
selvagem que se rebelasse contra si próprio para que assim a alma viesse a purificar-se e
manter-se em uma espécie de equilíbrio ou mesmo certo grau de pureza.
O objeto da filosofia, segundo afirma Agostinho em sua obra Soliloquia,
pode ser condensado em duas palavras: Deus e a alma. O conhecimento da
alma é o conhecimento de si mesmo. O homem, portanto, constitui também o
objeto central da filosofia, já que o conhecimento de Deus é o conhecimento
do criador do homem, de sua origem (origo); através do conhecimento do
homem, o “filósofo se torna idôneo para compreender o princípio racional do
universo”. São dois objetos estreitamente unidos da indagação filosófica: só
se chega a Deus partindo do homem, mas do homem também se obtêm
verdadeira ciência somente quando nele se descortina a imagem de Deus.
SANTOS, 1996, p. 2.
Agostinho não desenvolve uma filosofia própria ao molde de seus coetâneos –
os de sua mesma época – reproduz apenas uma filosofia platônica em trajes cristãos
marcado por uma intensa herança, quase que inconsciente, das suas antigas aventuras
filosóficas de ordem helenística2.
Do maniqueísmo o filósofo herdou uma concepção dualista no âmbito moral,
simbolizada pela luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo.
Nesse sentido, dizia que o ser humano tem uma inclinação natural para o mal,
os vícios, para o pecado. Insistia em dizer que já nascemos pecadores (pecado
original) e somente um esforço consciente pode nos fazer superar essa
deficiência “natural”. Considerando o mal como afastamento de Deus,
defendia a necessidade de uma intensa educação religiosa, com a finalidade
de reduzir essa distância.
Do ceticismo ficou a permanente desconfiança nos dados dos sentidos, isto é,
no conhecimento sensorial, que nos apresenta uma multidão de seres
mutáveis, flutuantes e transitórios.
2
Ver a síntese de Ph. BÖHNER & E. GILSON, História da Filosofia Cristã. Petrópolis, 1991, 142-141.
Para uma abordagem mais específica, cf. J.A. CURLEY, Augustine’s Critique of Skepticism: a study of
Contra Acadêmicos. New York- Bern, 1996.
Do platonismo Agostinho assimilou a concepção de que a verdade como
conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no “mundo das
ideias”. Por isso defendeu a via do autoconhecimento, o caminho da
interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. Assim,
somente o íntimo da nossa alma, iluminada por Deus, poderia atingir a
verdade das coisas.
COTRIM, 2010, p. 209.
Percebemos que o alvo de toda a patrística, portanto, eram os pagãos. No
entanto, fica claro, a partir do exemplo de Agostinho que não é possível estabelecer uma
ruptura abrupta com os antecedentes pagãos. Até porque o pensamento filosófico da
própria igreja estava arraigado de contribuições de outras culturas.
2.2. ESCOLASTICA, A MATRIZ ARISTOTÉLICA ATÉ DEUS.
Em termos históricos, no século VIII, Carlos Magno, rei dos francos coroado
imperador do Ocidente em 800 pelo papa Leão III, organizou o ensino e fundou escolas
ligadas às instituições católicas. Com isso, a cultura greco-romana, até então guardada
nos mosteiros, voltou a ser divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas
reflexões da época. Era o período da renascença carolíngia, período este fortemente
voltado para a transmissão da cultura da antiguidade clássica. Assim nos confirmam
LUCKESI, 2005, p.172:
Entre os fins do século IV e o século VIII, parece não ter havido um
movimento significativo de produção cultural. É com o denominado
renascimento carolíngio, no século VIII, que há uma retomada construtiva da
cultura. Alcuíno, um monge inglês, foi encarregado por Carlos Magno de
restabelecer o ensino na corte francesa, que posteriormente se estendeu para
as escolas. Pelo ensino da “dialética” renasceu o interesse pela filosofia. O
magister scholae ou scholasticus, em seu ensino, lia e comentava textos,
emergindo, daí, questões de metafísica, psicologia, moral, dando origem a
um novo grande período para a filosofia, que recebeu o nome de escolástica
ou “filosofia das escolas” (escolas teóricas dos beneditinos, dos episcopais,
dos dominicanos e dos franciscanos). Por filosofia escolástica entende-se a
filosofia dominante no período compreendido entre os séculos XI e XIV,
ensinada comumente nas “escolas”, por meio do domínio religioso oficial da
Igreja Católica, o que representa a filosofia católica da Idade Média. Entre os
problemas que mais ocuparam a mente dos escolásticos, nesse período,
esteve a relação entre razão e fé e as questões daí decorrentes.
Essa difusão do escolasticismo, ou seja, da filosofia das escolas, vale
ressaltar, não correspondeu a um movimento voltado para a educação das massas
camponesas onde vivia grande parte das pessoas nos feudos, mas sim de uma pequena
parcela, uma minoria social em termos de acesso ao conhecimento. Esta racionalidade,
por sua vez, era monopólio da igreja, não sem precedentes a própria instituição religiosa
vai criar um termo para designar a grande parcela dos seus fieis que não detinham
instrução religiosa à altura do pensamento filosófico daquele tempo, trata-se do termo
“leigo” – christifidelis laici, em latim. Em contrapartida, as massas, também desejosas
de compreender os fundamentos do pensamento filosófico aplicado ao período medieval
começam a desenvolver seu próprio caminho de estudo e de indagações sobre as
realidades místico-transcendentais ou mesmo imanentes, e assim começam a surgir
alguns movimentos religiosos que serão julgados pela igreja como heresias, ou
movimentos hereges.
Fortemente reprimidos pelos aparatos da igreja, principalmente por meio do
santo ofício sob o título de santa inquisição, muitos morreram por serem acusados como
perturbadores da ordem, delatores da sublime verdade pregada pela santa igreja que
impunha sobre as pessoas a imagem do inferno e que a condição para livrar-se dele era a
obediência incondicional aos preceitos do catolicismo oficial. Assim, portanto, vale
lembrar que a igreja criou a repressão, no entanto, naquele tempo, não desenvolveu uma
forma de solução para o problema.
2.2.1. OS FILÓSOFOS ÁRABES
É também neste período que reaparece o nome dos filósofos árabes que de
certa forma contribuíram para a filosofia no período da escolástica. Antes da descoberta
das obras de Aristóteles em grego, os europeus só conheciam uma pequena parcela de
seu pensamento. E o que conheciam vinha de traduções e comentários feitos pelos
filósofos árabes como Avicena (980-1037) e Averróis (1126-1198). Foi por meio deles
que suas obras de física, metafísica e ética chegam à Europa. Os árabes entraram em
contato com o pensamento aristotélico a partir do século VI, quando iniciaram uma série
de guerras religiosas para difundir o islamismo.
A esse respeito diz McDONALD, 1998, p. 4:
As medieval thinkers were rediscovering Aristotle they were also acquiring
for the first time in Latin translation the works of important Jewish
philosophers, such as Avencebrol (c.1021-58) and Maimonides (1135-1204),
and Islamic philosophers, such as Avicenna (980-1037) and Averroes (112698). Some of their works were commentaries on Aristotle (Averroes became
known simply as “the Commentator”) whereas some (such as Avicenna’s
Metaphysics and De anima) were quasi-independent treatises presenting a
Neoplatonized Aristotelianism. Medieval philosophers of this period turned
eagerly to these texts for help in understanding the new Aristotle, and they
were significantly influenced by them. Averroes’s interpretation of
Aristotle’s De anima, for example, sparked enormous controversy about the
nature of intellect, and Avicenna’s metaphysical views helped shape the
famous later medieval debates about universals and about the nature of the
distinction between essence and existence 3.
2.2.2. TOMÁS DE AQUINO – RAZÃO E FÉ.
Nasceu em 1227, em Roccasecca, na Itália, e teve suas primeiras instruções em
Montecassino. Em 1243, entrou para a Ordem de São Domingos e ensinou em Paris,
Roma e Nápoles. Faleceu na abadia de Fossanova, em 1274, durante a sua viagem para
o Concílio de Lião. Foi um pensador fecundo no que se refere à quantidade de suas
obras e cuidadoso na produção de sua meditação. Produziu duas grandes obras
filosófico-teológicas: Summa Teologiae (sua obra fundamental) e Summa contra gentes;
Tomás de Aquino procura provar a existência de Deus pela razão. Pela fé,
admite a existência de Deus, uma vez que este é um dado da revelação; mas a
razão deve demostrar a sua existência. Para isso, Tomás de Aquino utiliza-se
das clássicas cinco vias, que são: do Motor Imóvel (aquele que dá origem a
todo o movimento); da Causa Primeira não Causada (Deus é a causa última
de todas as coisas, mas ele mesmo não é causado); da Contingência (As
coisas são finitas e contingentes, por isso, deve existir um ser que é
necessário – Deus – que dá origem a todas as coisas); do Ser Perfeitíssimo
3
À medida que os pensadores medievais foram redescobrindo Aristóteles eles também foram adquirindo
pela primeira vez as respectivas traduções latinas de importantes trabalhos dos filósofos judeus, tal qual
Avencebrol (1021-58), Maimônides e filósofos islâmicos como Avicena (980-1037) e Averróis (112698). Alguns dos seus trabalhos foram comentários sobre Aristóteles (Averóis ficou conhecido
simplesmente como “o comentarista”) ao passo que uma parte (Como a metafísica e o tratado sobre A
Alma de Avicena) foram tratados quase independentes apresentando um neoplatonismo aristotelizado. Os
filósofos medievais desse período voltaram-se ansiosamente para estes textos a fim de ajudar na
compreensão do novo Aristóteles, os medievais foram significativamente influenciados por eles. A
interpretação feita por Averróis do tratado sobre A Alma de Aristóteles, por exemplo, incitou enormes
controvérsias sobre a natureza da mente racional, assim a abordagem da metafísica de Avicena contribuiu
para a forma como se desenvolveu vários debates mais tarde na Idade Média sobre a questão dos
universais e a natureza da distinção entre essência e existência (potência e ato). – Tradução Nossa.
(Todas as coisas tem um grau de perfeição, por isso deve existir um ser
perfeito – Deus); Da Inteligência Ordenadora do Universo (O mundo é
ordenado, de tal forma que se manifesta como um cosmo; isso implica uma
inteligência que o ordenou).
Por outro lado, o mundo como criatura de Deus, não é necessário, mas
contingente. Tem o ser como ser finito, cuja existência depende da vontade
infinita de Deus, que, na sua bondade, decidiu criar todas as coisas. Na
essência do existente, pois não está contida a existência. A existência é dada
livremente por Deus. Só na essência do ser infinito está contida a existência.
LUCKESI, 2004, p.175.
Retomando as ideias de Aristóteles sobre o ser e o saber, Tomás de Aquino
enfatizou a importância da realidade sensorial. Em relação ao processo de conhecimento
dessa realidade ressaltou uma série de princípios considerados básicos como vimos no
texto supracitado. Apesar de esses princípios terem vindo do pensamento aristotélico,
não se pode dizer que Tomás de Aquino tenha apenas adaptado a filosofia de Aristóteles
ao cristianismo. O que o filósofo escolástico empreendeu foi uma sistematização da
doutrina cristã apoiada em parte na doutrina aristotélica, mas que contém muitos
elementos estranhos ao aristotelismo, como o conceito de criação do mundo, a noção de
um deus único e a ideia de que o vir a ser (a passagem da potência ao ato) não é
autodeterminado, mas procede de Deus.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma crise entre a razão e a fé no processo de construção do pensamento
medieval colocou em evidência algo muito interessante: o desejo do homem de se
libertar das explicações teologais no sentido do desejo de fazer os seus próprios
caminhos a partir da razão. Os debates entre religião e sociedade ficaram muito restritos
aos círculos intelectuais da eclesialidade da época não se estendendo à população que
em suma eram analfabetos, enquanto a nobreza assistia os ensaios intelectualistas nas
grandes catedrais, os pobres não gozavam desta faculdade.
O povo simples conservou o seu ethos próprio, concebendo em seu imaginário
a figura mitológica de deuses e heróis, bruxas e superstições como num verdadeiro
processo de encantamento místico fortemente agregador dos elementos da identidade
com seus respectivos traços históricos. Sem dúvida a idade média em muito contribuiu
para os tempos que se sucederam, mesmo com seus confrontos – que são autênticas
formas de expressão do fazer-se histórico do homem - para o pensamento ocidental.
Mesmo após várias críticas à Idade Média feita pelos renascentistas, eles mesmos não
conseguiram superar o estágio de discussão, não criaram um pensamento novo e
inovador que de certa forma dependeu da antiguidade para a própria manutenção; os
modernos abominaram o estágio ténebre daquele hiato histórico, entretanto alguns
fragmentos permaneceram em resquícios de suas teorias. Em nossa cultura
contemporânea as ideias deste fantástico mundo ainda se faz muito presente no seio das
várias comunidades tradicionais de nosso país e mesmo em nossa consciência coletiva.
4. REFERÊNCIAS
COTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
CAMPOS, Flávio de. A escrita da história. 1ª Ed. São Paulo: Escala
Educacional, 2005.
DE BONI, Luís Alberto. Filosofia Medieval. 2ª Ed. Porto Alegre: Edipucrs,
2005.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Introdução à Filosofia: Aprendendo a pensar.
5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2004.
MACDONALD, Scott. Medieval Philosophy. Routledge Encyclopedia of
Philosophy,
1998. Diponível em:
http://web.ics.purdue.edu/~brower/Med%20X%20thought%20(Phil%20402)/MedPhil%
20(MacDonald).pdf Acesso >> 10/09/2013.
SANTOS, Bento Silva. Agostinho de Hipona: Razão e fé no limiar do
pensamento
Medieval.
UFES,
Departamento
de
Filosofia.
Disponível
em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:TbTMmKaWfVIJ:www.bentos
ilvasantos.com/cms/%3Fdownload%3DRAZAO%2520E%2520FE%2520NO%2520LI
MIAR%2520DO%2520PENSAMENTO%2520MEDIEVAL.pdf+&cd=1&hl=ptBR&ct=clnk&gl=br Acesso >>10/09/2013.
Download