sociedade goiana de psicodrama – sogep/ucg

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SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA – SOGEP/UCG
PSICODRAMA COM JOGOS NO TRATAMENTO DE UM
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM UMA JOVEM MULHER
Ruth Helena Maia Linhares Curado Pucci
Goiânia
2008
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Sinopse: Este trabalho apresenta um estudo de caso de uma jovem mulher com
transtorno de ansiedade (fobia social), que no processo terapêutico tomou consciência
sobre seu estado emocional por meio da utilização das técnicas e jogos
psicodramáticos.
Palavras chaves: Espontaneidade, Matriz de Identidade, Papel de Gênero,
Transtorno de Ansiedade, Catarse de Integração e Técnicas Dramáticas.
RESUMO
Este trabalho, parte dos requisitos da Especialização em Psicodrama
Terapêutico pela Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP, apresenta um estudo
sobre a aplicação da metodologia psicodramática no tratamento psicoterápico de uma
paciente jovem com diagnóstico de transtorno de ansiedade ligado a queixas de medo
e dificuldade no relacionamento interpessoal. Além destes focos trabalhamos também
com as categorias juventude e gênero por considerá-las de fundamental importância
para entender o caso estudado. O trabalho utilizou-se da abordagem qualitativa
baseada na pesquisa e análise da história de vida desta jovem mulher. O alicerce para
o desenvolvimento deste estudo foi a Metodologia Psicodramática que possibilitou um
intenso estudo por meio da aplicação técnica dos recursos psicodramáticos a partir do
resgate da espontaneidade e criatividade com utilização das técnicas e jogos
psicodramáticos, permitindo à paciente (sujeito desta pesquisa) ampliar a consciência
sobre o seu estado emocional, assim como a remissão dos sintomas. Além dos
estudos de Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama, da Socionomia, do Sociodrama
e da Sociometria, utilizamos outros referenciais teóricos que buscam a natureza e o
desenvolvimento da vida psicossocial humana, e que contribuíram para a investigação
proposta neste trabalho.
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INTRODUÇÃO
No percurso deste trabalho adentramos o universo teórico sobre a prática da
clínica psicodramática. Refizemos então um estudo de todo contexto social, histórico e
psicológico da construção de um sujeito protagonista do drama de um transtorno de
ansiedade.
Nesta direção buscamos compreender e analisar os contextos da faixa
etária, do papel de gênero, das relações familiares e dos estudos psicopatológicos
ligados ao sintoma da paciente sob a ótica da teoria e metodologia proposta pelo
médico Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama.
Ser Jovem- Mulher
Na sociedade moderna, conforme Carrano (2003), ser jovem não é apenas
uma condição biológica, mas um modo essencial de definição cultural.
Portanto, para questionar a universalidade da categoria juventude, segundo
estudo de Carrano (2003) e Novaes (2000) é preciso reconhecer sua historicidade.
Para estes autores variam as idades cronológicas e as expectativas que as sociedades
constroem sobre ser jovem. De fato, definições sobre infância, juventude e maturidade
foram ganhando conteúdos, contornos sociais e jurídicos ao longo da história, no bojo
de disputas econômicas e políticas. São arbitrários culturais e regras socialmente
construídas que determinam quando, como, e por meio de quais rituais as sociedades
reconhecem as passagens entre as fases da vida.
A juventude é compreendida como um tempo de construção de identidades.
É definida também como um processo sociocultural demarcado pela preparação do
indivíduo para assumir o papel adulto na sociedade tanto no plano familiar quanto no
profissional, e não propriamente como uma faixa etária de vida. A identificação dos
jovens reflete momentos distintos em que definem e constroem os papéis que vão
assumir num futuro que se inicia brevemente a vida adulta.
Os múltiplos papéis desempenhados pela mulher, nos dias de hoje,
representam as história das lutas pela emancipação – igualdade social, política,
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econômica, educacional. Mas esse empreendimento, diversificado e incessante,
encontra barreiras culturais, fortemente internalizadas, barreiras capazes de não
depositar na participação feminina – tanto no mercado de trabalho, quanto no ambiente
doméstico – o devido valor e reconhecimento.
A inserção da mulher em um espaço majoritariamente masculino, decorrente
do patriarcalismo que permeia a sociedade brasileira, acabou por fazer com que ela
anexasse às funções domésticas, o trabalho fora de casa, sobrecarregando-a com
múltiplas jornadas. Essa inserção da mulher sem dúvida, tem trazido novas
experiências, para ela, acostumada a ter seus horizontes restritos aos cuidados com a
família.
A mulher é considerada como elo da família e, como tal se espera que ela
desenvolva esse papel, mas que também produza, isto é, tenha o seu trabalho
profissional, não abandonando a sua missão de protetora e mantenedora social do lar
(FARIA, 2000). Como diz Laville (1999), a cultura não abandonou as noções que são
exclusivas do gênero feminino: as funções domésticas. Assim, se naturaliza a dupla
jornada de trabalho. O que acontece, continua a autora, é que as próprias mulheres
acabam aceitando como natural esse excesso de atividades, pois elas são socializadas
para serem suas piores opressoras.
Para a mulher atender a tantas demandas – as do âmbito familiar, do âmbito
sócio cultural e as do mercado de trabalho, existem duas alternativas colocadas pelo
senso comum: ou a mulher se torna “mulher maravilha”, a “super heroína dos filmes
norte americanos” quando isto é colocado como condição para realização e
crescimento pessoal ou ela se estressa e adoece, enfim se vitimiza.
A família, o ambiente e o surgimento das psicopatologias
A família é a unidade básica do crescimento do ser humano. É dela a tarefa
crucial de socializar a criança e desenvolver a sua personalidade, configurando o seu
percurso intelectual, emocional e social. Portanto, é dentro da família que a criança terá
suas trocas de experiências, conhecerá seus primeiros sucessos e fracassos, medos e
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frustrações.
Moreno denominou este contexto familiar, na qual a criança é inserida desde
o nascimento e estabelece diferentes relacionamentos, de Matriz de Identidade.
Segundo Moreno (2006,p.114) a Matriz de Identidade é “a placenta social da
criança, o lócus em que ela mergulha suas raízes”. Na evolução da criança, a Matriz
está ligada aos processos fisiológicos, psicológicos e sociais, refletindo a herança
cultural na qual está inserida, que a prepara para a sociedade. Ou seja, a Matriz de
Identidade lança os alicerces do primeiro processo de aprendizagem emocional da
criança. Essa “placenta social” será a base que apara os seus futuros relacionamentos
e, uma vez estabelecida começa-se a formação de papéis e concomitamente a
personalidade, o eu do indivíduo, ou seja, sua identidade.
Winnicott (1980), pediatra e psicanalista infantil, considera a família como
componente indispensável a boa estruturação psicológica da criança, e que a
existência da família por si só, não assegura o desenvolvimento saudável da criança,
uma vez que ela é também influenciada por fatores intrínsecos, que determinarão em
grande parte a maneira como se apropriará dos recursos disponíveis.
Inicialmente,
no
processo
de
socialização,
a
família
modela
o
comportamento e a identidade da criança.
De acordo com Moreno (1994) a família é a instituição social responsável
pela sociabilidade e por moldar a expansividade emocional do homem. Essa
expansividade emocional é moldada pelo grupo familiar tanto em qualidade quanto em
quantidade.
Ao nascer, o bebê encontra um mundo estranho e hostil e é nos braços da
mãe que ele perceberá um ambiente aconchegante, confiável e protetor. Na falta desse
aconchego ele sentirá sensação de abandono e insegurança.
Winnicott (1980) afirma que o desenvolvimento emocional do primeiro ano
de vida determinará a base da saúde mental do individuo. Segundo o autor, a criança
tem uma tendência inata para crescer, mas esse crescimento depende do atendimento
de suas necessidades básicas, tarefa que será melhor desempenhada pela mãe, pois
esta é a pessoa que mais provavelmente se dedicará à causa naturalmente e com
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prazer.
Além do fornecimento de abrigo, alimento e proteção à criança, garantindo
assim a sua sobrevivência, a família favorecerá o desenvolvimento dos papéis sociais e
a aceitação da responsabilidade social. É nessa família, sob condições de unidade e
cooperação, que a criança desenvolverá o conceito da aprendizagem, a iniciativa e a
criatividade. O senso de identidade pessoal da criança está relacionado à sua
identidade familiar.
Dentro da família são inúmeras as correntes de sentimentos de todos os
graus de intensidade e são essas correntes que definirão a atmosfera familiar, em que
a personalidade e as reações sociais da criança se desenvolverão.
Winnicott (1983) destaca que a base da saúde mental do indivíduo forma-se
nos estágios iniciais do desenvolvimento, envolvendo processos de maturação e das
condições
ambientais.
Um
ambiente
facilitador
proporciona
adequação
e
desenvolvimento saudável. Falhas nesta situação conduzem à privação, prejudicando a
maturação e impedindo o crescimento emocional. Crianças que passam por ambientes
pouco favoráveis podem apresentar permanente sentimento de aniquilação e pânico,
prejudicando seu desenvolvimento emocional e social.
Winnicott ainda ressalta a importância das relações vinculares formadas na
primeira infância para o desenvolvimento saudável da criança e posteriormente do
adulto. Este autor levanta a possibilidade de que eventuais falhas neste processo
sejam indicativos de dificuldades futuras como, por exemplo, as do transtorno
depressivo, de ansiedade e outros mais.
Segundo o médico e psiquiatra Ballone (2008), a causa da Fobia Social
parece ser devida à combinação de alterações genéticas e ambientais, portanto, a
etiologia parece ter padrão genético familiar associado a um papel familiar como
modelo de resposta às situações sociais – a angústia social dos pais pode ser
aprendida e exarcebada pelos filhos, tornando-se patológica.
Para ele os sintomas físicos, também chamados de sintomas autossômicos
(do sistema nervoso autônomo) podem incluir taquicardia, tremores, perda de fôlego,
sudorese e dores abdominais. Os sintomas cognitivos dizem respeito a pensamentos
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de desadaptação e crenças inadequadas sobre situações sociais. Os sintomas
comportamentais incluem uma sensação de congelamento e paralisia, na qual o
paciente não consegue reagir, e evitação fóbica da situação ou objeto da fobia.
O mesmo autor explica que a fobia social está centrada em torno de um
medo de expor-se a outras pessoas e tem, como conseqüência o afastamento e
evitamento sociais. Podem ser especificas às situações de comer ou falar em público
mas podem ser mais difusas, envolvendo quase todas as circunstâncias sociais fora do
ambiente familiar. Neste caso, entre as situações fóbicas que invariavelmente resultam
na evitação do objeto, atividade ou situação socialmente temidos, destaca-se o medo
de humilhação e embaraço em lugares públicos. Esta exposição à situação social ou
de desempenho provoca, quase que invariavelmente, uma resposta imediata de
ansiedade, a qual pode assumir a forma de um Ataque de Pânico ligado à situação ou
predisposto pela situação.
O Psicodrama e os Jogos Dramáticos
O Psicodrama foi criado pelo médico romeno Jacob Levy Moreno que, desde
criança, incorporou o teatro em sua vida: brincava com os amigos de ser Deus.
Formado em medicina em 1917 pela Universidade de Viena, para onde se mudara aos
5 anos de idade, acreditava que a espontaneidade era a verdadeira centelha divina
presente em cada um de nós.
O Psicodrama é uma metodologia que originou-se, historicamente, na
brincadeira, já que existe desde os primórdios da humanidade. Quando fala-se em
desenvolvimento humano, lembra-se da manifestação da espontaneidade e criatividade
do homem através das brincadeiras, ou seja, daquilo que acompanhou a vida da
pessoa e de seu corpo em seu crescimento. O jogo é visto como um fator positivo
ligado à espontaneidade e criatividade.
Esta metodologia foi introduzida no final da década de 20, como terapia de
grupo, com o objetivo de favorecer as relações vivas e diretas com as emoções,
sentimentos e fantasias do sujeito, graças às possibilidades expressivas que permeiam
a representação teatral.
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Percebe-se no decorrer do processo psicoterapêutico que a educação
familiar e os valores culturais impingidos pelos progenitores em relação aos papéis de
gênero (corpo, sexualidade, êxito, status social, etc.) podem ser assimilados de forma
contraditória, causando distúrbios de desenvolvimento psico-afetivo.
A psicoterapia psicodramática, então, utiliza-se de mecanismos de ação e
jogos para que o paciente desenvolva uma nova e verdadeira percepção sobre si
mesmo, sobre o outro e sobre o mundo. Assim, torna-se mais consciente de sua
história pessoal e de como lida com suas questões sociais, passando a ser e agir de
forma mais saudável no mundo.
No primeiro capítulo deste trabalho abordaremos
o Desenvolvimento do
Papel de Gênero e Imagem de Mulher. No segundo, segue-se um estudo sobre o
Transtorno de Ansiedade (Fobia Social). No terceiro, aprofundamos nas teses
Morenianas sobre desenvolvimento psicológico e desenvolvemos uma descrição sobre
os Mecanismos de Ação e Jogos Psicodramáticos. No quarto, apresenta-se um estudo
de caso clínico com as devidas interpretações e considerações teóricas.
O projeto central deste trabalho foi destacar a importância do Psicodrama
como estratégia psicoterápica onde o sujeito assume seus verdadeiros papéis e
constrói alternativas de liberação da espontaneidade; o que abre possibilidades de
tornar-se consciente de suas defesas, do seu estado emocional, levando-o a
experimentar e vivenciar a saúde e o bem estar psíquico e ser autor de sua própria
história.
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CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO DO PAPEL DE GÊNERO E IMAGEM DE
MULHER.
As mulheres, ao longo da história da humanidade tiveram que lutar muito
para ocupar o espaço que lhes é legítimo. No Brasil, foram muitos anos para terem
direito a voto e voz. A partir das décadas de 60 e 70, desenvolveu-se mais fortemente
um processo de liberação, especialmente através de movimentos feministas, liderados
por guerreiras mulheres.
Quando olhado o passado, pode-se identificar que foram grandes as
conquistas, mas ainda hoje acontece uma luta contínua por parte das mulheres para
serem respeitadas e reconhecidas no seu direito de existir. Não tem sido fácil para
todas as mulheres assumirem-se autoras de seus pensamentos, de seu corpo, de seus
afetos, de sua sexualidade, de suas escolhas, porque a maioria das mulheres não
apropriou de si mesma.
A emancipação da mulher nos aspectos afetivos, sociais, culturais e
econômicos, iniciou-se na era moderna, enunciando uma nova conjuntura, e nesse
contexto, as identidades do homem e da mulher têm sofrido um longo percurso, desde
o total domínio do homem sobre a mulher até a mesma alcançar a vida pública e
assumir novas formas de se relacionar, fruto das novas exigências da sociedade.
A cultura tem criado expectativas diferenciadas para ambos os sexos. O
sexo feminino está associado à idéia de submissão, docilidade, contemplação,
sensibilidade, e a sociedade delega outras características, atribuições e exigências à
mulher. Trata-se de delegar, pois, essas características da identidade feminina, são
originadas de uma construção social. As mulheres aprendem desde o início das suas
vidas, que ser mulher é exercer funções associadas à maternagem, a cuidar da casa,
do marido, das crianças.
Esta posição social que a mulher ocupa, traz sentimentos e dificuldades de
se reconhecer socialmente e profissionalmente, vivendo uma eterna dialética: ao ser
excelente profissional no trabalho, sente-se fracassada como esposa e como mãe,
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caso contrário, quanto à dedicação, é exclusiva para a maternagem e para a vida
matrimonial, sente-se fracassada como mulher emancipada.
Desta forma, a mulher muitas vezes nega a si mesma, para se constituir
sujeito socialmente aceito. Este processo de negação, de falta e de algo que é perdido
pode ser canalizado para o corpo, gerando as psicopatologias ditas femininas (anorexia
nervosa, fobias, histeria). A conquista do corpo magro, saudável e belo, passa a ser um
ponto de camuflagem ou um mecanismo que a mulher encontra para ser aceita pela
sociedade, já que o padrão de beleza passa a ser um fator de inclusão social.
1.1. Conceito de Gênero.
Segundo Louro(1998) o conceito de gênero surgiu após muitos anos de luta
feminista buscando explicações teóricas para a opressão das mulheres. Uma vez que
as mulheres e homens são sexualmente diferentes a sociedade impôs, arbitrariamente,
papéis diferenciados. Gênero desta maneira, não é um fato biológico, vindo da
natureza, porém um conceito formulado pela sociedade em um determinado momento
histórico. Este conceito procura explicar as relações que se estabelecem entre homens
e mulheres e compreender o papel do homem e da mulher na sociedade em que
ambos fazem parte.
Nos últimos 30 anos, o estereótipo imposto pela sociedade a respeito do
papel da mulher de que o casamento é seu objetivo maior, submeteu-a para uma
condição inferior. Este argumento vem perdendo força e muitas de nossas certezas
sobre os papéis do mesmo deixaram de existir e esta imagem, cada vez mais, vai
ficando para trás, porque ultimamente a mulher é presença garantida num cenário que
antigamente pertencia só ao individuo do sexo masculino. A mulher então mostrou sua
força e garantiu igualdades, direitos perante a lei.
A educação que era imposta às meninas, incentivava a desenvolver
sentimentos ternos, gentis, que as preparariam para a assunção futura da maternidade
vai ficando bem distante da realidade da nova mulher, pois o espaço antes a ela
negado, já faz parte do seu dia a dia, porém, hoje as mulheres buscam assumir outros
papéis que não os tradicionalmente a elas reservados, até porque a mulher atualmente
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pode ser conceituada como um ser plural.
Com a existência das pressões sociais, anseia-se que as mulheres de hoje,
consigam participar de uma nova história ligada a pressupostos de independência e
sucesso profissional além de permanecerem os antigos papéis.
Fleury (2006, p.123) acredita que:
As pressões sociais podem levar a menina a acreditar que sua identidade
caracteriza-se pela ausência de raiva e de necessidades próprias, tornando o
sentimento de raiva ameaçador para sua identidade como mulher e para sua
feminilidade. Exceto nos cuidados com os filhos, caracterizados como interesse
por outra pessoa, a mulher tende a suprimir sistematicamente a raiva,
aumentando a sensação de fragilidade e comprometendo sua auto-estima. Este
mecanismo pode expressar-se através de sintomas psicológicos ou somáticos,
mais freqüentemente através da depressão, além de influenciar sua maneira de
lidar com conflitos.
Tal autora ainda complementa que, no desenvolvimento da identidade de
gênero, pode produzir uma compreensão de si mesma como uma divisão apoiada nas
características concedidas aos dois gêneros, verificando como masculinos suas
aparências voltadas para a busca de autonomia e, como femininas, aquelas mais
afetivas e dependentes. Esta situação pode ser definida pela desvalorização e
conseqüente dificuldade em reconhecer muitas de suas características femininas,
gerando no desenvolvimento da mulher uma profunda sensação de que falta algo, de
não estar completa.
1.2. Construção da Sexualidade Feminina e da Feminilidade na visão
psicanalítica.
É importante em estudos sobre o desenvolvimento psicológico e
particularmente sobre a condição psicopatológica de diagnóstico de Transtorno de
Ansiedade que reportemos aos estudos freudianos, que tem um forte suporte para
discussão sobre casos psicopatológicos e identidade de gênero.
Falar do feminino para a psicanálise é abranger o máximo de questões
pertinentes às diversidades de enfoques que surgirão no processo de “tornar-se
mulher”.
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Freud em “A feminilidade” (1996), reconhece que o caminho pelo qual a
menina precisa percorrer é longo e pode vir a coincidir com a percepção da sua
anatomia. A abordagem Freudiana da sexualidade se ancora no efeito dos registros
inconscientes produzidos no psiquismo pela diferença anatômica entre os sexos; essa
diferença se traduziria psiquicamente pela posição castrado/não castrado, ressaltando
o caráter enigmático da posição feminina.
Este autor chegou à conclusão de que a sexualidade feminina assim como a
masculina, se dá através do processo edípico, porém de formas diferentes. No caso do
menino, o primeiro objeto de amor, a mãe, leva-o, conseqüentemente, a uma rivalidade
com o pai. Já a menina precisará mudar o objeto do seu amor, da mãe para o pai. A
menina encontra maiores obstáculos e dificuldades que o menino em seu percurso em
direção à sexualidade. Também é necessário que através da travessia produzida pela
criança haja uma identificação de gênero, mas, também é irredutível que se dê
diferenças em cada sujeito. Essas se expressam na singularidade de nosso desejo,
marcada pela posição na ordem familiar, que é única de cada sujeito.
As identificações que compõem o masculino e o feminino são estruturadas
pelo eu segundo o modo como cada gênero organiza seu ideal na cultura em que vive
e também como organiza sua relação no trimônio falo/falta/desejo. Lacan, em “Mais
Ainda”, citado por Barbiere (1996), diz que na busca pelo gozo fálico a mulher retoma
as mães, desta vez pela via da Outra mulher, na esperança de nela encontrar os
significantes que a ensinem como ser mulher, pela identificação. Para o autor, a
feminilidade aparece como máscara, pois não tem nenhum significante específico,
surge de uma montagem construída através de traços identificatórios, colhidos de cada
Outra mulher e do que se consegue pescar da fala dos homens, pois é preciso que um
homem a nomeie mulher para que ela ocupe este lugar. A posição feminina, definida
pelos Freudianos e revista pelos Lacanianos, implica o abandono da posição de sujeito
para colocar-se no lugar de causar o desejo de um homem.
Freud (1996) discute o impasse da mulher em sua condição de gênero e
sexo. Para ele a mulher em diferentes caminhos: o lugar de objeto, onde abre mão de
sua atividade e vive destruída e submetida. O segundo destino, que seria ser fálica, a
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histérica resolve o impasse da submissão se recusando a ficar no lugar de objeto da
fantasia do homem e através de uma identificação imaginária civil deseja como homem
e se mascara de mulher. O terceiro, que Freud coloca como solução para a mulher,
seria de ser mãe. Ao invés de ser objeto da fantasia do homem, a mulher tomaria o
filho como objeto de sua fantasia, objeto fálico que lhe traria a possibilidade de manter
sua atividade nos cuidados com o filho e ao mesmo tempo a livraria do horror de se ver
um objeto desvalorizado e descartável.
Neste estudo de caso aqui realizado o foco sobre a identidade de gênero e
suas conotações relacionadas as exigências dos papéis sociais nos faz indagar sobre a
difícil trajetória de Letícia (nosso estudo de caso) em sua busca de identidade
psicossocial.
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CAPÍTULO II
TRANSTORNO DE ANSIEDADE (FOBIA SOCIAL) E SUAS ORIGENS
NA FAMÍLIA
A fobia social é a intensa ansiedade gerada quando o paciente é submetido
à avaliação de outras pessoas, causando sofrimento significativo em sua vida,
demonstrando timidez, dificuldades no trabalho, no lar e nos relacionamentos sociais.
Ramadam (1987) relata que o paciente fóbico apresenta uma preocupação
com a exposição crítica ou desaprovação alheia que levaria ao embaraço ou
humilhação e procura se defender de impulsos ansiogênicos mediante o uso da
repressão, deslocamento, projeção e evitação, predominante.
O autor acrescenta que o deslocamento fóbico não impede que o indivíduo
entre em contato com a ansiedade, portanto a projeção é criada para construir uma
distância maior entre o individuo e a ansiedade. Assim, a ansiedade é retirada da
representação interna e projetada em algum objeto do mundo externo.
Do ponto de vista da teoria das relações de objeto, o fóbico evita a angústia
provocada por uma relação que implica o retorno de aspectos seus projetados. O
fóbico, frente a qualquer ameaça vivenciada internamente, defende-se pela
fragmentação e projeção do objeto fobígeneo. Por isso, pode controlá-lo melhor. Suas
fantasias são projetadas e ligadas a situações externas definidas que podem ser
evitadas.
Ramadam (1987) afirma que uma pessoa com fobia social pode ser como
alguém que percebe aspectos seus temidos e projetados nas pessoas a sua volta, e
que podem ser controlados pela evitação, buscando relações que lhe permite evitar
contato com a angústia. Dessa forma, ao mesmo tempo em que deseja, tem e evita a
posição depressiva, na qual seus impulsos bons e maus são integrados, e se dirigem a
um mesmo objeto.
Tal autor complementa que os pais têm uma grande importância, pois eles
podem passar durante a infância do paciente fóbico, uma crença de que o mundo é
imprevisível e assustador. Desta maneira, as ansiedades passam a ser evitadas com
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uso de defesas fóbicas, desenvolvendo pouca confiança em si mesmo, baixa tolerância
à ansiedade, modo dependente de adaptação, tendência ao pensamento mágico,
exposição precoce a modelos que utilizam defesas fóbicas, além do uso de sintomas e
sofrimento como forma de lidar com a autoridade.
O caráter psicológico do ser humano nasce aos poucos, pois este depende
de como os pais administram as necessidades básicas dos filhos tanto físicas, quanto
emocionais.
Além dos transtornos de ansiedade descritos em diferentes pesquisas e
autores
os
sintomas
de
introversão
e
timidez
podem
manifestar-se
nos
comportamentos de um paciente fóbico.
Para Ballone (2004), muito embora a introversão ou timidez seja um traço de
personalidade, devido a valorização cultural que se atribui a ela, poderá proporcionar
sério prejuízo à qualidade de vida da pessoa, levando a algum grau de sofrimento,
portanto, uma certa morbidez. É por isso, que a depressão, apesar de muito comum, é
patológica.
Há consenso, entre diversos autores, acerca de que os fatores ambientais
têm muita importância na superação destas atitudes ou em sua instalação com
sintomatologia. Um ponto essencial a respeito é o grau da sociabilidade dos genitores:
se estes freqüentam, habitualmente, um amplo núcleo familiar e social, geralmente a
timidez passará a partir dos 5 anos, e no máximo aos 7 anos. Em compensação, se a
sociabilidade familiar for escassa, tanto com parentes, como com amigos e outras
relações, o retraimento será mais intenso e se manterá vigente, constituindo, em
muitos casos, um sintoma a mais do quadro fóbico que aflige o sujeito (SOIFER, 1992).
Pode-se dizer que depende das possibilidades que a criança tem de realizar
seu aprendizado de convivência social, poder elaborar e atenuar seu medo a estranhos
e sua vergonha.
A criança em alguns momentos pode perceber que o adulto está sendo
injusto ou abusivo, sente raiva, mas nada pode fazer a não ser se submeter. Dessa
forma, tal submissão forçada gera, por sua vez, sentimentos de vergonha, humilhação
e inferioridade, que jamais serão esquecidos, apesar de todos os esforços que fizer
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para negá-los, disfarçá-los e/ou modificá-los, podendo dessa forma, gerar ou agravar a
timidez na mesma.
2.1. Família e a Matriz de Identidade – Base das Futuras Relações
Moreno (1994) nos apresenta a importância da família na Matriz de
Identidade, já que é a partir dessa que se lança o alicerce do primeiro processo de
aprendizagem da criança, é lá que se desenvolve a tele e a expansividade emocional e
social. À medida que a criança vai ganhando autonomia e se desenvolve o sentido da
proximidade e distância, vai ganhando sentido, podendo assim, ser retraída ou
afastada das pessoas e objetos, originando o primeiro reflexo social. O mesmo autor
demonstra que o homem necessita de várias outras pessoas para alcançar suas
metas, assim como essas pessoas também necessitam dele na execução de seus
projetos. Com isso, percebeu que assim como as pessoas se atraem, elas também se
rejeitam, estabelecendo um átomo social.
Um átomo social é composto por várias estruturas télicas, onde tele é
empatia recíproca. Ela se desenvolve através das relações de sentimentos de um para
com outra pessoa ou objeto. No entanto, pode-se observar que há vários graus,
positivos, negativos e neutros, dentro dessas sensibilidades interpessoais. A tele entre
dois indivíduos quaisquer pode ser potencial. A tele pode ser definida como um
processo emotivo projetado no espaço e no tempo, em que podem participar quantas
pessoas for necessário. É uma experiência de algum fator real na outra pessoa e não é
uma ficção subjetiva. É uma experiência interpessoal e não o sentimento ou emoção de
uma só pessoa. Sendo assim, considerado o principal fator para determinar a posição
de um indivíduo no grupo, inclusive o familiar.
Moreno explica que desde o seu nascimento, o homem se relaciona com
várias pessoas como: o pai, a mãe, os avós e outras pessoas que compõe seu
ambiente primitivo, compondo seu átomo social. A partir daí, o indivíduo começa a viver
relações de atração e repulsa, passando a desenvolver inúmeros papéis relacionados
aos papéis de outros indivíduos. Desse modo, qualquer que seja o momento da sua
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vida ou qualquer que sejam suas relações haverá uma gama de papéis e contrapapéis, contribuindo para o desenvolvimento da organização grupal. Podendo assim,
pensar isso dentro da família, ao ver os papéis e contra-papéis: filho e pai, pai e
esposa, e esposa e filho. A habilidade em desempenhar papéis é essencial pára a
comunicação adequada e para o desenvolvimento do eu social.
Na
matriz de
identidade, o
desenvolvimento do
individuo se dá
primeiramente através da fase de indiferenciação. A criança havendo necessidade do
outro não diferencia objeto e pessoas, esta fase se nomeia como duplo, pois a criança
precisa sempre de alguém para fazer as coisas por ela. Com seu desenvolvimento, a
criança passa a diferenciar pessoas e objetos próximos a ela, esta fase recebe o nome
de espelho, na qual a criança vê suas ações nos outros, mas com o passar do tempo a
criança aprende a se colocar no lugar do outro conseguindo então, fazer a inversão de
papéis. Com isso, a matriz de identidade é o lugar onde a criança se insere desde seu
nascimento, onde se relaciona com pessoas e objetos ocorrendo então, seu
desenvolvimento. Fonseca Filho (1980) mostra que a capacidade de inverter papéis
possibilita ao homem compreender melhor a realidade de vida do outro, bem como a
sua própria. Representa, pois, a possibilidade de estabelecimento de uma relação
télica entre duas pessoas.
Segundo Fonseca (1980, p.22), “a forma como uma criança percorre sua
matriz de identidade é um parâmetro de como será sua vida adulta”. Com relação a
isso, Cukier (1998, p. 26) ainda complementa que, “o amor, o respeito e a confiança
(auto-estima) que um indivíduo sente por si mesmo espelham, por seu turno, como
foram suas primeiras relações estruturadoras e prognosticam, em última instância,
como serão suas relações com o mundo.’’ Deve-se, portanto, considerar não somente
o vínculo diádico mãe-filho, mais a resultante emocional de todas as interações
envolvidas nesse núcleo primário, a matriz de identidade.
Quanto mais saudável for o ambiente externo, formado pela matriz de
identidade, mais a criança internaliza, vive e responde coerentemente às situações que
se apresentam em suas relações. Maior será sua capacidade em se relacionar e se
envolver emocionalmente nos seus futuros vínculos. E, conseqüentemente, mais
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completa será a formação da sua identidade.
Para Fonseca (2000), durante o processo de construção da identidade pode
haver falhas gerando os chamados distúrbios de identidade que são originados na fase
do reconhecimento do “eu” ou fase do espelho na matriz de identidade, de acordo com
o diagnóstico psicodramático.
A travessia nessas fases, pode se dar de forma prejudicada, liberando um
número de defesas que são insuficientes para o funcionamento harmônico da
personalidade e que causam prejuízos no desempenho de papéis sociais.
Como conseqüência, pode emergir um ser inseguro quanto à sua identidade
e quanto à consciência do valor de si mesmo, tendo como conseqüência a auto-estima
diminuída. Devido a essa má formação, pode apresentar ainda, dificuldades relacionais
que geram sofrimentos, tanto a si mesmo, como aos que se liga a esse ser, bem como,
dificuldades de inserção social e profissional.
Segundo Cukier (1998), uma criança não tem noção alguma do seu valor
pessoal, nem nasce com auto-estima. Ela irá absorver esse valor de fora para dentro
de acordo com a dedicação e estima que seus pais tenham por ela.
Alguns pais não toleram os impulsos e as emoções das crianças, e muitas
vezes, temem perder o controle da situação diante das mesmas e tratam de limitá-las,
chegando, em alguns casos, a puní-las de forma exagerada ou com ameaça de
retirada de amor. Tais atitudes podem gerar na criança uma inibição e/ou retraimento
dos seus sentimentos.
Cukier (1998) ressalta ainda que a independência dos pais e o fato deles
próprios terem limites bem estabelecidos, auxiliam a criança a se separar dos mesmos
e ter uma representação interna adequada de si e do outro. Quando isso não ocorre,
provavelmente a criança tornar-se-á um adulto que não consegue se conter para não
ofender os outros, ou mesmo não saiba se adequar em seus relacionamentos,
podendo ainda, apresentar-se de forma oscilante, que ora se apresenta extremamente
invulnerável, ora mostra uma vulnerabilidade extrema.
Ela também afirma que uma criança que não tem suas necessidades de
dependência respeitadas e satisfeitas sofre um grave dano em sua identidade básica,
19
passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando-as ilegítimas, e o próprio
desejo passa a ser considerado como vergonhoso. Seu egocentrismo infantil somado
ao fato de precisar manter a idealização dos adultos de quem depende para sobreviver,
fazem com que ela, freqüentemente, se atribua alguma culpa pela atitude dos pais. E
tal atribuição acaba, com o tempo, virando um traço de identidade da pessoa.
Segundo Carvalho e Rabinovich (2001), o meio afetivo-emocional que
circunda a criança e o mundo pode agir positivamente ou negativamente, podendo
interferir em seu desenvolvimento, chegando a afetar a espontaneidade, sensibilidade
e criatividade. Sendo assim, são nas relações que as pessoas se curam, porém são
elas que também adoecem, pois desde os cuidados maternais a criança pode receber
afetos negativos, forçados, e ainda mais, pode crescer com um sentimento de que ela
não merece ser valorizada e amada e, a partir de então, forma-se a auto-imagem, o
auto-conceito e a auto-estima, refletindo nos relacionamentos futuros consigo mesmo e
com os demais.
20
CAPÍTULO III
PSICODRAMA: FILOSOFIA, TEORIA E TÉCNICA
Se pudermos compreender sua filosofia, poderemos avançar em direção à
teoria, chegando à técnica, sem trair sua essência. (BUSTOS, 1999, p. 27)
O Psicodrama se baseia no teatro, na psicologia e na sociologia. Podendo
ser definido como “um método de psicoterapia no qual os pacientes dramatizam os
acontecimentos marcantes de suas vidas em vez de apenas falar a respeito deles”
(BLATNER & BLATNER, 1996, p.17).
Isso
acontecimentos
implica
numa
psicológicos
investigação
pouco
participativa
abordados
no
das
dimensões
processo
dos
psicoterápico
convencional: pensamentos não ditos, encontros com aqueles que não estão
presentes, retratos de fantasias sobre o que as outras pessoas sentem ou pensam,
antever futuras possibilidades e diversos outros aspectos da experiência humana.
Grupos de teatro tiveram grande contribuição no trabalho de Moreno.
Diferentemente do cotidiano, os atores do teatro de Moreno não tinham roteiros
obrigatórios, e sim a liberdade de improvisar, sendo essa a parte mais valorizada,
recebendo o nome de Teatro da Espontaneidade que logo depois passou a ser
chamado de teatro Terapêutico, que por sua vez se transformou no Psicodrama
(BERMUDEZ, 1980).
Historicamente, o Psicodrama representa o ponto culminante na passagem
do tratamento do individuo isolado para o tratamento em grupos; do tratamento do
individuo por métodos verbais para o tratamento por métodos de ação. Pode-se
entender, então, que o Psicodrama é um método de psicoterapia que visa tratar o
psíquico por meio da ação, tanto individual como em grupo, conforme Moreno (2006).
A teoria básica do Psicodrama baseia-se no fenômeno de que cada
individuo pode criar o que se passa em sua mente por meio da sua experiência
cotidiana. Com isso os psicodramatistas se comprometem em ajudar as pessoas a
21
colocar em ação seu progresso do mundo real’. O Psicodrama trabalha intrinsecamente
com a prática filosófica e psicológica (BLATNER & BLATNER, 1996).
Para Almeida é:
Através do discurso moreniano nos é dado entender e ver ampliados conceitos
fundamentais do método fenomenológico – existencial, tais como: existência,
ser, temporalidade, espaço, encontro, liberdade, projeto, percepção, corpo,
imaginário, linguagem, sonhos, vivencias, cura (Sorge), Biografia (1988. p. 40).
De acordo com Kierkegaard, citado por Almeida (1988), existir é escolher e
apaixonar pela escolha, mantendo a tensão entre finito e a transcendência. Essa
existência é caracterizada por situações concretas de opção e a ação de escolha é o
que qualifica o individuo.
No Psicodrama o ser humano pode vivenciar no contexto dramático do
“como se”, todas as formas de comportamento e toda existência subjetiva. O tempo se
define na situação de momento, no “aqui e agora”, pois essa teoria estimula a vivencia
num determinado lugar, momento de cada individuo.
Essa categoria de momento só tem significado em um mundo aberto, isto é,
em um universo em que se tem o lugar, a mudança e o novo. Isso é que se dá a
possibilidade de crescimento, espontaneidade e criatividade.
Então se pode perceber que o espaço fenomenológico é o espaço da
imaginação.
O espaço concreto do local onde se realiza uma sessão psicodramática poderá,
no momento da dramatização, tomar tamanhos e significações diversas, em
função do espaço interno de cada um e dos eventos afetivos (ALMEIDA, 1988,
p. 50).
3.1. Espontaneidade e Criatividade
Dentro do plano psicoterápico, o encontro propõe o rompimento da conserva
cultural, pelo estímulo da espontaneidade/criatividade. Permite a afetividade do
tratamento, permeabilizando a relação dual e/ou grupal, de modo que se deixa
disponível o acontecimento, uma série de elementos deverão ser trabalhados em níveis
22
empáticos, transferenciais, amorosos e télicos.
Com isso pode-se concluir que a filosofia moreniana e o entendimento do
ser em sua crença filosófica é o homem na relação, ou seja, um ser social, relacional.
O tema central no trabalho de Moreno é a reintegração da espontaneidade e
da criatividade. A espontaneidade de acordo com Moreno (2006, p. 36), “é
freqüentemente citada da seguinte maneira: o protagonista é desafiado a responder
com certo grau de adequação, a uma nova situação ou, uma certa medida de novidade
a uma antiga situação”. A espontaneidade-criatividade está relacionada com o quadro
de um individuo que possui uma maturidade e saúde mental.
Segundo Fox (2002), a natureza humana se caracterizava em certo modo,
de uma ação espontânea da sua criatividade, podendo ser interrompida durante o
decorrer da vida por processos de inconstância emocional, sendo uma das principais
causas a quebra da espontaneidade, ou melhor, a substituição da mesma.
A partir da espontaneidade, Moreno (2006), criou o conceito de tele, sendo o
conjunto de processos perceptivos, que permitem ao individuo uma valorização
concreta de seu mundo circundante. Na sensibilidade télica há igualdade, reciprocidade
e mutualidade.
A tele é uma relação elementar que pode existir entre um individuo como,
também, entre indivíduos e objetos, e que no homem se desenvolve a partir das
relações interpessoais, um processo emotivo projetado entre duas ou mais pessoas. O
fator tele, é a comunicação, pois o ser humano só se comunica a partir do que é capaz
de perceber em outras pessoas. O fenômeno tele não é algo pronto, mas que deve ser
construído, a partir do momento em que o recém-nascido passa a ter contato com os
objetos exteriores.
3.2. Papéis Sociais e a Origem das Disfunções dos Papéis Psicossomáticos.
As relações interpessoais são responsáveis pelo desempenho de papéis de
cada ser humano, proporcionando assim o contato, e favorecendo a troca, pois “à
23
medida
que
este
desenvolvimento
ocorre,
os
papéis
vão-se
matizando
perceptualmente. Ou seja, não apenas se desenvolve o papel, como também a
percepção do papel”. (SUGAI & PEREIRA, 1983, p. 97-98).
Para Moreno (2006, p. 27), “papel é uma forma de funcionamento que o
individuo assume no momento especifico em que reage a uma situação específica, na
qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos”. Os papéis se iniciam desde o
nascimento antes mesmo da linguagem e continuam por toda sua existência. Todos os
papéis são complementares um do outro, dando origem ao vínculo. Em seqüência o
que é apreendido nas relações familiares se reproduz nas relações sociais.
Com isso percebe-se que o papel estrutura-se de acordo com a cultura de
cada individuo, por possuírem características e particularidades próprias. Existem três
tipos de papéis fundamentais dentro da teoria moreniana: psicossomáticos (corpo),
sociais (sociedade) e os psicodramáticos (psique), que é junção do psicossomático
com o social.
Os papéis psicossomáticos ou fisiológicos (como os de comer, dormir,
urinar, etc.) surgem no início do desenvolvimento do bebê numa fase de não
diferenciação. Moreno (2006) nomeou esse universo indiferenciado da criança de
Matriz de Identidade Total. O autor denominou o principal cuidador que responde às
necessidades básicas do bebê, de ego - auxiliar. Pessoa (2008) explica que o bebê
“apenas age a partir de seus reflexos e tudo gira ao seu redor; é o período em que ela
apresenta um psiquismo incipiente, caracterizado como caótico e indiferenciado”.
O primeiro relacionamento entre o ego - auxiliar e a criança, que
normalmente é a mãe, é concedido pelo estado total de dependência do bebê para
com o adulto em satisfazer suas necessidades de cuidado e amparo, ocorrendo o
registro no psiquismo (até então indiferenciado) da experiência de satisfação fisiológica
com o clima afetivo que permeia tal experiência.
Segundo Dias (1987), estes registros correspondem às marcas mnêmicas e
contribuem para que ocorra durante o desenvolvimento infantil, a organização e
diferenciação de parte do psiquismo humano.
Os dois novos conjuntos de papéis: psicodramáticos e sociais, surgem no
24
segundo universo da criança o qual é marcado pelo estabelecimento da “brecha entre a
fantasia e a realidade”. Moreno (2006, p.124) afirma que: “enquanto a brecha não
existia, todos os componentes reais e fantásticos estavam fundidos num só conjunto de
papéis, os papéis psicossomáticos”.
Na seqüência do desenvolvimento infantil, conforme Moreno (2006), os
próximos papéis que surgem são os papéis psicodramáticos, os quais expressam a
dimensão psicológica do “Eu”.
Como exemplo de formas psicodramáticas de
desempenho de papéis, Moreno (2006,p.28)relata: “inversão de papéis, a identificação
de papel, o duplo desempenho e o desempenho do espelho”, estas ações
psicodramáticas, de acordo com o autor, propiciam o crescimento mental do indivíduo.
No ambiente psicoterapêutico, com relação ao desempenho de papéis
psicodramáticos, Gonçalves (1988) mostra que é por meio da dramatização que o
cliente reproduz as suas mais diversas questões internas. Tal ação favorece a
ocorrência de catarse e insights profundos em si.
De acordo com Moreno (2006, p. 28), numa fase subseqüente do
desenvolvimento infantil, surgem os papéis sociais, os quais “apóiam-se nos papéis
psicossomáticos e psicodramáticos, como formas anteriores da experiência”. Estes
papéis, conforme o mesmo autor, correspondem à dimensão social. Diferentemente
dos papéis psicodramáticos – em que há predomínio da fantasia – nos papéis sociais
opera, de forma predominante, a função da realidade (MORENO, 2006; e
GONÇALVES, 1988). Temos exemplos de desempenho de papéis sociais como: mãe,
pai, professor, médico, etc.
A função do papel na vida do indivíduo, Moreno (2006) ressalta a existência
de uma relação significativa entre desempenho de papel e desenvolvimento de “Ego”.
Ele afirma que existe uma expectativa que o indivíduo, no meio social, desempenhe
papéis que assume na vida. Além disso, o autor pontua também o desejo por parte do
próprio individuo de assumir muitas vezes, outros papéis além dos que já possui; ou de
exercer uma ou mais variedades do mesmo.
Pessoa (2008, p. 31) explica que:
O homem, na dinâmica das relações sociais, percebe-se assumindo uma
variedade de papéis de um lado, e vê, por outro lado, as pessoas do seu meio
25
assumindo os diferentes contrapapéis. Como exemplos desse jogo de papéis
que ocorrem nas relações sociais, citam-se: a execução de um determinado
papel por uma pessoa (por exemplo, de pai) e atuação necessária de seu contra
papel, que é o de filho.
Moreno (2006, p. 29) considera “os papéis e as relações entre eles o
desenvolvimento de maior significado em qualquer cultura especifica. O papel é a
unidade da cultura; ego e papel estão em contínua interação”.
Por fim, Moreno (2006), demonstra que o “Ego” inteiro do indivíduo, é, pois o
resultado da integração dos aspectos: corpo, psique e sociedade. Aspectos estes
estimulados e desenvolvidos a partir dos respectivos papéis anteriormente discutidos:
psicossomáticos e sociais. O autor ainda nos mostra que possíveis desequilíbrios no
agrupamento de papéis geram um atraso no desenvolvimento de um “Eu” total, por
outro lado intensificam os transtornos do próprio “Eu”.
Por meio dessa evolução, desse contato, do “poder” de comunicação que o
bebê tem com o mundo externo, é que ele vai desenvolvendo sua própria identidade, o
que Moreno denomina de Matriz de Identidade.
A matriz de identidade proposta por Moreno é uma teoria criada por ele, cujo
objetivo é descrever como ocorre o desenvolvimento de papéis do homem, ou seja,
como ele evolui na sua relação consigo mesmo, com as pessoas e com o mundo.
3.3. Intervenção Técnica Psicodramática no Contexto Psicoterápico.
A concepção Moreniana propicia técnicas, as quais têm seu embasamento
na fase do desenvolvimento na Matriz de identidade, berço social onde a criança se
insere ao nascer.
Monteiro (1998, p.25), baseando-se na teoria moreniana,
relacionou as três técnicas básicas do Psicodrama com três grandes estágios da
matriz de identidade. São várias etapas de um estado de indiferenciação até o
reconhecimento do outro, das quais a teoria moreniana destaca três grandes
fases.
26
1ª fase - Dependência total do bebê em relação aos egos-auxiliares, fase
de indiferenciação, a vivência de identidade. A mãe, o primeiro ego - auxiliar é nessa
etapa, a mediadora entre a criança e o mundo, a provedora de suas necessidades.
Baseando-se nesta fase, Moreno (1999) criou a técnica do Duplo. Tudo o
que a mãe faz é para a criança, uma porção inconsciente do seu eu; a mãe é um ego –
auxiliar da criança; ela é um caso particular de sua vida inconsciente. Pode-se dizer
que no relacionamento entre mãe e filho, a natureza repete a experiência do duplo.
Aconteça o que acontecer mais tarde, durante o crescimento da criança esta
experiência precoce de identidade modela seu destino.
Gonçalves Wolff e Almeida (1988, p. 87) relatam que “a técnica que está
embasada nesse estágio é a técnica do duplo, que é feita pelo ego - auxiliar ou,
algumas vezes, pelo diretor que expressa, num determinado momento, aquilo que o
protagonista não está conseguindo expressar”.
Sobre a técnica do duplo (MONTEIRO, 1998, p. 25) “pressupõe que o
individuo não esteja em condições de agir ou de se comunicar por si e que necessite
de um mediador, um ego - auxiliar cuja atuação lembra a da mãe no inicio da vida de
relação”. O objetivo do duplo é entrar em contato com a emoção não verbalizada do
paciente, e às vezes, até não conscientizada, a fim de auxiliá-lo a expressá-la. O duplo
possibilita ao paciente a liberdade de expressão, espontaneidade, visto que, ao utilizálo, o terapeuta mostra ao paciente
que o está compreendendo e aceitando.
Compreensão e aceitação são dois fatores fundamentais que favorecem a livre
expressão (ação) do paciente, além de fortalecer o vinculo psicoterapêutico.
2ª fase - É a Identidade Total Diferenciada ou do Reconhecimento do Eu é
o momento em que a criança começa a se perceber enquanto indivíduo, separada dos
outros (eu - tu). Nessa fase o ego – auxiliar (mãe ou quem cuida da criança) atua como
um espelho para a criança.
Moreno (1999) fez um paralelo entre esta fase vivencial infantil e a técnica
psicodramática do Espelho. Não é um espelho real, mas é sugerido que o paciente
veja-se como num espelho. O terapeuta ou o ego – auxiliar coloca-se na postura física
na qual o paciente assume em determinado momento. O terapeuta passa a espelhar o
27
cliente, transformando-o em um espectador de si mesmo. Esta técnica propicia ao
cliente condições para melhorar a autopercepção. O objetivo é que o paciente olhando
para si de fora da cena perceba todos os aspectos presentes nela e sua reação frente
a estes aspectos, sendo que o distanciamento da cena favorece uma tomada de
consciência que a proximidade dificulta.
A
fase
do
espelho
corresponde
a
um
marco
fundamental
no
desenvolvimento individual onde a descoberta da própria imagem propicia à criança, ao
mesmo tempo, um estranhamento e um primeiro passo na direção do autoreconhecimento. A técnica do espelho do Psicodrama pretende despertar uma vivência
semelhante à primitiva vivência infantil, fazendo com que o protagonista comece a
reconhecer a si mesmo (MONTEIRO, 1998, p. 25).
O terapeuta, portanto vai se colocar no papel do paciente, ou pode colocar
uma almofada em seu lugar e descrever verbalmente o que percebe, sugerindo que o
paciente assim o veja também.
Na última fase da matriz de identidade, que é Reconhecimento do Tu, de
onde origina-se a brecha entre fantasia e realidade, a criança já tem capacidade de se
colocar no papel de sua mãe. Isso é possível porque ela já tem o reconhecimento do
eu, o que possibilita o reconhecimento do tu. Brincar de ser o papai ou a mamãe e falar
como eles, fazem parte desta etapa do desenvolvimento de papéis.
Aqui a criança está atenta a si mesma, ela já consegue fazer a tomada de
papel
(role
taking)
e
posteriormente,
se
houver
um
desenvolvimento
saudável/adequado ela desenvolve a inversão de papéis (role-playing). “Suas
condições de estabelecer e de compreender a troca indicam que está na etapa de
inversão de papéis ou de reconhecimento do tu” (MONTEIRO, 1998, p. 25).
Anzieu (1981, p.29) afirmou que a pessoa, “ao sair de si mesma torna-se
capaz de perceber objetivamente sua própria atitude em relação aos outros, disto pode
advir o ajustamento de suas relações interpessoais”.
Esse fator nos faz pensar também, na questão da evolução, que só
evoluímos quando vamos desenvolvendo nossos papéis e adquirindo a capacidade de
inverter papéis com o outro; de se colocar no lugar do outro, nos relacionar;
28
experienciar; ir ao encontro do outro. Este é inclusive o critério de diagnóstico utilizado
por Fonseca (1980), se a pessoa tem ou não possibilidade de inverter papéis para
medir o grau de “saúde” ou o grau de “doença” no qual se encontra o sujeito.
A inversão de papéis é a técnica de absoluto envolvimento da capacidade de
ver o drama de outro ponto de vista, qualquer que seja ele. Assim, o protagonista
precisa realmente sair fora do self e tornar-se outra pessoa (ZERKA, 2001).
Segundo Cukier (1992), é uma das técnicas mais utilizadas na clínica e
propicia, além da vivência do papel do outro, o emergir de dados sobre o próprio papel
que, sem este distanciamento, não seria possível. Basicamente pede-se ao cliente que
tome o lugar do outro, ou seja, represente o papel de alguém, sobre quem esteja
falando, em vez de apenas falar sobre essa pessoa. O terapeuta auxilia, através da
técnica da entrevista, a ir compondo este personagem e empatizando, pouco a pouco,
com suas percepções, emoções e opiniões.
Para a realização das técnicas e de um bom desenvolvimento psicoterápico,
o psicoterapeuta deve saber escutar e responder de forma que não interfira nas idéias
do paciente. Moreno (2006) mostra que o objetivo das técnicas do Psicodrama é atingir
a catarse de integração, no qual o próprio eu tem a oportunidade de reencontrar-se e
reordenar-se, juntando os elementos que podem ter ficado separados por forças
circunstanciais.
Há momentos onde paciente precisa concretizar suas emoções, os seus
conflitos, e suas doenças. Utiliza-se então objetos para demonstrar o que está sentindo
e os personagens daquele conflito.
Cukier frisa a importância do diretor na montagem da cena a qual foi
escolhida pelo paciente que o deixará tranqüilo ou receoso em dramatizar, podendo ser
um fato que já aconteceu, ou algo que é muito difícil e doloroso, e até mesmo um
sonho que teve. Esta técnica é conhecida como Dramatização em cena aberta,
envolvendo o local que acontece a cena, o horário, a posição das personagens e as
suas interações que aparecem no duplo, no espelho, no solilóquio, na inversão de
papéis e interpolação de resistência.
Quando o paciente traz para a sessão uma queixa e não consegue explicar
29
o motivo, o Psicodrama interno pode ser bastante útil. O solilóquio é uma técnica que
leva o paciente se expressar em voz alta o que ocorre com ele nesse momento. O
terapeuta pode pedir para que fale sobre si mesmo ou sobre o que está acontecendo
ao seu redor.
Os autores Barberá e Knappe (1999, p. 123), definem o solilóquio como:
Uma expressão de sentimentos e pensamentos por parte de um individuo sobre
a percepção que ele tem nesse momento sobre si mesmo e/ou sobre o sistema
do qual faz parte. Implica esclarecimento de conteúdo ocultos e costuma levar a
uma definição do sistema a partir de um ponto de vista pessoal.
A auto-apresentação é uma técnica que pode aquecer o protagonista e,
simultaneamente, contribuir com uma grande riqueza de dados nas entrevistas
exploratórias.
O modo de explicação dessa técnica deve ser adequado aos interesses
específicos do momento. Costuma-se sugerir que o paciente expresse seu nome, idade
e outros dados gerais e que represente cenas rápidas com pessoas de sua família.
Seria interessante que o próprio indivíduo representasse dois (ou mais) papéis, para
expressar sua visão subjetiva dos modos vinculares.
3.4. Jogos Psicodramáticos.
Historicamente o Psicodrama originou-se dos princípios do jogo. De acordo
com Moreno (1993) a brincadeira é mais velha que a própria humanidade e foi a
percussora de seu crescimento e desenvolvimento.
Yozo
(1996)
relata
que
Moreno
aprofundou
a
temática
sobre
a
espontaneidade como ato de brincar, por ter vivido uma experiência, ao brincar de “ser
Deus”, em seus quatro anos de idade, de uma base lúdica, de um jogo dramático,
representando o papel central com tal desempenho que, ao ser questionado pelos
colegas que eram os anjos, por que não voava, tentou e se estalou no chão.
A partir desta vivência em “ser Deus”, Moreno notou que nas crianças a
espontaneidade era natural, sem censura e sem referências sociais, que comprometem
30
o adulto. Percebeu que a grande parte das pessoas eram despojadas de
espontaneidade e criatividade, por estarem arcadas de valores e regras sociais
(conservas culturais). Portanto, assinalou que a espontaneidade é o fator primordial
para uma existência saudável e o individuo espontâneo consegue ampliar a sua
capacidade criadora.
Afirma Yozo que o lúdico e a espontaneidade são importantes para o
resgate da chama acesa da criatividade.
O jogo psicodramático permite que se defronte com novas possibilidades e
espera-se que o individuo dê respostas novas a uma antiga situação e assuma
responsabilidade com suas novas escolhas. Monteiro (1994) diz que “o jogo é uma
atividade que propicia ao individuo expressar livremente as criações de seu mundo
interno, realizando-as na forma de representação de um papel, pela produção mental
de uma fantasia ou por uma determinada atividade corporal”.
O jogo cria uma atmosfera permissiva que dá condições ao aparecimento de
uma situação espontânea e criativa no individuo, proporcionando-lhe a possibilidade de
substituir respostas prontas, estereotipadas por respostas novas, diferentes e livres de
uma conserva cultural trazida no decorrer do tempo. Através do jogo é possível uma
aproximação sutil do material conflitivo, resgatando conteúdos inconscientes que, de
outra forma, dificilmente seriam percebidos. Pode permitir que o indivíduo descubra
novas formas de tratar situações que poderão ser semelhantes a outras de sua vida
cotidiana, favorecer também, a quebra de resistência, bloqueio e ansiedades, formando
um “campo relaxado” que permitirá novas possibilidades de relações que possam leválo a atingir uma meta.
Cukier (1992) confirma falando que o clima de tensão habitual aos dramas
pode ser substituído, através do jogo psicodramático por uma sensação de
relaxamento e prazer, que por sua vez atenua as defesas intrapsíquicas.
De acordo com Monteiro (1994), o estabelecimento de um campo de
conduta relaxado, cria um ambiente de baixa tensão para o individuo, eliminando a
possibilidade de ser uma situação angustiante ou ansiógena.
31
3.5. Etapas do jogo.
Todo jogo psicodramático é iniciado por um aquecimento, pois o
“aquecimento é importante para estimular a espontaneidade” (BLATNER & BLATNER,
1996, p. 74).
Cukier (1992) mostra que o aquecimento é indispensável enquanto requisito
técnico inicial de uma sessão psicodramática, levando o paciente a se preparar para a
ação. Para ela no Psicodrama, é possível perceber que o paciente:
Chega na sessão carregado de tensões que vive lá fora, tensões essas não só
relacionadas aos conflitos intrapsíquicos pelos quais pede ajuda, mas também,
relacionados a fatores mais ou menos, aleatórios tais como o trânsito, o humor
negro do seu superior no trabalho, seu dente que dói, etc. (CUKIER, 1992, p.
30).
No decorrer do aquecimento, o paciente irá se desligar desses fatores do dia
a dia para melhor se entregar e se envolver no jogo. O terapeuta também precisa
utilizar o aquecimento para se desligar de outros papéis de sua vida e se sentir
integrado ao paciente.
O aquecimento é o momento em que ocorre tanto a escolha como a
preparação do paciente para a ação dramática. Esta fase tem duas etapas: o
aquecimento inespecífico, no qual visa situar o paciente na sessão, centralizando sua
atenção em si mesmo, diminuindo a tensão e facilitando a interação em toda a sessão;
no aquecimento específico acontece a decisão do terapeuta do recurso técnico que vai
utilizar.
Após o aquecimento é proposto pelo terapeuta o jogo que levará o cliente a
presentificar o seu conflito na sessão através das figuras do seu mundo interno. O
conflito aparece quando o jogo acontece, portanto é um dos mecanismos terapêuticos
mais potentes. Castanho (1995), afirma que qualquer fato pode criar jogo, basta
considerar a determinação do cliente, o clima e o aquecimento do terapeuta (como me
sinto).
Para facilitar o trabalho do terapeuta, Castanho divide os jogos dramáticos
podendo existir todos ou um desses três momentos: eu comigo – o paciente se volta
32
para si mesmo como uma forma de auto-percepção para se centrar e se respeitar; eu
com outro – o paciente se volta para o outro, para fora de si; eu com todos – quando o
paciente se interage com o grupo.
O jogo tem como objetivo terapêutico desenvolver o potencial vital de ação,
possibilitando
uma
experiência
transformadora
para
si,
desenvolvendo
a
espontaneidade e a capacidade de criação. Nesta forma de intervenção terapêutica
Pode ser produzido algo novo, sendo que se propõe entrar numa zona desconhecida,
tanto para o paciente quanto para o terapeuta.
Após o jogo acontece o momento de compartilhar a vivência experenciada.
É sugerido ao paciente que expresse o que o emocionou e o sensibilizou no jogo,
assim como os sentimentos nele despertados e o terapeuta deve estar a serviço do
paciente, mas com muita cautela para não colocar suas experiências pessoais.
33
CAPÍTULO IV
TRÊS TEMPOS DO PROCESSO TERAPÊUTICO DE LETÍCIA
História da Jovem Letícia.
Através de recortes de sessões terapêuticas será demonstrado como a
paciente Letícia (nome fictício) conseguiu se conscientizar e despertar o desejo de
“cura” através das técnicas psicodramáticas e da utilização do recurso técnico dos
jogos psicodramáticos.
Letícia é uma jovem de 19 anos, solteira. Há dois meses está cursando
Direito, mora com os pais que são comerciantes e com uma irmã de 18 anos que
pretende cursar medicina. Foi a mãe quem marcou a consulta, em busca de ajuda por
perceber Letícia deprimida e solitária. No início da sua adolescência, sentia vergonha
de sua aparência, por ter usado óculos e aparelho dentário. Com isso começou
apresentar dificuldades no relacionamento interpessoal. Hoje, Letícia tirou o aparelho e
passou a usar lentes de contato, mas ainda continua sem amigos e nunca se envolveu
afetivamente com alguma pessoa. A família de Letícia tem como religião o catolicismo,
e pertence à classe social média. Todos os seus tios moram no estado do Tocantins e
tem contato com eles somente nas férias de julho e janeiro. Os pais são comerciantes
com uma renda que os permitem realizar viagens, oferecer às filhas estudos em
faculdades e colégios conceituados e viverem dentro dos padrões de normalidade
social.
O estudo de caso será dividido em três tempos por razões didáticas/práticas
com relação à apresentação do caso em estudo monográfico:
1º tempo – Rigidez e Resistência à Terapia;
2º tempo – Revelação de Si Mesma Por Meio de Técnicas e Jogos Psicodramáticos;
3º tempo – Consciência e Desejo de “Cura
34
1º Tempo – Rigidez e Resistência à Terapia.
A cliente entrou no consultório na primeira sessão e foi logo se sentando na
poltrona. Permaneceu a maior parte do tempo com os braços cruzados, ombros altos e
a cabeça baixa.
A terapeuta percebeu a tensão da cliente e iniciou um diálogo, explicando o
que é a psicoterapia e depois perguntou a ela se concordava com a mãe por achá-la
sozinha e deprimida. Inicia-se assim um aquecimento verbal.
Letícia (L)1 – Concordo sim, mas eu acho que não preciso fazer terapia por gostar de
estar sozinha. Para mim é normal.
Terapeuta (T)1 – Como é viver sozinha, sem amigos...? (neste momento, a cliente se
emociona, treme o queixo e os olhos ficam vermelhos)
L - Um vazio! Eu acho.
A terapeuta sugere a técnica da Concretização para a cliente expressar a
emoção que sentia.
Através da técnica de Concretização é possível materializar nos objetos
inanimados, emoções, conflitos, partes corporais, doenças, utilizando as imagens,
movimentos e falas psicodramáticos. Cukier (1992) enfatiza que se for bem conduzido
este recurso técnico, acelera uma catarse de integração, pedindo para o paciente que
mostre concretamente o que estas coisas fazem com ele e como o fazem.
T - Este vazio está aonde no seu corpo? Pegue a almofada e represente com ela o
vazio que você disse.
L - Está na minha cabeça.
T - O que este vazio faz com você?
L - Não gosto de pensar e nem de me lembrar que eu não tenho amigos.
T – O vazio faz com que você não pense e nem se lembre que não tem amigos, é isso?
“Estou sofrendo. É muito triste viver assim e me sinto tão sozinha e frágil” (Técnica do
Duplo).
___________________________
1
T e L - indicam a Terapeuta e Letícia (cliente)
35
Letícia não consegue explicar o que acontece quando está próxima de
pessoas, faltam palavras e vem o vazio. Só sabe que isso começou depois dos seus 10
anos quando precisou usar óculos e aparelho dentário.
No momento do compartilhamento Letícia foi estimulada a expressar os
pensamentos e sentimentos que emergiram com a realização da técnica da
Concretização. A terapeuta participa do compartilhar, encorajando-a para que juntas
possam encontrar uma compreensão melhor deste vazio.
Na segunda sessão, Letícia demonstra no início mais retraimento. Estava
com a cabeça baixa. Apresentou a queixa de não conseguir olhar para as pessoas.
A sua verbalização se expressava por frases curtas e interrompidas. Os
intervalos de tempo para falar eram longos e tensos.
L – Será que é por isso que ninguém conversa comigo, nem se aproxima?...
A terapeuta propõe que Letícia veja sua postura através da técnica do
Espelho. E se posiciona com todas as semelhanças da postura de Letícia.
L – Nossa, eu estou assim?
T - Você se mostra assim... O que mais te chama atenção nesta tua postura?
L - A cabeça você está... eu estou olhando para o chão.
T - Isso! É como você está.
L - Eu acho que fico assim na sala de aula.
A terapeuta sai da posição de espelho e volta à postura inicial. Percebe-se
que a cliente estava com a cabeça erguida e olhando nos olhos da terapeuta.
T - Olá, Letícia, como vai?
L - Vou bem (dá um leve sorriso com rosto avermelhado).
No encerramento da sessão, ao compartilharmos Letícia expõe que ficou
surpresa e assustada ao ver sua real postura, que até então não se percebia dessa
forma. O objetivo desta técnica, a qual Moreno (1999) fez um paralelo entre a vivência
infantil, é levar o paciente em direção ao seu auto-reconhecimento.
Na terceira sessão, a cliente cumprimenta a terapeuta olhando firmemente
nos olhos. Foi proposto a técnica de Auto-Apresentação, sugerida por Jacob Levy
Moreno. Letícia apresenta o seu átomo familiar.
36
3
5
4
1
2
6
7
LEGENDA:
1. Letícia
2. Mãe
3. Pai
4. Irmã
5. Tia
6. Faculdade e o Lar
7. Tristeza
Antes de iniciar a técnica proposta, foi feito o aquecimento. A terapeuta
pediu à cliente para caminhar e entrar em contato com seu corpo, observando como
estava sua respiração, a batida do coração e todas as partes do seu corpo. Logo em
seguida pediu para pensar nas pessoas significativas de sua vida, lugares e algo
material também significativos e por último um sentimento.
Na montagem da Auto-Apresentação, observou-se em Letícia sinais de
bloqueio da espontaneidade e criatividade por meio da demora na montagem do seu
mundo2. Letícia demonstrou o mesmo sintoma ao criar a escultura 3 de si mesma com a
qual mostra como está se sentindo. Suas dimensões humanas estão doentias,
atingindo todas as suas relações.
2
A terapeuta utiliza a expressão “mundo” para designar o ambiente social, afetivo e cultural da cliente.
3
Escultura – posição corporal que mostra o modo de relação (ou a rede relação) que existe entre as pessoas cujo
corpo vai manejar.
37
O processo patológico inicia-se com o isolamento social e a redução das relações
afetivas. Nesse caso de ansiedade, sua espontaneidade fica bloqueada permanecendo
na mesmice dos comportamentos, fato este que revela a cristalização dos papéis, o
que significa o adoecimento (Conserva Cultural).
No final desta técnica Letícia enche os olhos de água quando entra em
contato com seu sentimento de tristeza, fazendo com que ela percebesse a
insatisfação de viver isolada de tudo e de todos, deixando de ser normal. Ela pode
perceber seus vínculos familiares e a relação de seus problemas com os problemas
vinculares da família.
No compartilhamento Letícia confessa que sentiu muita dificuldade no jogo
da Auto-Apresentação, mas fez com que ela pensasse na melancolia existente em sua
vida.
Após isso, Letícia queixou-se do pai por ser uma pessoa nervosa e que tudo
para ele é perigoso (andar de ônibus, ir ao shopping, sair à noite). Segundo ela, a irmã
tem muitos amigos e consegue tudo dos pais, mesmo contrariando-os. Letícia acha
que isso é falta de respeito por eles. A mãe é submissa ao marido, e vive com a
preocupação de não estressá-lo, para não deixá-lo nervoso.
Letícia lembra-se nesta sessão de uma tia que mora no estado de Tocantins
e sente muita falta dela por ser uma pessoa que a compreende e consegue reparar a
diferença do tratamento dado pelos pais a ela e à irmã. Segundo esta crença os pais
cedem muito mais para sua irmã por ser insistente e determinada, e já Letícia
apresenta outro comportamento de expor para os pais os seus desejos para não
contrariá-los. Letícia desabafa que tem dificuldade em tomar decisões e ter atitudes,
porque seus pais muitas vezes decidiram quais eram as melhores escolhas para ela.
Por ser a primeira filha, os pais a protegeram mais, principalmente na sua
infância, colocando mais limites e regras para não se machucar e ser uma filha
educada e exemplar.
 Leitura Teórica do Caso
Fazendo a leitura do caso apresentado no primeiro tempo, Letícia
38
demonstrou diferentes aspectos de resistência (mecanismo de defesa psíquica).
Podemos percebê-los por meio da sua fala e da sua postura corporal. Letícia tem como
crença que é possível viver sozinha admitindo que não precisa de ajuda.
A técnica da Concretização utilizada na primeira sessão fez com que Letícia
entrasse em contato com a sua emoção e com seu sofrimento. Após a técnica da
Concretização a terapeuta encerrou essa sessão com a técnica do Duplo, para mostrar
à paciente como ela está frágil e por ser muito difícil em pensar e lembrar que não tem
amigos. Com a técnica do Duplo, a paciente se sentiu confirmada, compreendida e
aceita por ter dificuldades em se relacionar. Gonçalves Wolff e Almeida (1988) relatam
que a “técnica que está embasada neste estágio é a técnica do Duplo, que é feita pelo
ego auxiliar ou, algumas vezes pelo diretor que expressa, num determinado momento,
aquilo que o protagonista não está conseguindo se expressar”.
Na segunda sessão onde realizou-se a técnica do Espelho, percebemos que
o momento de vida da paciente pode ser comparado à fase da Identidade Total
Diferenciada ou do Reconhecimento do Eu, que é o momento que a criança começa a
se perceber enquanto indivíduo, separada dos outros (eu-tu). Nessa fase o ego –
auxiliar (mãe ou quem cuida da criança) atua como espelho para a criança. Na teoria
psicanalítica segundo Freud (1996) a mulher adoecida é vitima de profundos
complexos relacionados aos seus papéis sexuais, ou seja, sua relação com o outro,
com o corpo do outro e com sua auto-imagem.
Na terceira sessão, no primeiro tempo, a cliente mostra dados importantes
na exploração da realidade, com a técnica de Auto-Apresentação contendo a gênese
do átomo social.
Na sua infância, foi relatado por Letícia, como os seus pais a educaram, com
excesso de limites e superproteção. Ramadam (1987) dá muita importância à maneira
como os pais administram as necessidades básicas dos filhos tanto físicas quanto
emocionais. Cukier(1998) acrescenta que o indivíduo necessita de um outro para se
espelhar, ou seja, para saber se identificar, portanto, o cuidador é quem faz essa ponte
relacional entre o mundo e a criança, na qual irá refletir em suas futuras relações.
39
2º Tempo – Revelação de Si Mesma Por Meio de Técnicas e Jogos
Psicodramáticos4.
A partir da constatação de dificuldade com a auto expressão denunciada na
sessão anterior, a terapeuta faz uma nova intervenção por meio de jogos dramáticos.
A terapeuta iniciou a sessão expondo no tapete a mesma montagem da auto
apresentação feita pela cliente na sessão anterior. Para iniciar o aquecimento pediu a
ela que caminhasse e observasse novamente o seu “mundo”. Logo em seguida, propôs
nesse tempo o jogo Baralho de Figuras composto por reprodução de gravuras, fotos
com diferentes motivos do mundo cotidiano e da natureza para a cliente, com o objetivo
de dar continuidade a sessão anterior.
Numa caixa grande, cheia de gravuras, foi entregue para a cliente escolher
uma que representasse a sua vida.
A escolha foi a gravura de uma jovem com olhar triste e no fundo várias
imagens coloridas e alegres.
L - Esta gravura está mostrando como estou vivendo a minha vida ( a voz foi ficando
rouca). Eu... aqui... parada... e a vida passando!
Neste momento a terapeuta usa a técnica do Psicodrama Interno, pedindo
para a cliente se levantar, olhar por um tempo a gravura escolhida e fechar depois os
olhos, com esta imagem na sua mente.
T – Feche os olhos, Letícia. (A terapeuta observa que sua respiração foi ficando rápida
e curta). Pense em voz alta ...
L – Eu quero sair daqui! Não dá!
T – Estou aqui com você... junto de você... que sensações são essas?
L - De agonia, de vergonha!
T - (terapeuta faz o Duplo) Agonia, estou rodeada de pessoas e lugares alegres. Estou
com vergonha.
_________________________
4–
As técnicas e os jogos utilizados estão apresentados em Apêndice.
40
L – (Letícia abre os olhos e pede para se sentar). Por que isso acontece?
T - Isso acontece lá fora, né?
L - Isso. É um mal-estar.
T - Percebi que a sua respiração ficou curta.
L - E rápida, meu coração acelerou, minhas mãos ficaram suadas e frias. Me faltam
palavras e acontece aquele vazio.
No final da sessão a terapeuta compartilha, explicando que quando a
ansiedade aumenta pode provocar taquicardia, mãos suadas, tremores e perda de
fôlego.
Na próxima sessão, a terapeuta pede para a cliente fazer um desenho por
percebê-la muito calada. Antes da realização do desenho, foi colocada uma música
para a cliente relaxar com olhos fechados, numa posição confortável para entrar em
contato com seu corpo. Numa folha branca a terapeuta fez um traço informal, semi
curvo e pediu para que a cliente fizesse um desenho. Através dessa técnica (desenho
projetivo), foi possível observar a forma como a cliente está se relacionando com as
pessoas e com a vida. Depois do desenho pronto a terapeuta pediu para que ela
contasse uma história.
Letícia cria a história do desenho.
L - Era um dia cheio de sol, todos estavam aproveitando o feriado. Na rua tinha uma
multidão e cada um se divertia muito. O pai brincava com o filho de soltar pipa. Depois
este menino, se cansou e foi pular corda com seus amigos.
T - E este menino o que faz aqui em cima?
L - Este menino estava só olhando.
T - E por que ele não desce?
L – Se ele descer vai se machucar porque é muito alto e perigoso. Ele está triste!
T - Ele está triste, sem coragem e por isso não consegue descer! Este menino parece
com alguém que você conhece?
L - (Se emociona) Eu tenho medo, não tenho coragem!
T – Letícia, o nosso tempo já está esgotando, desenhe aqui um final feliz para essa
41
história.
No término do desenho, a cliente comenta.
L – Consegui descer... Estou agora com duas amigas.
Letícia relata que está sempre imaginando situações catastróficas e
freqüentemente se considera incapaz de lidar com elas caso realmente venham a
acontecer.
No compartilhar, Letícia conta que ficou novamente assustada quando se viu
no desenho, o qual confirmou a realidade da sua maneira de viver.

Leitura Teórica do Caso
No segundo tempo, foram utilizados jogos de aquecimento, de relaxamento,
interiorização e sensibilização que estão correlacionados à primeira fase da Matriz de
Identidade (Eu-Eu) nesta fase, estes jogos tem por características o desenvolvimento
da sensação e o principio de percepção, levando a paciente à descoberta de si mesma.
O Psicodrama Interno por ser uma técnica de relaxamento serve como uma
porta de entrada para o mundo interior do indivíduo, fez com que a cliente se
desligasse do mundo externo e se conectasse com seu mundo interno.
O Psicodrama interno é outra técnica que para Cukier(1998) envolve um
trabalho de dramatização onde a ação dramática é simbólica, onde o paciente não
executa, mas pensa, visualiza e vivencia. Não existe nenhuma contradição enquanto
técnica, mas é preciso que a utilização seja correta e principalmente de um forte
vínculo de confiança existente entre o paciente e o terapeuta.
Antes de realizar a técnica houve o aquecimento para facilitar o desempenho
de Letícia na ação dramática. A cliente consegue visualizar imagens e pensamentos
causando sensações de vergonha, aflição e impotência.
O contato com a situação no Psicodrama Interno, no momento que a Letícia
imaginou estar no lugar da jovem que mostrava na gravura, trouxe à cliente um ataque
agudo de ansiedade que foi observado nas sensações corporais (coração acelerado,
mãos suadas e frias, respiração curta). Letícia na vida defende-se dos impulsos
ansiogênicos mediante o uso da evitação nas situações e nos relacionamentos sociais
42
por não conseguir controlar o medo de se expor a outras pessoas, procurando se isolar
do ambiente.
A ansiedade patológica apresentada pela cliente demonstra ser um estado
caracterizado pelo medo, mal-estar, desconforto e insegurança, estranheza no
ambiente e de si mesma, prejudicando seu dia a dia.
3º Tempo – Consciência e Desejo de Cura
A sessão foi iniciada com o jogo do Baralho de Palavras, para a cliente
escolher aquelas que tinham a ver com ela. As palavras escolhidas foram: viver,
presente, futuro, timidez, defeitos, fidelidade, humor, sensação, mal-humorada,
sabedoria e deficiência. Após a escolha das palavras a cliente produziu uma redação
no decorrer da sessão.
Trechos da redação que possibilitou Letícia se conhecer melhor, tomar
consciência do prejuízo no funcionamento pessoal e aspirar uma melhora na qualidade
de vida:
...Em conseqüência da minha timidez, ando tendo medo das pessoas, do
que elas vão pensar de mim quando eu me soltar mais porque sem querer eu posso
acabar mostrando meus defeitos e não ser muitas vezes ser bem aceita pelas pessoas
e temo ficar sozinha depois disso... O meu humor eu penso que poderia ser melhor,
não levar as coisas tão a sério, ser mais receptiva com as pessoas que estão à minha
volta. Por eu ser às vezes muito séria acabo causando a sensação nas pessoas de
que sou mal-humorada... Eu penso que a timidez gera uma certa deficniência de me
aproximar mais delas e de viver melhor... Viver é saber aproveitar cada momento do
presente sem se preocupar tanto de como vai ser o futuro... Percebo que a minha
vida está passando em branco e penso que no futuro eu possa me sentir frustrada...
Preciso viver a vida com mais sabedoria, porque inteligência eu posso até ter, mas eu
preciso pôr em prática...
No encerramento desta sessão, a terapeuta sugeriu que a cliente lesse a
43
redação. No momento da leitura Letícia se emocionou. A sua voz foi ficando rouca e
seus olhos vermelhos, suspirando várias vezes. No compartilhar, a cliente percebeu
que precisa de coragem para preencher mais a sua vida.

Leitura Teórica do Caso
O Jogo Psicodramático aplicado nessa sessão serviu para que a cliente
treinasse a sua espontaneidade, que até então estava bloqueada por diversos
mecanismos de defesa. Fez também resgatar a motivação, surgindo novas idéias de
mudanças e desejo de solucionar seus problemas.
44
Conclusão
Ao final deste trabalho, pode-se concluir que a utilização dos Jogos
Psicodramáticos é importante no tratamento psicoterapêutico, sendo também
fundamental no tratamento dos Transtornos de Ansiedade. É um recurso extra do
processo clínico de expressão e resolução de conflitos subjetivos/objetivos, facilitando
o atendimento terapêutico, pois funciona simultaneamente como aquecimento para a
dramatização, forma de linguagem por meio simbólico e utilização dos objetos
intermediários, e facilita o resgate da espontaneidade e criatividade.
O caso clínico apresentado neste trabalho, por meio do estudo de caso de
Letícia, uma jovem com baixa auto-estima e grandes dificuldades psicossociais
mostram que a partir do desenvolvimento de uma auto-imagem negativa, a qual estava
relacionada aos pensamentos que as pessoas tinham dela e como a percebiam, além
das influências negativas da sua infância, levaram-na ao isolamento e sofrimento
psíquico.
O meio afetivo-emocional da paciente chegou a afetar sua espontaneidade.
A angústia e o excesso de proteção dos pais foram transmitidos durante o
desenvolvimento dos papéis emocionais e sociais, criando uma crença de que o mundo
é imprevisível e assustador. Com isso, a paciente procurou evitar as ansiedades com
uso das defesas fóbicas, desenvolvendo pouca confiança em si mesma.
Letícia demonstrava insegurança em tomar decisões e fazer escolhas
porque no decorrer da sua vida os pais decidiam por ela, usando argumentos com o
intuito de provar o contrário e poder convencê-la que eles sabiam o que era melhor
para ela.
A paciente por ser uma jovem mulher que está em busca de afirmação,
inserção social e aquisição dos papéis adultos, tanto no plano familiar quanto no
profissional sente-se insegura em suas decisões de onde surge o conflito básico
originando o desenvolvimento da ansiedade: conflitos intrapsiquicos e interpessoais; as
tensões entre ir e não ir, querer e não poder, poder e não dever, fazer e não fazer,
dever e não querer, assim por diante.
45
Sabe-se que a mulher moderna para alcançar sua liberdade nos aspectos
afetivos, culturais, sociais e econômicos, precisou assumir novas maneiras de se
relacionar de acordo com as exigências da sociedade. As pressões sociais motivam o
aparecimento da ansiedade nas mulheres que buscam a sua inserção no mundo social
por meio da realização pessoal, emocional e profissional.
Compreende-se que a mulher sofre por não poder realizar todos os papéis
que possui e por isso não consegue sentir-se realizada completamente. Nossa cultura
ainda coloca a mulher numa posição social com vários níveis de exigências, como: a
maternagem, o cuidado da casa, dos filhos, do marido e de si mesma. Por isso, ela
freqüentemente pode se sentir fracassada em algum papel e ser excelente no outro,
como por exemplo: no profissional consegue se dedicar ao máximo para tornar-se bem
sucedida, mas se sente fracassada como esposa e mãe.
Moreno (2006, p.28) diz que:
Todo e qualquer individuo está cheio de diferentes papéis em que deseja estar ativo e
que nele estão presentes em diferentes fases do desenvolvimento. É em virtude da
pressão ativa que essas múltiplas unidades individuais exercem sobre o papel oficial
manifesto que se produz amiúde um sentimento de ansiedade.
Retornando ao caso de Letícia, percebe-se que a ansiedade patológica
presente na paciente, aprisionou a sua espontaneidade e a criatividade passando a
viver de uma forma repetitiva e limitada. Acreditamos que as patologias tanto sociais
quanto psíquica provêm do desenvolvimento insuficiente do Fator Espontaneidade.
Para reverter o quadro de falta de saúde, ou melhor, falta de espontaneidade, foi
necessário treinar a espontaneidade desta jovem através das técnicas e dos jogos
psicodramáticos. Moreno em toda a sua obra nunca se prestou ao tratamento da
doença em si, mas sim da terapêutica da saúde, a saúde da espontaneidade.
A cada sessão a terapeuta foi percebendo a força das técnicas propostas
por Moreno, que se mostraram facilitadoras da comunicação da cliente, de sua
expressão e da construção de seu auto-conhecimento.
Os jogos psicodramáticos realizados nas sessões possibilitaram à cliente
uma aproximação sutil da sua situação conflitiva (medo e dificuldade de
relacionamento), resgatando seus conteúdos inconscientes que, de outra forma,
46
dificilmente seriam percebidos.
Letícia exteriorizou sua realidade interior e liberou sentimentos. Aos poucos
ela ia desamarrando sua capacidade espontânea, sua criatividade para ser um sujeito
com capacidades próprias.
Com o auxilio das técnicas apresentadas nos jogos psicodramáticos e
também pelo estabelecimento de uma relação de confiança na terapeuta foi possível
estabelecer um vínculo télico, favorecendo à paciente desenvolver capacidades de
treinar sua espontaneidade, que estavam camufladas por diversos mecanismos de
defesa. O Psicodrama deu à paciente, a chave para abrir possibilidade de tornar-se
consciente de suas defesas e de seu estado emocional, despertando o desejo de
“cura”.
Concluímos nesta pesquisa que a terapêutica para ansiedade se beneficia
do Psicodrama e dos Jogos Psicodramáticos por propiciar um movimento de liberdade
criando e mantendo um nível reduzido de tensão, também é decisivo o resgate da
espontaneidade e criatividade que são natos ao indivíduo, fazendo com que o paciente
enfrente as novas criações e o medo que tem de si reconhecer, de enfrentar as
dificuldades e de criar suas próprias atitudes.
Este trabalho confirma para a pesquisadora uma ampla possibilidade clínica
dos recursos psicodramáticos. Fica também uma questão importante sobre a
necessidade de ampliação dos escritos psicodramáticos, a respeito da utilização dos
jogos dramáticos na clínica. Normalmente, os mesmos são referidos nas instituições,
nos Works Shops e/ou vivências. Ao buscarmos referenciais teóricos e práticas para
discutirmos sobre utilização de jogos psicodramáticos na clínica encontramos poucas
informações e relatos de experiências.
47
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Belo
50
APÊNDICE
51
APÊNDICE 1
BARALHOS DE FIGURAS
52
53
APÊNDICE 2
DESENHO PROJETIVO
54
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