FÁRMACOS USADOS EM ÚLCERA PÉPTICA E DOENÇA DO REFLUXO GASTRESOFÁGICO FUCHS; WANNMACHER; FERREIRA, 20041 - RANG et al, 20072; GOODMAN, 20063. Secreção de ácido gástrico (2,5 L /dia), muco e bicarbonato. A histamina, a acetilcolina e a gastrina são os três secretagogos endógenos para o ácido clorídrico. O ácido é secretado pelas células parietais por uma bomba de prótons (K+/H+-ATPase) (pH 1-2 na luz). Prostaglandinas (PGE2 e PGI2) estimulam a secreção de muco e bicarbonato (pH 6-7 no nível da superfície mucosa) e inibem a secreção de ácido. Acredita-se que as úlceras pépticas são devidas a um desequilíbrio entre: (a) mecanismos lesivos para a mucosa (ácido, pepsina) e (b) mecanismos protetores da mucosa (muco, bicarbonato, síntese local de PGE2 e PGI2) (a presença do Helicobacter pylori pode ser um fator importante na gênese da úlcera duodenal). Gastrina – hormônio peptídico sintetizado nas células endócrinas da mucosa do antro gástrico e do duodeno, sendo secretada para dentro do sangue portal. A gastrina (1) estimula a secreção de ácido pelas células parietais e (2) aumenta, indiretamente, a secreção de pepsinogênio, estimulando o fluxo sanguíneo e a motilidade gástrica. O controle da liberação de gastrina envolve (1) mediadores neuronais, (2) mediadores hematogênicos e (3) efeitos diretos do conteúdo gástrico. Dentro do estômago, os estímulos importantes são aminoácidos e pequenos peptídios, que agem diretamente sobre as células secretoras de gastrina. O leite e as soluções com sais de cálcio também são estimulantes eficazes, razão pela qual é incorreto utilizar sais contendo cálcio como antiácidos. A secreção de gastrina é inibida em pH 2.5 ou menos (conteúdo gástrico). Uma secreção excessiva de gastrina, que resulta em secreção excessiva de ácido é observada em tumores raros de células secretoras de gastrina – gastrinomas –, sendo o complexo de sinais e sintomas denominado síndrome de Zollinger-Ellison. Úlcera péptica – é uma perda circunscrita de mucosa (> 5 mm), devido à lesão de células parietais causada por ácido e pepsina presentes na luz gastrintestinal. É comum localizar-se em estômago, duodeno ou em ambas as regiões, concomitantemente. Qualquer porção do TGI exposta a suficientes concentrações de ácido e pepsina por certo tempo pode abrigar a lesão. A úlcera péptica ultrapassa a camada muscular própria, ao contrário das ulcerações ou erosões, que são mais superficiais. O diagnóstico é usualmente estabelecido por endoscopia ou radiologia. A maioria das úlceras pépticas associa-se à infecção por Helicobacter pylori (nos EUA, 60% das úlceras gástricas e 80% das úlceras duodenais; 90% em países em desenvolvimento) ou uso continuado de AINE. Assim, o tratamento passou a ser dirigido contra o agente causal, conseguindo-se acelerar a cicatrização e diminuir recorrência e complicações. Helicobacter pylori – causa inflamação crônica da mucosa; a doença tem evolução clínica variável, abrangendo gastrite, úlcera gástrica ou duodenal, atrofia da mucosa, carcinoma gástrico ou linfoma gástrico (1%/ano dos pacientes H. pylori positivos desenvolvem úlcera). O H. pylori pode ser considerado um fator que pode: (1) enfraquecer o sistema protetor da mucosa e (2) aumentar o dano da mucosa. O Hp, presente no muco, é um bacilo gramnegativo. A erradicação do bacilo reduz a incidência de recaída em cerca de 90%. A incidência anual de úlceras gastroduodenais em usuários crônicos de AINE atinge 40%. 1 Doença do refluxo gastresofágico – é afecção crônica, decorrente de fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago ou órgãos adjacentes, que acarreta espectro variável de sintomas ou sinais esofagianos (pirose e regurgitação) ou extraesofagianos (dor torácica não-cardíaca, asma, tosse crônica, pneumonias de repetição, rouquidão, pigarro e laringite posterior crônica) associados ou não a lesões teciduais. A disfunção do esfíncter esofágico inferior é o principal fator patogênico da DRGE, decorrendo fundamentalmente de: (1) relaxamento transitório, sem anormalidade anatômica concomitante; (2) alteração anatômica, provavelmente associada à hérnia hiatal; (3) hipotonia, sem alteração anatômica associada. A gravidade da lesão é determinada pelo tempo de exposição do esôfago ao ácido e pelo pH do material refluído. MEDICAMENTOS USADOS EM ÚLCERA ASSOCIADA À INFECÇÃO POR Helicobacter pylori A erradicação do microrganismo é definida por sua ausência 4 semanas após o término do tratamento. Sendo atingida, as taxas de reinfecção são pequenas, sendo durável o benefício alcançado. Recomenda-se a utilização de dois ou mais antibióticos associados. A acidez gástrica diminui a eficácia de alguns dos antimicrobianos usados, pelo que se adicionam anti-secretores do ácido (principalmente os inibidores de bomba) ou citrato de bismuto ranitidina como adjuvantes em todos os esquemas de antibioticoterapia. Esquemas que utilizam somente antimicrobianos são ineficazes e induzem resistência bacteriana. A associação de antimicrobianos (2 ou 3 antibióticos) mais inibidores da secreção ácida está associada à maior taxa de erradicação do Hp (melhoram a eficácia da amoxicilina e da claritromicina). Esquemas de tratamento de 10 a 14 dias parecem melhores que esquemas mais curtos. Pode haver pouca aderência ao tratamento devido aos efeitos colaterais e ao número de administrações diárias dos diversos medicamentos prescritos. Está surgindo resistência ao metronidazol (susbtituir por amoxicilina) e à claritromicina. Para resistência comprovada aos dois fármacos um esquema quádruplo de 14 dias (3 antibióticos e um inibidor da bomba de prótons) deve ser eficaz. Terapia tríplice durante 14 dias: [inibidor da bomba de prótons + claritromicina 500 mg + (metronidazol 500 mg ou amoxicilina1g)] 2 vezes ao dia. [amoxicilina ou metronidazol podem ser substituídos por tetraciclina]. Terapia quádrupla durante 14 dias: - [inibidor da bomba de prótons, 2 vezes ao dia, + metronidazol 500 mg, 3 vezes ao dia, + (subsalicilato de bismuto 525 mg + tetraciclina 500 mg, 4 vezes ao dia)]. OU - [antagonista do receptor H2, 2 vezes ao dia, + (subsalicilato de bismuto 525 mg + metronidazol 250 mg + tetraciclina 500 mg), 4 vezes ao dia]. Doses: - omeprazol (20 mg); lanzoprazol (30 mg); rabeprazol (20 mg); pantoprazol (40 mg); esomeprazol (40 mg); cimetidina (400 mg); ranitidina (150 mg); famotidina (20 mg); nizatidina (150 mg). Fármacos diversos: Antagonistas dos receptores H2: Inibem a secreção ácida estimulada por histamina e pela gastrina, através do bloqueio competitivo com histamina nos receptores H2 da célula parietal gástrica. Apresentam eficácia definida em diminuir sintomas relacionados à úlcera péptica, especialmente dor, e acelerar a cicatrização das lesões gástricas e duodenais. Com a redução do volume de secreção, também é reduzida a secreção de pepsina. 2 Inibidores da bomba de prótons: Agem bloqueando irreversivelmente a H+/K+- ATPase (bomba de prótons), que constitui a etapa terminal na via da secreção ácida, na superfície secretora da célula parietal gástrica. Inibem profundamente (cerca de 95%) a secreção ácida. Administrados isoladamente apresentam eficácia definida em diminuir os sintomas e acelerar a cicatrização de úlcera, gástrica ou duodenal, sendo considerados mais eficazes que cimetidina e ranitidina1. Em virtude da demora no tempo necessário para obter uma inibição máxima da secreção de ácido com os inibidores da bomba de prótons (3 a 5 dias), esses fármacos são menos apropriados para uso no alívio rápido de sintomas. Nesse contexto, os antagonistas dos receptores H2, apesar de menos eficazes que os inibidores da bomba de prótons na supressão da secreção de ácido, possuem um início de ação mais rápido, tornando-os úteis no controle pelo próprio paciente dos sintomas leves ou infrequentes3. O acúmulo preferencial de omeprazol nas áreas de pH muito baixo, e sua ativação em pH inferior a 3, como ocorre singularmente nos canalículos secretórios das células parietais gástricas, significa que exerce um efeito especial sobre essas células. A secreção ácida é estimulada pela presença de alimentos, assim, a administração destes fármacos deve ser feita antes das refeições. As preparações orais são formuladas como grânulos de desintegração entérica, contidos em cápsulas de gelatina (omeprazol e lansoprazol) ou como comprimidos de desintegração entérica (pantoprazol e rabeprazol). Os grânulos dissolvem-se somente em pH alcalino, assim evitando a degradação do fármaco pela secreção ácida do esôfago e estômago (os inibidores da bomba de prótons são instáveis em pH ácido). É eliminado rápida e completamente graças ao seu metabolismo para produtos inativos. Apesar de sua meia-vida de aproximadamente 1 hora, uma dose única diária afeta a secreção ácida por 2 a 3 dias, tempo necessário para nova síntese das enzimas inibidas. Citrato de Bismuto Ranitidina: É um complexo formado por ranitidina e citrato de bismuto. Considera-se que reúne os efeitos terapêuticos das duas substâncias. Age da mesma forma que os antagonistas H2, acrescido do efeito quelante do bismuto (este, age através do revestimento da base da úlcera, da adsorção de pepsina, do aumento da síntese de prostaglandinas e pelo estímulo da síntese de muco e de bicarbonato de sódio; apresenta, ainda, efeito antibacteriano contra H.pylori). Sucralfato: É um complexo de hidróxido de polialumínio + sacarose sulfatada. Tem mínima capacidade antiácida. Promove a cicatrização das úlceras. Na presença de ácido, o sucralfato libera alumínio, adquire uma poderosa carga negativa e fixa-se aos grupos carregados positivamente nas proteínas, glicoproteínas, etc., ficando fortemente aderido à mucosa (até 6 h após a administração), tanto lesada quanto normal, especialmente nas células epiteliais da base das úlceras, considerando-se a proteção do nicho ulceroso como sua principal ação terapêutica. Pode formar géis complexos com muco, ação considerada capaz de reduzir a degradação do muco pela pepsina e de limitar a difusão dos íons de hidrogênio. Pode inibir a ação da pepsina. Estimula também os mecanismos protetores da mucosa – secreção de muco e de bicarbonato e produção de prostaglandinas. É administrado por via oral, quatro vezes ao dia, 1 hora antes das refeições, uma vez que é ativado em pH ácido. Uma pequena quantidade (< 5%) é absorvida para dentro da circulação. Reduz a absorção de vários fármacos (fluoroquinolona, teofilina, digoxina, amitriptilina), devendo ser administrado com intervalo de 2 horas. Antiácidos fornecidos simultaneamente ou antes de sua administração reduzem sua eficácia2,3. O uso do sucralfato diminuiu nos últimos anos. Entretanto, como o aumento do pH pode contribuir para a instalação da pneumonia hospitalar (pneumonia de aspiração) secundária à colonização gástrica por bactérias em meio alcalino, comum em pacientes criticamente enfermos, o sucralfato pode ter uma vantagem sobre os inibidores da bomba de prótons e 3 os antagonistas de H2 para a profilaxia das úlceras de estresse (prevenção de sangramento gastroduodenal) 1. MEDICAMENTOS USADOS EM ÚLCERA ASSOCIADA AO USO DE AINE Tratamento de lesões gastrintestinais induzidas por AINE. A ação local dos AINE provoca petéquias ou erosões em 50% dos pacientes, enquanto que a inibição da COX1 é responsável pela produção de úlcera. Os usuários crônicos de AINE apresentam 2 a 4% de risco de desenvolver uma úlcera sintomática, sangramento gastrintestinal ou até mesmo perfuração3. A conduta ideal consiste em suspender o AINE e erradicar o H. pylori, quando presente1. Se houver necessidade de terapia contínua pode-se considerar o uso de inibidores da COX-2 seletivos, embora isso não elimine o risco de formação subsequente de úlcera, e deve-se ter muita cautela em virtude da possível associação desses fármacos a eventos cardiovasculares adversos. A administração de um inibidor de bomba ou de antagonista H2 promove cicatrização rápida de úlceras induzidas por AINE após a suspensão deste. Nos casos de uso contínuo de AINE, a cicatrização das úlceras também é possível com a administração de agentes supressores da secreção ácida, neste caso em doses mais elevadas do que as habituais e por período mais prolongado de uso (ex: 8 semanas ou mais). Nessa situação, os inibidores da bomba de prótons são superiores aos antagonistas dos receptores H2 e ao misoprostol (taxa de inibição de 80-90% para os inibidores da bomba versus 60-75% para os antagonistas dos receptores H2) e na prevenção da recidiva das úlceras gástricas e duodenais em caso de administração contínua de AINE3. *(* O uso associado dos antagonistas dos receptores H2 com AINE reduz a incidência de úlcera duodenal, mas não de úlcera gástrica, mais frequentemente associada ao uso de AINE1. *(* Misoprostol: Análogo sintético da prostaglandina E1, tem se mostrado eficaz em prevenir lesões gastroduodenais em pacientes usando AINE. Pouco usado, atualmente1,3. Prevenção de lesões gastrintestinais induzidas por ácido acetilsalicílico. Pacientes em uso continuado de ácido acetilsalicílico, mesmo em doses baixas (como agente antiplaquetário), constituem grupo de risco para complicações gastrintestinais, principalmente sangramento digestivo alto. Mesmo a preparação tamponada ou a de liberação entérica não reduz o risco de sangramento, embora possam causar menos sintomas dispépticos. A administração concomitante de antagonistas H2 ou de inibidores de bomba de prótons diminui o risco de sangramento digestivo alto nesses pacientes. MEDICAMENTOS USADOS EM ÚLCERA NÃO ASSOCIADA AO USO DE AINE OU H. PYLORI Não está definido o melhor tratamento para pacientes com úlcera péptica idiopática. Revisão sugere a administração de antagonistas H2 por 4 a 8 semanas para pacientes com úlcera não-complicada e manutenção (por tempo ainda não determinado) naqueles com úlcera complicada. Os inibidores de bomba de prótons seriam reservados para os casos nos quais a cicatrização se faz mais lentamente ou não ocorre. MEDICAMENTOS USADOS EM DOENÇA DO REFLUXO GASTRESOFÁGICO. O tratamento da DRGE objetiva fundamentalmente aliviar sintomas, cicatrizar lesões e prevenir recidivas e complicações. Para atingir tais objetivos se usam medidas comportamentais (elevação da cabeceira da cama - 15 cm - e modificações dietéticas, moderando a ingestão de determinados alimentos - gorduras, chocolate, cítricos, tomate, café, bebidas alcoólicas e, ainda, redução do peso) e farmacológicas. A intervenção farmacológica objetiva reduzir a acidez gástrica, elemento-chave no desenvolvimento de sintomas e lesões da mucosa esofágica. Presença de pH intra-esofágico igual a 4 é 4 indicativa de refluxo gastresofágico. Pacientes que permanecem com esse pH por mais tempo durante o dia desenvolvem lesões esofágicas mais graves. O alvo do tratamento, portanto, é manter os valores de pH intra-gástrico e intra-esofagiano acima de 4, mediante o uso de antagonistas H2 ou inibidores da bomba de prótons. É comum a recorrência dos sintomas após 6 meses da suspensão do tratamento. Uso prolongado de inibidores da bomba de prótons parece ser bastante seguro. Fármacos para DRGE: (1) os inibidores da bomba de prótons detêm a supremacia no tratamento de esofagite de refluxo (grau A), especialmente em casos mais graves. Administrados por cerca de 4 semanas, aliviam os sintomas e curam esofagite em aproximadamente 85-90% dos casos. Esomeprazol mostrou-se mais eficaz que omeprazol e lansoprazol em controlar a acidez gástrica acima de 4, mas, clinicamente, esta diferença pode não ser importante; (2) os antagonistas dos receptores H2 são amplamente utilizados na DRGE, em doses maiores (cimetidina = 800 mg/ 2 x dia/ 12 semanas) que as comumente empregadas no tratamento de úlcera péptica (cimetidina = 400 ou 800 mg/ 1 x dia/ 4-8 semanas). Estudos indicam que não é necessário usar doses elevadas destes fármacos no controle desta patologia. Além disso, o custo do tratamento não é efetivo. (3) agentes pró-cinéticos: aumentam a pressão do esfíncter esofágico inferior (> 10 mmHg) ou reduzem a frequência do relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior e aceleram o trânsito esofágico. Antidopaminérgicos (domperidona e metoclopramida) têm sido utilizados no manejo de pacientes com DRGE. Entretanto, evidências sobre eficácia destes agentes no tratamento de DRGE são inconsistentes, não havendo benefício em seu uso. 5