Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística 1 Probabilidade: Axiomas e Propriedades 1.1 Definição Frequentista Considere um experimento aleatório que consiste no lançamento de um dado honesto. O espaço amostral desse experimento é Ω = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Suponha que tem-se interesse nos seguintes eventos: A = “sair face 2” e B = “sair face par”. Como atribuir probabilidade a esses eventos? Como determinar um número que expresse a verossimilhança de cada um desses eventos? Uma solução seria lançar o dado um grande número de vezes e observar a proporção dos lançamentos que resultam no evento A. Denotando por n(A) o número de vezes que ocorreu o evento A em n lançamentos, a definição de probabilidade com base na frequência relativa é dada por: IP (A) = lim n→∞ n(A) , n (1) Essa definição tem alguns problemas. Quão grande deve ser n? Como garantir que a razão n(A) sobre n converge e converge sempre para o mesmo número cada vez que repetimos o experimento? Definição 1.1 Dado um experimento aleatório, sendo Ω o seu espaço amostral e IP (A): probabilidade de um evento A, assumindo que Ω é um conjunto equiprovável - todos os elementos de Ω tem a mesma chance de ocorrer - chamamos de probabilidade de um evento A (A ⊂ Ω) o número real IP (A), tal que: IP (A) = Número de casos favoráveis (A) n(A) = . n(Ω) Número total de casos (2) A origem desse conceito surgiu em 1654 com troca de cartas entre Pascal e Fermat sobre o Problema dos Pontos colocado para Pascal por Chevalier de Méré. Limitações: Ω tem que ser finito e equiprovável. 1.2 Definição Axiomática de Probabilidade Em 1933, Kolmogorov generalizou e formalizou a definição de probabilidade através de axiomas e propriedades. Para entender melhor a formalização de Kolmogorov são apresentados alguns conceitos. Leis de Morgan c (i) (∪ni=1 Ai ) = ∩ni=1 Aci ; c (ii) (∩ni=1 Ai ) = ∪ni=1 Aci ; Definição 1.2 Uma classe A de subconjuntos de Ω é dita álgebra sobre Ω se: (i) ∅ ∈ A; (ii) A ∈ A =⇒ Ac ∈ A; (iii) A, B ∈ A =⇒ (A ∪ B) ∈ A; Notas: 1. Por indução finita, segue de (iii) que A é fechada por união finita, isto é, se A1 , A2 , . . . , An ∈ A então ∪ni=1 Ai ∈ A; 2. De (ii) e (iii), seque que A é fechada por intersecção finita, isto é, se A1 , A2 , . . . , An ∈ A então c ∩ni=1 Ai = [∪ni=1 Aci ] ∈ A. 1 Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística Motivações Práticas 1. Lançamento de uma moeda. Podemos estar interessados nos eventos: A: Sair cara ou Ac : Sair coroa; 2. Será que vai chover amanhã? Eventos: C: chover amanhã ou C c : não chover amanhã; 3. Lançamento de um dado. Podemos estar interessados na probabilidade de sair face 1 ou 2 ou 3 ou 4 ou 5 ou 6, ou seja, tem-se a necessidade de saber a probabilidade da união. Definição 1.3 Uma classe A de subconjuntos de Ω é dita σ-álgebra sobre Ω se: (i) ∅ ∈ A; (ii) A ∈ A =⇒ Ac ∈ A; (iii) Se A1 , A2 , . . . ∈ A ⇒ ∪∞ i=1 Ai ∈ A. Notas: De (ii) e (iii) segue que A é fechada por intersecção enumerável, isto é, se A1 , A2 , . . . ∈ A, então c ∞ c ∩∞ i=1 Ai = [∪i=1 Ai ] ∈ A Motivação Prática: Tempo de vida de uma lâmpada ou dispositivo eletrônico. Exemplos: 1. Álgebras Triviais: Ω 6= ∅; A = {Ω, ∅}. 2. Considere Ω = {1, 2, 3} e as seguintes coleções de subconjuntos: A1 = {∅, Ω, {1}, {2, 3}}; A2 = {∅, Ω, {1}, {2}, {1, 3}, {2, 3}}; Seriam ambas σ-álgebras? Observação: Toda σ-álgebra é uma álgebra mas nem toda álgebra é uma σ-álgebra. Definição 1.4 Uma função IP , definida na σ-álgebra A de subconjuntos de Ω que assume valores no intervalo [0, 1], é uma probabilidade se satisfaz os axiomas: 1. IP (Ω) = 1; 2. Para todo subconjunto A ∈ A, IP (A) ≥ 0; 3. Para toda sequência A1 , A2 , . . . ∈ A, mutuamente exclusivos, temos: IP (∪∞ i=1 Ai ) = ∞ X IP (Ai ). i=1 A trinca (Ω, A, IP ) é denominada espaço de probabilidade. Os eventos são subconjuntos de A e são a eles que atribuímos as probabilidades. Propriedades: 1. IP (∅) = 0; 2 Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística 2. IP (Ac ) = 1 − IP (A); 3. Se A ⊆ B, A, B ∈ A, então IP (A) ≤ IP (B); 4. Sendo A e B dois eventos quaisquer, vale: IP (B) = IP (B ∩ Ac ) + IP (B ∩ A); 5. Regra da Adição de Probabilidades: IP (A ∪ B) = IP (A) + IP (B) − IP (A ∩ B); 6. Para eventos quaisquer A1 , A2 , . . . ∈ A IP (∪∞ i=1 Ai ) ≤ ∞ X IP (Ai ). i=1 2 Variáveis Aleatórias Muitos experimentos aleatórios produzem resultados não-numéricos. Por exemplo, considere o caso de um questionário, em que uma pessoa é indagada a respeito de uma proposição e as respostas possíveis são “SIM” ou “NÃO”. Podemos definir uma variável que tome dois valores, 1 ou 0, por exemplo, correspondentes às respostas “SIM” ou “NÃO”. Portanto antes de analisar esse tipo de experimento, é conveniente transformar seus resultados em números, o que é feito através da variável aleatória, que é uma regra de associação de um valor numérico a cada ponto do espaço amostral. A Variável Aleatória é: 1 • Discreta: se assume valores num conjunto enumerável, com certa probabilidade; • Contínua: se seu conjunto de valores é qualquer intervalo dos números reais, o que seria um conjunto não enumerável. Figura 1: Definição de uma Variável Aleatória Discreta Definição 2.1 Seja (Ω, A, IP ) um espaço de probabilidade. Denomina-se variável aleatória, qualquer função X : Ω → IR tal que X −1 (I) = {ω ∈ Ω : X(ω) ∈ I} ∈ A, 1 Magalhães, M.N.; Lima, A.C.P. Noções de Probabilidade e Estatística. 3 Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística para todo intervalo I ⊂ IR. Em palavras, X é tal que sua imagem inversa de intervalos I ⊂ IR pertençam a σ-álgebra A. Uma variável aleatória é, portanto, uma função do espaço amostral Ω nos reais, para a qual é possível calcular a probabilidade de ocorrência de seus valores. Exemplo 1: Experimento: lançamento de uma moeda; Eventos: c = sair cara e k = sair coroa; Espaço Amostral: Ω = {c, k} Defina a variável X tal que: X(c) = 0 ou X(k) = 1; σ-álgebras: A1 = {Ω, ∅} e A2 = {Ω, ∅, {c}, {k}}; X é uma variável aleatória com relação as σ-álgebras A1 e A2 ? Resolução: Vamos começar com a σ-álgebra A1 . Para o intervalo I1 = (−1, 2) ⇒ X −1 (I1 ) = {c, k} ∈ A1 . Para o intervalo I2 = (−1, 0.5) ⇒ X −1 (I2 ) = {c} ∈ / A1 . Logo para a σ-álgebra A1 , X não é uma variável aleatória. Agora a σ-álgebra A2 : Seja I ⊂ IR um intervalo arbitrário. Pela definição de imagem inversa, tem-se que X −1 (I) ⊂ A2 e, portanto X é uma variável aleatória. Por exemplo, se I = (2, 4) temos que X −1 (I) = ∅ ∈ A2 ; No entanto, para o intervalo I2 = (−1, 0.5) temos X −1 (I2 ) = {c} ∈ A2 , ou seja, em ambos os casos a imagem inversa pertence a A2 . Exemplo 2: Considere Ω = {1, 2, 3} e as seguintes coleções de subconjuntos: A1 = {∅, Ω, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}}; A2 = {∅, Ω, {3}, {1, 2}}; a) Seriam ambas σ-álgebras? b) Definindo a variável X tal que: X(1) = 1, X(2) = 2 e X(3) = 3, verifique se X é uma variável aleatória com relação a A1 e A2 . Resolução: a) Para que A1 seja uma σ-álgebra deve satisfazer as condições apresentadas na Definição 1.3. (i) ∅ ∈ A1 ; A1 satisfaz a propriedade (i); (ii) Observe que os complementares dos elementos de A1 estão todos também em A1 , pois: ∅c = Ω; Ωc = ∅; {1}c = {2, 3}; {2}c = {1, 3}; {3}c = {1, 2} {1, 2}c = {3}; {1, 3}c = {2}; {2, 3}c = {1} Logo, A1 satisfaz a propriedade (ii); 4 Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística (iii) A união de qualquer elemento de com o vázio é inócua e a com o Ω dá o próprio Ω, portanto vamos verificar as demais uniões: {1} ∪ {2} = {1, 2}; {1} ∪ {3} = {1, 3}; {2} ∪ {3} = {2, 3}; {1} ∪ {2} ∪ {3} = Ω; {1, 2} ∪ {1, 3} = {1, 2, 3}; {1, 2} ∪ {2, 3} = {1, 2, 3}; {1, 3} ∪ {2, 3} = {1, 2, 3}; Os resultados das uniões pertencem a A1 , logo A1 é uma σ-álgebra. Fica como exercício para o aluno verificar se A2 também é uma σ-álgebra. b) Resolução em sala de aula. Definição 2.2 Seja X uma variável aleatória em (Ω, A, IP ), sua função de distribuição é definida por FX (x) = IP (X ≤ x) = IP (X ∈ (−∞, x]), com x percorrendo todos os reais. O conhecimento da função distribuição permite obter qualquer informação sobre a variável. Mesmo que a variável só assuma valores num subconjunto dos reais, a função de distribuição é definida em toda a reta. 2 A função distribuição também é denominada por alguns autores de função acumulada, pois acumula as probabilidades dos valores menores ou iguais a x. Proposição 2.1 : Propriedades da Função Distribuição Uma função de distribuição de uma variável X em (Ω, A, IP ) obedece às seguintes propriedades: 1. limx→−∞ FX (x) = 0 e limx→∞ FX (x) = 1; 2. FX é contínua à direita; 3. FX é não decrescente, ou seja, FX (x) ≤ FX (y) sempre que x ≤ y, ∀x, y ∈ IR. Além dessas propriedades enunciadas temos: • IP (X > a) = 1 − IP (X ≤ a) = 1 − FX (a), a ∈ IR; • IP (a < X ≤ b) = IP (X ≤ b) − IP (X ≤ a) = FX (b) − FX (a), ∀a, b ∈ IR; • Para I = (−∞, x], IP (X ∈ I) = IP (X ≤ x) = IP ({ω ∈ Ω : X(ω) ∈ I}); • Define-se P(Ω) (“partes de Ω”) como o conjunto de todos os subconjuntos de Ω. As P(Ω) sempre são σ-álgebras. Exemplo 1: Para o lançamento de uma moeda, seja Ω = {c, k}, A o conjunto das partes de Ω e X uma função de Ω em IR (X : Ω → IR) da seguinte forma: ( X(ω) = 0, 1, se ω = cara; se ω = coroa. Note que X ∼ Bernoulli(p) tal que IP (cara) = 1 − p e IP (coroa) = p. Exemplo 2: O tempo de validade, em meses, de um óleo lubrificante num certo equipamento está sendo estudado. Sendo Ω = {ω ∈ IR : 6 < ω ≤ 8}. Uma função de interesse é o próprio tempo de validade e, nesse caso, definimos 2 Magalhães, M.N.; Lima, A.C.P. Noções de Probabilidade e Estatística. 5 Universidade Federal de Mato Grosso Aula 2 - Disciplina: Probabilidade III Profa Eveliny - 2016 - Curso: Estatística X(ω) = ω, ∀ω ∈ Ω. A função X é variável aleatória e sua função de distribuição é dada por: FX (x) = 0, (x − 6)/2, 1, se x < 6; se 6 ≤ x < 8; se x ≥ 8. Verifique se as propriedades da função de distribuição estão satisfeitas. Dica: Faça o gráfico de FX (x). 6