Estudo dE Caso RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO Caracteriza

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Estudo
de
Caso
Câncer de mama disseminado com diagnóstico no
puerpério: uso de bevacizumabe
Vitorino Modesto dos Santos,1 Marcos Correa da Trindade,2 Ludmila Thommen Teles,3
Milena Zamian Danilow,3 Viviane Alves Leite3 e Cristina Tavares Leal3
RESUMO
Relata-se o caso de uma mulher jovem assintomática com carcinoma de mama disseminado, que foi diagnosticado no puerpério. Foram detectadas metástases nos ossos, nos pulmões, no fígado e no sistema nervoso central. A
paciente foi tratada com quimioterapia intravenosa (paclitaxel e bevacizumabe), além de radioterapia para a lesão no
putâmen. Câncer de mama associado à gravidez constitui uma condição de mau prognóstico devido à demora no diagnóstico, e sua incidência tem aumentado nas últimas décadas. Embora considerada condição incomum e os relatos
de caso sejam relativamente escassos, sua real frequência pode estar subestimada. A identificação dessa neoplasia
durante a gravidez ou a lactação pode constituir um desafio devido à possibilidade de confundi-la com alterações
fisiológicas das mamas. Recentes controvérsias sobre o uso de bevacizumabe no câncer de mama são comentadas.
Palavras-chave. Câncer de mama; gravidez; metástase; quimioterapia; bevacizumabe.
ABSTRACT
Widespread breast cancer diagnosed in puerperium: use of bevacizumab
The case of an asymptomatic young woman with a widespread breast cancer, which was diagnosed in the
puerperium is reported. Metastases were detected in the bones, lungs(?), liver and central nervous system. The
patient was treated with intravenous chemotherapy (paclitaxel and bevacizumab), and radiotherapy for the lesion on
putamen. Pregnancy-associated breast cancer constitutes a condition of poor prognosis due to diagnosis delay and
its incidence has increased in the last decades. Although considered an uncommon condition, and case reports are
relatively scarce its real frequency may be underestimated. The identification of this neoplasm during pregnancy or
lactation may be challenging, due to the possibility of misdiagnosis with physiologic changes of the breasts. Recent
controversies about the utilization of bevacizumab in breast cancer are commented.
Key words. Breast cancer; pregnancy; metastasis; chemotherapy; bevacizumab.
INTRODUÇÃO
aracteriza-se carcinoma de mama associado à gestação, quando essa neoplasia é diagnosticada até
um ano após o parto.1,2 Considera-se como condição
incomum, geralmente evoluindo com mau prognóstico
relacionado ao estádio avançado da doença na ocasião do diagnóstico, que é dificultado por alterações
fisiológicas das mamas próprias do ciclo gravídicopuerperal.2-4 A crescente prevalência dessa entidade
deve-se a diversos fatores, como: gravidez em faixas
etárias mais altas; aumento na incidência do câncer de
mama em mulheres jovens; maior eficácia dos métodos diagnósticos e programas de rastreamento.1,2,5-7
C
O relato de carcinoma mamário disseminado,
diagnosticado no quarto mês de puerpério em uma
paciente assintomática, tem o objetivo de ampliar o
índice de suspeita de condição grave, com desafios
diagnósticos e terapêuticos,1 cuja frequência está
aumentando nos últimos anos. Recentes controvérsias sobre a relação risco-benefício merecem destaque ao preconizar bevacizumabe como medicamento
em esquemas de primeira ou segunda linha.
RELATO DO CASO
Mulher com 32 anos foi encaminhada à Divisão
de Oncologia Clínica do Hospital das Forças Armadas
Médico, doutor, medicina interna, Universidade Católica de Brasília, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil.
Médico, oncologia clínica, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil.
3
Médica, medicina interna, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil.
Correspondência: Prof. Dr. Vitorino Modesto dos Santos. Departamento de Medicina Interna, Hospital das Forças Armadas, estrada do
Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro Novo, CEP 70.630-900, Brasília-DF, Brasil. Telefone: 55 61 32330812. Fax: 55 61 32331599. Internet:
[email protected]
Recebido em 6-8-2011. Aceito em 10-12-2011.
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Câncer de mama associado à gravidez
para tratar câncer de mama. Exame de rotina realizado no quarto mês puerperal em outro serviço havia
detectado um nódulo no quadrante superior externo
da mama direita. Exame histopatológico de biópsia
caracterizou carcinoma ductal infiltrante, cuja avaliação imuno-histoquímica revelou receptor estrogênico acima de 80%, receptor progestínico: 10%, Her2: negativo e Ki67: 70%. A menarca ocorreu aos 13
anos, teve duas gestações, dois partos cesáreos e não
apresentou abortamento; negou uso de contraceptivos
hormonais. Foi primigesta com 28 anos, e sua segunda
gravidez ocorreu após intervalo de quatro anos.
Amamentou normalmente os dois filhos. Permaneceu
assintomática até um mês antes da admissão, quando
surgiram dores contínuas localizadas nas costelas e
nas vértebras torácicas, associadas com inapetência,
náuseas, astenia e emagrecimento de sete quilogramas nesse período. Utilizou anti-inflamatório não
esteroide como analgésico e ocorreu quadro de disfunção renal aguda. Na admissão, estava pálida, com
índice de massa corporal de 19,4 kg/m2; havia sinais
de derrame pleural direito, hepatoesplenomegalia e
foi palpado nódulo na mama direita com cerca de dois
centímetros de diâmetro. Nos demais exames, não se
constataram anormalidades. A avaliação de marcadores tumorais, pelo método de eletroquimioluminescência, cujos limites normais são mostrados entre
parênteses, foram: alfafetoproteína = 3,69 (< 5,8) UI/
mL, CEA = 1.000 (< 5) ng/mL, CA 15-3 = 186 (< 25)
U/mL, CA 19-9 = 43 (< 34) U/mL e CA 125 = 311
(< 35) U/mL. As imagens da mamografia revelaram
Birads 5, e a ultrassonografia mamária mostrou imagem hipoecogênica medindo 1,7 por 1,4 por 1,7 centímetros na mama direita. Outros exames de imagem
identificaram a presença de metástases ósseas (figura
1A), pulmonares (figura 2A), hepáticas (figura 3A)
e no putâmen (figura 4A). Foram administrados três
ciclos de quimioterapia intravenosa (paclitaxel: 90
mg/m2 cada sete dias e bevacizumabe: 10 mg/kg cada
quatorze dias). Houve boa resposta inicial, mostrada
em exames laboratoriais (tabela) e de imagem (figuras 1B e 2B). Também ocorreu acentuada redução no
volume da lesão no putâmen, depois de dez sessões
de radioterapia (figura 4B); porém, não se observou
correspondente regressão das metástases hepáticas
(figuras 3B e 3C). Recebeu alta hospitalar no 15.º dia
de internação, melhorada, para acompanhamento no
ambulatório de oncologia, com quimioterapia intermitente através de cateter venoso central. Apesar de
resposta inicial satisfatória, desenvolveram-se complicações graves seis meses depois, e o óbito decorreu
por acentuada bicitopenia e insuficiência hepática
grave (tabela).
Figura 1. Cintilografia óssea revela múltiplas lesões osteogênicas
em costelas e vértebras dorsais (A) e redução da intensidade das
lesões nos arcos costais, além de regressão da lesão no frontal
esquerda (circulada) após o início da quimioterapia (B)
Figura 2. Radiografia de tórax, realizada antes do tratamento, mostra derrame pleural à direita (A) e imagem de controle, que evidencia a remissão completa do derrame após a quimioterapia (B)
Figura 3. Múltiplas metástases hepáticas e esplenomegalia moderada detectadas pela tomografia computadorizada de abdome (A) e
imagens de controle com uso de PET CT revelam a persistência das
lesões hepáticas disseminadas, além da esplenomegalia (B e C)
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Vitorino Modesto dos Santos e cols.
Tabela. Resultados de alguns exames laboratoriais do paciente à admissão
Parâmetros
Internação
1 mês
2 meses
4 meses
7 meses*
Hemoglobina (11,1–16,1 g/dL)
9,3
8,5
9,9
10,4
12,4
Hematócrito (39–53%)
28,2
25,5
30,4
31,0
35,1
VCM (80–100 fl)
85,5
91
96
96
86
CHCM (32–36%)
33
33
33
34
35
6,56
6,1
6,6
6,3
2,2
Mielócitos (0%)
2
0
2
0
0
Metamielócitos (0%)
1
0
2
0
0
Bastões (0–5%)
7
16
7
0
0
Segmentados (45–70%)
39
54
45
50
80
Eosinófilos (0–3%)
6
0
5
1
1
Línfócitos (20–50%)
35
23
31
45
15
Monócitos (2–10%)
10
7
8
4
4
Plaquetas (150–450x103/mm3)
171
155
213
292
57
Ureia (10–50 mg/dL)
34
24,4
24
23,3
93,4
Creatinina (0,7–1,3 mg/dL)
1,6
0,6
0,4
0,4
0,9
Albumina (3,8–4,4 g/dL)
3,8
Nd
4,35
Nd
2,19
GGT (< 55 U/L)
1.113
1.111
Nd
688
529
ALT (< 32 U/L)
103
109
262
71,4
193
AST (< 39 U/L)
147
118
150
65,9
369,3
Fosfatase alcalina (40–150 U/L)
757
697
333
368
468
Bilirrubinas (< 1,3 mg/dL)
2,2
Nd
1,29
0,86
39,57
Leucócitos (4 –11x103/mm3)
VCM – volume corpuscular médio. CHCM – concentração da hemoglobina corpuscular média. GGT – gama-glutamil transpeptidase. ALT – alanina
aminotransferase. AST – aspartato aminotransferase. *Três dias antes do óbito.
Figura 4. Lesão nodular (circulada) no putâmen (A) e sua regressão
após a radioterapia (B).
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DISCUSSÃO
O câncer de mama constitui um dos maiores problemas de saúde pública mundial, e a gravidez em
mulheres mais jovens contribui para a diminuição do
risco desse tumor em longo prazo.1,2 Tanto o papel
protetor da multiparidade e da lactação, quanto o
aumento do risco relacionado com primiparidade
em idades mais elevadas, devem ser considerados
nesse contexto.2,7,8 Foi descrito maior risco de câncer
ductal de mama em jovens multíparas com intervalo
curto entre o primeiro e segundo parto e relacionado
Câncer de mama associado à gravidez
com estímulo de esteroides femininos ou defeitos na
maturação da mama devidos à deficiência ou falta da
amamentação.8
Este estudo de caso enfatiza a disseminação
insuspeitada do câncer de mama com múltiplas
metástases viscerais e ósseas, que foi diagnosticado
no puerpério de paciente com 32 anos. Geralmente,
no puerpério, tem ocorrido o maior número de diagnósticos de carcinoma de mama associado à gestação,2 cujo tipo mais comum é o carcinoma ductal
infiltrante, e a idade predominante varia de 28 a 32
anos.9 A resposta clínica e radiológica inicial foi
satisfatória após o uso de esquema terapêutico com
paclitaxel e bevacizumabe, mais radioterapia para a
lesão no sistema nervoso.
A incidência do carcinoma de mama associado
à gestação tem aumentado,5 mas esse fato pode permanecer subestimado em virtude de dificuldades no
diagnóstico precoce relacionadas com baixo índice
de suspeita, receio de realizar exames de imagem
durante a gravidez e equívoco quanto à interpretação
clínica e de imagens dos nódulos mamários que são
percebidos durante o ciclo gravídico-puerperal.3-6
Nessa fase, ultrassonografia, mamografia e biópsias são os exames usados de rotina.2 Como durante
a gravidez e a lactação o parênquima mamário fica
mais denso e reduz a sensibilidade da mamografia, o
ultrassom pode ser o método de imagem de primeira
escolha.4
Digno de nota é que, na maioria dos casos, acima
de 90%, o carcinoma de mama associado à gestação apresenta-se como massa palpável que geralmente (84% dos casos) é percebida pela paciente.
Outras manifestações desse tumor incluem eritema
ou edema local, hemorragia mamilar e metástases
distantes.3
Quando a suspeita de carcinoma de mama associado à gestação ocorre antes do parto, um objetivo
importante é preservar a integridade do feto durante
a condução diagnóstica e a aplicação dos esquemas
terapêuticos.1
O diagnóstico diferencial inclui entidades benignas e malignas, que são hipóteses alternativas do
câncer de mama em geral. Em especial, abrange
infecções e inflamações, galactoceles e fibroadenomas atípicos, linfoma de Burkitt, papilomatose juvenil e tumor filodes maligno.4,9
Recentemente, Yerushalmi e colaboradores relataram elevação de CA 15-3, CEA e CA 125 na maioria dos casos de câncer de mama metastático, sendo
o aumento de CA 15-3 o mais frequente.10 Nessa
paciente, os marcadores tumorais tiveram comportamento semelhante; as elevações de CA 15-3 e CA
125 foram muito expressivas, e o nível de CA 19-9
apresentou menor aumento; ocorreu envolvimento
metastático extenso do fígado no caso aqui relatado,
fato que contribuiu para o óbito; níveis elevados de
CEA e CA 19-9 têm sido descritos nesses casos.11
A paciente faleceu aos 33 anos em decorrência
da disseminação de um carcinoma ductal infiltrante,
com presença de receptor estrogênico em mais de
80% das células, receptor da progesterona em 10%,
Her-2 negativo e Ki67 igual a 70%, que cursou
insuspeitado até o quarto mês do puerpério de seu
segundo parto. Apenas 5% a 17% dos cânceres de
mama são detectados em mulheres com menos de 40
anos de idade.12 A rápida evolução para óbito em seis
meses após o diagnóstico exemplifica o mau prognóstico usual desses tumores, que são mais invasivos, com maior tendência a alto grau, além de recorrência local.12
A mamografia é considerada um recurso limitado
para diagnosticar câncer em mulheres com idade
inferior a 40 anos, portadoras de nódulo mamário.
Nos casos de Birads 5, porém, esse método pode
contribuir para o diagnóstico final desses tumores
em até 96% das pacientes jovens.13 Os biomarcadores podem ter valor prognóstico ou papel preditivo das respostas à terapêutica.14 No presente caso,
houve predominante evidência de receptor estrogênico e Ki67, com menor expressão de receptor
progestínico. A expressão de receptor estrogênico
indica a sensibilidade do tumor ao tratamento endócrino e seu alto nível pode ter significado preditivo,
mediante uma correlação direta com a resposta ao
tratamento. Já a expressão de receptor progestínico
relaciona-se com a de receptor estrogênico e favorece tratamentos antiestrogênicos.14 Quanto ao Ki67,
este é um marcador de proliferação, tem boa correlação com o grau do tumor e correlação inversa com
a expressão de receptor estrogênico, além de efeito
adverso nas taxas de sobrevida.14
Neste estudo de caso, a paciente foi tratada com
paclitaxel e bevacizumabe com boa resposta inicial.
Entretanto, o curso para o óbito tornou-se irreversível no prazo de seis meses. Embora o bevacizumabe tenha sido prescrito com vasto embasamento
na literatura,15-19 publicações mais recentes têm abordado algumas controvérsias quanto à sua utilização.20-25 Especial destaque merece a unanimidade de
uma comissão norte-americana da Food and Drug
Administration (FDA), que decidiu pela retirada
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do bevacizumabe dentre os recursos terapêuticos.24
Entretanto, alguns autores sugerem reconsideração
da FDA para seu uso como recurso de segunda linha,
já que não aumenta a toxicidade nem a ocorrência de
neutropenia febril.25 Trata-se de anticorpo monoclonal humanizado que tem a capacidade de ligar-se ao
fator de crescimento endotelial vascular, causando
inibição da angiogênese tumoral.15-18,23 Associado
com o paclitaxel, pode reduzir o risco de progressão
da doença e aumentar a resposta à quimioterapia do
câncer de mama, mas exerce efeito variável na taxa de
sobrevida.16-23,26 Importante salientar que o bevacizumabe vinha sendo considerado um promissor agente
com alvo molecular para compor esquemas no tratamento atual do câncer de mama avançado.15-19 Foi
aprovado como agente de primeira linha terapêutica
para os tumores Her2-negativos.16,18,21,26 Entretanto,
as doentes com essa modalidade de tumor não selecionadas podem apresentar risco-benefício desfavorável com a utilização do quimioterápico pelos seus
efeitos colaterais.23 É necessária a vigilância quanto
aos efeitos adversos, mas são considerados de fácil
controle.23,27 Embora possam ter sido agravadas com
o uso de bevacizumabe e paclitaxel, alterações sanguíneas e de enzimas hepáticas foram detectadas
antes mesmo do primeiro ciclo de quimioterapia
nessa enferma. Provavelmente desenvolveram-se
como consequência das múltiplas metástases do câncer de mama sem relação causal com o emprego das
drogas. Tanto a rápida aprovação da FDA para o uso
de bevacizumabe no câncer de mama (fevereiro de
2008) quanto à recente revogação pelo mesmo órgão
(junho de 2011)24 merecem justa reflexão.
CONFLITOS DE INTERESSES
Os autores não têm conflitos de interesses a
declarar.
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