Cartografia – terrestre e celeste André Ross Professeur de mathématiques Cégep de Lévis-Lauzon 16 de março de 2011 Representação do mundo habitável Todos nós já olhamos um globo terrestre, mapas de diferentes paı́ses, admiramos fotos tiradas por satélites, vimos imagens tiradas com a ajuda de um telescópio ou por sondas espaciais. Todas essas imagens e fotos nos permitiram desenvolver gradualmente uma representação mental do nosso universo. Qual seria nossa representação do universo se nós não tivéssemos observado todas essas imagens? A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Mundo habitável segundo Hecateu de Mileto As informações que dispunha Hecateu de Mileto, que viveu por volta de 515 antes de J.-C. permitiram a construção do mapa ao lado. As informações que permitiram construir um mapa geográfico foram, na época, obtidas por mercadores, viajantes, embaixadores e soldados que participaram a expedições de guerra. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Alexandria Com a fundação de Alexandria, para fazê-la capital de seu império, Alexandre queria ali reunir os sábios e o conhecimento de seu império. Alexandria é uma cidade desenvolvida a partir de um plano de urbanismo com ruas retilı́neas ortogonais. Ele tem um bairro egı́pcio, um bairro grego e um bairro judeu. A partir do conhecimento coletado e reunido na Biblioteca da universidade, será possı́vel desenvolver uma representação mais realista do mundo habitável e das dimensões do universo. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Alexandria A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Aristarco de Samos Aristarco nasceu por volta de 310 e morreu por volta de 230. A única obra de Aristarco que foi conservada é um pequeno tratado intitulado “Sobre as dimensões e distâncias do Sol e da Lua”. Nesta obra eles descreveu como ele buscou determinar essas distâncias e dimensões e os resultados que ele obteve. Ele foi o primeiro a propor um sistema heliocêntrico, ou seja, um sistema centrado no Sol. Esse sistema teve um certo sucesso, mas foi rejeitado principalmente por duas razões: I A ausência de paralexe visı́vel. Acreditava-se que as estrelas fixas estavam muito mais próximas e que as constelações apareciam deformadas se a terra se deslocasse em torno do Sol. I O elemento “terra”, o mais pesado dos quatro elementos deveria estar no centro do universo. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Postulados de Aristarco Em seu tratado, Aristarco coloca inicialmente seis postulados: 1. A Lua recebe sua luz do Sol. 2. A Lua se desloca como se ele estivesse sobre a superfı́cie de uma esfera da qual a Terra é o centro. 3. Uma vez que a metade da Lua está iluminada, o grande cı́rculo que separa a parte escura da parte iluminada está na direção de nosso olho. 4. Uma vez que a metade da Lua está iluminada, o ângulo formado pelas direções da Lua e do Sol é de 87◦ (o ângulo real é de 89◦ 52’ e não 87◦ ). 5. A largura da sombra da Terra na distância onde a Lua a atravessa quando de um eclipse é de duas vezes a largura da Lua. 6. A porção do céu que a Lua cobre em qualquer momento é a décima quinta parte de um signo do zodiaco (esta medida está errada). A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Distâncias celestes A Terra, a Lua e o Sol formam um triângulo no espaço. Uma vez que a metade do disco lunar está iluminada, o ângulo no vértice ocupado pela Lua deve ser de 90◦ . Aristarco considera que o ângulo em T, em notação moderna, mede 87◦ . O ângulo em S é então de 3◦ . A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Distâncias celestes Ele deve então estimar a relação dos lados em um triângulo retângulo que possui tais ângulos. Em notação moderna, ele deve estima o seno de um ângulo de 3◦ , ou seja, a relação do lado oposto a este ângulo e a hipotenusa. Ele encontra então: 1 1 < seno 3◦ < 20 18 O lado oposto ao ângulo de 3◦ é a distância Terra-Lua e a hipotenusa é a distância Terra-Sol. Ele conclui então que a distância Terra-Sol está entre 18 e 20 vezes a distância Terra-Lua. Tomando o valor de 89◦ 52’ para o ângulo em T, encontra-se que a distância Terra-Sol é em torno de 400 vezes a distância Terra-Lua. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Distâncias celestes Durante um eclipse da Lua, ele mede a duração entre o momento em que a Lua penetra no cone de sombra da Terra e o momento em que ele desaparece completamente. Ele constata que esse tempo é o mesmo que aquele durante o qual a Lua está completamente escondida. Ele conclui que a largura da sombra da Terra, no local aonde ela é atravessada pela Lua quando de um eclipse, é o dobro do diâmetro da Lua. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Distâncias celestes Durante um eclipse do Sol, a Lua e o Sol possuem o mesmo ângulo de visada. Além disso, ele considera que o Sol é muito maior que a Terra e conclui que o ângulo na ponta da sombra da Terra deve ser igual ao ânglulo mantido pelo Sol. Ele conclui que a Lua é quatro vezes menor que a Terra e que a distância Terra-Lua é de cerca de 60 vezes o raio da Terra. Esses dois valores são suficientemente próximos dos valores modernos. Sua estimação da distância Terra-Sol é entretanto errada. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Eratóstenes de Cirene Eratóstenes nasceu em 276 antes de J.-C. em Cirene (Shahhat, Lı́bia) e morreu em Alexandria em 194 antes de J.-C. Depois de ter estudado em Alexandria e em Atenas, ele se instala em Alexandria, aonde torna-se diretor da biblioteca. Ele faz pesquisas em geometria e em teoria de números. Ele é sobretudo conhecido pela medida da circunferência terreste e pelo crivo de Eratóstenes que consiste em eliminar da lista de números todos os múltiplos dos números primos em sucessão, de forma a reter somente os números primos. O crivo, sob uma forma modificada, é ainda um importante instrumento da atualidade em teoria de números. Ele também foi geógrafo. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Circunferência terrestre por Eratóstenes Dispondo de todos os fatos observados no império, Eratóstenes (276-197 av. J.-C.) esteve em condições de calcular a circunferência terrestre, obtendo em torno de 40 000 km. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Mundo habitável segundo Eratóstenes Eratostenes igualmente introduziu o uso de paralelas e meridianos nos mapas geográficos. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Cálculo de π por Arquimedes O cálculo de um valor aproximado da relação da circunferência sobre o diâmetro de um cı́rculo por Arquimedes (287-212 av. J.-C.) permitiu calcular o raio da Terra à partir dos resultados de Eratóstenes. Arquimedes calculou que 223 22 < π < 71 7 O que permite determinar que o raio da Terra é em torno de 6.400 km. Utilizando esse valor com os cálculos de Aristarco, obtém-se 1.600 km para o raio da Lua e 384.000 km para a distância Terra-Lua. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Hiparco de Nicéia Considerado como o maior astrônomo de toda a antiguidade clássica, Hiparco de Nicéia fez observações com boa precisão entre 161 e 127 a partir de Rodes e Alexandria. Ele colocou em evidência um grande número de fenômenos antes insuspeitos, determina um valor de 365j 5h 55min 12s para a duração do ano trópico, valor muito mais preciso que tudo que havia sido proposto antes dele, mas ainda muito superestimado em relação ao valor correto de 365j 5h 48min 46s. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Hiparco de Nicéia Hiparco transformou a astronomia grega de uma ciência descritiva em uma ciência preditiva. Ele estimou as distância Terra-Lua e Terra-Sol, assim como os tamanhos reais desses astros, obtendo um valor suficientemente correto para a distância Terra-Lua e para o tamanho da Lua e um valor dez vezes menor para a distância Terra-Sol. Ele encontra ainda assim que o Sol devia ser dez vezes maior que a Terra. Ele estabelece um catálogo de 800 estrelas, anotando suas posições com precisão e avaliando sua grandeza aparente. Ele foi o primeiro a reconhecer a precessão dos equinócios, quer dizer, o deslocamento do ponto vernal (equinócio de primavera) sobre o zodiaco. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Cartografia terrestre Hiparco desenvolveu a idéia de Eratóstenes de utilizar os meridianos e as paralelas. Ele estendeu esta ideia para toda a esfera terrestre. Esta extensão o levou a colocar os fundamentos da trigonometria esférica, ou seja, o estudo dos triângulos sobre a superfı́cie de uma esfera, para poder determinar a distância entre dois pontos que não estão sobre o mesmo meridiano nem mesmo sobre a mesma paralela. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Longitude e latitude A longitude do ponto B, no equador, é dada pela medida do ângulo AOB, onde O é o centro da esfera. O ponto D sobre o mesmo meridiano, na mesma longitude, os ângulos AOB e CO’D sendo iguais, onde O’ é o centro do cı́rculo paralelo ao equador. A latitude do ponto D é dada pela medida do ângulo no centro BOD. A latitude é a mesma para todos os pontos sobre um cı́rculo paralelo ao equador. Para identificar a posição de um ponto sobre a esfera, basta dar sua longitude e latitude. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Cálculo da latitude No hemisfério norte, pode-se calcular a latitude com a ajuda de uma estrela polar. Medindo o ângulo de elevação da estrela polar em relação ao horizonte na direção norte, obtém-se diretamente a latitude do ponto. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Cálculo da latitude Pode-se igualmente medir a latitude medindo a distância zenital do Sol ao meio dia nos equinócios. O Sol está então na vertical do equador. O ângulo entre o zênite e a direção do Sol no meio dia nos equinócios é igual ao ângulo no centro, ou seja, a latitude, uma vez que são ângulos correspondentes. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Cálculo da longitude Para calcular a longitude em um ponto, é preciso, ao meio dia, determinar a diferença de horas entre esse ponto e o meridiano de referência. Há 24 meridianos e uma diferença de uma hora com o meridiano de referência significa uma diferença de longitude de 15◦ . O meridiano de referência está situado em Greenwich na Inglaterra. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Os instrumentos Pode-se facilmente medir o ângulo que faz uma direção com a vertical com a ajuda de um quadrante graduado e de um fio de prumo. O ângulo com a horizontal é então o ângulo complementar àquele medido. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Os instrumentos Para garantir uma boa precisão, é preciso um instrumento estável. O fio de prumo do instrumento ilustrado permite se garantir que ele é bem alinhado na direção zenital. Ele é munido de dois anéis em que um é fixo e o outro é móvel. A parte móvel contém dois visores. A leitura do ângulo de visada se faz sobre o anel graduado. é otipo de aparelho que foi utilizado por Ptolomeu para medir a obliquidade da eclı́ptica. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Os instrumentos Este instrumento é munido de uma placa fixa, dotada de um furo, e de uma placa deslizante, dotada de dois furos, que pode ser movimentada em uma ranhura. O instrumento permite visar os dois bordos de um planeta para determinar a grandeza angular. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Geometria das cordes Hiparco desenvolveu uma geometria das cordas que é o ancestral da trigonometria moderna. A geometria das cordas consiste em determinar, em um cı́rculo de raio OC dado, o comprimento da corda AB suspensa por um ângulo Θ ao centro. Segundo Theon de Alexandria (em torno de 365 após J.-C.), Hiparco teria redigido um tratado de 12 livros sobre o cálculo de cordas em um cı́rculo. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Ptolomeu Cláudio Ptolomeu (85-165) foi um astrônomo, matemático e geógrafo grego membro da Universidade de Alexandria. Ele fez suas observações de 127 à 141 e publica uma obra que é uma exposição completa do sistema geocêntrico. O mapa do slide seguinte foi realizado utilizando os meridianos e as paralelas para situar os lugares. Esse planisfério marca o inı́cio da ciência dos mapas. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Planisfério de Ptolomeu É impressionante a evolução quando se compara este mapa com aquele de Hecateu de Mileto. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Conclusão Os astrônomos de Alexandria colocaram os fundamentos da cartografia terrestre e celeste. Eles desenvolveram os métodos para construir as cartas geográficas e para determinar as posições das estrelas. Eles buscaram determinar os raios e as distâncias da Terra, da Lua e do Sol. A tarefa não era fácil, mas com perseverança eles obtiveram resultados bastante precisos. Eles quiseram igualmente desenvolver uma astronomia preditiva, o que os levou a refinar os modelos descrevendo as órbitas dos planetas. A. Ross Cartografia – terrestre e celeste Bibliografia I Astronomy before the telescope, Editado por Christopher Walker, The trustees of the British Museum St.Martin press, New-York. I Ferguson, Kitty, Measuring the universe, New-York, Walker and company, 1999, 342 p. I Ptolemy’s Almagest, translated and annoted by G.J. Toomer, Princeton, Princeton university press, 1998, 693 p. I Maor Eli, Trigonometric Delights, Princeton, Princeton university press, 1998, 236 p. I http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/ history/ Fim A. Ross Cartografia – terrestre e celeste