Estudo de Caso HERPES-ZóSTER OFTÁLMICO EM PACIENTE COM VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA Elisa Queiroz Sousa,1 Júnia Valle França,2 Daniel Queiroz Sousa3 e Fabíola Duque RESUMO O herpes-zóster oftálmico ocorre quando o Herpesvirus varicellae ou vírus varicela zóster está reativado na divisão oftálmica do nervo trigêmeo. A maioria dos pacientes com a doença apresenta exantema periorbital distribuído de acordo com o dermátomo acometido. A minoria dos pacientes pode desenvolver conjuntivite, ceratíte e uveíte. Pode ocorrer sequela ocular permanente. Um medicamento antiviral, como o aciclovir, é eficaz na prevenção do envolvimento ocular quando iniciado nas primeiras 72 horas do início da erupção cutânea. O encaminhamento ao oftalmologista diminui a morbidade visual quando houver envolvimento oftálmico. Palavras-chave. Herpes zoster; olho; diagnóstico; tratamento; HIV. ABSTRACT OPHTHALMIC HERPES ZOSTER IN PATIENT WITH THE HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS Herpes zoster ophthalmicus occurs when the varicella-zoster virus is reactivated in the ophthalmic division of the trigeminal nerve. Most patients with this disease present a periorbital vesicular rash distributed according to the affected dermatome. A minority of patients may also develop conjunctivitis, keratitis and uveitis. Permanent sequelae of ophthalmic zoster may occur. Antiviral medications such as acyclovir is effective in preventing ocular involvement when begun within 72 hours after the onset of the rash. Referral to an ophthalmologist, when ophthalmic involvement is present, is critical in limiting visual morbidity. Key word. Herpes zoster; eye; diagnostic; treatment; HIV. INTRODUÇÃO erpes-zóster é doença comum. Um quinto da população será acometida durante a vida. A incidência estimada é de 2,2 a 3,4 por 1.000 por ano. É causada por reativação do vírus varicela-zóster.1 Geralmente a infecção ocorre antes dos 10 anos de idade, e o vírus fica latente até posteriormente se tornar ativo. Pacientes imunocomprometidos têm risco aumentado de desenvolver o herpes-zóster. A recorrência da doença é relativamente pouco frequente, sendo descrita em 6% a 14% dos casos.1 Um em cada cem indivíduos será acometido de herpes-zóster oftálmico durante a vida. O risco de complicações não está relacionado com a idade ou a gravidade das lesões cutâneas.2 O herpes-zóster oftálmico está presente em um quarto dos casos de infecção herpética.3 H Os médicos devem ficar atentos quanto a complicações oculares se as lesões da pele estiverem localizadas no dermátomo do nervo nasociliar. Essa área inclui a ponta do nariz e é denominada de sinal de Hutchinson. RELATO DO CASO Paciente branco, sexo masculino, 34 anos, procedente de Olinda-PE, procurou o serviço de oftalmologia do Hospital Universitário de Brasília com relato de lesões papuladas na hemiface esquerda com acometimento das regiões nasal e frontal e do maxilar, cujo início havia oito dias. O quadro cutâneo acompanhou-se de dor ocular de forte intensidade, em queimação, associado a fotofobia, sensação de corpo estranho, hiperemia conjuntival, eritema palpebral e cefaleia diária. Médica-Residente, Unidade de Oftalmologia, Hospital Universitário de Brasília, Distrito Federal, Brasil. Médica, graduada pela Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil. 3 Graduando de Medicina, Universidade José do Rosário Vellano, Unifenas, Minas Gerais, Brasil. 4 Médica oftalmologista, Hospital Universitário de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. Correspondência: Elisa Queiroz Sousa, Avenida Portugal n.º 458, Setor Oeste, CEP 74.140-020, Goiânia, Goiás. Telefone 61 82381112, fax: 62 3251-4020. Internet: [email protected]. Recebido em 10-3-2011. Aceito em 20-9-2011. 1 2 Brasília Med 2011;48(4):431-433 431 Elisa Queiroz Sousa e cols. Tabagista e etilista havia vinte anos. Sabia ser HIV-positivo havia quinze anos, em uso de bioviratazanavir, ritonavir. História de cinco internações prévias devido a herpes simples, zóster, pneumocistose e candidíase. Ao exame físico, pressão sanguínea arterial de 120 por 90 mmHg, frequência cardíaca de 60 batimentos por minuto e respiratória de 20 incursões respiratórias por minuto. Os gânglios submandibulares e cervicais anteriores estavam palpáveis e móveis. Também se constatou candidíase oral. Ao exame oftalmológico, tinha acuidade visual no olho direito de 20/25 e, no olho esquerdo, 20/60. Encontrado o sinal de Hutchinson, que descreve o envolvimento do nervo nasal externo, o qual supre a região lateral da ponta e a lateral da raiz do nariz (figura 1). Observou-se edema periorbitário +++/4 com bolhas perioculares, exantema maculopapular na fronte, com desenvolvimento progressivo de vesículas, pústulas e crostas (figuras 1 e 2). O exame biomicroscópico do olho esquerdo evidenciou hiperemia conjuntival +3/+4, lesões microdendríticas no epitélio e erosões epiteliais na córnea inferior em posição de 1 hora, compatível com ceratite epitelial aguda. Ausência de reação celular na câmara anterior e ou flare. A tonometria de aplanação não mostrou alterações. A fundoscopia constatou ausência de vitreíte; pólo posterior e periferia sem alterações. Por apresentar contagem de CD4 de 69, foi internado para tratamento mais intensivo. Foi utilizado aciclovir 250 mg em solução salina a 0,9%, três e meia ampolas intravenosas de oito em oito horas por dez dias, Zovirax pomada oftálmica cinco vezes por dia durante dez dias e lubrificante ocular cada três horas. Após um dia de tratamento, queixou-se de cefaleia, mas disse que houve alívio da dor ocular. Contudo, dois dias depois, o paciente declarou estar usando colírio de antibiótico com dexametasona, que comprou em uma farmácia por conta própria, indicado pelo balconista. Foi orientado sobre o risco de usar tal medicamento, pois o epitélio da córnea não estava íntegro. Apareceram células inflamatórias, após dez dias de tratamento, sem associação com isquemia ou atrofia setorial da íris. Foi prescrito glicocorticoide tópico, já que o epitélio estava íntegro. Acuidade visual sem correção: olho direito 20/20- e olho esquerdo 20/40. A acuidade visual prévia do olho esquerdo foi 20/60. Houve melhora da acuidade visual e das lesões cutâneas. 432 Brasília Med 2011;48(4):431-433 Figura 1. Sinal de Hutchinson. Exantema maculopapular com vesículas e pústulas na ponta do nariz e edema palpebral Figura 2. Exantema maculopapular na fronte, presença de crostas DISCUSSÃO Foi diagnosticada ceratoconjuntivite por herpes-zóster. Na ceratite epitelial infecciosa, observou-se, no epitélio corneano, vesículas, úlceras dendríticas, úlceras geográficas e úlceras marginais. Todas essas manifestações clínicas são decorrentes da replicação viral ativa no epitélio corneano.4 O tratamento preconizado para o herpes-zóster oftálmico baseia-se no uso de agentes antivirais sistêmicos. Na fase aguda do processo e em indivíduos imunocomprometidos, se utilizam agentes antivirais por via intravenosa (aciclovir 5 a 10 mg/kg cada oito horas) de cinco a sete dias, e a terapia por via oral (4 g/dia) deve ser mantida por tempo indeterminado.5 Sempre foi temido o uso de corticosteroides na ceratite herpética, não somente por poder agravar a infecção epitelial ativa pelo vírus, mas também porque se acreditava que a introdução da droga no curso da ceratite herpética, mesmo nos casos de inflamação de estroma, poderia agravar o caso, predispor a número Herpes zoster oftálmico e HIV maior de recorrências além de desencadear a dependência de corticosteroide. O Herpetic Eye Disease Study (HEDS)6 mostrou que os esteroides nos casos de inflamação estromal são eficazes, reduzem o tempo de curso da doença e a intensidade da cicatrização sem outros efeitos notados estatisticamente. É sempre bom ressaltar que corticosteroides tópicos não devem ser administrados na vigência de infecção epitelial ativa.4 Uma vez suspensa a profilaxia antiviral oral o paciente fica sempre à mercê da recorrência da doença. O que os resultados do HEDS sugerem é que talvez os pacientes que fazem uso de profilaxia oral antiviral por período prolongado (um ano) vão ter menos recorrências após a suspensão da profilaxia em comparação àqueles que não o fazem. Baseados nesses achados, alguns oftalmologistas prescrevem aciclovir oral, 400 mg duas vezes por dia, a todos os enfermos que tiveram mais do que um ataque de doença herpética ocular no passado.6 Algumas complicações oculares que podem ocorrer, mas não foram encontradas nesse paciente, são: complicações neuropáticas, como paralisia dos nervos cranianos com afecção dos terceiro, quarto e sexto pares. Neurite óptica, síndrome de GuillainBarré e encefalite são raras e só ocorrem em infecções graves. A hemiplegia contralateral é também rara, geralmente ocorre dois meses após o aparecimento das lesões cutâneas.7 O herpes-zóster oftálmico pode estar associado à síndrome do ápice orbital, entidade rara que se caracteriza por ptose, proptose, oftalmoplegia interna e externa, prejuízo funcional da primeira divisão do nervo trigêmeo e graus variados de diminuição da acuidade visual.8 Nos indivíduos idosos e imunodeficientes, pode ocorrer reativação do vírus varicela-zóster, que está latente nos gânglios sensoriais. Porém, quando esse vírus acomete o ramo oftálmico do nervo trigêmeo dá origem ao herpes-zóster oftálmico e, daí, a importância do acompanhamento dos doentes e de sua orientação quanto à possibilidade de recidiva.5 É importante o médico orientar o doente sobre possíveis complicações, necessidade do tratamento correto e acompanhamento, já que podem surgir alterações tardiamente. A ceratite herpética recorrente causa, frequentemente, cicatriz corneana, sendo uma das principais causas de perda visual unilateral. A recorrência aparece pela reativação do vírus no gânglio trigeminal, que, pelos nervos da divisão oftálmica do trigêmio, alcança os tecidos periféricos, como a córnea, e aí se replica. Tratando-se corretamente as lesões corneanas, evita-se o transplante de córnea, que muitas vezes é necessário não somente para reabilitação da visão, mas com o objetivo tectônico e ou terapêutico nos casos em que a resposta ao tratamento específico e de suporte não forem suficientes.9 A todo paciente com zóster oftálmico, independentemente dos sinais e sintomas ou da idade, devese prescrever um agente antiviral ao primeiro indício da doença. Ao observar o sinal de Hutchinson, perda da acuidade visual ou hiperemia conjuntival o doente deve ser encaminhado ao oftalmologista. O herpes-zóster é infecção frequente. Ressalta-se a importância de encaminhar o paciente com sinal de Hutchinson ao oftalmologista, a fim de diagnosticar e tratar corretamente as possíveis lesões oculares. É fundamental o correto tratamento da doença para prevenir complicações oculares que afetam os indivíduos imunocomprometidos com mais frequência. REFERÊNCIAS 1. Opstelten W, Zaal MJ. Managing ophthalmic herpes zoster in primary care. BMJ. 2005;331:147-51. 2. Kaufman SC. Anterior segment complications of herpes zoster ophthalmicus. Ophthalmology 2008;115(2 Suppl):S24-S32. 3. Shaikh S, Ta CN. Evaluation and management of herpes zoster ophthalmicus. Am Fam Physician. 2002;66:1723-30. 4. Freitas D, Alvarenga L, Lima ALH. Ceratite herpética. Arq Bras Oftalmol. 2001;64:81-6. 5. Freitas D, Lima ALH. Infecções virais. In: Lima ALH, Dantas MCN, Alves MR, editores. Manual do CBO – doenças externas oculares e córnea. São Paulo: Cultura Médica; 1999. p. 154-97. 6. [No authors listed] Acyclovir for the prevention of recurrent herpes simplex virus eye disease. Herpetic Eye Disease Study Group. N Engl J Med. 1998;339:300-6. 7. Kanski JJ. Oftalmologia clínica. 6.a ed., Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. 8. Malta JBNS, Bernal HC, Ramalho AM, Sibinelli MA, Vital Filho J. Síndrome do ápice orbital associado com herpes zoster oftálmico em paciente HIV positivo: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2004;67:939-41. 9. Araújo MEXS, Santos NC, Freitas D. Transplante de córnea em ceratite por herpes simples. Arq Bras Oftalmol. 2002;65:515-8. Brasília Med 2011;48(4):431-433 433