História ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A

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ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A SACRALIZAÇÃO DA CAVALARIA NO OCIDENTE
MEDIEVAL
Paulo Christian Martins Marques da Cruz (autor) 1
Rachel Duarte Abdala (orientador)
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Nucleo de Pesquisa em História (NPH)/Universidade de Taubaté (UNITAU)/Departamento de Ciências
Sociais e Letras, Rua Visconde do Rio Branco, e-mail
Resumo- A figura sacralizada do cavaleiro medieval apresenta, no imaginário coletivo, uma permanência
imagética de longa duração importante, tanto no medievo Ocidental quanto nas modernidades. Tal
sacralização da instituição originária de princípios do século X, da qual chamamos de cavalaria é o
resultado de conjunturas sócio-economicas e mentais específicas da Alta Idade Média. O objetivo desse
trabalho é pautar algumas destas questões para a melhor compreensão deste objeto, base da aristocracia
feudal do medievo ocidental entre 925 e 1453, cujos feitos solidificaram-se em uma cultura própria, a
cultural cortês-cavaleiresca, tendo elementos de tal cultura permanecido nas modernidades. Para trabalhar
tais conjunturas, recorreu-se a uma pesquisa bibliográfica, buscando os elementos geradores acima
citados, assim como tendo o referencial teórico-metodológico proposta pela Escola dos Annales.
Palavras-chave: Cavalaria, Sacralização, Alta Idade Média, Paz de Deus.
Área do Conhecimento: História Antiga e Medieval
Introdução
A cavalaria medieval, cristalizada no imaginário
coletivo pelas cruzadas e os grandes nos campos
de batalha durante a Idade Média Ocidental (4761453) é uma instituição muito mais mental do que
física, cujas pesquisas ganharam novo fôlego a
partir da primeira geração da Escola dos Annales,
em especial sob os escritos de Marc Bloch. A
exaustão das descrições metódicas durante o
século XIX e seu igual uso ideológico na
construção ou reafirmação nacional dos Estados
durante a década de 1870, deu lugar a profundas
análises da psique medieval, por meio da
psicologia dos testemunhos documentais então
escolhidos. Sendo assim, tratando-se de um
objeto que necessita sob a ótica de qualquer
problema, de uma profunda análise mental, este é
um tema pertinente em relação ao estudo do
Medievo
Ocidental,
pressuposto
para
o
entendimento de suas rupturas e continuidades e
que demanda, por si só, a compreensão de outras
esferas de análise, como veremos.
Primeiramente devemos ter em vista o cenário
posto nos séculos IX e X. De acordo com Marc
Bloch (1982, pp.19-20), a Europa era uma
cidadela cercada por três populações distintas e
que contribuíam para um cenário de desordem,
violência atordoante e escassez endêmica. As
instituições então singularmente centralizadas do
reinado de Carlos Magno (768-814) veem-se
diante da deterioração dos herdeiros do Reino
Franco frente às invasões nórdicas ao norte do
território franco. Citemos igualmente a presença
dos cavaleiros magiares nas fronteiras ao Leste do
Sacro Império Romano Germânico e sua hostil
relação com a monarquia otoniana. Finalmente, no
mediterrâneo as constantes incursões de piratas
sarracenos ao Sul da Itália e França.
A presença e tenacidade da cavalaria nos
exércitos feudais cresciam frente às invasões.
Outro caso que precisamos citar é o processo da
Reconquista (711-1492). Segundo Dominique
Barthélemy (2010, pp.185-188), o combate contra
o infiel mouro ganhava naturalmente um causus
belli por tratar-se de uma guerra de religião, indo
ao combate cavaleiros cristãos de diversas
localidades como Normandia e Aquitania. Graças
aos feitos em combate, cavaleiros que se
destacaram em combate como um cavaleiro de
nome Ermengol, tiveram a cabeça ou outra parte
do corpo tida como relíquia após o falecimento.
Como apresenta Cyro Rezende (1995, pp.3536), graças ao rápido prestigio que a cavalaria
passou a ganhar, duas importantes conjunturas
passaram a aparecer como desdobramentos. Em
primeiro lugar, o crescimento demográfico que
infla os exércitos e reduz a oferta de terras na
Europa passa a gerar consideráveis atritos no
interior do mundo cristão. Em um esforço para
proteger os elementos indefesos da sociedade
feudal, a Igreja mobilizou-se em decretos que
proibiam os combates entre senhores em
determinados dias da semana, como o domingo.
Para garantir que os fiéis, crianças, freiras, idosos,
etc, fossem protegidos, elaborou-se a cultura de
incumbir na figura do cavaleiro medieval a
proteção destas categorias sociais. A Paz de Deus
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como ficou conhecida esta conjuntura no século XI
buscava a não deterioração da cristandade por
conflitos internos e o caminhar para uma
homogeneidade frente aos inimigos tidos como
infiéis. Jean Flori (2010, pp.185-188), nos diz que
no presente período, a cavalaria e a aristocracia
começaram a se aproximar, sendo o mais correto
afirmar que a aristocracia fez uso do prestigio da
cavalaria, ser cavaleiro passou a ser sinônimo de
pureza religiosa, ser cavaleiro passou a ser um
título nobiliárquico, por mais simples que fosse.
Segundo o autor, igualmente com essa junção a
cavalaria passou a ser entendida em duas esferas,
a militar e a social-religiosa. A Igreja, como
instituição em si igualmente aproxima-se da
cavalaria na forma de um recrutamento de
cavaleiros de diversas localidades para a proteção
de seu território frente às incursões de normandos
no Sul da Itália. O apoio papal aos cavaleiros
(Figura 1) pode igualmente ser exemplificado pela
promessa de apoio feita pelo papa Alexandre II a
Guilherme, duque da Normandia em sua
empreitada de conquista da Inglaterra (MAUROIS,
1952, p.52).
Figura 1 – Um cavaleiro normando representado
na Tapeçaria de Bayeux durante a Batalha de
Hastings em 1066
Uma importante prática da cavalaria é o
adubamento, prática onde um senhor dá o título
de cavaleiro a fidalgo (nobre seu título). Esta
prática é um ritual de iniciação entre o término da
adolescência e o início da vida adulta e em
périplos de fins do século X e início do XI seus
elementos passaram a ser sacralizados pela
Igreja. Isso se evidencia, segundo Flori (2010,
p.194), que alguns ritos do adubamento
permanecem laicos, como a passagem das
esporas do cavalo, outros tendem a sacralizar-se
e ganhar um caráter religioso ou ao menos
abandonar o caráter profano, um destes exemplos
é o banho que antecede a cerimônia, dando sinal
de pureza, castidade, outros elementos que
assumem caráter de sacralidade são a passagem
da espada e da lança com o estandarte da casa
do qual serve o cavaleiro adubado.
Trabalhei em uma pesquisa endereçada ao XXI
Congresso Estadual de História ANPUH-SP –
Trabalho, Cultural, Memória, no ano de 2012, as
conjunturas que motivaram o advento da Primeira
Cruzada (1096-1099). Entre as conjunturas que
modificaram profundamente a sociedade feudal,
estão como já citadas, as que tiveram direto
impacto sob a forma como a cavalaria foi
enxergada. Dessa maneira, o crescente sentido
escatológico pelo qual a Cristandade em sua
peregrinação em direção a Terra Santa e a ideia
de que Jerusalém e as imediações deveriam ser
libertas
dos
muçulmanos,
culminou
na
proclamação da Primeira Cruzada por Urbano II
no Concílio de Clermont, em 1096 (CRUZ, 2012,
pp.1-5). Os grandes nobres da França, Lorena,
Normandia e Itália tomaram a frente do
movimento, com largo emprego da cavalaria, que
havia então se tornado um símbolo para o
movimento. A cruzada, enquanto peregrinação
armada, uma expedição militar, combinava o valor
potencial da peregrinação à ideologia do
movimento de paz, acentuando o processo de
sacralização do guerreiro empreendido pelos
reformadores gregorianos. Assim, a cruzada
chamava
aqueles,
que
nesta
ordem,
comportavam-se mal, no caso os cavaleiros (pelos
constantes conflitos no interior da Europa)
oferecendo a estes um caminho de redenção, de
perdão sem abandonar sua condição social.
A conquista de Jerusalém em 1099 fortaleceu
esta condição de sacralização e criou um campo
propício para uma experiência interessante no
interior da sociedade feudal. Com o esvaziamento
dos senhores da Terra Santa, os novos territórios
conquistados tornavam-se consideravelmente
desprotegidos, estando cercados por inimigos. É
então que dois cavaleiros de nome Hugo de Payns
e Godofredo de Saint-Omer decidem criar uma
irmandade de cavaleiros a fim de proteger os
peregrinos e montar um contingente permanente
de proteção à cidade. (CRUZ, 2012, p.2). Essa
irmandade fundada em 1118, contava com alguns
cavaleiros que haviam feito os votos de pobreza,
castidade e obediência a um mestre eleito dentre
estes cavaleiros, uma nova experiência que unia o
monástico e o militar. Estes cavaleiros ficaram
conhecidos como irmãos do Templo ou Cavaleiros
Templários (DEMURGER, 2007, pp.20-21).
Entendemos assim pela formação e instituição
da Ordem dos Cavaleiros Templários, como
fisicamente o ápice da sacralização da figura do
cavaleiro da Idade Média, seus feitos nos campos
de batalha e no mental coletivo reverberaram
nesta instituição como artífice da Cristandade e
protetor da mesma, demonstrando duração
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considerável no mental tanto na Idade Média por
conta das canções de gesta e outras formas de
manifestação da cultural popular como nas
modernidades.
Metodologia
Esta pesquisa pautou-se numa análise
bibliográfica que se evidencia além do estado da
arte atual, as vicissitudes prévias que pressupõem
a historicidade da abordagem deste tema. Para
tanto, optou-se por uma bibliografia específica
sobre a cavalaria no medievo e sua sacralização.
Resultados
Obteve-se como principal resultado identificado
que a sacralização da cavalaria foi um processo
resultante de um campo propício encontrado no
interior da sociedade feudal, posta sob pressão
por invasões e guerras santas como a
Reconquista e as Cruzadas.
Discussão
Os limites da violência (ou a ausência deles) na
sociedade feudal são um tema repetidamente
encontrado na bibliografia de apoio. Com o
crescimento do emprego da cavalaria nos
exércitos medievais e a escalada das tensões no
interior da Europa ocasionada pelas guerras
forçou a Igreja a por limites a esta violência, como
por exemplo com a Paz de Deus e direcionando
esta violência as guerras santas na Península
Ibérica e no Oriente com o advento das Cruzadas
no fim do século XI. Teologicamente, a partir do
advento deste movimento e dos Cavaleiros
Templários, a violência praticamente pelos
cavaleiros em relação ao infiel, foi se não aceita,
pelo menos encarada como malecídio.
Referências
BARTHÉLEMY, Dominique. A Cavalaria: Da
Germânia antiga à França do século XII.
Campinas-SP: Unicamp, 2007.
BLOCH, M. A Sociedade Feudal. São Paulo:
Edições 70, 1982.
CRUZ, Paulo Christian M.M. A Primeira Cruzada:
uma análise conjuntural. In: XXI Encontro Estadual
de História ANPUH-SP: Trabalho, Cultura e
Memória. ISSN: 9788598711. Campinas-SP:
Unicamp, 2012.
_______. Os cavaleiros de Cristo: a origem dos
Cavaleiros Templários. In: XVI Encontro LatinoAmericano de Iniciação Científica. São José dos
Campos-SP: Univap, 2012.
DEMUGER, Alain. Os Templários: Uma cavalaria
cristã na Idade Média. Rio de Janeiro: Difel, 2007.
MOUROIS, André. História da Inglaterra. Rio de
Janeiro: Pongeti, 1952.
REZENDE FILHO, Cyro de Barros. Guerra e
Poder na Sociedade Feudal. São Paulo:
Ática,1995.
Conclusão
Conclui-se que a partir dos elementos
colaboradores que a sociedade feudal apresentou
dos séculos X até o advento das Cruzadas no
século XI, firmou-se no campo físico e mental uma
série de elementos que uniram o monástico e o
militar. A Paz de Deus impôs limites à violência da
cavalaria do período e sacralizou em um processo
maior a sua figura, por meio do adubamento e da
legitimação da sua figura como artífice deste
movimento e do movimento cruzadista. A cultura
que se criou a partir desta junção (e de outros
elementos que não foram o foco deste trabalho)
perfez a Cultura cortês-cavaleiresca, onde seus
feitos, resultados e permanências podem ser
notados nas canções de gesta.
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