infanticídio – um crime de difícil caracterização e as

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Infanticídio – um crime de difícil
caracterização e as políticas
públicas de prevenção
Bernadete Aparecida Rocha Andrade*
Estela De Turris Fasciani**
Orientação: Taílson Pires Costa***
Resumo
O presente artigo buscou analisar o crime de infanticídio, traçando um estudo comparativo de suas circunstâncias elementares, a fim de caracterizar esse
tipo penal e diferenciá-lo de outros, em virtude de no
passado ter sido muito confundido com o crime de
homicídio. Após a conceituação, relata sua evolução
histórica, a investigação de sua parte jurídica para o
procedimento de aplicação de pena, e a perícia médicolegal na descoberta do estado de distúrbio psíquico em
que se encontra a parturiente e que a levaria a cometer
o tipo penal. Passa, então, à identificação do crime por
meio da indicação de suas principais características e
observa suas distinções de outros crimes, embora haja
controvérsias na identificação precisa do delito. Portanto, essa pesquisa tem por intuito promover o debate
* Aluna do 10º semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de
São Paulo.
** Aluna do 10º semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista
de São Paulo.
*** Doutor, mestre e especialista em Direito Penal pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Professor titular de Direito Penal da Faculdade de
Direito de São Bernardo do Campo. Professor titular do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Metropolitana de Santos.
REVISTA DO CURSO DE DIREITO
acadêmico sobre o crime de infanticídio, a fim de que
a área jurídica possa incentivar as áreas da medicina
(psicologia, psiquiatria, tradicional) a fazerem uma divulgação maior sobre o assunto, de modo a promover
uma maior atenção às alterações psicológicas do estado
emocional da mulher após o parto, que podem levá-la
ao ponto de matar o próprio filho.
Palavras-chave: Crime – Infanticídio − Circunstâncias
elementares − Perícia.
Infanticide – a crime hard to be characterized
and the prevention public policies
Abstract
The present paper sought to analyze the crime of infanticide and make a comparative study of its basic
circumstances in order to characterize this kind of crime
and distinguish it from others, since it was commonly
misunderstood as a homicide in the past. Following the
conceptualization, it presents its historical evolution, the
investigation of its forensic aspects for the application
of penalties, and the medical and legal investigation in
order to find out the parous woman’s psychic condition
that led her to commit the crime. It then moves on to
the topic of the crime’s identification, showing its main
characteristics, its differences from other crimes, even
though its precise identification is controversial. Thus,
the present research seeks to promote the academic
debate about the crime of infanticide so the juridical
area can stimulate the areas associated to Medicine
(Psychology, Psychiatry, traditional) to divulge the
subject more, in order to increase the attention to the
psychological changes in the woman’s emotional state
after labour, that might lead her to the point of killing
her own child.
Keywords: Crime – Infanticide − Basic circumstances
– Specialized investigation.
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
1. Infanticídio: conceito
De acordo com o art. 123 do Código Penal, o crime de
infanticídio é definido como: “Matar sob a influência do estado
puerperal o próprio filho, durante o parto ou logo após”.
No conceito descrito acima podemos destacar as circunstâncias elementares do tipo penal:
• matar: “causar a morte de; privar da vida” (FERREIRA, 1986, p. 1102);
• o próprio filho: descendente da agente criminosa;
• sob a influência do estado puerperal: “situação de
alterações e transtornos mentais, advindas das dores
físicas capazes de alterar temporariamente o psiquismo da mulher previamente sã de modo a levá-la a
agir instintiva e violentamente contra o próprio filho
durante o seu nascimento ou logo após o parto”
(COSTA, 2007 p. 34)
De acordo com Genival Veloso de França (2004, p. 167),
não há como fornecer elementos seguros que caracterizem
este estado, pois esse tipo de patologia não existe na medicina
e nem há um limite de duração definido para ela.
Durante o parto ou logo após: “configura-se durante o parto;
o período que vai desde a ruptura das membranas até a expulsão
do feto e da placenta, enquanto o logo após seria o interstício
imediatamente após o parto” (FRANÇA, 2004, p. 168).
Podemos perceber que o sujeito ativo do crime exposto
vem a ser a mãe durante o estado puerperal. É crime próprio, pois somente a mãe puérpera, isto é, a mulher que se
encontra sob influência do estado puerperal, pode praticar o
infanticídio. Porém, nada impede que outros respondam pelo
delito em questão, na modalidade de concurso de pessoas. O
sujeito passivo será o recém-nascido (logo após o parto) ou
nascente (durante o parto), conforme o momento do crime em
relação ao parto. O objeto jurídico a ser tutelado é o direito
à vida da pessoa humana (JESUS, 1997, p. 106-107).
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
Segundo Damásio de Jesus, há três critérios de conceituação legal do infanticídio. São eles: o psicológico, o fisiopsicológico e o misto. Ao nos reportarmos ao Código Penal de 1969,
o infanticídio era conceituado, a partir do critério psicológico,
com base no motivo da honra, no qual a mulher cometia o
crime no momento de angústia para ocultar o recém-nascido
por motivo de relação extraconjugal.
O Código Penal vigente leva em consideração o critério
fisiopsicológico: trata-se de distúrbio psíquico em virtude do
parto, levando a mulher a cometer o tipo penal. O misto é o
anteprojeto de Nelson Hungria, de 1963, que leva em consideração a mistura das duas teorias em questão (CAPEZ,
2007, p 106).
Conforme Fernando Capez, a natureza jurídica do crime
exposto é uma espécie de homicídio doloso privilegiado, pois a
circunstância elementar é o fato de ser ele cometido durante
o estado puerperal. Afastada essa característica principal,
partiremos para outros tipos de crimes, como o homicídio, o
aborto e o crime impossível.
No caso de homicídio ocorrem três situações: a mãe que
mata um adulto sob a influência puerperal; não se encontrando nesse estado mata o próprio filho ou outra criança.
A autora que mata outra criança sob a influência do estado
puerperal cometerá o crime de infanticídio, pois se configura
erro sobre a pessoa, não levando em conta as condições/qualidades da vítima e, sim, que o agente queria praticar o crime
(art. 121, §3° CP). E se a morte da criança ocorrer antes do
início do parto será crime de aborto, porém, tratando-se de
natimorto será considerado crime impossível (CAPEZ, 2007,
p. 99, 100 e 102).
2. Antecedentes históricos
Ao nos reportarmos ao passado, identificamos que a
figura típica do infanticídio vem sofrendo uma evolução em
sua conceituação conforme a época e a sociedade que a
representava.
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
De acordo com Vicente de Paula Rodrigues Maggio, a sociedade lidou diferentemente com a problemática da punição
do crime de infanticídio em três períodos distintos (MAGGIO
apud COSTA, 2007, p. 34). Em um período mais distante, o
crime não era punido; depois, a vida do recém-nascido passou
a ser protegida; e em um período mais recente a legislação
abrandou a pena para dar atenção à delicada situação em
que se encontra a mulher no chamado estado puerperal.
No período que vigorou até meados do século V a.C., o
infanticídio não era apenado, pois não se configurava como
delito, já que os povos da época, como os fenícios e os cartagineses, sacrificavam seus filhos para ofertarem os corpos
aos deuses.
Na Grécia e Roma Antigas, os recém-nascidos que apresentavam algum tipo de deficiência eram mortos; o rei também podia ordenar sua morte em épocas de recessão de
alimentos. Segundo o autor, “crianças que nascessem imperfeitas, mal-formadas ou que constituíssem desonra ou afronta
à família podiam ser mortas pelos pais depois do nascimento”
(MAGGIO apud COSTA, 2007, p. 34).
Em um segundo momento (do século V ao XVIII d.C.), com
forte aumento do poder da Igreja Católica e, portanto, tendo o
cristianismo como religião oficial em Roma, a vida do recémnascido ganha uma grande importância. A partir desse fato, o
infanticídio torna-se delito grave e rigorosamente apenado.
Para Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso, o “direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre
os crimes mais severamente punidos, não o distinguindo
do homicídio. Se praticado pela mãe ou pelo pai, constituía
modalidade do parricidiun e a pena aplicável era o culeus, de
arrepiante atrocidade” (HUNGRIA; FRAGOSO apud COSTA,
2007, p. 34)
Durante toda a Idade Média e início da Moderna, as mães
recebiam pena capital, aplicada de formas cruéis, pelo crime
de infanticídio, que não era diferenciado do de homicídio.
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
Conforme Genival Costa, “na Idade Média, as mães que
matavam seus próprios filhos de forma secreta, voluntária
e perversa eram enterradas vivas ou empaladas segundo o
costume” (FRANÇA, 2004, p. 167).
Em um terceiro momento, a partir do século XVIII, sob
influência de filósofos adeptos da corrente do direito natural, a legislação passou a abrandar a pena do infanticídio,
considerando-o um homicídio privilegiado, levando em consideração a honoris causa, ou seja, a honra da mulher, diante
de casos de gravidez extraconjugal.
Para Maggio, os “filósofos do direito natural, visando diretamente influenciar os legisladores no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes argumentos, como a pobreza,
o conceito de honra, bem como a prole portadora de doenças
ou deformidade” (MAGGIO apud COSTA, 2007, p. 36).
No Brasil, anteriormente ao código criminal de 1830 não
existia tal delito. Somente a partir dele é que se passou a
apenar o infanticídio com reclusão de 1 a 3 anos, levando
em consideração a honoris causa. O código de 1890 o definiu como figura típica própria, mas sem levar em conta a
questão da honra.
Finalmente, conforme Genival França, a legislação vigente em nosso país (CP, 1940) adotou o conceito polêmico
de estado puerperal, no qual a mulher cometeria o crime por
conta de um conflito psíquico (2004, p. 167).
3. Meios de execução
Trata-se de crime de forma livre, ou seja, praticado por
qualquer meio comissivo, por exemplo: enforcamento, estrangulamento, afogamento, fraturas cranianas; ou por meio
omissivo, por exemplo: deixar de amamentar a criança, abandonar recém-nascido em local ermo, objetivando sua morte
(CAPEZ, 2007, p. 101).
O abandono de recém-nascido, segundo configuração do
art. 134, parágrafo 2º ou 123 do CP (Ibid.), refere-se a um
crime de perigo, no qual a agente quer apenas abandonar,
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
livrar-se do bebê, colocando-o em situação perigosa, arriscando a vida e a saúde de um ser totalmente indefeso. Neste
caso, o meio de execução é diferente do crime de infanticídio,
visto que, a mãe age com dolo, que não chega a ser crime de
dano; ela não tem a intenção de matar, mas de abandonar.
No entanto, a morte agrava a pena da agente pela decorrência
da culpa, por ser apenas previsível, sem o desejo de óbito.
Na hipótese em que a mãe abandona o bebê com a intenção de causar-lhe a morte em decorrência do abandono,
haverá dolo (direto ou eventual), portanto é crime de dano.
Porém, se o fato se der “logo após o parto e sob a influência
do estado puerperal”, terá ocorrido o infanticídio (art. 123
do CP); na ausência de tais circunstâncias, é considerado
homicídio (Ibid.).
Momento consumativo: refere-se ao crime material. A
“consumação se dá com a morte do neonato ou nascente”
(Ibid.). Portanto, deverá a ação física do delito ocorrer no período a que a lei se refere: “durante ou logo após o parto”.
A tentativa é possível, na hipótese em que a mãe, por circunstâncias alheias à sua vontade, não consiga eliminar a vida
de seu bebê, tendo sua conduta impedida por terceiros.
4. Concurso de pessoas
Sabemos que o infanticídio é crime que se compõe pelos
elementos: ser mãe e matar o próprio filho durante ou logo
após o parto, sob a influência do estado puerperal (art. 123
do CP). Com a exclusão de alguns dados contidos no infanticídio, o fato típico deixa de existir como tal e torna-se outro
tipo de crime (atipicidade relativa).
Entretanto, os componentes do tipo, em especial o estado
puerperal, são elementares desse crime. Portanto, comunicam-se as circunstâncias ao coautor ou partícipe (art. 30
do CP), a menos que este desconheça sua existência, com a
finalidade de evitar a responsabilidade.
As consequências podem ser diferentes no caso de o
terceiro ser autor, coautor ou partícipe. São três as situações possíveis (Ibid):
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
• a mãe que mata o próprio filho com a ajuda de terceiro: esta é autora de infanticídio e as circunstâncias
elementares do crime se comunicam ao partícipe, que
responde também por infanticídio;
• o terceiro que mata o recém-nascido e conta com a
participação da mãe: este se torna autor de homicídio
(art. 121 do CP), por ter realizado a conduta principal, enquanto que a mãe responde pela conduta de
partícipe do mesmo crime e, portanto, responderá
também por homicídio;
• mãe e terceiro executam em coautoria a conduta
principal, matando a vítima: a mãe será autora de
infanticídio e o terceiro responderá pelo mesmo crime por força da teoria unitária ou monista (art. 29,
CP, caput).
Concurso de pessoas e a questão da comunicabilidade
da elementar “influência do estado puerperal”:
Durante muitos anos uma corrente doutrinária também compartilhada por outros autores distinguiu as circunstâncias
pessoais das personalíssimas, não havendo comunicabilidade.
Portanto, para tal corrente o estado puerperal não se comunica
ao partícipe, respondendo este por homicídio, evitando-se um
privilégio sem merecimento. Porém, o maior penalista de todos
os tempos, Nelson Hungria, passou a sustentar que “mesmo os
terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas
penas a este cominadas, e não pelas do homicídio” (Ibid, p.
107-108).
Sobre o concurso de pessoas existem duas posições na
doutrina (Ibid.):
1. não se admite o concurso de pessoas no infanticídio:
não é admitida coautoria nem participação em infanticídio em face das elementares personalíssimas do
tipo legal. Exemplo: “o estado puerperal”. Portanto,
havendo intervenção de terceiro, este responderá por
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
homicídio em coautoria ou participação. As elementares objetivas ou subjetivas são sempre comunicáveis,
porém o estado puerperal é considerado elementar
personalíssima, sendo incomunicável;
2. admite-se o concurso de pessoas no infanticídio: posição adotada por vários autores, inclusive por Nelson
Hungria, a coautoria ou participação em infanticídio
é admitida se a lei não fala em condições personalíssimas. As condições de caráter pessoal comunicam-se
quando elementares do crime (art. 30 do CP), e as de
caráter não pessoal, sejam elementares ou circunstanciais, podem ser sempre comunicáveis. A condição de
ser mãe e estar sob a influência do estado puerperal
são elementos do tipo, razão pela qual se comunicam
aos coautores ou partícipes.
4.1. Concurso de crimes
Haverá concurso material com o delito de infanticídio se
a genitora também ocultar o cadáver do infante (artigo 211
do Código Penal) (Ibid, p. 108-109).
5. Ação penal e procedimento
O Ministério Público, por meio do oferecimento da denúncia, tem o dever de propor ação. Portanto, trata-se de ação
penal pública incondicionada que independe de representação
do ofendido. Poderá haver a ação penal privada subsidiária
da pública caso o Ministério Público se encontre inerte.
Tratando-se o infanticídio de crime doloso contra a vida,
é de competência do Tribunal de Júri julgá-lo, seguindo o
rito procedimental escalonado dos artigos 406 e seguinte
do CP (Ibid.).
6. Aspectos médico-legais: perícia
6.1. Perícia na mãe
Segundo o Dicionário Aurélio, gravidez é o estado da mulher, e das fêmeas em geral, durante a gestação, prenhez.
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
“A gravidez é o estágio fisiológico da mulher durante o
qual ela traz dentro de si o produto da concepção” (MUAKAD,
2002. p. 56-59 e 159).
O interesse da medicina legal no estudo da gravidez é
solucionar questões como
(...) resguardo dos direitos do nascituro; investigação de paternidade; prova de adultério; prova de violência carnal; diagnóstico
da realidade de aborto; dissimulação, sonegação e substituição
do próprio parto; impossibilidade de anulação de casamento;
prazo para contrair novas núpcias; prova de reconciliação nos
processos de dissolução conjugal, além do infanticídio que é
objeto desta pesquisa. (MUAKAD, 2002. p. 54-56).
É difícil o diagnóstico da gravidez para a medicina legal,
em virtude da possibilidade de má-fé. O perito deverá ser
cauteloso ao receber as informações da interessada.
Há casos de diagnósticos equivocados de gravidez que
mais tarde se comprovaram ser apenas doenças abdominais;
igualmente, também há casos de mulheres acusadas de aborto
ou de infanticídio que, tendo sido consideradas não grávidas
em exame pericial e condenadas, vieram a dar à luz poucos
dias depois. Ocorre também o caso de gravidez psíquica em
virtude do profundo desejo da mulher de ser mãe (Ibid,). Para
diagnosticar com segurança uma gravidez são necessários
o exame direto da paciente e os exames complementares.
Deverá o perito no exame direto observar os sinais de gravidez, importantes por seu aspecto objetivo, que podem ser de
presunção, probabilidade e de certeza (Ibid.).
6.2. Sinais de presunção
Desejos, inversões do apetite, mudanças na sensibilidade
gustativa, vômito, tonturas, sonolência, congestão das mamas
e estrias abdominais (FRANÇA, 2004, p. 144).
6.3. Sinais de probabilidade
Suspensão da menstruação, pulsação vaginal, redução
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
dos fundos de saco vaginais, alteração da forma uterina,
modificação das glândulas mamárias, diminuição dos mamilos, escurecimento das auréolas, secreção e aparecimento de
estrias e maior volume do útero (Ibid.).
Para uma mulher com vida sexual ativa e histórico de
menstruação regular, geralmente isso sugere gravidez até que
se prove o contrário. Porém, no campo obstétrico nem sempre
essa afirmação é correta, pois a ausência da menstruação não
garante uma gravidez, podendo esta faltar por outros motivos,
por exemplo, por doenças ovarianas. Portanto, os sinais de
probabilidade não são seguros; indicam apenas a possibilidade de uma gestação (MUAKAD, 2002, 56-59 e 159).
6.4. Sinais de certeza
Várias são as formas de indicar e disponibilizar um
diagnóstico de certeza da gestação, sendo por meio de ultrassonografia, ressonância magnética, movimentos do feto,
batimentos do coração fetal, outros exames e, inclusive,
testes biológicos da gravidez. São esses alguns indicativos
que disponibilizam um diagnóstico de certeza da gestação
(FRANÇA, 2004, p. 144).
“Sinais de certeza são os que dependem do organismo
do feto, aparecem no quarto mês de gravidez e são seguros”
(MUAKAD, 2002, p. 59 ).
6.5. Puerpério
Puerpério é o espaço de tempo que varia desde o desprendimento da placenta até a volta do organismo da mulher
ao que era antes da gestação, podendo durar de seis a oito
semanas. Dessa forma, podemos entender que “o puerpério
é um quadro fisiológico, comum a todas as mulheres que
dão à luz, com início, meio e fim, não se confundindo com
o estado puerperal, que não é comum e presumido em todos os partos, como vem sendo considerado pelos autores”
(FRANÇA, 2004, 144).
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
O estado puerperal existe, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher que a possam levar a matar
o próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda
de sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar
facilmente uma momentânea perturbação de consciência. É
esse estado que torna a morte do próprio filho um homicídio
privilegiado. Essa perturbação pode ocorrer mais facilmente
em caso de mulher nervosa, angustiada ou com filho ilegítimo
(MUAKAD, 2002, p. 149, 150 e 156).
“É muito difícil a verificação do estado puerperal, todavia esse estado seria a emotividade resultante do parto, uma
ligeira perturbação psíquica capaz de diminuir a responsabilidade” (MUAKAD, 2002, p. 156).
7. Parto
O parto é definido como: “o conjunto de fenômenos fisiológicos e mecânicos que tem por objetivo expulsar o feto
e seus anexos” (FRANÇA, 2004. p. 168 ).
Para os obstetras, inicia-se com as contrações uterinas
rítmicas, enquanto que no campo da medicina legal iniciase com a rotura da bolsa e termina com o deslocamento e a
expulsão da placenta.
O diagnóstico do parto soluciona questões como: “Simulação, sonegação e substituição de recém-nascidos, negação
de crime de aborto ou de infanticídio e a atribuição de parto
alheio ou próprio” (FRANÇA, 2004. p. 173).
8. Perícia na mulher viva ou morta
A abordagem dos elementos diagnósticos que caracterizam a existência anterior de um parto varia na mulher viva
ou na morta (FRANÇA, 2004. p. 147 e 148), como também
quanto ao tempo – se recente ou antigo.
Os sinais de parto recente na mulher viva são as alterações dos genitais externos, os fluxos genitais, a citologia
cérvico-vaginal, a biópsia do endométrio, as lesões dos genitais internos e externos, as modificações das mamas, da
parede abdominal e o cloasma.
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
Logo após o parto, os órgãos genitais externos afiguramse com tumefação da vulva e dos grandes lábios, podendo
vislumbrar-se rotura recente do períneo, como também múltiplas roturas do hímen na mulher de primeiro parto pélvico.
Os fluxos genitais são, de início, sanguinolentos e, depois,
representados pelos lóquios, que revelam secreções provenientes do útero. A princípio são sanguinolentos e depois se mostram serosos e de aspecto purulento, quando há infecção.
Até o terceiro dia são sanguinolentos, e até o oitavo
dia, em média, serolactescentes, que é quando desaparecem. Podem atingir até o 12º/15º dia, quando voltam a ser
sanguinolentos.
O exame microscópio do lócuo exibe hemácias, células
epiteliais, podendo conter ainda vernix caseoso, corpúsculo de
mecônio e pêlos fetais. Lócuo refere-se à secreção, proveniente
da superfície interna e cruenta do útero após o parto e que
persiste até o endométrio voltar à sua constituição normal.
Em relação aos órgãos genitais internos, deve-se verificar
o colo do útero, que inicialmente é mole, deixando sair restos
de membrana e placenta, mais comuns em partos clandestinos. Elemento importante também é a involução uterina
explorada pela parede abdominal.
No primeiro dia, o fundo do útero está um dedo acima
da cicatriz umbilical; no segundo dia, na cicatriz umbilical;
do quinto ao sexto dia, dois dedos abaixo; no nono dia, três
dedos acima do púbis; e, por fim, em torno do 12º dia, no
nível da síntese pubiana.
Nas mamas volumosas aparecem vergões e estrias de coloração especial com secreção láctea. Esta secreção pode faltar
na puérpera, assim como pode existir na virgem. Desaparece,
normalmente, de quatro a seis semanas após o parto, mas nas
nutrizes pode persistir por meses e até mesmo por anos.
Em se tratando de parto antigo, pode ser reconhecido por
estigmas, tais como: estrias e flacidez abdominais, estrias e
pigmentação das mamas, cicatrizes himenais, cicatrizes da
fúrcula e períneo, mudança da forma e cicatrizes do óstio
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externo do colo uterino. Há modificação da forma e das cicatrizes do orifício externo do colo uterino da nulípara. Este é
estreito e circular e, mais raramente, elíptico, ao passo que
na mulher que pariu torna-se transversal e com fissuras nos
lábios do colo (FRANÇA, 2004, p. 147 e 148).
Portanto, tais sinais descritos, por mais importantes que
sejam, são apenas alusivos a ter parido ou não. Dificilmente
caracterizam o número de partos.
Com relação à perícia na mulher morta, é importante não
só o exame macroscópico dos órgãos genitais como também
seu estudo histopanorâmico, estudo este que pode ser feito
tanto para parto recente como para antigo.
Com relação ao parto recente, conta-se com os mesmos
detalhes do útero e dos ovários além dos sinais no estudo
do parto recente da mulher viva. Com a cavidade repleta de
coágulos nos primeiros dias, o tamanho do útero é aumentado. A superfície interna é aveludada e recoberta de coágulos
fabrinosos, restos de decídua e cotilédones e vestígios de
vilosidades coriônicas e de vasos ainda abertos. No período
de mais ou menos 40 dias, o epitélio da mucosa uterina
regenera-se integralmente.
Até o quinto mês de gravidez, os ovários apresentam o
corpo lúteo gravídico, quando começa a evoluir até o parto.
Seu maior diâmetro é de 3 cm em torno do terceiro mês, e no
final da gestação é de aproximadamente 7 a 8 mm. Seu aparecimento é um sinal de parto anterior, podendo estar afastado
no parto ou ser confundido com o falso corpo lúteo.
No que se refere ao parto antigo, o estudo do útero é
fundamental para este diagnóstico. Nas multíparas, as faces
anterior e posterior do útero são mais abauladas. O fundo é
convexo e essa curvatura pronuncia-se mais de acordo com
o número de filhos que a mulher teve.
Em resumo, o corpo uterino multíparo cresce em altura,
largura e espessura, adquirindo a forma globosa, em vez de triangular, nas multíparas. Naturalmente, podem ocorrer alterações no
diagnóstico em virtude de modificações de ordem patológica.
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
9. A função da perícia
A perícia gira em torno de diversos problemas e tem
por finalidade solucionar questões como (FRANÇA, 2004, p.
168-173):
• existência de parto: com a descrição da presença ou
ausência de sinais, o perito poderá concluir um diagnóstico seguro da existência ou não do parto;
• recenticidade do parto: nem sempre o perito poderá
precisar o tempo do parto por meio da evidência de
sinais. As lesões genitais e o estudo das secreções e
do fundo uterino poderão dar precisão, permitindo-se
determinar, portanto, se o parto é antigo ou recente;
• antiguidade do parto: esta perícia é complexa, não
existindo um único elemento por si só capaz de ser
concludente para tal finalidade;
• número de partos: não existe meio seguro para se
comprovar o número exato de partos.
Diferenciar uma mulher que pariu uma única vez é tarefa
considerada um pouco mais fácil. Porém, identificar a que
pariu outras vezes é, para o perito, uma diligência difícil.
10. Perícia na criança
O infanticídio é um crime de difícil caracterização, dando
aos peritos um trabalho árduo para identificá-lo, e sendo por
isso chamado de crucis peritorun, ou seja, “a cruz dos peritos”.
Algumas obras citam os elementos constituintes de tal
crime a fim de poder caracterizar a perícia (FRANÇA, 2004,
p. 168-173). Eles são discutidos a seguir.
10.1. Diagnóstico do tempo de vida
Natimorto: é o feto morto, seja por causas naturais ou
violentas, durante o período perinatal, a partir da 22ª semana de gestação.
Feto nascente: é aquele que tem características do infante
nascido, porém que não respirou. Esse tipo de infanticídio é
caracterizado por feridas produzidas in vitam.
Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 7, n. 7, 2010
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
Infante nascido: trata-se daquele que nasceu, respirou,
mas não recebeu cuidados primários e a higienização necessária logo após o parto. São proporcionais suas partes, peso
e estatura, desenvolvimento dos órgãos genitais, núcleos de
ossificação e outras características que merecem detalhes:
estado sanguinolento (corpo coberto de sangue de origem fetal
ou materno), induto sebáceo que recobre grande parte do corpo
do infante, tumor do parto (saliência em virtude de pressão
exercida pelo anel do colo uterino), cordão umbilical, presença
de mecônio (substância presente no intestino, podendo haver
evacuação desta no sofrimento fetal), respiração autônoma.
Recém-nascido: conceito médico-legal. Caracteriza-se por
vestígios que comprovam a vida intrauterina. Em um período de tempo desde os primeiros cuidados após o parto até
próximo ao sétimo dia de nascimento, pode o recém-nascido
apresentar as mesmas características do infante-nascido,
com exceção do estado sanguinolento e o não tratamento do
cordão umbilical.
10.2. Diagnóstico do nascimento com vida (vida
extrauterina)
Caracteriza-se pela respiração autônoma. Os métodos
diagnósticos a seguir, realizados no recém-nascido, comprovam a existência de respiração ou seus efeitos por meio das
docimasias (pulmonares ou extrapulmonares). A seguir são
citados alguns exemplos e provas ocasionais.
a) Docimasias pulmonares
Docimasia hidrostática pulmonar de Galeno: é um método seguro, antigo e o mais utilizado pela perícia. Baseia-se
na densidade do pulmão, que flutuará caso o recém-nascido
tenha respirado; caso contrário, terá aquele densidade maior
que a água, e, por conta disso, ficará pesado e não irá flutuará. A prova é composta de quatro fases, devendo ser feita até
24 horas após a morte do infante. Sendo o resultado negativo,
passa-se a outra fase para se descobrir se houve total, pouca
ou ausência de respiração por parte do infante.
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
Docimasia diafragmática de Ploquet: nesse sistema é
analisada a cavidade tóraco-abdominal, e observa-se se houve
horizontalidade do diafragma, que indica respiração ou convexidade daquele, ou seja, ausência de respiração.
Docimasia óptica ou visual de Bouchut: método baseado
na visualização do pulmão. A presença neste de um desenho
de mosaico alveolar indica que houve respiração por parte do
infante; caso contrário, o pulmão apresentando-se compacto,
liso e uniforme, não houve a respiração.
b) Docimasias extrapulmonares
Docimasia gastrintestinal de Breslau: prova baseada na
retirada do aparelho gastrintestinal, colocando as vísceras
em um recipiente com água e verificando se sobrenadam ou
afundam. Logo após, cortam-se porções do tubo digestivo. Se
estas partes flutuarem, a prova será positiva.
Docimasia auricular de Vreden, Wendt e Gelé: experiência
que se realiza por meio da chegada da cabeça fetal do infante
à perícia. Esta é colocada dentro da água, puncionando o
tímpano. Se tiver ocorrido respiração, uma bolha de ar sairá
e se romperá na superfície do líquido.
Docimasia hematopneumo-hepática de Severi: baseia-se em
encontrar as taxas de oxiemoglobina no sangue do pulmão e
fígado. Se forem idênticas, não terá havido respiração, mas se a
do sangue do pulmão for mais alta é porque houve respiração.
Docimasia siálica de Souza-Dinitz: ensaio que consiste
em comprovar a existência de saliva no estômago, o que indica que houve respiração.
Docimasia pneumo-hepática de Puccinotti: fundamentase na descoberta da quantidade de sangue do fígado e pulmão, pois se tiver havido respiração, o segundo terá peso
menor que o primeiro.
c) Provas ocasionais
Em alguns casos são importantes para a confirmação da
existência da vida extrauterina. As mais habituais são:
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• presença de corpos estranhos nas vias respiratórias: reconhecimento de que houve inspiração por
se encontrar corpos estranhos (areia, lama etc.) nos
pulmões, traqueia, brônquios, geralmente em infanticídios por sufocação ou soterramento.
• presença de substâncias alimentares no tubo digestivo: indicação de que ocorreu alimentação e, portanto,
vida extrauterina.
• lesões: reações vitais encontradas em lesões associadas às provas que identificaram a respiração são
importantes para a conclusão de vida extrauterina.
• indícios de recém-nascido: provam a existência de
vida independente (FRANÇA, 2004, p. 168-173).
10.3. Diagnóstico do mecanismo de morte (causa jurídica de morte do infante)
A morte natural descarta o crime de infanticídio, mas
esta tem duas modalidades: acidental e criminosa.
Causas acidentais: podem decorrer antes, após ou durante o parto. Antes desse, as lesões serão verificadas pela
perícia de acordo com a evolução verificada na sobrevivência.
As mortes podem ocorrer por traumatismo na parede do abdômen. Durante o parto, as causas de morte mais verificadas
são: asfixia por descolamento prematuro da placenta, enrolamento do cordão umbilical no pescoço, líquidos que vão para
as vias respiratórias, o aperto da cabeça em pelves maternas
estreitas. Após o parto podem ocorrer: hemorragia no cordão
umbilical, traumatismos em partos-surpresa, quedas e outras
formas de acidente.
Causas criminosas: são provocadas por modalidades de
energia mecânica: contusão, compressão, objetos perfurantes, cortantes, contundentes e mistos; físicas: combustão e
queimaduras; físico-químicas: esganadura, estrangulamento,
afogamento, sufocação, confinamento e soterramento (FRANÇA, 2004, p. 172).
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
10.4. Diagnóstico do chamado estado puerperal: (estado
psíquico da parturiente)
De acordo com a legislação vigente, a mulher, ao cometer o infanticídio, deve se encontrar em conflito psicológico
decorrente do estado puerperal, capaz de se guiar por gestos
que não seguiria em situação não tão delicada.
As patologias mentais não decorrem do parto em si, mas
de ocasiões anteriores que foram se agravando em decorrência
da gravidez e do parto, de problemas de saúde, como causas
infecciosas, ou emocionais, como angústias e tristezas.
Em princípio, está estabelecido que o parto em si mesmo não leva a mulher a transtornos psíquicos graves, mas a
pequenas alterações emotivas, provocadas pelas dores e pela
emoção que normalmente se apoderam da parturiente, como
a maternity blues ou depressão do parto (Ibid.).
Para a aplicação do crime de infanticídio, e não de homicídio, a lei brasileira, com a ajuda da perícia, leva em consideração o entendimento da infanticida no momento do crime.
Ainda, o exame pericial do estado mental da infanticida
deve apurar se o parto transcorreu de forma dolorosa; se
houve ocultação de cadáver por parte da parturiente; se ela
se lembra ou não do crime, ou se simula, caso já tenha tido
distúrbios psicológicos ou se decorreram do parto; se houve
alguma perturbação mental durante ou logo após o parto que
a tenha levado à prática do ato criminoso (Ibid.).
10.5. Diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou
antigo da autora (comprovação do parto pregresso)
Caracteriza-se pela realização de provas pela perícia para
diagnosticar parto ocorrido anteriormente ou recentemente.
Levam-se em conta: o estado geral, o aspecto dos órgãos
genitais externos, a presença de corrimento vaginal, o exame
dos órgãos genitais internos pelo toque, a involução uterina,
o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, as paredes abdominais com vergões e a pigmentação clássica e os
exames de laboratório para comprovação dos lóquios, induto
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sebáceo, colostro, leite e mecônio (FRANÇA, 2004, p. 173).b
Havendo morte da mãe, o diagnóstico deverá ser feito
com os elementos descritos acima e mais os da necropsia.
11. Políticas públicas e o estado puerperal
O estado puerperal é um conceito de ficção jurídica de difícil caracterização. De forma resumida, trata-se de um estado
de transformação física e psicológica da mulher parturiente.
De acordo com Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da
Costa, temos transtornos de caráter mental e comportamental que podem aparecer nas seis primeiras semanas após o
parto, de acordo com a classificação CID-10 (JESUS apud
COSTA, 2007, p.34 ):
• transtornos mentais e comportamentais leves associados ao puerpério, que vêm a ser a depressão pósparto e a puerperal;
• transtornos mentais e comportamentais graves associados ao puerpério: psicose puerperal;
• outros transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, não classificados em outra parte;
• transtorno mental ou comportamental associado ao
puerpério, não especificado.
Portanto, percebe-se que o tratamento para esse tipo de
disfunção, atualmente, está mais correlacionado aos tipos de
assistência de transtornos psíquicos. Nesse sentido, também
o legislador não está tratando o caso como homicídio privilegiado, mas como crime próprio e de pena menor.
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, temos hoje
uma equipe formada por estudantes de medicina e outra
multidisciplinar de profissionais da área da saúde mental que
oferecem serviços terciários para o tratamento de transtornos
psiquiátricos. Estes grupos tiveram já um caso de infanticídio, cujo diagnóstico da mulher foi esquizofrenia paranóide
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
(SCHERER; SCHERER, 2008, p.1 ).
No Brasil, as políticas públicas de apoio à mulher gestante, com relação à educação perinatal, não abrangem as
questões psíquicas, mas somente as biológicas, associadas
à gravidez.
Há um Projeto de Lei nº 289, de 2008, (nº 76 – DOE de
24/04/08 – p. 34), aprovado, que dispõe sobre o atendimento psicológico às gestantes nos hospitais da rede pública de
saúde, mas ainda não é tão eficaz, por ser recente. O tratamento nos hospitais ainda se restringe ao acompanhamento
biológico da gravidez, e não o psicológico.
Temos, ainda, o projeto de Lei n° 2.747, de 2008, que
trata da coibição do abandono materno e da instituição do
parto anônimo, implantando nos SUS (Sistema Único de
Saúde) programas específicos para garantir a realização do
pré-natal e parto sem a identificação da mãe e a adoção da
criança após oito dias de internação.
Pelo que pudemos perceber, trata-se de uma política, não
para resolver o problema de forma mais digna, obedecendo ao
princípio da dignidade da pessoa humana primado por nossa
Magna Carta e pela proteção de tratados internacionais de direitos humanos, mas para se livrar de um problema social.
Ao invés de o Estado implantar uma política pública voltada a preservar a saúde psicossocial da mulher e oferecer
tratamento para que possa restabelecer sua relação de afeto
com a criança e até mesmo com a instituição familiar, base
da sociedade, cria, nesse caso, uma forma de distanciar tal
relação. A mulher receberá tratamento psicológico apenas
após o feito.
De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, temos:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
violência, crueldade e opressão.
Diante deste problema, a Comissão de Constituição e
Justiça tem discutido a constitucionalidade de tal projeto.
Sabe-se que muitas vezes a gravidez indesejada, por diversos
fatores, como a menoridade, a falta de recursos financeiros,
ser mãe solteira, leva a parturiente a um estado emocional
depressivo e muitas vezes avançado, com um surto psicótico,
que resultará em loucura, rejeição, agressividade para com
o recém-nascido.
Esses transtornos podem resultar em ações cruéis por
parte da parturiente, tanto contra si como contra a criança
que nasceu, além de atos com características criminosas, que
inquietam a sociedade em geral, que cobrará reparos.
Diante desse quadro, as políticas preventivas são de
suma importância, já que se trata de problema de saúde
pública a fim de dar assistência específica a tais casos. O
presente artigo tem por objetivo, justamente, propagar esta
situação que existe na sociedade e alertar para a ausência de
tratamento psicológico à mulher a partir do momento em que
ficou grávida, de modo a se evitar problemas maiores após o
nascimento da criança. O setor da saúde pública hoje carece
de maior sensibilidade.
12. Conclusão
A conclusão desta pesquisa baseia-se na ideia de que o
estado puerperal deve ser considerado patologia, de acordo
com alterações físicas e psíquicas da parturiente. O próprio
Código Penal vigente, para a conceituação do crime de infanticídio, adotou o sistema fisiopsicológico, apesar de alguns
doutrinadores não concordarem com esta posição, pois não
há como comprovar tal distúrbio no campo da medicina e delimitar o tempo de duração do estado emocional da mulher.
O puerpério não se confunde com aquele estado descrito
anteriormente, pois esse ocorre em todas as mulheres que dão
à luz, desde o deslocamento da placenta até que o organismo
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Infanticídio – um crime de difícil caracterização
volte ao estado anterior à gravidez.
O crime em questão é bastante controvertido entre estudiosos, visto que alguns defendem a opinião de que não
haveria necessidade do artigo 123 do Código Penal (infanticídio), pois a pena seria aplicada de acordo com a capacidade
de entendimento do caráter ilícito do fato no momento da
prática do tipo penal (art. 26 e parágrafo único).
Chegamos a um consenso de que não se trata apenas de
uma ficção jurídica e, sim, de um caso delicado que deve ser
tratado com mais consideração, levando-se em conta todo o sofrimento pelo qual a mulher passa durante e após o parto.
Com relação à coautoria, acreditamos na teoria da comunicabilidade para a aplicação da pena ao coautor, visto
que as condições de caráter pessoal da parturiente nesse tipo
penal são elementares do crime; portanto, de acordo com o
art. 30 do CP, eles se comunicam, porém o legislador não
esclareceu quanto à punição do envolvido no crime junto
com a autora.
Em virtude desse estudo, acreditamos que a sociedade
precisa ter sensibilidade para com este assunto, visto que
essa prática não é rara no meio social. Desta forma, portanto, espera-se que o assunto em foco suscite muitos debates
e, ao final, que se obtenham conclusões esclarecedoras a
todos os segmentos, pois a posição tomada pela justiça na
aplicação do art. 123 do CP é uma forma bastante justa de
compreender o fato de forma humanista.
Referências
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo. 2007. Disponível em: <http://www.
eneascorrea.com/news/139/ARTICLE/1232/2007-08-15.html>. Acesso em:
10 dez. 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. 2. ed.
rev. amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos da medicina legal. São Paulo:
Guanabara Koogan, 2004.
JESUS, Damásio Evangelista de. Manual de direito penal. 19. ed. São
Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 7, n. 7, 2010
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Paulo: Saraiva, 1997.
MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal
e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2002.
SCHERER, Edson Artur; SCHERER, Zeyne Alves Pires. Reflexões sobre a
assistência de um caso suspeito de Infanticídio. 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rlae/v15n4/pt_v15n4a27.pdf>. Acesso em: 16
abr. 2010.
256 • Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 7, n. 7, 2010
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