Antibióticos e Multirresistência Maria Teresa Neto Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais Hospital de Dona Estefânia Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE, Faculdade de Ciências Médicas. Universidade Nova de Lisboa Declarações • • Ausência de conflito de interesses Escrita segundo o antigo acordo ortográfico Sumário • • • • • Introdução O ponto de vista das bactérias O ponto de vista dos antibióticos Que bactérias temos e como as tratamos Como enfrentar os inimigos Introdução A par do oxigénio os antibióticos são os medicamentos mais prescritos em UCIN • O uso intensivo dos antibióticos está associado ao surgimento de resistência microbiana sobretudo se são usados antibióticos de largo espectro • O conhecimento do comportamento das bactérias e dos antibióticos e da realidade das UCIN, são essenciais para o uso racional de antibióticos • O ponto de vista das Bactérias Como se tornam resistentes, multirresistentes e que mecanismos usam Como se define resistência bacteriana Bactéria resistente - bactéria que continua a multiplicar-se na presença de antibióticos que deveriam inibir a sua replicação Bactéria multirresistente – bactéria que é resistente a 2 ou mais grupos de antibióticos aos quais devia ser sensível MECANISMOS DE RESISTÊNCIA MICROBIANA •Alteração da permeabilidade da membrana celular externa de lipopolissacáridos das bactérias Gram negativo – por alteração das porinas, as proteínas que estabelecem os canais específicos para o AB entrar no espaço periplasmático e depois no interior de célula. As porinas são as responsáveis pela resistência inata dos Gram negativo à penicilina e vancomicina. Ex: resistência adquirida das Pseudomonas aos carbapenemes. Pode ser também um mecanismos de resistência aos aminoglicosídeos MECANISMOS DE RESISTÊNCIA MICROBIANA •Produção de enzimas – é o mecanismo de resistência mais importante e mais frequente. O AB é degradado pelas βlactamases destruindo o local onde os β-lactâmicos se ligam às PBP. Os enzimas são codificados por cromosomas ou por plasmídeos ou transposões e podem ser produzidas normalmente pela bactéria ou a sua produção ser induzida pela administração de AB. Se for mediada por plasmídeos a sua disseminação é muito fácil. Se for mediada por cromosomas é uma resistência que se mantem latente e apenas é activada quando o doente recebe β-lactâmicos altura em que são produzidas grandes quantidades de β-lactamases. Ex deste tipo de resistência é a dos S. aureus à flucloxacilina. Os MSRA são resistentes aos βlactâmicos, a todas as cefalosporinas e aos carbapenemes. A modificação enzimática é o mecanismo mais comum de resistência aos aminoglicosideos MECANISMOS DE RESISTÊNCIA MICROBIANA •Bombeamento activo do antibiótico – é o mecanismo responsável pela resistência intrínseca dos Gram negativo aos β-lactâmicos. Confere-lhes também resistência adquirida a outros antimicrobianos. Juntamente com outros mecanismos de resistência pode contribuir para fenotipos de multirresistência MECANISMOS DE RESISTÊNCIA MICROBIANA • Alteração do alvo bacteriano – é um dos mais importantes mecanismos de resistência. O alvo original do AB é modificado porque a bactéria adquire um gene que codifica um novo produto resistente ao AB. Os S. aureus e os SCN adquiriram um gene cromosómico Mec A e produzem uma PBP resistente aos β-lactâmicos. Pode acontecer também que um plasmídeo ou um transposão transporte um gene que codifica um enzima que inactiva ou altera os alvos dos AB. Também pode ser um mecanismo de resistências aos aminoglicosídeos. As bactérias mais temíveis • Microrganismos produtores de β-lactamases de espectro estendido • Staphylococcus aureus resistente à meticilina • Staphylococcus coagulase negativa resistentes à vancomicina • Enterococcus resistentes à vancomicina. A resistência à vancomicina está relacionada com o uso intensivo de vancomicina e cefalosporinas de 3ª geração. Existe o risco dos VRE passarem esta resistência a outros Gram+ nomeadamente ao S. aureus Bactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) ESBL são enzimas produzidas por determinadas bactérias que lhes conferem resistência a alguns antibióticos Hidrolisam o anel β lactâmico de penicilinas, cefalosporinas, carbapenemes e monobactames Ex de bactérias ESBL: E. coli, Klebsiella pn, Citrobacter, Proteus, Pseudomonas, Salmonella, Serratia, Enterobacter Bactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) As ESBL são produzidas nos cromosomas e plasmídeos A produção mediada por cromosomas pode ser induzida pelas cefalosporinas. O uso de cefalosporinas induz a produção de cefalosporinases, enzimas que conferem resistência Os plasmídeos (bocados de ADN extracromosómico) são facilmente transferidos entre espécies bacterianas. Constituem o modo mais comum de disseminação de resistência Bactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) Bactérias ESBL devem ser consideradas resistentes a todas as penicilinas, cefalosporinas, e aztreonam independentemente dos estudos in vitro. Doentes infectados ou colonizados com ESBL devem ser colocados em isolamento de contacto Quando um doente com bactérias ESBL é transferido entre unidades hospitalares essa condição deve ser destacada na nota de transferência e o pessoal de saúde da unidade receptora deve ser avisado. An antibiotic policy to prevent emergence of resistant bacilli Man P, et al, Lancet 2000. Netherlands UCIN A •Sepsis precoce - penicilina + tobramicina •Sepsis tardia RN colonizados com bactérias resistentes à terapêutica empírica - flucloxacilina + tobramicina 3/218 RN UCIN B •Sepsis precoce - amoxicilina + cefotaxime •Sepsis tardia 41/218 - cefotaxime + flucloxacilina p<0,001 O ponto de vista dos Antibióticos Como penetram e como actuam na bactéria. Sinergismo e Antagonismo Aminoglicosidos • Os aminoglicosidos são bactericidas de largo espectro activos contra a maior parte de bactérias Gram negativo. • Actuam também por inibição da síntese proteica ligando-se aos ribosomas • Têm acção sinérgica com as penicilinas. • Em crianças com meningite os níveis de aminoglicosidos no LCR atingem apenas 30% dos níveis séricos •As bactérias tornam-se resistentes aos aminoglicosidos por mecanismos múltiplos Aminoglicosidos Gentamicina Amicacina Tobramicina O aminoglicosido mais usado em Neonatologia Constitui a melhor escolha para tratar infecções por Serratia Tem a melhor actividade contra Pseudomonas spp Cefalosporinas 1ª geração Cefazolina • Boa actividade contra bactérias Gram positivo. • Não penetram bem no SNC • Cefazolina é a mais usada e exclusivamente na profilaxia da infecção da ferida operatória. •Não deve ser usada como terapêutica Cefalosporinas de 2ª geração Cefuroxime e cefoxitina • Têm uma maior estabilidade à hidrólise pelas β- lactamase por isso são mais activas contra bactérias Gram negativo • O cefuroxime pode ser usado para tratar infecções causadas por bacilos entéricos Gram negativo, H. influenza, Enterobacter cloacae, Klebsiella, E.coli e Citrobacter • A cefoxitina tem também acção contra anaeróbios. É reservada para profilaxia cirúrgica em situações com possível contaminação por anaeróbios. Ex cesariana por amnionite. Cefalosporinas de 3ª geração Cefotaxima, ceftriaxona e ceftazidima •Têm óptima actividade contra bacilos entéricos Gram negativo. • Excelente actividade contra H influenza, Neisseria gonorrhea e Neisseria meningitidis • Não são adequadas para tratar infecções por Gram positivos •Listeria e Enterococcus são resistentes • Penetram bem no SNC Cefalosporinas de 3ª geração Cefotaxima, ceftriaxona e ceftazidima •Ceftazidime - é a única cefalosporina de 3ª geração com acção específica contra Pseudomonas pelo que o seu uso deve ser condicionado • Ceftriaxone - pode causar reacção hemolítica grave; administrada no 1º dia de vida pode causar uma descida imediata e prolongada dos níveis de albumina levando a risco de encefalopatia bilirrubínica Cefalosporinas de 3ª geração Problemas 1- As cefalosporinas de 3ª geração induzem resistência bacteriana em Gram negativo durante a terapêutica (Man P, 2000) •Por selecção de estirpes contendo genes β-lactamase nos cromosomas •Por emergência de bactérias produtoras de βlactamases de espectro estendido codificadas em plasmídeos 2- O uso de cefalosporinas de 3ª geração sobretudo o uso prolongado, está associado ao aumento da incidência de candidíase sistémica (Isaacs D, 2000) Glicopeptidos Vancomicina • Actua inibindo a síntese da parede celular, a sua permeabilidade e a síntese do RNA. • É activa contra bacilos e cocos aeróbios e anaeróbios Gram positivo - Staphylococcus spp, Streptococcus spp, Enterococcus, Clostridium dificile, difteróides, Listeria, Actinomyces. • Tem efeito sinérgico com os aminoglicosidos Carbapenemes • São estruturalmente relacionados com os β lactâmicos mas resistentes às β lactamases • Têm um largo espectro de acção: São activos contra aeróbios e anaeróbios, Streptococcus, Enterococcus, Pneumococcus, S. aureus sensíveis à meticilina e cocos Gram negativo • São também muito activos contra Listeria, Clostridium, Petpococcus e Peptoestretptococcus spp Carbapenemes • As únicas espécies bacterianas consideradas resistentes são as Stenotrophomonas maltophilia a Burkolderia cepacia e o Enterococcus faecium • Penetram bem no SNC • Podem induzir a produção de cefalosporinases por Gram negativo nomeadamente por Enterobacter, Pseudomonas, Citrobacter e Acinetobacter Nota: O imipenem pode causar convulsões em crianças com meningite ou com patologia prévia do SNC. Sorte do Meropenem! A realidade portuguesa O que sabemos de nós Infecção de origem hospitalar em UCIN portuguesas Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI. Acedido em 06/02/2012 RN admitidos nas UCIN participantes RN com infecção hospitalar Densidade de incidência de sépsis 19 612 8,5% 6 Densidade de incidência de sépsis em RN<1500g 9 Densidade de incidência de sépsis em RN<1000g 12 Microrganismos mais frequentemente isolados em doença invasiva RN tratados – 19 612 Bactéria Nº de estirpes SCN 720 (65,5%) 152 (13,8%) 2,1% 0,8% 54 36 0,3% 0,18% 28 / 28 0,15% S. aureus Klebsiella spp Serratia spp Enterobacter, Pseudomonas Em % dos Na tratados bibliografia 2% Infecção Hospitalar em UCIN Portuguesas 2008-2011 Isolamento bacteriano em infecções sistémicas n=1100 estirpes 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 % 65,5 13,8 4,9 4,5 2,9 2,5 2,5 2,5 1,2 0,5 0,3 r r r s s s s p a N p e e e a o u u p e p t t C t c s n g c s c c c S re la c o a n a a a o u a u p i b b b l a t F o oc dom eto ce itro r r S. bsie rra e e u t t ia n e C i e r e n n l S c s e E E K A P ld o rk u B TSA em bactérias do registo nacional Staphylococcus coagulase negativa Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Penicilina (253) Flucloxacilina (422) Vancomicina (714) 97,2% 93,3% 0% Gentamicina (476) 80,9% Rifampicina (50) Trime/Sulfa (104) 0% 25% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI TSA em bactérias do registo nacional S. aureus Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Penicilina (56) 85,7% Flucloxacilina (110) 24,5% (MRSA)* Vancomicina (108) 0% Gentamicina (108) Rifampicina (15) Trimet/Sulfa (29) 9,3% 0% 0% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS, PNCI TSA em bactérias do registo nacional Enterobacter spp Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Cefotaxima (12) 33,3% Gentamicina (28) 17,9% Imipenem/Meropenem (11) 0% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI TSA em bactérias do registo nacional Pseudomonas aeruginosa Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Cefotaxima (7) Ceftazidima (18) Amicacina (16) Gentamicina (30) Piperacilina (19) 85,7% 22,2% 12,5% 13,3% 10,5% Imipenem/Meropenem (19) 15,8% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI TSA em bactérias do registo nacional Serratia spp Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Cefotaxima (27) Amicacina (15) Gentamicina (35) Imipenem/Meropenem (6) 7,4% 0% 0% 16,7% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI TSA em bactérias do registo nacional Klebsiella spp Antibiótico (nº estirpes testadas) Taxa de resistência Cefotaxima (32) Ceftazidima (18) Cefuroxime (26) Gentamicina (59) Carmapenemes (25) 50% 55,6% 30,8% 39% 0% Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI Antibióticos prescritos para tratar infecções sistémicas de origem hospitalar em UCIN Portuguesas Em % do total de prescrições 40 35 30 25 20 15 10 5 r ot e An f lo x Fl uc ac Pi pe r on ta z Ce f Fl uc M et ro nd Ca rb ap en nt a Ge ica Am ot ax Ce f Va n co 0 Fonte: Registo Nacional das IACS em UCIN. DGS PNCI Como combater os inimigos O que prescrever em que casos Infecção de origem materna Ampicilina + Gentamicina continua a ser um esquema adequado no tratamento empírico de uma infecção de origem materna Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006; Marie Ambroise, 2009; David Isaacs, 2000 Staphylococcus coagulase negativo • Na nossa realidade mais de 90% são resistentes à Flucloxacilina e mais de 80% à gentamicina • RN com CVC e sepsis de inicio insidioso a vancomicina pode ser o antibiótico de primeira escolha como terapêurica empírica Isaacs D, 2000 S. aureus • Flucloxacilina é o antibiótico de primeira escolha na terapêutica empírica de infecção por S. aureus • A- ausência de resposta clínica pode ser devida a abcesso, osteomielite ou endocardite. Potenciar a acção juntando gentamicina ou rifampicina. • Se MRSA mudar para vancomicina Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006 Bactérias ESBL • Devem ser tratadas com Carbapenemes – Meropenem. Estes antibióticos devem ser reservados para- tratar estas infecções • Antibióticos contendo inibidores das β lactamase: ácido clavulânico, sulbactam, tazobactam – • Amoxicilina+ac.clavulânico, ampicilina+sulbactam, piperacilina+tazobactam • Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006 Bacilos entéricos Gram negativo - Cefuroxime + gentamicin - Cefotaxime + gentamicin - Piperacillin+tazobactam +amikacine Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006 Pseudomonas • Ceftazidima+amicacina • Piperacilina+ tazobactam Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006 Condições para disseminação de bactérias numa unidade de saúde Medidas de controlo de infecção deficientes Higiene deficiente das mãos Condições para evitar infecções com organismos multirresistentes • Arte de bem prescrever antibióticos • Medidas estritas de controlo de infecção • Cumprimento da política de lavagem das mãos Arte de bem prescrever Fundamentos • Conhecer as bactérias mais frequentemente isoladas na UCIN • Conhecer o TSA dessas bactérias • Usar o antibiótico de menor espectro activo contra essas bactérias •Saber onde e como actuam os antibióticos e como evitar que as bactérias se tornem resistentes Arte de bem prescrever Razões erradas para prescrever antibióticos • Porque • Porque • Porque • Porque o RN tem cateter umbilical ou outro CVC tem um dreno está ventilado tem uma bactéria no aspirado traqueal Isaacs D, 2000 Antibióticos de uso reservado • Cefotaxima - prescrever com grande parcimónia • Ceftazidima – antibiótico de eleição para tratar infecções causadas por Pseudomonas • Amicacina – antibiótico de eleição para tratar infecções causadas - - por Serratia e Pseudomonas • Meropenem - reservado para tratar infecções causadas por microrganismos multirresistentes • Linezolid – não tem indicação para ser usado em UCIN portuguesas. Reservado para tratar bactérias Gram positivo resistentes à vancomicina. Risco de emergência e disseminação de resistência Xavier Sáez-Llorens, George McCraken, 2006 Objectivo final • Conseguir que os antibióticos que temos disponíveis e que ainda tratam as bactérias que - isolamos continuem a ser activos contra elas Whether improvements in infection-control standarts is of greater benefit than manipulation of antibiotic policies is not known. Probably both will be necessary to stem the spread of resistant pathogens worldwide. John P Quinn, Keith A Rodvold, 2000 CDC 12 STEPS TO PREVENT ANTIMICROBIAL RESISTANCE IN HOSPITALIZED CHILDREN PREVENT INFECTION 1. Vaccinate 2. Get devices out DIAGNOSE & TREAT 3. Use appropriate diagnostic methods 4. Target the pathogen 5. Access the experts USE ANTIMICROBIALS WISELY 6. Practice antimicrobial control 7. Use local data 8. Treat infection, not contamination/colonization 9. Know when to say “no” to vanco, broad spectrum drugs 10. Stop treatment PREVENT TRANSMISSION 11. Practice infection control 12. Practice hand hygiene A mãe Klebsiella a falar para a filha Olha uma cefalosporina de 3ª geração UAUHHHHHH!| Oh Mãe! Vamos já começar a produção de cefalosporinases!!! chega a Pseudomonas que vivia no quarto ao lado …….entretanto Oh! Eu produzo ESBL! A mim não há antibiótico que chegue! … e quando apanha com meropenem pela frente grita…. Oh! Já te conheço muito bem. O que nos divertimos da última vez!