Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 INFLUÊNCIA DAS VARIÁVEIS CLIMÁTICAS NA INCIDÊNCIA DE INFECÇÃO RESPIRATÓRIA AGUDA EM CRIANÇAS NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE, PARAÍBA, BRASIL Jullianna Vitorio Vieira de Azevedo1 Telma Lucia Bezerra Alves2 Pedro Vieira de Azevedo3 Carlos Antonio Costa dos Santos4 Resumo O presente estudo avaliou os efeitos das variáveis climáticas (precipitação pluvial, temperatura e umidade relativa do ar) na incidência de infecções respiratórias agudas (IRA) em crianças menores de dois anos no município de Campina Grande-PB, no período de 1998 a 2012. A correlação linear de Pearson foi utilizada na avaliação do grau de associação entre as variáveis climáticas e o número de casos de IRA. Os resultados evidenciaram que: 1) Para o município de Campina Grande evidenciou-se uma tendência crescente no período anterior e de redução após 2004 nos casos de ocorrência de IRA; 2) As variáveis climáticas evidenciaram estação chuvosa correspondente aos meses de junho e julho; 3) O número médio mensal de registros de IRA mostrou-se fracamente correlacionado com a temperatura do ar e uma forte correlação com a umidade relativa do ar para o município de Campina Grande. Palavras-chave: Doenças respiratórias. Precipitação. Temperatura e umidade relativa do ar. 1 Introdução Em 2002, as infecções respiratórias agudas (IRA) foram responsáveis por 3,96 milhões de mortes de crianças, sendo que até 95% se devem à doença do trato respiratório inferior (DTRI). Dois terços dessas mortes ocorrem em menores de um ano de idade, particularmente (90%) em países em desenvolvimento (OMS, 2002). Atualmente, as IRAs continuam a ser a principal causa de morbidade e mortalidade em crianças menores de cinco anos em todo o mundo, respondendo por cerca de dois milhões de mortes por ano. As populações com maior risco de desenvolver uma doença respiratória fatal são os jovens, os idosos e os imunodeprimidos. Embora as infecções das vias respiratórias superiores (IVRS) sejam muito frequentes, mas raramente com risco de vida, as infecções das vias respiratórias inferiores (IVRI) são responsáveis por doenças mais graves, tais como: gripe, pneumonia, tuberculose e bronquiolite, que são os principais contribuintes para a mortalidade por IRA. A incidência de IRA nas crianças com menos de 5 anos é estimada em 0,29 e 0,05 episódios por criança/ano nos países em desenvolvimento e industrializados, que traduz-se em 151 milhões e 5 milhões de novos episódios a cada ano, respectivamente (RUDAN et al., 2008). A maior incidência ocorre nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos: Índia (43 milhões), China (21 milhões), 1 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos, Universidade Federal de Campina Grande; Rua Aprígio Veloso, 881, Bodocongó, Campina Grande – PB, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos, Universidade Federal de Campina Grande; Rua Vigário Calixto, 1450, Catolé, Campina Grande – PB, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Professor da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de Campina Grande; Rua Aprígio Veloso, 881, Bodocongó, Campina Grande – PB, Brasil. E-mail: [email protected] 4 Professor da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de Campina Grande; Rua Aprígio Veloso, 881, Bodocongó, Campina Grande – PB, Brasil. E-mail: [email protected]; 41 Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 Paquistão (10 milhões), Bangladesh, Indonésia e Nigéria (56 milhões cada). A pneumonia é responsável por 21% de todas as mortes em crianças menores de cinco anos, levando-se a estimar que de cada mil crianças nascidas vivas, doze a vinte morrem por pneumonia antes do seu quinto aniversário. Os principais agentes etiológicos responsáveis por IRA em crianças incluem: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo b (Hib), Staphylococcus aureus e outras espécies bacterianas, vírus sincicial respiratório (VSR), vírus do sarampo, vírus da parainfluenza humana de tipo 1, 2 e 3 ( PIV -1, PIV -2 e PIV -3), vírus influenza e vírus da varicela. Estima-se que 90% das IRAs são relacionadas com agentes virais (OMS, 2002; 2004; BENGUIGUI, 2002). Os estudos de séries temporais epidemiológicas têm sido tradicionalmente utilizados para o estabelecimento de associação entre efeitos de curto-prazo na saúde e a exposição aos poluentes atmosféricos e as condições climáticas (BOTELHO et al., 2003; COELHO et al., 2010; JASINSKI et al., 2011; NARDOCCI et al., 2013; GOMEZ-ACEBO et al., 2013). Assim, o presente estudo objetivou a avaliação de séries temporais de casos de IRA em crianças menores de dois anos de idade e sua relação com as variáveis climáticas (precipitação pluvial, temperatura e umidade relativa do ar) no município de Campina Grande, estado da Paraíba. 2 Material e Métodos Área de estudo O município de Campina Grande está inserido na unidade geoambiental do Planalto da Borborema, na vertente a barlavento, está incluído na área geográfica de abrangência do semiárido brasileiro. Apesar disso, por estar acima de quinhentos metros de altitude, possui um clima com temperaturas mais moderadas, considerado Tropical com estação seca (As, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger). A estação chuvosa se inicia em maio com término em setembro, podendo se estender até outubro. Algumas características do município são observadas na Tabela 1. Tabela 1. Coordenadas geográficas e valores médios da precipitação pluviométrica anual (Pm), e os valores médios de temperatura (Tm) e umidade relativa (URm) mensais para o município de Campina Grande-PB. Município Latitude Longitude Campina Grande 7° 22’ S 35° 88’ O Altitude (m) 547 URm (%) 77,7 Pm (mm) 861,4 Tm (°C) 23,5 Fonte: INMET (2014). Dados clínicos e climáticos Foram coletados dados no sistema de informação de atenção básica (SIAB), referentes à IRA em crianças menores de dois anos de idade, para o município de Campina Grande-PB, fornecidos pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), através do sítio do Ministério da Saúde. Foram utilizados dados referentes ao período de 1998 a 2012, correspondentes a informações oriundas das unidades básicas de saúde (UBS) do referido município. Os dados climáticos: precipitação pluvial, temperatura média e umidade relativa do ar, para o período de 1998 a 2012, foram obtidos no sítio do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), oriundos de estações climatológicas automáticas e convencionais, registradas junto a Organização Meteorológica Mundial (OMM) sob o número: 82795 (Campina Grande). 42 Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 Tratamento estatístico A análise estatística teve início com a parte descritiva, onde as variáveis quantitativas foram descritas por meio das medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão). A correlação linear de Pearson foi utilizada a fim de identificar o grau de associação entre as variáveis climáticas (precipitação pluviométrica, temperatura e umidade do ar) e o número de casos mensais e anuais, de IRA (1998-2012) no município de Campina Grande-PB. O coeficiente de correlação (r) foi obtido a partir da equação: r= å (x - x )( y - y ) å ( x - x ) å( y - y ) 2 (1) 2 Onde: r varia entre -1 e +1; x e y são as variáveis independente e dependente e suas médias, respectivamente. Para avaliar o grau de associação entre as variáveis dependente (y) e independente (x), utilizouse o coeficiente de determinação (r²), conforme estabelecido na Tabela 2. Tabela 2. Classificação do grau de correlação em função do coeficiente de determinação. Coeficiente de determinação (r²) 0 0,01 a 0,19 0,20 a 0,39 0,40 a 0,59 0,60 a 0,79 0,80 a 0,99 1 Grau de correlação Sem correlação Sem valor Fraca Moderada Forte Muito Forte Perfeita Fonte: Adaptado de Borges (2003). 3 Resultados e Discussão Foram registradas na cidade de Campina Grande-PB, 130.073 casos de infecções respiratórias agudas para o período de 1998 a 2012, com média anual de 8.671 casos. O ano de 2004 foi responsável pelo maior registro com 12.865 casos e, o ano de 1998 pelo menor registro com 4.734 casos. A maior média mensal foi registrada no mês de julho com 871 casos, seguida pela média do mês de maio com 844. O mês de junho apresentou o maior registro de todos os anos, 1.344, com desvio padrão de 329 casos. A menor média mensal verificada ocorreu nos meses de: dezembro e janeiro (Tabela 3). Isto se explica pelo fato destes meses apresentarem temperaturas mais elevadas e umidade relativa do ar mais baixa, características da estação do ano correspondente, ou seja, verão. 43 Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 Tabela 3. Número e estatísticas de crianças menores de dois anos com IRA no período de 1998 a 2012 para o município de Campina Grande-PB. Meses Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Média 598 617 683 762,1 844 824 871 780 711 705 684 588 Min. 156 308 251 313 239 215 396 396 224 381 133 266 Tendência Max. 1.031 996 1.177 1.231 1.256 1.377 1.344 1.161 1.141 1.186 1.097 869 DP 221 183 227 278 355 329 292 234,5 254 237 272 208 Total 8.979 9.263 10.251 11.431 12.660 12.362 13.069 11.702 10.671 10.586 10.269 8.830 Fonte: DATASUS (2013). Constatou-se uma tendência crescente nos casos de IRA em crianças menores de dois anos no município de Campina Grande, para o período de 1998 a 2004. O oposto ocorreu no período entre 2005 a 2012 (Figura 1). Fatos como esses podem estar relacionados às melhorias nas condições de vida da população nesse período, bem como às campanhas preventivas e informativas, diagnósticos mais eficazes e tratamentos mais adequados. Figura 1. Tendência da ocorrência dos casos de IRA em crianças menores de dois anos no período de 1998 a 2012, no município de Campina Grande-PB. Com relação às variáveis climáticas, observa-se que a estação chuvosa compreende os meses de maio, junho e julho em Campina Grande. Já com relação á umidade relativa do ar, Campina Grande apresenta valores mais elevados nesse período, o que explica 62% dos casos de IRA. Observa-se que as variáveis temperatura e umidade relativa do ar apresentam comportamentos que acompanham as 44 Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 1000 1000 900 900 900 800 700 600 500 400 300 y = 1,3114x + 628,49 r2 = 0,3959 200 100 0 0 50 100 150 Precipitação Pluvial (mm) 200 800 700 600 500 400 300 y = -54,793x + 2012,8 2 r = 0,5492 200 100 0 21 22 23 24 Temperatura do ar 25 26 IRA Crianças < 2 anos 1000 IRA Crianças < 2 anos IRA Crianças < 2 anos estações do ano, com temperaturas mais elevadas na primavera/verão e umidade relativa do ar mais baixa no outono/inverno. A análise de correlação entre os casos de IRA e as variáveis meteorológicas (precipitação, temperatura e umidade do ar) foi importante para avaliar as correlações inversas e diretas, sendo possível associar os efeitos das condicionantes climáticas na saúde humana. Devido à aleatoriedade dos valores mensais acumulados da precipitação pluvial em Campina Grande (Figura 2A), identificouse uma fraca correlação (r² = 0,395) com os valores médios mensais de registros de IRA. O número médio mensal dos casos em análise mostrou-se razoavelmente inversamente correlacionado com a 2 temperatura do ar (Figura 2B, com r = 0,549), ou seja, aumenta com a redução da temperatura do ar. Esse tipo de relacionamento se prende ao fato de que a redução da temperatura, associada a um aumento da umidade relativa do ar, leva a uma maior incidência de doenças respiratórias. Semelhantemente, o número de registros de IRA mostrou-se positivamente correlacionado com a umidade relativa do ar (Figura 2C, com r2 = 0,623), de tal forma que o número de ocorrências aumenta significativamente com o aumento da umidade relativa do ar, acima de 70%. Para avaliar se as correlações foram estatisticamente significativas foi utilizado o teste t de Student. 800 700 600 500 400 300 y = 17,203x - 613,52 2 r = 0,6239 200 100 0 70 75 80 Umidade Relativa do ar (%) 85 Figura 2. Correlação entre o número de casos/registros de IRA em crianças menores de dois anos e a precipitação pluvial (A), temperatura média mensal (B) e umidade relativa do ar (C) em Campina Grande-PB, no período de 1998 a 2012. Em síntese, as correlações entre os casos de IRA e as variáveis meteorológicas são apresentadas na Tabela 4. Observam-se correlações fraca, moderada e forte, respectivamente, com as variáveis: precipitação pluvial, temperatura e umidade do ar para o município de Campina Grande. Tabela 4: Correlação dos fatores meteorológicos com a ocorrência de IRA em crianças menores de dois anos no município de Campina Grande – PB. Município Campina Grande-PB Precipitação Pluvial (mm) 0,395 Temperatura do ar (°C) 0,549 Umidade relativa do ar (%) 0,623 4 Conclusões Para Campina Grande (PB) evidencia-se uma tendência crescente no período anterior e decrescente após 2004 nos casos de ocorrência de IRA em crianças menores de dois anos, relacionada, provavelmente, às melhorias nas condições de vida da população nesse período, bem como às campanhas preventivas e informativas, diagnósticos mais eficazes e tratamentos mais adequados. 45 Revista Agrogeoambiental, Edição Especial nº 2, 2014 As variáveis climáticas evidenciaram uma estação chuvosa estendendo-se de maio a julho, sendo a precipitação pluvial a variável menos uniforme e praticamente não correlacionada com os casos de ocorrência de infecções respiratórias agudas em crianças menores de dois anos. A temperatura do ar média mensal apresentou baixa variabilidade, sendo mais elevada no período de verão (dezembro a março) e inferior no período de inverno (junho a agosto), com mínima no mês de julho e a umidade relativa do ar foi sempre inferior no período da primavera e início do verão (setembro a dezembro) e superior no período de inverno (junho a agosto). O número médio mensal de registros de infecções respiratórias agudas em crianças menores de dois anos mostrou-se fracamente correlacionado com a temperatura do ar para os dois municípios e uma forte correlação com a umidade relativa do ar para o município de Campina Grande. Referências Bibliográficas BENGUIGUI, Y. As infecções respiratórias agudas na infância como problema de saúde pública. Boletim de Pneumologia Sanitária, v. 10, n. 1, pp. 13-22, 2002. BORGES, B. L. M. Simplificando a estatística. Campina Grande: EDUEPB, 2003. BOTELHO, C.; CORREIA, A. L.; SILVA, A. M. C.; MACEDO, A. G.; SILVA, C. O. S. 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