BOLETIM DO CONSÓRCIO ISPOR PARA A AMÉRICA LATINA Serie de Política de ATS Una Perspectiva sobre as Atividades de Avaliação de Tecnologia em Saúde no Brasil VOL 3 N 4, DEZEMBRO 2015 Autores: No Brasil, processos visíveis de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) têm estado em vigência desde 2000 (1). Isto foi realizado pela Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde (MS) brasileiro e acompanhado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) sob os auspícios da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE). Uma década mais tarde, a Lei 12.401, de dezembro de 2011, estabeleceu uma estrutura institucional para a ATS e Diretrizes Clínicas Nacionais, por meio da criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Como parte da SCTIE, a CONITEC sucedeu a antiga Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC) estabelecida em 2006 e vem apoiando um processo de tomada de decisão mais racional em ambos os níveis, clínico e político (1), sempre em linha com as prioridades identificadas pelo Ministério da Saúde. Martine Bellanger, PhD, Professora de Economia da Saúde na ‘Universidade Pierre e Marie Curie’ (Université Pierre et Marie Curie – UPMC) e na ‘Escola de Altos Estudos em Saúde Pública’ (Ecole des Hautes Études en Santé Publique EHESP) da Sorbonne Paris Cité, Paris, França Paulo Picon, MD, PhD, Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, Brasil Atual Estrutura de ATS no Brasil A CONITEC consiste de uma Secretaria Executiva e 13 integrantes. Destes últimos, 7 integrantes provêm de diferentes secretarias do Ministério da Saúde e representam a mesma composição da antiga CITEC. Entretanto, há agora seis outros integrantes compondo a CONITEC: o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS); o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS); o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Conselho Federal de Medicina (CFM). Louisa T. Stuwe, MPA, MPH, Candidata a PhD ‘Universidade Pierre e Marie Curie’ (UPMC) e ‘Escola de Altos Estudos em Saúde Pública’(EHESP), Sorbonne Paris Cité, e Gestora de Programas, Ministério da Saúde Francês, Paris, França Esta composição reflete a complexa e multifacetada estrutura de governança do sistema público nacional de saúde no Brasil, que dá acesso universal a cuidados de saúde gratuitos a todos os cidadãos brasileiros, seja no nível primário, secundário ou terciário. Os processos de tomada de decisão, no Brasil, envolvem o controle social das políticas públicas por parte do CNS, 27 Conselhos Estaduais, mais de 5.000 Conselhos Municipais, além do Comitê Tripartite no nível federal e de comitês bipartite presentes um em cada estado da federação. A missão da CONITEC é fazer recomendações sobre a incorporação, alteração ou exclusão de tecnologias em saúde da ‘Relação Nacional de Medicamentos Essenciais’ (RENAME) e da ‘Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde’ (RENASES), bem como atualizar as diversas ‘Diretrizes de Prática Clínica’ e documentos de ‘Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas’ (PCDTs). Estas recomendações são feitas em linha com as necessidades sociais, de saúde e administrativas do SUS, usando-se sempre uma abordagem baseada em evidência. (2) Com a introdução da CONITEC, todas as solicitações para cobertura de tecnologias precisam apresentar evidência científica em relação às respectivas eficácia e segurança, na forma de revisões sistemáticas ou aconselhamento técnicocientífico, bem como avaliação em termos de economia da saúde e estudos de impacto no orçamento. (2) Em média, a CONITEC se reúne em sessões de dois dias, uma vez ao mês. A lista completa de recomendações é regularmente atualizada no website da CONITEC. *PhD = Philosophiæ Doctor ou Doutor em Filosofia **MD = Medicinæ Doctor ou Doutor em Medicina ***MPA = Master of Public Administration ou Mestrado em Administração Pública ****MPH = Master of Public Health ou Mestre em Saúde Pública * Os autores gostariam de agradecer a Carisi Anne Polanczyk, MD, ScD* e Ricardo de Souza Kuchenbecker, MD, ScD, do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS/CNPq), Hospital de Clinicas de Porto Alegre e da Pósgraduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil pelos seus valiosos comentários sobre uma versão anterior deste artigo. A Serie de POLÍTICA DE ATS Argentina | Chile | Equador | México | Paraguai | Perú | Trinidade e Tobago | Uruguai Gostaria de escrever um artigo de política de ATS dedicado a um país ainda não apresentado na serie? Escreva a [email protected] Em paralelo, o DECIT continua envolvido em pesquisa de saúde, estudos de ATS, treinamento, disseminação e no gerenciamento da ‘Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde’ (REBRATS). A criação e influência do ‘Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde’ (IATS), um instituto nacional de ciência e tecnologia, apoiado pelo ‘Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico’ (CNPq), composto por várias instituições e grupos de pesquisa nacionais, tem sido benéficas a várias unidades de cuidados à saúde e diversos tomadores de decisão. O IATS apoia o desenvolvimento de estratégias de cuidados à saúde, ao avaliar as consequências econômicas, éticas e de saúde pública, da incorporação de novas tecnologias por provedores públicos e privados de cuidados à saúde no Brasil. Por último, mas não menos importante, o Capítulo Brasileiro da ‘Sociedade Internacional para Farmacoeconomia e Pesquisa de Resultados’ (International Society For Pharmacoeconomics and Outcomes Research – ISPOR) atua como mais um recurso educacional no *ScD = Scientiæ Doctor ou Doutor em Ciências 1 Brasil, ao traduzir conceitos de ‘Economia da Saúde e Pesquisa de Resultados’ (Health Economics and Outcomes Research – HEOR) ao português brasileiro e encorajar a adoção da lista de checagem dos ‘Padrões Consolidados para o Relato de Avaliações em Economia da Saúde’ (Consolidated Health Economic Evaluation Reporting Standards - CHEERS Checklist) (3) em diretrizes farmacoeconômicas recentemente publicadas pelo Ministério da Saúde (4). Avaliação de Dois Anos de Atividade da CONITEC (2012-2013) Nós analisamos as recomendações publicamente disponíveis da CONITEC, sobre a incorporação de fármacos e vacinas para 2012 e 2013. Dispositivos e procedimentos médicos, bem como diagnósticos, foram excluídos desse estudo, já que representaram apenas um quarto dos relatórios da CONITEC nesse mesmo período. Um terço de todas as solicitações consideradas tinha origem num departamento pertencente ao Ministério da Saúde e uma fração de 56% delas provinha de fabricantes farmacêuticos. No que se refere a esta última fração, apenas um quarto recebeu resposta positiva para incorporação do fármaco, ao passo que este foi o caso para a grande maioria das petições vindas do MS, conforme mostrado na Figura 1. Figura 1. Divisão percentual das recomendações da CONITEC por categoria de requerente, entre 2012 e 2013. A maioria dos fármacos e vacinas que obtiveram recomendação positiva foi, posteriormente, incluída na RENAME. Isto pode sugerir um claro alinhamento entre a agenda de trabalho da CONITEC e as prioridades de saúde pública baseadas em evidência; o que reforça ainda mais a maneira pela qual a ATS sustenta uma tomada de decisão racional, dentro do SUS brasileiro. Quase metade dos fármacos e vacinas que obtiveram uma recomendação positiva pertencia à classe dos ‘agentes antineoplásicos e imunomoduladores’, seguindo-se então as classes de ‘fármacos antiinfecciosos para uso sistêmico’ e de ‘fármacos respiratórios’. Isto poderia estar ligado ao fato de que ao longo do mesmo período, o governo brasileiro enfocou fortemente o acesso a tratamentos de oncologia, o que é ilustrado pelo estabelecimento de uma política nacional para prevenção e controle do câncer em 2013, que foi, em maio desse mesmo ano, publicada por meio de um Decreto. Existiam diversas razões para se rejeitar a incorporação de um fármaco. Entre elas, ao que parece, estava a falta de novos resultados relacionados à segurança e eficácia desse fármaco, evidência contrária identificada por meio de uma revisão sistemática da literatura e a existência de uma alternativa terapêutica já disponível no SUS e com menor custo de tratamento. A CONITEC também se referiu, e com bastante frequência, a trabalhos de ATS conduzidos por outras agências, tais como o ‘Instituto Nacional para Excelência em Saúde e Clínica’ (National Institute for Health and Clinical Excellence – NICE) no Reino Unido, a ‘Agência Canadense para Fármacos e Tecnologias em Saúde’ (Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health – CADTH) e o australiano ‘Comitê Consultivo para Benefícios Farmacêuticos’ (Pharmaceutical Benefits Advisory Committee – PBAC), como justificativa para rejeição de um fármaco. Perspectivas sobre o Desenvolvimento da ATS no Brasil Kuchenbecker e Polanczyk (2012) enfatizaram que “o SUS vem incorporando novas intervenções e tecnologias num contexto de subinvestimento crônico”, o que tem levado a litígios em termos de direito à saúde, por “medicamentos de alto custo que, algumas vezes, têm benefícios não comprovados e/ou até discutíveis”. Nesse contexto, a “ATS certamente contribuirá para uma tomada de decisão melhor embasada no Brasil, ao aumentar a transparência e tornar mais nítida a responsabilidade(5) nesses processos. Sem dúvida, a introdução da CONITEC representa uma etapa em direção a mais transparência e maior participação societária no processo de ATS. Isto é comprovado não apenas pela consistente disponibilidade online dos relatórios da CONITEC, mas também pela existência e uso efetivo do procedimento de consulta pública, significando que a perspectiva da sociedade civil é considerada nas recomendações da CONITEC. Entretanto, o papel da sociedade civil em outros comitês de avaliação, tais como na Alemanha, Austrália, Suécia, Escócia e Inglaterra, ainda parece ser mais forte. 2 Até o momento, a CONITEC, como o próprio nome indica, ainda é um comitê, seguindo portanto as prioridades indicadas pelo governo e por 7 dos seus 13 integrantes, constituídos por representantes do MS. A CONITEC ainda não é uma agência independente, a exemplo da Autoridade Nacional Francesa para Saúde (Haute Autorité de Santé - HAS). Outra questão importante a ser levada em consideração, é que os rumos da ATS no Brasil não devem ser medidos unicamente em termos federais. Na verdade, importantes iniciativas têm emergido no nível estadual, tais como a ‘Rede Paulista de ATS’, no estado de São Paulo. Finalmente, os processos de ATS no Brasil estão inseridos na complexa estrutura de governança do SUS. Isto levanta a questão de se verificar se as dimensões políticas e econômicas não estariam se sobrepondo às contribuições técnicas e científicas, que foram adquiridas pelos processos de ATS, por meio de redes e iniciativas tais como a REBRATS ou o IATS. O benefício potencial dos processos de ATS seria muito mais importante, se o procedimento para a descentralização do SUS tivesse sido mais efetivo, desde a sua criação 25 anos atrás. Conclusão A implementação da ATS no Brasil tem sido um processo gradual e harmonizado, envolvendo uma ampla variedade de atores que, continuamente, constrói sobre uma base de consenso societário. Uma forte rede foi estabelecida entre o Ministério da Saúde e várias universidades, no sentido de se criar diretrizes nacionais para medicamentos de alto custo, bem como para o desenvolvimento da iniciativa IATS. A experiência brasileira mostra que uma comissão unificada de ATS pode ser criada num estado federativo, a despeito dos vários contextos regionais e do número significativo de entidades administrativas. Com a criação da CONITEC, a relação ou o link entre ATS e política baseada em evidência se tornou mais forte. Uma questão maior que é válida tanto para o Brasil, como para outros países emergentes, é saber se o uso da ATS tem melhorado o acesso dos pacientes a medicamentos de qualidade; o que, em última análise, corresponde à própria meta buscada pela ATS. Uma base de dados nacional abrangente seria de grande valor para estimar-se melhor tal impacto. Participe na discussão | LinkedIn Public Health & Access in Latin America: An ISPOR Discussion Group Referências (1) Picon PD, Beltrame A, Banta D. National guidelines for high-cost drugs in Brazil: achievements and constraints of an innovative national evidence-based public health policy. Int J Technol Assess Health Care. 2013 Apr;29(02):198–206. (2) Laranjeira F de O, Petramale CA. A avaliação econômica em saúde na tomada de decisão: a experiência da CONITEC. BIS Bol Inst Saúde Impresso. 2012;14(2):165–70. (3) Husereau D, Drummond M, Petrou S, Carswell C, Moher D, Greenberg D, et al. Consolidated Health Economic Evaluation Reporting Standards (CHEERS)—Explanation and Elaboration: A Report of the ISPOR Health Economic Evaluation Publication Guidelines Good Reporting Practices Task Force. Value Health. 2013 Mar;16(2):231–50. (4) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas : Diretriz de Avaliação Econômica / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 132 p. : il. (5) Kuchenbecker R, Polanczyk CA. Institutionalizing Health Technology Assessment in Brazil: Challenges Ahead. Value Health Reg Issues. 2012 Dec;1(2):257–61. 3