O Irã é, em sua maioria, xiita. A Arábia Saudita é sunita. No Bahrein, a maioria xiita se rebela contra o rei Hamad, que é sunita. Na Síria, principal aliada do Irã, a Primavera Árabe motivou uma rebelião sunita contra o regime alauíta, da minoria xiita. O Paquistão possui a maior concentração sunita e a segunda maior xiita. O Azerbaijão é predominantemente xiita. O xiismo possui uma minoria politicamente significante no Líbano. O grupo terrorista Al-Qaeda é sunita; ISIS, um grupo ultrarradical – considerado radical pelo próprio Al-Qaeda! –, é sunita. O Houthis, grupo inimigo número um da Al-Qaeda, é xiita. O Hamas, grupo fundamentalista da Palestina, é sunita; já o Hezbollah, grupo fundamentalista islâmico do Líbano, é xiita. Iraque é, atualmente, o palco perfeito do embate entre sunitas e xiitas, desde a retirada das tropas americanas. A maioria xiita deseja vingar as atrocidades do ditador Saddam Hussein, um sunita. Xiitas e Sunitas não são religiões distintas; são os dois principais grupos do Islamismo – fundado por Maomé, no século VII. A origem do conflito remonta aos primórdios da religião islâmica. No ano de 632, logo após a morte de Maomé, ocorreu uma disputa pelo título de califa (palavra árabe que combina as ideias de sucessor e representante), que é o líder máximo da religião muçulmana. A maioria (posteriormente denominada sunita, palavra derivada de sunna, que se refere aos preceitos baseados nos ensinamentos de Maomé) defendia que qualquer fiel poderia suceder o profeta, desde que houvesse consenso na comunidade islâmica. A minoria (posteriormente denominada xiita, que significa “partido de Ali”) defendia que o sucessor deveria ser Ali ibn Abi Talib, primo e genro de Maomé, casado com sua filha, Fátima. Em outras palavras, defendiam um ideal de hierarquia, uma linha sucessória. É importante ressaltar que, no Islamismo Clássico, não havia o conceito de hierarquia; algo do gênero só chegou a ser desenvolvido em tempos mais recentes, sem dúvida sob a influência do Cristianismo – influência esta que será analisada em outro post. Em meio à emergência de escolher um novo líder, o círculo íntimo dos seguidores do Profeta elegeu Abu Bakr, velho companheiro de Maomé, o primeiro a acreditar nele como profeta e um dos únicos que o acompanharam na Hégira (migração de Meca para Medina). A breve passagem de Abu Bakr (apenas dois anos) como califa foi determinante, pois consolidou a religião na Arábia, depois de um período de instabilidade. Pouco antes de morrer, Abu Bakr apontou Omar ibn Al-Khattab como seu sucessor. Umar foi o mais poderoso dos califas bem guiados (aqueles conhecidos por governarem durante o breve império árabe, fundado após a morte de Maomé, conhecido como Califado Rashidun; durou apenas 29 anos). As tropas de Umar expandiram o domínio do Islã pela península arábica, Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e parte do Cáucaso. Em seu leito de morte, Umar nomeou um conselho sunita para decidir quem seria o terceiro califa. O escolhido foi Uthman ibn Affan, que derrotou a Pérsia e ampliou ainda mais os domínios do califado, mas os conflitos internos minaram seu governo. Estes conflitos desbancaram para uma guerra civil e rebeldes muçulmanos assassinaram Uthman, abrindo espaço para que Ali se tornasse califa. Ironicamente, quando Ali assumiu, as divisões internas eram profundas demais para que ele conseguisse impor sua autoridade. Ali, xiita, foi morto cinco anos depois – também pelas mãos de um opositor, sunita. O primeiro conflito verdadeiramente violento entre eles surgiu quando os xiitas insistiram que Hussein (não o Saddam), filho caçula de Ali e neto de Maomé, assumisse o poder, por volta do ano 680. Ele comandou uma rebelião xiita para impedir que o califa Yazid assumisse o trono. Hussein foi degolado e seus aliados acabaram mortos na Batalha de Karbala, no atual Iraque. O tratamento dado a Hussein motivou ressentimentos entre os xiitas. A celebração de seu assassinato durante a Ashura (o décimo dia do mês de Muharran, primeiro mês do calendário islâmico) se tornou um período emotivo no qual a comunidade xiita compartilha seu sofrimento. Correntes do Islamismo Nos séculos seguintes, a divisão passou a incluir também agravos e diferenças teológicas. A principal distinção vem de sua visão de mundo. Sunitas acreditam que o Corão é a palavra eterna de Deus, que coexistia com Ele antes da Criação. Já para os xiitas, o Corão foi criado no tempo e passou a existir quando Deus se revelou à humanidade. Isso faz toda a diferença na maneira como eles leem o livro sagrado. Xiitas consideram que precisam ser guiados para interpretar o Corão na vida diária, pois o livro depende da época e do lugar. Assim, precisam um Imã (líder religioso) para ajudá-los a entender a mensagem do Corão. Os sunitas, por sua vez, acreditam que a palavra de Deus é a mesma e vale para qualquer tempo e lugar. Portanto, as opiniões dos clérigos sunitas não são tomadas muito seriamente. E aqueles que clamam por um retorno às interpretações originais (os fundamentalistas – não necessariamente radicais, que por sua vez não são necessariamente terroristas) são levados muito a sério. Sunitas tendem a ser mais doutrinários. Os dois grupos também seguem diferentes coleções de Hadith (um corpo de leis, lendas e histórias sobre a vida de Maomé e os próprios dizeres nos quais ele justificou as suas escolhas ou ofereceu conselhos). Isso porque cada lado confia em narradores diferentes. Sunitas preferem aqueles que eram próximos de Abu Bakr (o primeiro califa, amigo íntimo de Maomé), enquanto os xiitas confiam nos que pertenciam ao grupo de Ali. Aisha, por exemplo, é considerada uma fonte importante pelos sunitas e desprezada pelos xiitas por ter lutado contra Ali. Atualmente, os sunitas representam cerca de 90% do Islã e os xiitas, 10%. A velha rixa é travada por governos cujos interesses vão além da tradição religiosa. Há dois polos de influência no mundo islâmico: Arábia Saudita (sunita) e Irã (xiita). Vemos diversos grupos terroristas – estes verdadeiramente fundamentalistas, radicais e terroristas -, como o sunita Al Qaeda, que acusa os xiitas de infiéis. Mas de onde vem a Al Qaeda? Da Arábia Saudita, que enxerga o Irã como a principal ameaça. O conflito é alimentado com o dinheiro do petróleo. O Irã patrocina grupos terroristas xiitas, como o libanês Hezbollah. A monarquia saudita fomenta uma versão extremista sunita, o wahhabismo, ensinado em escolas e mesquitas ao redor do mundo. Em países não-islâmicos não existe controle sobre o que é ensinado nessas escolas. Há um ensino muito mais extremo em colégios muçulmanos da Europa e da América do que na maioria dos países islâmicos. A questão da divisão entre sunitas e xiitas não nasceu de divergências religiosas. Ambos os grupos acreditam em Maomé, ambos seguem os preceitos do Alcorão, ambos são muçulmanos e ambos têm radicais fundamentalistas. A questão principal é a luta pelo poder. A luta sectária que enfrentam é por poder, desde os primórdios. Desde que Maomé morreu, a maioria sunita acredita que qualquer um poderia ser o líder, desde que houvesse consenso entre a comunidade islâmica; a minoria xiita, por sua vez, defendia que apenas alguém ligado diretamente a Maomé poderia se tornar líder. Essa discussão inicial terminou com a vitória dos sunitas, que reinaram no mundo muçulmano por 29 anos. É válido repetir essas informações, pois muitos encaram a religião muçulmana como o problema central do Oriente Médio. Não é, necessariamente. Como em todo o canto do mundo, a luta principal é por poder. Há divergências religiosas, com detalhes diferentes entre os dois, e a religião nunca está excluída do problema, mas não é a questão principal. Relações entre países de maioria islâmica durante a Primavera Árabe A disputa, que antes ocorria apenas entre radicais das duas seitas, aprofundou-se até atingir também as pessoas comuns – vítimas, parentes e testemunhas das carnificinas diárias ocorridas nos países. Além disso, a rivalidade cada vez mais acirrada se reflete também nas autoridades xiitas e sunitas que fazem parte dos governos. A relação entre as duas comunidades mudou completamente, e poucos acreditam que esse quadro mudará nos próximos anos.