nos “jardins” de epicuro, a filosofia é o remédio da alma

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VI Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Trabalhos Completos – ISBN: 978-85-99726-09-9
NOS “JARDINS” DE EPICURO, A FILOSOFIA É O REMÉDIO DA
ALMA
BORDIN, Reginaldo Aliçandro– CESUMAR
VALIM, Diogo Assunção– CESUMAR
Introdução
O Epicurismo foi uma das doutrinas filosóficas mais originais da Grécia
Antiga: propôs uma concepção de homem, de sociedade e de filosofia que se afastava
da de Platão e Aristóteles, considerados as maiores referências do pensamento grego.
Suas origens estão atreladas às condições sociais e morais de seu tempo.
Por volta dos séculos IV e III a.C., um conjunto de transformações sociais
contribuiu para provocar mudanças no universo econômico, político e espiritual do
homem grego. A ruína da vida política e espiritual causada pela conquista
macedônica, comandada por Alexandre (334-323 a.C.), pôs fim aos ideais da vida
pública grega. A derrocada da Grécia, provocada pelos macedônicos, contribuiu para
o fim do modelo democrático e de cidadão, ampliando as crises de ordem econômica,
política e filosófica. Além disso, as filosofias clássicas de Platão e Aristóteles não
correspondiam mais ao novo contexto, tornando-se ineficientes (REALE, 1994).
O grego da era clássica sempre considerou a polis1 como o horizonte da
vida moral, mas com a conquista de Alexandre o cidadão tornou-se súdito, perdendo
sua autonomia econômica e política. Os gregos, outrora livres e conquistadores,
passaram a ser devedores de tributos. Com a ruptura da identificação entre homem e
cidadão, o grego perdeu o gosto pela administração pública e as referências morais
que acreditava corretas, obrigando-se, por força dos acontecimentos, a fechar-se em si
mesmos e buscar no seu íntimo os conteúdos éticos e as metas que orientariam a vida.
(REALE, 1994).
Diferentemente de suas antecessoras, que tinham no cidadão o modelo de
conduta, a doutrina epicurista propôs ao homem a valorização da vida simples, sem os
apegos à riqueza ou à vida pública. Além disso, não tinha preocupações teóricas, mas
1
Modelo das cidades gregas na Antiguidade Clássica.
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práticas. Tratava-se de encontrar os remédios para os males que afligiam o homem,
tais como as falsas crenças, o medo da morte e os sofrimentos de toda espécie,
considerados as barreiras que impediam a felicidade.
Sua doutrina significava, portanto, uma reação ao espírito de fatalidade
que se abateu sobre todos. Ante a miséria econômica e política, Epicuro construiu a
filosofia centrada nas noções de prazer e serenidade e na alegria (MOTTA
PESSANHA, 2007).
É esse o objetivo deste trabalho: discutir a proposta filosófica de Epicuro,
para quem a meditação filosófica era o remédio que aliviaria a alma do sofrimento e
devolveria ao homem a serenidade desejada. Apesar das perseguições de platônicos e
aristotélicos, a doutrina epicurista encontrou solo fértil entre os gregos, porque
correspondia às necessidades e exigências de sua época: buscar a felicidade. Foi
Epicuro aquele que soube interpretar os sinais de seu tempo, tornando-se o médicofilósofo.
1. Epicuro, médico do “Jardim”
Epicuro nasceu em Samos, no ano de 341 a.C., e morreu em Atenas, em
270 ou 271 a.C. Desde pequeno mostrava interesse pela filosofia, cujos estudos iniciou
aos 13 anos, por meio das lições de Pânfilo. Este filósofo, entretanto, não lhe agradou,
por ser platônico. Um ano depois, com Nausífanes, discípulo de Demócrito de Abdera
(460 – 370 a.C), aprendeu o sistema atomista, do qual acatou a idéia do cosmos
enquanto matéria, sem a interferência de entidades míticas.
Aos 18 anos Epicuro seguiu para Atenas a fim de cumprir o efebado2 (algo
como serviço militar), permanecendo na cidade por dois anos. Neste período entrou
em contato com filosofias vigentes na época: Aristotelismo e Platonismo. Desde
então, Epicuro passou a cultivar um profundo desgosto por estas correntes filosóficas,
julgando-as vazias e sem sentido. Após o cumprimento do “serviço militar”, Epicuro,
sem dinheiro, seguiu para Colofón, onde sua família havia se instalado.
No ano 306 a C. Epicuro passou por cidades da Ásia Menor, mas se
transferiu para Atenas, a fim de difundir suas idéias. Nos subúrbios de Atenas
2
Nome dado ao período de serviços militares obrigatórios.
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comprou um “jardim”, local onde acomodou seus discípulos e redigiu seus escritos.
Ele utilizou o Jardim como sede para sua escola, e por esse motivo era chamado de
“filósofo do Jardim” (ULLMANN, 1996).
Nele, Epicuro recebia seus discípulos e dava-lhes lições, recomendando-lhes
a moderação e exortando-os a viver no exercício da meditação filosófica para
alcançar a liberdade e a serenidade. Em uma atitude inovadora e motivo de contendas,
o filósofo não limitava a entrada de pessoas em seu Jardim: qualquer um, não
importando a condição social - escravo ou liberto, pobre ou rico, estrangeiro ou
cidadão - poderia freqüentar a escola-jardim. A regra para todos era a mesma: cultivar
o amor à sabedoria e a amizade, esta considerada por ele o maior dos bens
(EPÍCUROS3, 1987).
Tal comportamento e regra doutrinal evidenciam que Epicuro rompeu com a
tradição política dos gregos: a Cidade-Estado não poderia mais assegurar o homem,
nem a justiça, nem a felicidade, tampouco determinar seu destino. A vida social e
pública são apenas convenções humanas que não garantem a liberdade, motivo de o
Jardim ser afastado da cidade. A salvação do homem não vinha da política, mas da
ética. Epicuro recomendava viver no recolhimento do Jardim, procurando na
intimidade os remédios para aliviar os sofrimentos, que, na sua perspectiva, eram
causados pelas turbulências da vida social.
A fonte mais pura de proteção diante dos homens, assegurada até certo ponto por
uma determinada força de rejeição é, de fato, a imunidade resultante de uma vida
tranqüila e distante da multidão (EPÍCUROS, 1987, 317).
No Jardim, a filosofia deixara de ser a explicação de fenômenos naturais para
ganhar um novo papel: converteu-se no remédio para os males do corpo e da alma.
Tomando a medicina por modelo, a filosofia epicurista nada tem a ver com mera
instrução: vale em função dos seus efeitos, pois é considerada atividade curativa e
libertadora (MOTTA PESSANHA, 2007). Ao converter-se no remédio para os males
do corpo e da alma, a filosofia deslocou-se da reflexão teórica para a prática,
valorizando a ética como única via de alcance do bem.
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Para esse trabalho, foram usadas duas edições que constam nomes diferentes.
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A ética de Epicuro é um hedonismo identificado com o prazer, motor e meta
da vida humana. Mas o prazer não é a sensação da volúpia ou das riquezas - ao
contrário, constitui-se em atingir a ausência de dor, a tranqüilidade do espírito e a
contenção dos desejos por meio da meditação (MOTTA PESSANHA, 2007). Nada
tem a ver com posses ou desejos saciados. Trata-se de eliminar as expectativas e a
ansiedade. O prazer, portanto, constitui a finalidade da vida feliz e o ideal ético a ser
alcançado.
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres
dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam
certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o
interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de
perturbações da alma (EPICURO, 2002, p. 43).
Além de afirmar que o sentido da vida é o prazer, Epicuro recomendou aos
seus discípulos uma vida moderada, sem excessos. Sugeriu o uso regrado dos
prazeres, com a satisfação apenas das necessidades básicas do corpo. Tanto o excesso
quanto a falta proporcionariam ao indivíduo perturbações ao espírito, isto é, o desejo
de acúmulo e a ansiedade. Proclamava que pouco é necessário ao homem para ser
feliz.
Nesse caso, procurou administrar a vontade nos limites impostos pela
natureza. É dela que Epicuro tirou as lições para alcançar a calmaria. Não por acaso
dedicou uma carta a Herôdotos, seu discípulo, exortando-o a conhecer as leis da
natureza nos seus aspectos físicos, pois acreditava que o conhecimento dos corpos
celestes poderia contribuir para a felicidade (EPÍCUROS, 1987).
Prazer e moderação tornaram-se, na doutrina epicurista, ingredientes
necessários para alcançar a virtude suprema – a prudência. Ela é o princípio e o sumo
bem, razão pela qual ela é mais preciosa que a própria filosofia e é dela que se
originam todas as demais virtudes (EPICURO, 2002).
É desse modo, racionalizando os desejos e administrando as sensações, que
Epicuro introduz a concepção da filosofia como remédio para os males da alma.
2. A filosofia epicurista: o remédio para os males da alma
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A vida de Epicuro parece ter sido marcada pela busca da serenidade. Sua
escola-jardim se assemelhava a uma confraria, onde os discípulos procuravam ouvi-lo
e seguir suas orientações. Parecia uma sociedade à parte da atribulada vida ateniense.
E de fato o era. A convivência na comunidade pouco tinha de comum com a cidade,
sinônimo de vida leviana e de injustiças sociais.
A concentração do poder nas mãos de poucas famílias conduziu os homens
à ambição, o que se tornou um problema, pois levou as classes menos afortunadas a
perder suas glebas. Além disso, as diferenças sociais deram margem aos vícios e à
corrupção, motivo que levou o filósofo a se retirar da vida pública e a procurar no seu
íntimo a regra moral da vida (ULLMANN, 1996).
Das inquietações políticas os epicuristas se voltaram para a natureza
particular do indivíduo. Tratavam de encontrar os remédios que curassem os
distúrbios da vida não na esfera pública, mas na individual. Foi nessa direção que
Epicuro procurou propor uma filosofia que estivesse em sintonia com as necessidades
de seu tempo. Ante as crises que se abatiam, Epicuro formou uma nova concepção de
homem e de sociedade, que passava pela educação ética do indivíduo. Segundo ele, o
objetivo da filosofia era tornar os homens felizes e libertá-los dos vícios e dos males
que trazem sofrimentos.
Afirmando que o homem deveria eliminar a dor e o sofrimento, Epicuro
apontou os caminhos para alcançar a serenidade: eliminar a expectativa, procurar a
moderação e afastar todo desejo considerado incômodo. Assim, a filosofia ganhou
função “curativa”, convertendo-se no remédio para os males do corpo e da alma. O
remédio é a meditação filosófica, o discurso enquanto phármakon, enquanto curativo,
porque elimina as trevas das crendices, expulsando os males da alma. São quatro os
remédios, a saber: não há o que temer quanto aos deuses; não há nada a temer quanto
à morte; pode-se alcançar a felicidade; e pode-se suportar a dor (MOTTA
PESSANHA, 2007).
O primeiro remédio adverte o homem dos perigos das superstições. A
instabilidade social provocara graves danos na estrutura espiritual e religiosa dos
gregos, levando-os às superstições, ao temor da ação terrível das entidades divinas.
Epicuro entendeu que os juízos atribuídos aos deuses pelo povo se baseiam
em opiniões falsas, resultando daí a crença de que eles causam os maiores malefícios
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aos maus e os benefícios aos bons. Nesse caso, considerou a tradição religiosa fonte
de equívocos, porque estava sustentada nas práticas adivinhatórias. Mas os deuses afirmou Epicuro - nada podem fazer contra os homens, portanto, seria inútil bajulálos em busca de favores. Eles não podem interferir no curso da vida e, por isso, são
apenas exemplos de bem-aventuranças para ser imitados (EPICURO. 2002).
O ser bem-aventurado e eterno não tem perturbações nem perturba outro ser; por
isso é imune a movimentos de ira ou de gratidão, pois todo movimento desse tipo
implica fraqueza (EPÍCUROs, 1987, p. 315).
A concepção sobre a divindade introduzida por Epicuro indicava que o
homem deveria ver nos deuses exemplos a serem seguidos, uma vez que
representavam virtudes, tais como a piedade e a serenidade do espírito. Imitá-los é um
dos meios para alcançar a saúde do espírito.
No segundo remédio, Epicuro repudiou o medo que a morte provoca
naqueles que não se exercitam na meditação filosófica. A morte nada significa, já que
a considera como a privação das sensações. A consciência clara deste fato - diz
Epicuro - proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo
infinito ou o desejo da imortalidade (EPICURO, 2002).
Para o filósofo do Jardim, a morte não deveria ser temida, porque ela é a
ausência de sensações. Influenciado pelo atomismo de Demócrito de Abdera (460370 a.C.), Epicuro entende que o corpo é constituído por átomos e que estes, pela sua
constituição e peso, determinam a liberdade e a vontade. A morte é a dissolução do
conjunto de átomos que forma o corpo e a alma, portanto, não representa nenhum
impedimento à felicidade. Não é a morte que causa o sofrimento; o que faz o homem
agonizar em dor é a sua espera.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós,
justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao
contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto,
não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não
existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas
ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso
dos males da vida (EPICURO, 2002, p. 29).
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O medo dos deuses e da morte impede o fim último da vida, que é o prazer,
isto é, a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Somente o sábio,
aquele que se mantém indiferente à morte e ao sofrimento e compreende sua própria
natureza, é que pode gozar de uma vida feliz e prudente.
A suprema felicidade, que colocaria o homem no mesmo nível dos deuses, é
o terceiro remédio. Para Epicuro, felicidade tornou-se uma evasão ou libertação do
sofrimento, um estado interior de ignorância da dor, do temor e da enfermidade.
Nesse caso, a felicidade está associada ao prazer sensível, conquistado pela
imperturbabilidade do espírito. O prazer é a forma mais elevada de supressão de toda
sensação penosa, um estado de repouso do espírito e de perfeita indiferença, portanto,
perfeita realização da vida humana (MARITAIN, 1973).
A magnitude do prazer atinge seu limite na remoção de todo sofrimento. Quando o
prazer está presente, durante todo o tempo em que ele permanece não há dor nem
no corpo, nem na alma, nem nos dois (EPÍCUROS, 1987, p. 315).
Além disso, por prazer Epicuro entende um bem inato, critério de toda
escolha ou recusa, ao qual chegamos valorizando todo bem de acordo com o efeito
que em nós produz. Embora considere o prazer sensível, não o prioriza. Ele distingue
o verdadeiro prazer estável daqueles que resultam em pesares ou partem de carências,
movendo-se entre insatisfações. O primeiro tipo é o prazer em repouso, diferente do
prazer em movimento, que é, por exemplo, sentir sede e saciá-la. O prazer em
repouso é a meta do epicurista: não consiste em satisfazer uma necessidade, mas
eliminá-la, atingindo a ausência de dor. Não é, portanto, a busca desenfreada por bens
materiais (MOTTA PESSANHA, 2007).
É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz.
Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano,
em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo
todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor embora o prazer seja nosso
bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em
que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes
desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos
prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito
tempo (...) convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo
com o critério dos benefícios e dos danos (...) Quando então dizemos que o fim
último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes (...), mas o
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prazer que é a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma
(EPICURO, 2002, p. 37-43).
Para Epicuro, felicidade e prazer devem nortear a conduta humana, mas não
bastam. Suportar a dor é a última regra de sabedoria que Epicuro recomenda aos seus
discípulos. Segundo o Médico do Jardim, pode-se escapar da dor por meio da
recordação dos prazeres passados ou pela expectativa dos futuros. Epicuro, doente de
cálculos renais e um grego sem liberdade política, indicou a técnica para o homem
enfrentar as mais terríveis adversidades: fez da contemplação intelectual e das delícias
da amizade no Jardim os mais elevados prazeres. Além disso, propôs uma lição ética
que se distanciava de Platão e Aristóteles: a de que o homem também pode se
sustentar de recordações e de esperanças (CUNHA; ABRÃO, 2005).
Uma dor contínua não dura muito tempo na carne; ao contrário, quanto mais aguda
é a dor menor é a sua duração, e também se por sua intensidade ela vence o prazer,
não dura muitos dias na carne. As doenças prolongadas permitem até uma
preponderância do prazer sobre o sofrimento carnal (EPÍCUROS, 1987, p. 315).
A meta dos filósofos epicuristas é, portanto, a superação dos medos que
assombram o homem, cultivando valores considerados essenciais, a exemplo da
amizade, do bom humor e da moderação. Para alcançá-los substituiu a intelecção
filosófica pela meditação. O sábio não é mais aquele que conhece e contempla, mas é
aquele que age de modo a apoderar-se da felicidade, seja pela perfeição seja pela total
ausência de inquietação (MARITAIN, 1973).
O sábio, que busca uma vida moderada, transformou-se no modelo de
homem que Epicuro perseguia, pois acreditava ser ele capaz de viver como um deus
entre mortais. A vida ideal do sábio, que aspira à liberdade e à paz como bens
supremos, consistiria na renúncia a todos os desejos considerados incômodos e em
precaver-se contra as surpresas do sentimento, da emoção, da paixão, tidas como
irracionais. Em rigor, aquele que nega a interferência dos deuses se comporta de
forma indiferente à dor e ao sofrimento e discerne as práticas morais apropriadas para
alcançar o máximo de prazer.
Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um
juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente
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indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que
discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal
supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimento leves? Que nega o destino,
apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por
necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível,
o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual acompanha a
censura e o louvor?(EPICURO, 2002, p. 47-49).
Ao recomendar os remédios para o indivíduo a doutrina epicurista encontrou
solo fértil, porque procurou corresponder às necessidades de sua época. Segundo
Miguel Spinelli, sua preocupação estava em procurar a “perfeição humana” no âmbito
da vida presente, pois considerava o homem o protagonista de seu próprio destino
(SPINELLI, 2002).
A duração dessa doutrina não foi breve. Seus traços podem ser evidenciados
nas primeiras comunidades cristãs e na filosofia moderna, a exemplo de Giordano
Bruno (1548-1600), visto que procuravam os remédios para os problemas de seu
tempo. Além disso, a permanência desse movimento denuncia a sua eficiência na vida
cotidiana dos indivíduos. A interferência na rotina se deve ao fato de esse movimento
se caracterizar, a par da investigação teórica, pela prevalência do conceito de
sabedoria prática. Sob certos aspectos, exigia de seus adeptos um determinado modo
existencial de viver, quer na religiosidade (pagã), quer no social. É por isso que essa
doutrina foi considerada ética: exatamente porque reivindicou certo comportamento
instituído como se fosse um costume ou um hábito de viver (SPINELLI, 2002).
Importa considerar que Epicuro procurou definir uma ética preocupada com
o homem particular, apresentando rejeição à cultura tradicional fundada na
comunidade política. Ao vislumbrar as transformações de sua época, procurou dar
respostas às crises por que passava o homem, preparando-o para viver com
sobriedade e prudência. Ao fazê-lo, introduziu um conceito de homem e de filosofia
que se apresentava como novidade a busca incessante pela felicidade.
3. Considerações finais
A filosofia epicurista procurou os remédios que pudessem aliviar o
sofrimento. Não buscava as riquezas ou o luxo; pelo contrário, entendeu que os
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excessos e a ausência de equilíbrio eram os males que provocavam perturbações.
Diferente da filosofia de Platão, o epicurismo não se destacava por definir e exaltar o
homem agregado ao universo da cidade-Estado. Não era político porque a polis fora
destituída e os indivíduos encontraram refúgio no seu íntimo, na individualidade.
Os remédios que Epicuro receitou ao homem passavam pela sua educação
moral. Tratava de determinar os princípios éticos que norteariam a vida humana para
alcançar a felicidade, considerada um bem supremo. Tomando o sábio como modelo,
Epicuro deu a receita para a felicidade: buscar o prazer de viver, a tranqüilidade, e
afastar-se dos medos que povoam nosso espírito, atormentado pelas crendices e
superstições.
Ao fazê-lo, Epicuro deu condições para lançar as bases de uma nova
pedagogia, que rompia com a tradição: formar o homem para ser feliz. Os ideais de sua
doutrina não tinham assento na antiga virtude política, mas colocava o Jardim como
ambiente privilegiado da realização de seu objetivo: cultivar a amizade.
Referências:
CUNHA, E. S.; ABRÃO, Baby. Grandes filósofos: biografias e obras. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 2005.
EPICURO. Carta sobre a felicidade. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
EPÍCUROS, In. LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2.ed.
Brasília: Editora UNB, 1987.
MARITAIN, J. Filosofia Moral. Rio de Janeiro: Livraraia Agir Editora, 1973.
MOTTA PESSANHA, José Américo. As delícias do Jardim. In. NOVAES, A. (org.)
Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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REALE, Giovanni. Historia da Filosofia Antiga. Volume IV: As escolas da Era
Imperial. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
SPINELLI, Miguel. Helenização e recriação de sentidos: a filosofia na época da
expansão do cristianismo-séculos II, II e IV. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Epicuro: o filosofo da alegria 2. Ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996.
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