Alexandria e a Biblioteca Geraldo Ávila CE da RPM Introdução Nos artigos que publicamos nas RPMs 54 e 55 falamos de Eratóstenes e Aristarco, e de seus cálculos do tamanho da Terra e das distâncias astronômicas. Esses sábios pertenceram à Escola de Alexandria, um dos mais notáveis centros de estudos da Antigüidade, razão pela qual este tópico merece um artigo à parte. Alexandre Magno A civilização grega, que floresceu desde uns 2000 anos a.C. até as conquistas de Alexandre na década de 330 a.C., foi uma das mais admiráveis em toda a História da humanidade. E continuou na civilização helenística que resultou dessas conquistas. Atenas foi o centro mais brilhante do mundo helênico, alcançando seu apogeu no tempo de Péricles, no século V a.C. Mas a rivalidade entre Atenas e Esparta e as guerras entre essas duas cidades acabaram levando ambas a verdadeira ruína e decadência. No século seguinte crescia o poderio da Macedônia, na parte norte do que era a Grécia daquela época. Felipe II, rei dessa província, estendeu seus domínios sobre toda a Grécia e planejava retomar as colônias gregas da Ásia Menor, que eram continuamente molestadas pelos persas. Mas esse rei morreu antes de realizar seu plano, deixando a tarefa para o filho, aquele que viria a ser conhecido até os dias de hoje como Alexandre Magno ou Alexandre o Grande. Nascido em 356 a.C., Alexandre foi discípulo de Aristóteles (384–322) dos 13 aos 16 anos de idade, e com certeza aprendeu muito com o grande sábio e filósofo, a quem, mais tarde, iria escrever: Eu preferiria muito mais suplantar os outros pelo conhecimento daquilo que é excelente do que pelo poder e pelo domínio. Em 336 a.C., aos 20 anos de idade, Alexandre assume o poder e inicia a execução do plano arquitetado pelo REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA 62, 2007 1 pai. Mas não se contenta somente com as idéias originais de Felipe II; avança em direção leste para enfrentar o rei dos persas. Sua primeira grande vitória ocorre na batalha de Issos, em território do que é hoje a Turquia. Aí, contando com forças muito inferiores às de Dario III, mas graças a seu gênio militar, derrota o rei persa. A partir de então nada mais o detém; chega até o Egito, que era dominado pelos persas. Ele é recebido pela população como verdadeiro libertador. E torna-se novamente para o leste, levando suas conquistas até a Índia. Mas, já cansados e vitimados por uma epidemia, seus soldados querem voltar. Essa volta, ou retirada, revela-se tão penosa como as piores retiradas militares que aconteceram em tempos anteriores ou posteriores. A fama de Alexandre se deve não somente a suas conquistas, mas principalmente a suas iniciativas civilizadoras. Homem de grande visão, Alexandre teve consciência do alto valor da civilização persa. Percebendo que seus recentes inimigos tinham muito a contribuir, ao lado da riqueza da civilização grega, tratou de incentivar a fusão das duas. Nesse sentido ele promoveu o casamento de milhares de oficiais e soldados de seu exército com mulheres persas; ele mesmo casou-se com princesas persas. Ao mesmo tempo tomou outras medidas de intercâmbio entre as duas civilizações, promovendo a ida de colonos gregos para as terras da Pérsia e da Mesopotâmia, e incentivando um fluxo inverso. Em conseqüência dessa miscigenação de povos, ocorria a fusão entre a cultura grega e as culturas preexistentes no Oriente Médio, dando origem ao que veio a ser conhecido como a civilização helenística. Alexandria e o Museu Quando Alexandre chegou ao Egito, a capital estava em Mênfis, longe da costa marítima. Ele resolveu construir uma nova cidade na costa mediterrânea, que permitisse fácil comunicação com os vários centros importantes do Mediterrâneo e com a Macedônia. E para isso escolheu um local na parte oeste do delta do rio Nilo (figura 2), atrás da ilha de Faro1, onde pudesse contar com um porto espaçoso, de águas profundas e bem protegido do mar e dos fortes ventos do Leste. Mas Alexandre morreu em 323 a.C. na Babilônia, antes de ver concluída a construção de Alexandria, a 1 O nome dessa ilha daria origem ao nome “farol”, pois nela foi erigida uma construção imensa para abrigar um farol em seu topo, uma das sete maravilhas do mundo antigo, que foi posteriormente destruída por um terremoto. Dele não há sequer vestígios. 2 SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA cidade que viria a ser a nova capital do Egito e o grande centro comercial e cultural do império que ele fundara. Com a morte de Alexandre, seu império foi dividido com três de seus generais. A parte egípcia ficou com Ptolomeu2, que mais tarde adotaria o título de Soter, que significa “Salvador”. Com Ptolomeu Soter teve início a dinastia dos Ptolomeus, que governaria o Egito por quase três séculos, terminando com Cleópatra e a chegada dos romanos. E foi sob os três primeiros Ptolomeus, especialmente, que Alexandria tornou-se o mais importante centro do saber antigo. Ptolomeu Soter revelou-se de grande visão e à altura de continuar os planos de Alexandre. Muito bem assessorado por homens lúcidos e sábios, ele concebeu a idéia de fundar em Alexandria um grande centro de estudos, que suplantasse todos os do passado. De fato, centros de estudos já haviam existido antes: Tales fundara um desses centros em Mileto, e Pitágoras fizera algo parecido no sul da Itália; Platão fundara sua Academia em Atenas, e Aristóteles, o Liceu. Freqüentemente esses centros eram fraternidades, às vezes sociedades semi-secretas como a de Pitágoras. O centro de estudos concebido por Ptolomeu Soter era dedicado às “musas”, as deusas das ciências e das artes, e por isso passou a chamar-se Museu, construído por volta de 290 a.C. Alguns autores costumam dizer que o Museu foi a primeira universidade de que se tem notícia na História. Na verdade ele era muito mais parecido com o que hoje chamamos de “Centro de Altos Estudos” ou “Instituto de Estudos Avançados” do que com qualquer das universidades que começaram a surgir na Europa do século XII, evoluíram e se espalharam pelo mundo desde então. E também não tinha nenhuma semelhança com o que hoje chamamos de museu. O Museu patrocinava renomados sábios em todos os ramos do conhecimento, para que pudessem se dedicar inteiramente a seus estudos e investigações, sem preocupações materiais. E para isso ele oferecia até alojamentos e refeitórios para seus membros. Ao lado do Museu foi construída uma rica biblioteca, não se sabe ao certo se no próprio Museu, anexo a ele, ou em prédio separado. O Museu e a Biblioteca enriqueceram sobremaneira a cidade de Alexandria, tornando2 Nada a ver com Cláudio Ptolomeu, o astrônomo. REVISTA DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA 62, 2007 3