XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza Palermo, 18/24 Setembro 1995 Maria Lobo Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa Fenómenos relacionados com o Parâmetro do Sujeito Nulo em português* Como é sobejamente conhecido, as línguas naturais variam quanto à possibilidade/impossibilidade de omitir o sujeito gramatical em orações finitas. Línguas como o português, o italiano e o espanhol permitem a omissão do sujeito em orações finitas (cf. (1)), ao passo que línguas como o francês e o inglês exigem que o sujeito esteja foneticamente expresso nesse mesmo contexto (cf. (2)): (1) (2) a. (Eu) vou ao teatro. b. (Io) vado al teatro. c. (Yo) voy al teatro. a. *(Je) vais au théâtre. b. *(I) am going to the theatre. No quadro da Gramática Generativa, e em particular na Teoria de Princípios e Parâmetros1, tem sido dito que este fenómeno gramatical decorre da fixação de um valor positivo ou negativo de um parâmetro da Gramática, designado habitualmente como Parâmetro do Sujeito Nulo (PSuN).2 O PSuN tem sido objecto de uma investigação considerável, inclusive no âmbito dos estudos relativos à aquisição.3 Foram propostas várias análises teóricas, que adoptam diferentes formulações, revistas à medida que a teoria vai evoluindo e que o conhecimento empírico se vai alargando. Neste momento, no entanto, por motivos de ordem teórica e empírica, parece-nos desejável repensar algumas das posições geralmente assumidas (e raramente contestadas) no que respeita aos sujeitos nulos, ainda que muitas questões fiquem por tratar de uma forma sistemática, já que o trabalho que nos propomos realizar não se encontra de forma alguma acabado. Gostaríamos assim de começar por referir muito sumariamente as linhas gerais de algumas das análises mais significativas que procuram explicar a fenomenologia dos sujeitos nulos. Na análise clássica de Chomsky (1981), os dados relativos aos sujeitos nulos decorrem da fixação do valor de um único parâmetro, que consistiria na possibilidade/impossibilidade de aplicar uma regra de afixação da flexão verbal ao verbo em Sintaxe, deixando a posição de sujeito, ocupada pela categoria vazia PRO, não regida. Mais tarde, em Chomsky (1982), passará a considerar-se que a categoria vazia que ocupa a posição de sujeito numa oração finita é pro - categoria vazia pronominal e não anafórica. Nessa altura, o PSuN é reformulado nos seguintes termos: a categoria funcional Concordância (Conc) teria um carácter "forte" nas línguas de sujeito nulo, podendo estar especificada em Estrutura-P quanto a traços de pessoa, género, número e ainda Caso. Assim, pro, regido por Conc e com ela coindexado, poderia ocupar a posição de sujeito. As análises de Chomsky (1981) e (1982), ao explicarem os sujeitos nulos pelos efeitos de um único parâmetro, confrontam-se com um problema de ordem empírica. Os parâmetros, tal como são concebidos, não dão margem para "flutuações" na definição de um valor dentro de cada língua. Cada língua "especializa-se" num único valor para cada parâmetro. Assim sendo, e se se assumir que estamos perante os efeitos de um único parâmetro, seria de esperar que cada língua manifestasse um comportamento uniforme no que diz respeito à possibilidade de omitir o sujeito em orações finitas. No entanto, o comportamento relativo aos sujeitos nulos não é uniforme em diversas línguas, podendo variar em função das pessoas e dos tempos verbais. É o caso, por exemplo, do hebraico e do alemão4, e também, como veremos, do português, que, em certos contextos, manifesta alguma flutuação, uma espécie de indeterminação quanto ao valor assumido para o parâmetro supostamente responsável pela omissão dos sujeitos. Propostas diferentes das de Chomsky (1981) e (1982), com análises teóricas distintas, consideram já que na origem dos dados relativos aos sujeitos nulos entram diversos factores. Rizzi (1986) propõe que estamos perante dois parâmetros e não apenas um: um primeiro parâmetro diria respeito ao conjunto de categorias capazes de legitimar pro; um segundo parâmetro seria responsável pelo tipo de identificação de pro. Huang (1984) e (1989), generalizando as relações de controlo, defende que os pronomes nulos são o resultado de dois parâmetros: o PSuN clássico, formulado em termos de "riqueza" da Flexão, e o Parâmetro do Tópico nulo, motivado pelas línguas "orientadas para o discurso". Segundo Jaeggli & Safir (1989), para além de um parâmetro responsável pela identificação de sujeitos nulos temáticos, estaria em causa um requisito gramatical que estipula que só sejam legitimados sujeitos nulos em línguas com paradigmas flexionais morfologicamente uniformes. Dada a complexidade dos dados linguísticos universais, e de que procuram dar conta as propostas que acabámos de referir, parece ser pouco plausível que os sujeitos nulos em orações finitas derivem exclusivamente de um parâmetro da Gramática. A fenomenologia dos sujeitos nulos talvez só possa ser devidamente explicada pela interacção de diversos princípios e parâmetros. Estaríamos na realidade perante a manifestação de uma série de factores, cujos efeitos cruzados produzem resultados complexos. Ao considerarmos estruturas que tradicionalmente não eram tidas em conta na análise dos sujeitos nulos, deparamo-nos com uma complexidade de comportamentos que aponta para um tratamento um pouco diferente do habitual. Um dos pontos que merece revisão é a posição generalizada de que nas línguas de sujeito nulo a omissão do sujeito é opcional. Não só por razões teóricas, mas também por razões empíricas, parece necessário questionar o estatuto "facultativo" da omissão do sujeito nas línguas que admitem essa opção. Será a alternância pronome nulo/ pronome lexical realmente opcional? Em Chomsky (1992) é proposta uma abordagem "minimalista" da Teoria da Gramática. Da teoria exposta neste estudo decorre que não há lugar na Gramática para a opcionalidade5. No entanto, nas várias propostas teóricas apresentadas para o PSuN, e em particular em Chomsky (1981), fala-se da omissão do sujeito nas línguas ditas "de sujeito nulo" como sendo opcional. A única restrição à alternância livre entre pronome nulo e pronome lexical, de acordo com Chomsky (1981), decorreria de um Princípio de "economia" das línguas, o Princípio Evite o Pronome/"Avoid Pronoun Principle" (PEP). Basicamente, este Princípio diz que se deve evitar o uso de um pronome sempre que possível. Tratar-se-ia de um princípio conversacional que obrigaria a apagar o mais possível, na condição de se poder manter uma boa interpretação e recuperar a informação ausente. Abstraindo dos problemas concretos que o programa minimalista levanta, e aceitando as linhas gerais da proposta de Chomsky (1992), parece fundamental, de um ponto de vista teórico, proceder à revisão do PSuN e do estatuto "facultativo" da omissão do sujeito. Por outro lado, existem também razões empíricas para uma tal revisão. Uma descrição cuidadosa dos dados do português obriga-nos a reconsiderar o estatuto facultativo da omissão do sujeito. De facto, existem contextos em que a presença do sujeito em orações finitas é obrigatória e contextos em que ela é excluída. Quanto aos casos aparentes de "opcionalidade", resta saber se estamos perante uma verdadeira opcionalidade ou se, pelo contrário, a cada opção não corresponderá uma interpretação diferente e eventualmente uma representação estrutural diferente. Na realidade, existem contextos, em orações finitas, em que a realização do sujeito é obrigatória. Estes são contextos em que o sujeito está focalizado, ou seja, quando corresponde a informação nova ou quando recebe um acento contrastivo, o que é compreensível do ponto de vista da estrutura informacional. Isto acontece em respostas a interrogativas parciais de instanciação do sujeito (cf. (3)), com operadores de foco com escopo sobre o sujeito (só, até...) (cf. (4)), em construções alternativas ou noutros contextos em que o sujeito recebe acento contrastivo (cf. (5)-(7)) e ainda em orações coordenadas com sujeitos disjuntos (cf. (8)). Note-se que nas respostas a interrogativas-Qu de sujeito, nas orações contrastivas e nas imperativas contrastivas, o sujeito aparece sempre numa posição pós-verbal. (3) (4) (5) (6) (7) (8) A - Quem quer casar com a carochinha? Ba. *Quero. b. Quero eu. c.?*Eu quero. a. Só eu sei o que aconteceu. b. *Só sei o que aconteceu.6 a. Fui *(eu) que comi o bolo. b. *(Eu) é que comi o bolo. a. Falas *(tu) ou falo *(eu)? a'. *Tu falas ou eu falo? b. Agora salto *(eu). A - Vai comprar tabaco! B - a. Vai *(tu)! b. *Tu vai! O João encontrou o Pedroi no cinema, mas *(elei) não lhe falou. Por outro lado, existem contextos em que a realização do sujeito é impossível: nas respostas a interrogativas parciais que não incidem sobre o sujeito (cf. (9)) e a interrogativas totais (cf. (10)), nas interrogativas-tag (cf. (11)), nas imperativas (cf. (12)) e ainda nas orações coordenadas com sujeitos co-referentes (cf. (13)). (9) (10) A - Quem é que o João encontrou no cinema? B - a. O Pedro. b. (?*Ele) encontrou o Pedro. A - O João viu o Pedro? B - (*Ele) viu. (11) (12) O João foi ao cinema, a. não foi? b. *não foi ele? c. *ele não foi? (*Tu) passa-me o sal, se fazes favor. (13) O Joãoi encontrou o Pedro no cinema, mas (*elei) não lhe falou. Dada a complexidade destas estruturas, deixamos para outra altura a análise da sua estrutura interna e dos processos envolvidos. Fica, no entanto, a ideia de que a formulação do PSuN não é a mais indicada e de que outros processos estão em jogo na realização/omissão dos sujeitos gramaticais, como, por exemplo, uma Condição que exige que um constituinte enfatizado esteja foneticamente realizado na posição de Especificador de uma categoria funcional Foco. Quanto aos contextos em que pode haver alternância, resta saber se a escolha de uma categoria vazia ou de uma categoria lexical é realmente opcional.7 Será que (14a) significa o mesmo que (14b)? (14) a. Vou ao cinema. b. Eu vou ao cinema. Conforme notado já em Rigau (1988) para o catalão, a interpretação de uma frase com sujeito nulo não parece ser exactamente a mesma da de uma frase com sujeito realizado. Rigau (1988: 504) faz notar que as frases do francês coloquial com chamados "pronomes distintivos" se aproximam das frases do catalão com pronome forte, enquanto as frases com clítico sujeito do francês se assemelham às frases sem sujeito expresso do catalão: (15) (16) a. Jo parlaré. a'. Ell parlarà. b. Je parlerai moi. b'. Il parlera lui. a. Parlaré. b. Je parlerai. Assim, em Rigau (1988) descreve-se o pronome forte como sendo um pronome distintivo, isto é, um pronome enfático, mas que não exprime um contraste real. Segundo Rigau, as frases de (15) implicam "not that another person will not do the action expressed by the predicate, but rather that someone else related through the discourse with moi/jo or lui/ell will do something else." Nesta perspectiva, cada uma destas frases está associada a situações pragmáticas diferentes e tem significados diferentes, ainda que nem sempre facilmente perceptíveis, já que o conteúdo proposicional básico das duas orações é idêntico. Podemos assim defender que a omissão do sujeito não é opcional em português. A omissão do pronome corresponde ao caso não marcado, enquanto a realização do pronome implica uma certa ênfase sobre o sujeito, um contraste que opõe o sujeito da frase a outros sujeitos pragmaticamente possíveis. De alguma forma, o sujeito pronominal com matriz fonética é enfatizado. Prosseguindo a ideia de que a interpretações diferentes correspondem idealmente representações estruturais diferentes, podemos formular a hipótese de que sujeitos nulos e sujeitos foneticamente realizados ocupam posições estruturais distintas, como é sugerido aliás em Rigau (1988)8. Assim, propomos que, enquanto os sujeitos nulos se encontram na posição de Especificador de Concordância (ou de Espec do Verbo), os pronomes lexicais ocupam a posição de Espec de uma projecção funcional superior. Essa projecção é mais naturalmente entendida como sendo uma projecção Foco. Como vimos já, os sujeitos focalizados têm de ter obrigatoriamente realização fonética. Um sujeito pronominal lexicalmente realizado seria de certo modo equiparável a um constituinte focalizado, enfatizado. A ideia de que existe uma categoria funcional Foco aparece já em Uriagereka (1992). Em Martins (1993), também se defende que existe uma projecção funcional superior a SConc, designada como SSigma e que os sujeitos a que chama "topicalizados" (e portanto lexicais) poderão ocupar uma posição diferente da dos sujeitos "não topicalizados", o que inclui necessariamente os sujeitos nulos.9 Para além disso, existe um outro contexto em que se verificam restrições claras à "opcionalidade" de realizar ou omitir o pronome em português. Assim, conforme foi já observado por Duarte & Matos (1984), Eliseu (1984) e Ambar (1988), existem contrastes de gramaticalidade entre 1ª/2ª pessoas e 3ª pessoa quando descontextualizadas. (17) a. Estou doente. b. Estás doente. c. *Está doente. Apenas a 1ª e 2ª pessoa admitem sem restrições a omissão do sujeito. Um sujeito nulo de 3ª pessoa só é completamente gramatical caso possa ser identificado por um elemento do discurso ou pelo contexto situacional. (18) a. O João não pode sair. Está doente. b. (Olhando para alguém com má cara, o falante comenta:) Está doente. A 1ª e 2ª pessoas, pelo contrário, parecem dispensar identificação contextual. Segundo Duarte & Matos (1984), neste caso, os traços morfológicos de Concordância permitem recuperar sem ambiguidade os traços de pessoa e número. Na realidade, podemos aproximar os contrastes observados da distinção estabelecida em Benveniste (1966) entre 1ª e 2ª pessoas e 3ª pessoa. Este linguista opõe a 1ª e 2ª pessoas, identificadas como as pessoas da enunciação, que instanciam o discurso e marcam a subjectividade, à 3ª pessoa, não marcada e referencialmente objectiva. Assim, enquanto 1ª e 2ª pessoas são "por inerência" ligadas ao discurso, o mesmo não acontece com a 3ª pessoa. Neste caso, a omissão só parece ser possível quando o contexto discursivo ou pragmático permite recuperar a informação. Podemos assim adaptar uma ideia de Ambar (1988), segundo a qual os sujeitos nulos do português teriam o seu conteúdo identificado por um "tópico zero", identificado pelo discurso e ligado a um Op em Espec de SComp, excepto no caso de os traços inerentes do sujeito nulo serem suficientemente fortes. Como dar conta das assimetrias 1ª/2ª vs. 3ª pessoa? Podemos supor que acima de Foco se encontra uma projecção funcional cuja principal função consiste em estabelecer a ligação com o discurso, fazer a ponte entre aquilo que acabou de ser dito e aquilo que vai ser dito, ou introduzir certas coordenadas pragmáticas que permitam interpretar contextualmente o conteúdo da proposição. A posição Espec desta projecção, a que chamaremos SDisc (Sintagma Discursivo), poderia estar ocupada por um Operador (Op) capaz de estabelecer esta ligação. Sendo a categoria vazia em Espec de Conc referencialmente defectiva, podemos supor ainda que esta teria sempre de ser ligada/identificada pelo Op em Espec de Disc. O que distingue então 1ª/2ª pessoas de 3ª pessoa? Como vimos, a 1ª e 2ª pessoas são por inerência as "pessoas do discurso". A 3ª pessoa, pelo contrário, é a pessoa neutra, a não-pessoa, o que, aliás, aparece reflectido na escolha da 3ª pessoa para os sujeitos expletivos. Podemos supor então que, no caso da 1ª e 2ª pessoas, que estão sempre por definição discursivamente ligadas (D-ligadas), já que se trata de "pessoas do discurso", a posição Espec de Disc estará sempre automaticamente preenchida com um Operador discursivo (Op Disc) (de 1ª ou de 2ª pessoa) capaz de estabelecer a ligação. As frases com 3ª pessoa, pelo contrário, na ausência de contexto linguístico ou pragmático não teriam a posição Espec de Disc preenchida. Só no caso de haver um contexto linguístico ou pragmático é que Espec de Disc é preenchido com um Op Disc com traços suficientemente fortes, capaz de ligar o pronome nulo em Espec de Conc. Recapitulando, temos quatro situações logicamente possíveis com a 3ª pessoa: (19) a) 3ª p. ∅ e Op Disc ausente ⇒ * (suj. nulo não é legitimado) b) 3ª p. ∅ e Op Disc presente ⇒ Ok (suj. nulo é ligado por Op) c) 3ª p. lexic. e Op Disc ausente ⇒ Ok (suj. lexical em Espec de Foco) d) 3ª p. lexic. e Op Disc presente ⇒ Ok (suj. lexical em Espec de Foco) Quanto à 1ª e 2ª pessoas, só duas situações são possíveis, já que Op Disc, em princípio, está sempre presente: (20) a) 1ª/2ª p. ∅ ⇒ Ok (suj. nulo é legitimado por Op em Espec de Disc) b) 1ª/2ª p. lexicais ⇒ Ok (suj. lexical em Espec de Foco) Assim, a frase (21) teria a seguinte estrutura, representada em (22): (21) (22) Vou ao cinema. [Disc'' Op1ªp.i [Disc' ([Foco'' [Foco' )[Conc'' ei [Conc' V+Tj+Conc [T'' [T' vj .................]]]]]] A contrapartida com sujeito realizado (cf. (23)) seria (24): (23) Eu vou ao cinema. (24) [Disc'' Op1ªp.i [Disc' [Foco'' Eui [Foco' Foco [Conc'' ei [Conc' V+Tj+Conc [T'' [T' vj .................ao cinema]]]]]]]] Quanto à frase (25) descontextualizada, deduzimos que Espec de Disc se encontra vazio: (25) Vai ao cinema. (26) [Disc'' ∅ [Disc' ([Foco'' [Foco' )[Conc'' ei [Conc' V+Tj+Conc [T'' [T' vj ........ao cinema]]]]]] Assim, a categoria vazia em Espec de Conc não é D-ligada por nenhum Op e a frase é agramatical. Pelo contrário, quando existe um contexto linguístico/pragmático anterior, como em: (27) O João não janta. Vai ao cinema. teremos a seguinte representação: (28) [Disc'' Op3ªp. [Disc' ([Foco'' [Foco' )[Conc'' ei [Conc' V+Tj+Conc [T'' [T' vj .................]]]]]] Aqui, o Op Disc em Espec de Disc permite identificar o conteúdo da categoria vazia em Espec de Conc. Que tipo de categoria vazia ocupa a posição Espec de Conc? Na posição Espec de Conc, provavelmente, teremos um pro-variável. Veja-se o que dizem Rigau (1988) e Montalbetti (1986) a respeito do diferente comportamento de pronomes vazios e lexicais: enquanto os primeiros podem em certas condições funcionar como variáveis, ser A'-ligados, o mesmo não acontece com os segundos. Nesta perspectiva, e indo ao encontro de uma ideia de Ambar (1988), aquilo que é usualmente referido como PSuN resultaria da possibilidade de haver Op nulos discursivamente ligados na posição Espec de uma projecção funcional SDisc: "Igualmente a diferente distribuição de pro sujeito nestas duas línguas encontra a sua razão de ser na possibilidade vs impossibilidade de em Português vs Francês, respectivamente, pro (CONC ou pro sujeito) ser identificado por um elemento nulo." (cf. Ambar (1988)) Concluindo, o PSuN talvez deva ser reformulado, de modo a isolar claramente os contextos em que, nas línguas que admitem omissão do sujeito, tanto a realização como a não realização do sujeito são opções gramaticais. Nesse sentido, será necessário descobrir que outros princípios estão em jogo e de que modo eles actuam na restrição dos contextos em que pode haver alternância. Quanto aos contextos de alternância, e seguindo ideias anteriores, formulámos a hipótese de que só aparentemente se trata de estruturas equivalentes. Na realidade, talvez possamos admitir que sujeitos nulos e sujeitos lexicais ocupam posições estruturais diferentes em Sintaxe, respectivamente Espec de Conc e Espec de Foco - categoria funcional que acolhe elementos enfáticos, focalizados. A categoria vazia só seria possível quando suficientemente identificada por um Op discursivo ligado ao discurso. Finalmente, a complexidade dos processos envolvidos na distribuição dos sujeitos nulos e lexicais aponta para que estejamos perante não apenas um parâmetro, mas antes um conjunto de princípios e de parâmetros, cuja interacção provocaria efeitos cruzados. Notas * Agradeço a M. Ambar todas as pistas e sugestões que me deu nos diversos momentos da pesquisa que conduziu a este trabalho. 1 Cf. Chomsky (1981). 2 De acordo com Chomsky (1981), a par da possibilidade de omissão do sujeito, a fixação positiva do PSuN seria também responsável por uma série de outros fenómenos: a possibilidade de o sujeito ocorrer pós-verbalmente, a ausência aparente de efeitos que-vestígio /"that-trace effect", a possibilidade de haver extracção longa do sujeito e ainda pronomes resumptivos vazios em orações encaixadas. 3 Para uma revisão de algumas das propostas mais significativas (Chomsky (1981) e (1982), Huang (1984) e (1989), Hyams (1986) e (1994), Jaeggli & Safir (1989), Koopman & Sportiche (1988), Rizzi (1982), (1986) e (1994), entre outras) pode consultar-se Lobo Gonçalves (1994). 4 Em hebraico, só existem sujeitos nulos nos tempos passado e futuro e apenas com a 1ª e 2ª pessoas. Quanto à 3ª pessoa, só são permitidos sujeitos nulos expletivos, não referenciais: (i) a. ('ani) 'axalti 'et ha-banana (Eu) comi acus a-banana b. *('ani) 'oxelet 'et ha-banana *(Eu) como acus a-banana c. ('ani) 'oxal 'et ha-banana (Eu) comerei acus a-banana (ii) a. ('atem) 'axaltem 'et ha-banana (Vós) comestes acus a-banana b. *('atem) 'oxlim 'et ha-banana *(Vós) comeis acus a-banana c. ('atem) toxlu 'et ha-banana (Vós) comereis acus a-banana (iii) a. *(hu) 'axal 'et ha-banana *(Ele) comeu acus a-banana b. *(hu) 'oxel 'et ha-banana *(Ele) come acus a-banana c. *(hu) yoxal 'et ha-banana *(Ele) comerá acus a-banana (cf. Borer (1983:208)) Em alemão, língua que não admite geralmente sujeitos nulos, encontramos sujeitos nulos expletivos não-argumentais: (iv) a. Ich glaube daβ *(er) sympatisch ist. Eu penso que *(ele) simpático é. b. Er sagte daβ *(es) regnet. Ele disse que *(ele) chove. (cf. Safir (1985: 216)) c. Er sagte daβ (*es) ihm scheint daβ Hans den Hund getötet hat. Ele disse que (*ele) lhe parecia que Hans o cão matado tinha. (cf. Jaeggli & Safir (1989: 19)) 5 Numa perspectiva minimalista, tende-se para uma máxima economia, passando os movimentos a ser exigidos idealmente apenas em Forma Lógica (FL), para efeitos de verificação morfológica. Só haverá movimentos em Sintaxe quando esta for a única forma de salvar uma estrutura que, caso contrário, "rebenta", por ter traços morfológicos demasiado fortes, que permanecerão visíveis e serão incapazes de sobreviver em Forma Fonética (FF). 6 Esta frase é gramatical mas não com a interpretação em que o sujeito está focalizado. 7 Por razões de ordem prática, trataremos aqui apenas das orações não dependentes. 8 Com base em comportamentos distintos de pro e de pronomes fortes, nomeadamente a possibilidade de os primeiros, mas não os segundos, funcionarem como variáveis, Rigau (1988) sugere que pro ocupa uma posição argumental e que pronomes fortes ocupam uma posição não argumental. Estes funcionariam como uma espécie de operadores/expressões quantificadas ligando um pro de tipo resumptivo. 9 "(...) I take Spec of Σ to be the position for topic subjects, while Spec of AgrS and Spec of T are positions for subjects which are not the topic of the sentence." (Martins (1993)) Referências bibliográficas Ambar, M. (1988) Para uma Sintaxe da Inversão Sujeito-Verbo em Português, Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, Lisboa (publ. Ed. Colibri, Lisboa, 1992). Benveniste, E. (1966) "La nature des pronoms", in Problèmes de Linguistique Générale 1., Gallimard, Paris, 251-257. Borer, H. (1983) Parametric Syntax. Case Studies in Semitic and Romance Languages, Foris, Dordrecht. Chomsky, N. (1981) Lectures on Government and Binding, Foris Publications, Dordrecht. Chomsky, N. (1982) Some Concepts and Consequences of the Theory of Government and Binding, The MIT Press, Cambridge Mass. Chomsky, N. 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