Alimentação Etiologia dos Transtornos Alimentares Claudia Cozer – Doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; membro da Diretoria da ABESO. Fernanda Pisciolaro – Nutricionista do Ambulatório de Transtorno Alimentar (Ambulim) do Hospital das Clínicas da FMUSP; membro do Departamento de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da ABESO. O s transtornos alimentares possuem etiologia multifatorial, resultado da interação de vários fatores que afetam o início e a perpetuação da doença. Esses fatores se dividem em predisponentes, precipitantes e mantenedores. Entendemos por predisponentes aqueles que aumentam as possibilidades da pessoa ter um transtorno alimentar como, por exemplo, tendência à obesidade, eventos adversos (abuso sexual, perdas importantes, bullying), genética, padrão familiar e fatores sócio-culturais (padrões de beleza rígidos, culpa ao se alimentar etc). Os precipitantes são responsáveis pelo início dos sintomas e, na grande maioria dos casos, relacionados à prática de dietas. Os mantenedores são responsáveis pela perpetuação ou não da doença. Dentre os fatores biológicos envolvidos, podemos observar algumas alterações de neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina, sendo, porém, pouco conclusivo se tai alterações são prévias ao desenvolvimento do transtorno alimentar ou decorrem da restrição alimentar ou de padrões caóticos envolvendo as compulsões alimentares. Estudos em genética têm cada vez mais examinado o papel da hereditariedade e da genética no desenvolvimento de transtornos alimentares. Frequentemente encontrados em vários membros da mesma família, são de 3 a 10 vezes mais comuns em parentes de indivíduos que sofrem de um transtorno alimentar. A pesquisa genética mudou o foco do tratamento dos transtornos alimentares, dando uma atenção maior aos sinais precursores, buscando a prevenção e a inclusão da família no tratamento. A adolescência é um período de aumento de risco de desenvolvimento dos transtornos alimentares, em que intensas transformações físicas e sociais ocorrem, assim como muoutubro 2012 – ABESO 59 – 15 “A pesquisa genética mudou o foco do tratamento dos transtornos alimentares, dando uma atenção maior aos sinais precursores, buscando a prevenção e a inclusão da família no tratamento”. danças no comportamento alimentar que, por sua vez, recebe influências da autoimagem, autoestima, aceitação corporal, necessidades fisiológicas e individuais, preferências, valores, amigos, relações familiares, cultura, ambiente social e escolar, mídia, modismo e experiências adquiridas ao longo da vida. O bullying, frequentemente presente nas escolas, pode ser caracterizado como ações repetidas e intencionais, sem motivo claro, que causam dor e angústia, que são facilitadas pela dificuldade de aceitação das diferenças, tornando tais indivíduos foco de ato violento, frequentemente levando-os à depressão e a baixa autoestima. Um estudo feito por Griffiths et al. (2006) mostrou que a obesidade em meninos e meninas pode ser um importante alvo para o bullying, e que tais jovens estão mais propícios a terem problemas com ansiedade, baixa autoestima, depressão, timidez e alterações comportamentais. O bullying pode também levar os jovens ao desenvolvimento tanto de obesidade quanto de transtornos alimentares. Alguns fatores psicológicos podem ser citados como padrões comuns em pessoas com transtornos alimentares, tais como perfeccionis16 – ABESO 59 – outubro 2012 mo, distorções cognitivas, rigidez de comportamento, necessidade de manter controle absoluto, impulsividade, autocrítica muito elevada e baixa autoestima. A autoestima pode ser caracterizada como um juízo pessoal que a pessoa tem sobre si e expressa repulsa ou aprovação sobre si. Caso seja depreciada, pode estar relacionada à depressão, suicídio, ansiedade e sentimentos de inadequação. Na associação com os transtornos alimentares, tais pacientes tendem a buscar um corpo “perfeito” ou um peso extremamente baixo, na busca por uma melhora em sua autoestima, o que certamente não acontece com a mudança corporal, muitas vezes cronificando a situação alimentar transtornada. Alguns estudos têm mostrado que na infância e adolescência valoriza-se muito a aparência física e que as práticas restritivas aumentam a insatisfação com a imagem corporal. Muitos deles auto caracterizam-se como obesos, mesmo quando eutróficos, e as meninas com IMC maior tendem à menor autoestima e desejam um corpo mais magro. Além disso, muitas das crianças que desejam emagrecer acreditam que este é o desejo de seus pais. Uma revisão realizada por Haines e Neumark-Sztainer (2006) retratou que cerca de 60% das meninas e 29% dos meninos tinham o desejo de perder peso. Dos fatores preciptantes ao desenvolvimento dos transtornos alimentares, ou seja, que marcam o início do transtorno, podemos verificar que a prática de dietas é o fator isolado de maior evidência. As dietas levam ao estado de fome, diminuição do metabolismo, aumento da eficiência no armazenamento de energia – que leva a maior ganho de peso por cada caloria consumida -, diminuição na taxa de perda de peso a cada dieta, aumento na taxa de reganho de peso, além de causar letargia, irritabilidade, e obsessão pela comida. Alguns fatores são também citados como mantenedores dos transtornos alimentares, quando esses já estão instalados. A presença de distorções cognitivas, as purgações, os distúrbios de imagem corporal, ganhos secundários com o transtorno alimentar, padrões psicológicos e familiares, além das questões sócio-culturais são exemplos. A identificação dos fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares pode ajudar na sua prevenção, principalmente quando falamos de uma população mais jovem. c