566 TRIBUNAL DE JUSTIÇA VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006417-10.2009.8.19.0208 RELATOR: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES APELANTE: MARLUCIA BARBOSA DE ANDRADE E OUTROS APELADO: GAMEM - Grupo de Assistência Médica APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. SERVIÇOS MÉDICOS. CLÍNICA DE ASSISTENCIA MÉDICA NEFROLOGICA. CONTAMINAÇÃO POR VIRUS DA AIDS. FALHA NÃO DEMONSTRADA. VÍCIO DE INFORMAÇÃO EM RELAÇÃO AO PACIENTE E FAMILIARES. DANO MORAL. 1. Pretendem os autores indenização por dano moral advindo da falha no serviço da ré que levou a contaminação de paciente pelo vírus HIV quando realizava sessões de hemodiálise nas dependências da ré. 2. A conclusão simples e lógica dos autores ante a contaminação no decorrer do período em que o autor se tratava na clínica ré não leva em conta fato que o autor originário omite em sua inicial de que, no decorrer de seu tratamento junto à ré, viera a ser internado no hospital Rocha Faria tendo recebido transfusão de 4 bolsas de sangue fornecido pelo Instituto de Hematologia do Hemorio. Diante de tais circunstâncias, o laudo pericial produzido nos autos se mostra inconclusivo acerca da contaminação ter se dado nas dependências da ré ou em decorrência do material transfundido no Hospital Rocha Faria. 4. O reaproveitamento dos chamados filtros dialisadores no tratamento de pacientes com insuficiência renal não é vedada pela Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA de n. 154/2004 obviamente impondo cautelas que visem a assepsia correta do material e sua utilização por um único paciente, fato que a ré alega ser de praxe e que foram verificadas pelo perito in locum. 5. Ainda que reconhecido para ré o reaproveitamento do filtro dialisador utilizado pelo autor, paciente soropositivo, violando assim normas da Anvisa, circunstância esta que se deduz advindo do desconhecimento da ré de tal condição, ad 1 MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES:000009673 Assinado em 29/01/2015 19:39:57 Local: GAB. DES MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES 567 não se mostra hábil a mesma a ensejar o contágio se somente o paciente usa aquele material. Por uma lógica simples, se a ré demonstra que cada paciente tem separado individualmente em gavetas o seu filtro dialisador somente a troca entre pacientes poderia ocasionar o contágio e isto não foi demonstrado na demanda. 6. Confrontadas as possibilidades de contágio na hipótese, vê-se que o expert reafirma a excelência do serviço prestado pelo Hemorio porém reconhece casos conhecidos de contaminação de pacientes que receberam material da renomada instituição; ao revés, dadas as cautelas na prestação do serviço realizada pela ré ante a imposição das normas que regem tal atividade, não foram noticiados casos de contaminação advinda de tratamento de hemodiálise pelo que tal hipótese é considerada pelo perito como improvável. 7. Acerca do vício de informação, a tentativa da ré de impor ao laboratório conveniado à empresa a responsabilidade pela ausência informação do exame anual que deveria ter sido feito não prospera dada a responsabilidade objetiva e solidária que volta a ambas as empresas, ora advinda da relação de consumo que se vislumbra na hipótese, nos termos do § único do art. 7º do C.D.C., integrando ambas a mesma cadeia de consumo bem como em razão do que dispõe o art. 18 do citado diploma legal. 8. Evidente que a ausência de tal informação, dado o delicado quadro de saúde do autor originário, representava risco de agravamento de seu estado por complicações advindas da grave doença a que fora exposto, violando assim o art. 6 inciso III do CDC, ensejando o dano moral que reclama a reparação em bases justas e adequadas às circunstâncias do caso eis que excessivo o valor pleiteado pelo autor. 9. Recurso parcialmente provido Vistos, relatados e examinados os autos da Apelação Cível nº. 0006417-10.2009.8.19.0208, em que figuram como apelante MARLUCIA BARBOSA DE ANDRADE E OUTROS sendo apelada GAMEM - Grupo de Assistência Médica. ACORDAM os Desembargadores que compõem a ad 2 568 Vigésima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso apresentado, nos termos do voto do relator, por unanimidade. Trata-se de ação indenizatória onde alegam autores, herdeiros do autor originário habilitados na demanda, ora apelantes, em síntese, que o autor originário adquiriu o vírus HIV em procedimentos de hemodiálise que realizava na clínica ré, visto ser paciente de doença renal crônica; que realizou o tratamento de março/abril de 2007 a agosto de 2008, tendo realizado exames de sangue prévios, nos quais não foram constatadas anormalidades nem a presença de qualquer outra doença inclusive o Vírus HIV; que ao ser transferido para tratamento em outra clínica mais perto de sua residência foi detectada a presença do vírus em exame de admissão do paciente, pelo que requereu ao final a procedência do pedido com a condenação da ré a indenização por dano moral visto a perda de objeto dos demais pedido com o falecimento do autor originário. A sentença proferida às e-fls. 521/523 julgou improcedentes os pedidos autorais por entender que não há como se afirmar que o contágio ocorreu por prática irregular pelos prepostos da ré; que a reutilização de dialisadores é permitida nos moldes estabelecidos pela legislação; que o laudo informa não ser possível verificar onde e quando o autor foi contaminado, vendo-se que o autor já havia sido hospitalizado em abril/2007 e recebido sangue transfundido com possibilidade de contágio. Apelaram os autores apresentando suas razões às e-fls. 525/540 onde alega, em síntese, que a causa de pedir não dizia respeito somente ao contágio mas também a ausência de informação quanto ao mesmo eis que o autor realizou exame periódico antes de mudar o local de tratamento e tal resultado, omitido do paciente e sua família, já acusava a doença; se a empresa contratou laboratório para realizar os exames, caberia a ela fiscalizar a prestação deste serviço assim como cobrar resultados, providenciando outro local em caso de omissão; que a empresa não impugna o fato de ter se omitido no tocante as informações que deveria prestar ao autor a a sua família; que a empresa não demonstra excludente de sua responsabilidade; que a ré confessa a reutilização do filtro dialisador, o que é vedado pela resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa 154 de 15/07/2004 ademais em pessoas ad 3 569 soropositivas; que a ré informa o uso de dialisadores individuais, guardados em gavetas; que tal se mostra irregular pois os dialisadores deveriam ser descartados; que descabida a alegação da ré acerca do desconhecimento da contaminação ou janela imunológica, pois o resultado do exame periódico não foi divulgado; que o laudo pericial não descarta a possibilidade de contaminação pelo vírus HIV em sessões de hemodiálise, esperando ao final o provimento do apelo com a reforma integral da sentença recorrida. Contrarrazões apresentadas às e-fls. 543/555. É O RELATÓRIO. DECIDO : Pretendem os autores indenização por dano moral advindo da falha no serviço da ré que levou a contaminação de paciente pelo vírus HIV quando realizava sessões de hemodiálise nas dependências da ré. Dois pontos principais norteiam a presente demanda - a verificação da responsabilidade da ré no contágio do autor pelo vírus HIV e a violação ao dever de informação advindo da omissão da empresa ré no repasse de informações contidas em exame de sangue anualmente realizado pelo paciente. A tese autoral da responsabilidade da empresa pelo contágio baseia-se no fato do autor ter sido diagnosticado com o vírus HIV por ocasião da realização de exame admissional junto à clínica que sucedeu à ré no tratamento realizado pelo autor. Confrontado com o resultado do exame admissional junto à ré que dera resultado negativo para o vírus concluíram os autores que a contaminação se dera por ocasião de seu tratamento, nas sessões que eram realizadas várias vezes por semana na clínica ré. A conclusão simples e lógica, dado o quadro de saúde do autor e o tratamento realizado junto à ré de 18/04/2007 a agosto/2008 esbarra, entretanto, em circunstância que o autor omite em sua inicial e que possui grande relevância no deslinde da questão - o autor, com grave crise de ulcera gástrica no decorrer de seu tratamento junto à ré, em 14/11/2007, vem a ser internado no hospital Rocha Faria e recebe ad 4 570 transfusão de 4 bolsas de sangue fornecido pelo Instituto de Hematologia do Hemorio, recebendo alta em 20/11/2007. Diante de tais circunstâncias, o laudo pericial produzido nos autos em e-fls. 385/391 se mostra inconclusivo acerca da contaminação ter se dado nas dependências da ré ou em decorrência do material transfundido no Hospital Rocha Faria (e-fls. 389 quesito 15 do autor). A míngua de exames eficazes que detectassem naquele hospital público a contaminação do paciente, imputar a ré a responsabilidade pelo contágio seria especular com base em fatos não demonstrados e que o autor insiste em imputar à ré - em especial a troca de filtros dialisadores entre pacientes. O reaproveitamento dos chamados filtros dialisadores no tratamento de pacientes com insuficiência renal não é vedada pela Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA de n. 154/2004 obviamente impondo cautelas que visem a assepsia correta do material e sua utilização por um único paciente, fato que a ré alega ser de praxe e que foram verificadas pelo perito in locum. Obviamente que, visando dar mais segurança aos pacientes das instituições que realizam o tratamento de hemodiálise, a dita resolução veda a reutilização dos filtros dialisadores e linhas arteriais e venosas em pacientes soropositivos, falha que a ré reconhece ter cometido em relação ao autor supostamente por desconhecer sua condição de soropositivo eis que o perito narra em seu laudo ter observado na clínica o procedimento padrão de utilização de filtros novos em pacientes com esta condição. É de se concluir pelo desconhecimento da empresa da condição do autor de soropositivo em vista dos argumentos que apresenta na tentativa de denunciar à lide o laboratório que realizava os exames anuais dos pacientes sustentando sua responsabilidade por não lhe terem sido passadas informações acerca do exame anual realizado pelo autor. Tal falha (o reaproveitamento do filtro dialisador do paciente soropositivo), entretanto, não se mostra hábil a ensejar o contágio se somente o paciente usa aquele material. Por uma lógica ad 5 571 simples, se a ré demonstra que cada paciente tem separado individualmente em gavetas o seu filtro dialisador (e-fls. 139) somente a troca entre pacientes poderia ocasionar o contágio e isto não é demonstrado na demanda. Não há como se imputar à ré uma responsabilização por fato de tal gravidade com base em informações não demonstradas que os familiares do autor alegam ter ouvido na clinica por parte de funcionários de que os filtros eram trocados entre os pacientes considerando que até mesmo o local de tratamento e horários dos pacientes soropositivos eram diferenciados dos demais pacientes (vide efls. 385/386 item II - Visita na Clínica Gamen). Confrontadas as possibilidades de contágio na hipótese, vê-se que o expert reafirma a excelência do serviço prestado pelo Hemorio porém a impossibilidade de detecção da contaminação em material colhido de doadores com contaminação recente levou a casos conhecidos de contaminação de pacientes que receberam material da renomada instituição; ao revés, dadas as cautelas na prestação do serviço realizada pela ré ante a imposição das normas que regem tal atividade, não foram noticiados casos de contaminação advinda de tratamento de hemodiálise pelo que tal hipótese é considerada pelo perito como improvável. Restando, portanto, pouco provável que a contaminação tenha se dado por falha da ré, neste ponto a responsabilização pretendida não prospera, restando unicamente a questão acerca do vício de informação. A tentativa da ré de impor ao laboratório conveniado à empresa a responsabilidade pela ausência informação do exame anual que deveria ter sido feito não prospera dada a responsabilidade objetiva e solidária que volta a ambas as empresas, ora advinda da relação de consumo que se vislumbra na hipótese, nos termos do § único do art. 7º do C.D.C., integrando ambas a mesma cadeia de consumo bem como em razão do que dispõe o art. 18 do citado diploma legal. Evidente que a ausência de tal informação, dado o delicado quadro de saúde do autor originário, representava risco de agravamento de seu estado por complicações advindas da grave doença a que fora exposto, violando assim o art. 6 inciso III do CDC, ensejando o ad 6 572 dano moral que reclama a reparação em bases justas e adequadas às circunstâncias do caso. Vista a capacidade econômica das partes, o objetivo compensatório ao que se acresce um componente pedagógico-punitivo que objetiva impulsionar a ré a melhoria de seus serviços, diante das circunstâncias do caso concreto - eis que ausente demonstração efetiva de que óbito do autor originário tenha advindo de circunstância exclusivamente relacionada ao contágio em si, excessivo o valor indenizatório pleiteado pelo que justo e adequado ao caso o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), a ser corrigido desde a presente data nos termos da sumula 97 deste Tribunal e com juros legais desde a citação diante da responsabilidade de natureza contratual nos termos do art. 405 do CC/2002, ambos até a data do efetivo pagamento. Diante do que orienta o verbete da súmula 105 deste Tribunal, vista a perda de objeto dos demais pedidos apresentados na inicial com o falecimento do autor originário no curso da demanda, deve a ré arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação. Assim, voto no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso apresentado reformar a sentença recorrida e condenar a ré a pagar ao autor o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização por dano moral, a ser corrigido desde a presente data e com juros legais desde a citação, ambos até a data do efetivo pagamento. Rio de Janeiro, MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES DESEMBARGADOR RELATOR ad 7