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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências da Saúde - Instituto de Bioquímica Médica
BMQ 104 – Medicina (2012/1)
OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS
As questões a seguir são relacionadas ao metabolismo oxidativo dos lipídios, isto é, à
quebra das longas cadeias de ácido graxo em unidades menores com o propósito de obter
energia para o organismo. A maior parte delas foram feitas a partir dos conceitos elaborados em
artigos clássicos sobre o assunto. Desta forma, para orientar as suas respostas, é necessário que
você tenha sempre em mente o quadro metabólico em questão. Para isto, a primeira pergunta
que você deve responder é: Quando ou em que situação o organismo vai lançar mão de suas
reservas lipídicas e degradar lipídios?
1.
Os lipídios formam um conjunto de compostos que tem como principal característica a
baixa solubilidade em água. Estes compostos são bastante solúveis em solventes orgânicos e
podem ser classificados de várias maneiras. Compare os diferentes tipos de lipídios e procure
encontrar propriedades que justifiquem as suas diferentes funções nos sistemas vivos.
2. A Tabela abaixo mostra as quantidades das moléculas orgânicas mais abundantes nos
seres vivos, presentes em um homem adulto de aproximadamente 70 Kg.
Reserva
g
kJ
Dias em jejum
Triacilgliceróis (tecido adiposo)
9000
337000
34
Glicogênio (fígado)
90
1500
0,15
Gicogênio (músculo)
350
6000
0,6
20
320
0,03
8800
150000
14,8
Glicose (sangue e outros líquidos
extracelulares)
Proteína (músculo principalmente)
A partir destes números, discuta a importância de cada uma como fonte de reserva de energia.
•
Todos os seres vivos apresentam essa mesma composição?
•
A partir dos dados da tabela, compare o rendimento energético da oxidação completa de
ácidos graxos com proteinas e glicídeos. Dica: Compare a fórmula de um açúcar, um
lipídeo simples, um aminoácido e procure explicação para a diferença no rendimento
energético.
1
Muito embora se fale que nosso principal combustível é a glicose, usada preferencialmente
•
por vários tecidos, você pode observar que grande parte do nosso estoque energético está
na forma de triacilglicerol. Por quê? O que faz destas moléculas boas formas de reserva?
Discuta.
Discuta separadamente o papel de cada um no jejum de curto e longo prazo (horas e
•
semanas, respectivamente).
Algumas informações úteis:
Um ser humano, hidratado e com balanço eletrolítico equilibrado consegue sobreviver sem
ingestão de calorias de 30-40 dias.
3. Até o início do século passado acreditava-se que os constituintes corporais de um animal
adulto eram bastante estáveis, enquanto que os nutrientes que vinham da dieta eram
prontamente utilizados para liberar energia, apenas o excesso era estocado e os produtos finais
eram excretados. Falando mais especificamente de lipídios considerava-se que estas moléculas
presentes no tecido adiposo eram um estoque “inerte” de energia utilizada apenas em situações
de jejum prolongado.
Em 1935 Schoenheimer realizou os primeiros experimentos com marcação metabólica,
administrando gordura marcada com deutério a camundongos. Na série de experimentos
realizados, foi usada uma dieta com quantidade de comida insuficiente para os animais manterem
seu peso. Dentre os resultados obtidos, ele observou que ao alimentar camundongos por 8 dias
com gordura marcada com deutério (20 % de gordura), esses apresentaram uma leve perda de
peso.
Schoenheimer, R and Rittenberg, D. Deuterium as an indicator in the study of intermediary metabolism III. The role
of the fat tissues. J. Biol. Chem. 111: 175-181. 1935.
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a) Que conclusões você tiraria com relação ao metabolismo dos triacilgliceróis do tecido adiposo?
b) Contraponha este achado com a visão anterior a respeito do estoque de lipídios anterior aos
experimentos de Schoenheimer.
4. Em 1904, Franz Knoop realizou algumas experiências que se tornaram exemplos de
engenhosidade e pioneirismo na história da Bioquímica. Knoop alimentou cães com ácidos graxos
saturados de cadeia linear marcados quimicamente, com um radical fenila ligado ao carbono
ômega. Na urina dos cães alimentados com ácidos graxos com número par de átomos de
carbono (como fenilbutirato, por exemplo), Knoop encontrou somente ácido fenilacético (na forma
de fenil acetil glicina). Na urina dos cães alimentados com ácidos graxos de número impar de
átomos de carbono (como fenilpropionato, por exemplo), Knoop encontrou o benzoato (na forma
de benzoil glicina, conhecido também como hipurato). Como você interpretaria estes resultados?
A partir dos produtos encontrados por Knoop na urina dos cães, proponha um modelo coerente
sobre a quebra e utilização dos ácidos graxos.
Knoop, F. Der Abbau aromatischer Fettsäuren im Tierkörper. Beitr. Chem. Physiol. Pathol. 6: 50 -162. 1904
5. Em 1913, as observações de Otto Warburg sugeriram que a oxidação de metabólitos por
oxigênio molecular ocorria em sistemas enzimáticos altamente organizados que estavam
associados à porção particulada, portanto insolúvel, da célula. As experiências de G. H.
Hogeboom em 1946 mostraram que as atividades de succinato desidrogenase e citocromo
oxidase ocorriam na fração de “grandes grânulos”. Em 1948, G. H. Hogeboom, W. C. Schineider e
G.E. Pallade mostraram que esses “grandes grânulos” isolados eram morfologicamente idênticas
às mitocôndrias observadas em células intactas.
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Em 1949, Eugene P. Kennedy e Albert L. Leningher, usando o método de Hogeboom e
cols. (1948) para isolamento de grandes grânulos de fígado, estudaram a oxidação de vários
compostos pelas diferentes frações. Analise os resultados deste experimento, mostrados na
Tabela I, discuta e tire suas conclusões.
Atividade de frações subcelulares de fígado de rato na oxidação de intermediários do ciclo de Krebs
Fração
Substrato
Mitocôndria
“ppt Nuclear.”
Sobrenadante
Consumo de oxigênio (µMol)
Citrato
7.10
α-cetoglutarato
6.30
Piruvato+oxaloacetato
7.10
nenhuma
0.18
Citrato
1.90
α-cetoglutarato
1.70
Piruvato+oxaloacetato
0.98
nenhuma
0.00
Citrato
0.54
α-cetoglutarato
0.00
Piruvato+oxaloacetato
1.40
nenhuma
0.31
Kennedy e Lehninger estudaram também a oxidação de outros compostos (inclusive o octanoato,
um ácido graxo de 8 carbonos), pela fração mitocondrial. Os resultados obtidos são mostrados na
tabela a seguir. Analise estes resultados e tire as conclusões possíveis.
Formação de ATP e respiração em preparação de mitocôndria isolada
o
Experimento N
1
2
Substrato
Consumo de O2 (µM)
Fosfato esterificado (ATP) (γ)
nenhum
0.18
24.2
Citrato
7.1
106
α-cetoglutarato
6.3
113
Piruvato+oxaloacetato
7.1
113
Nenhum (0.0001 M
0.5
37
4.5
121
malato adicionado)
Octanoato
Warburg, O. Arch. ges. Physiol. 164: 599. 1913.
Hogeboom, G. H. Succinic dehydrogenase of mammalian liver. J. Biol. Chem. 162: 739-740. 1946.
Hogeboom, G. H., Schneider, W. C., and Palade, G. E. Cytochemical Studies of Mammalian Tissues. I. Isolation of
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Intact Mitochondria from Rat Liver; Some Biochemical Properties of Mitochondria and Submicroscopic Particulate
Material. J. Biol. Chem. 172:619–635.
635. 1948.
Kennedy, E. P., and Lehninger, A. L. Oxidation of Fat
Fatty
ty Acids and Tricarboxylic Acid Cycle Intermediates by Isolated
Rat Liver Mitochondria. J. Biol. Chem. 179, 957
957–972. 1949.
6. Em 1949, em um outro trabalho, Kennedy e Lehninger,
Lehninger, através de medidas de oxigênio
consumido estudaram os requerimentos necessários para a oxidação de oleato. Analise a figura
abaixo e tire suas conclusões. Não se esqueça de ter em mente as vias metabólicas que
contribuem de maneira efetiva para o consumo de oxigênio
xigênio na mitocôndria. Por que na ausência
de ATP o consumo de oxigênio é tão mais baixo? Qual o papel do ATP no processo de utilização
de ácidos graxos como fonte de energia?
7. Em 1945, Lehninger estudando a oxidação de octanoato e o Ciclo de Krebs obteve os
seguinte resultados:
Change
Citrate
acetoacetate
formation
1
0
3.3
+
89
3
29.8
3. Octanoate
-
216
143
4.7
4. Octanoate
+
319
57
58.4
5. Pyruvate
-
167
158
4.5
6. Pyruvate
+
259
49
71.6
7. Acetoacetate
-
2
-4
3.9
8. Acetoacetate
+
81
-6
28.7
Substrate
Fumarate
O2 uptake
1. None
-
2. None
Lehninger, A. L. Fatty acid oxidation and the krebs tricarboxylic acid cycle. J. Biol. Chem. 161: 413
413-414. 1945.
Analise a tabela acima e discuta os prováveis destinos dos esqueletos de carbono do
octanoato e do piruvato. Tente em cada caso descobrir que via ou que vias prevalecem (Ciclo de
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Krebs e/ou β-oxidação). Não se esqueça que os experimentos foram feitos na presença de
malonato que é inibidor da succinato desidrogenase.
8. Em 1955 Irving B. Fritz verificou que a oxidação de ácidos graxos em homogenato de
fígado era altamente estimulada quando uma pequena fração de homogenato de músculo era
adicionada ao meio de reação. Neste mesmo trabalho, Fritz sugeriu que a molécula ativadora era
a carnitina, um derivado do metabolismo de aminoácido, extremamente abundante nos tecidos
musculares. Em 1963, em um outro artigo, Fritz e Yue realizaram uma série de experimentos para
observar como a carnitina participaria no processo de oxidação dos ácidos graxos. No primeiro
(tabela 4), eles observaram o efeito da carnitina na oxidação completa de palmitato-14C
(produção de 14CO2), na presença de cofatores como ATP e CoA. Em seguida, (tabela 3)
comparou o efeito da carnitina na respiracão utilizando as formas ativada (Palmitoil-CoA) e não
ativada do palmitato na ausência de ATP.
Finalmente, testou a respiração de mitocôndrias
incubadas com diferentes substratos na presença e ausência de carnitina (figura 2).
Fritz, I. B. The effects of muscle extracts on the oxidation of palmitic acid by liver slices and homogenates. Acta
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Physiol. Sand., 34: 367. 1955.
Fritz, I. B. and Yue, K. T. Long-chain carnitine acyltransferase and the role of acylcarnitine derivatives in the
catalytic increase of fatty acid oxidation induced by carnitine. Lipid Research, 4: 279. 1963.
Com base nos resultados obtidos, proponha um modelo que explique o papel da carnitina na
oxidação dos ácidos graxos. Não esqueça de considerar os compartimentos celulares nos quais
se encontram os ácidos graxos (palmitato e palmitoil CoA) e aonde ocorre a beta- oxidação.
9. Descreva em poucas linhas o processo da β-oxidação, incluindo os fatos relevantes do ponto
de vista termodinâmico. Quais são os produtos da última volta? Qual a importância, na sua
opinião desta última etapa da β -oxidação, ou seja, a tiólise?
10. Em meados do século XIX, M. Rupstein observou a existência de acetona na urina de uma
mulher de 40 anos que sofria de Diabetes Mellitus grave. Alguns anos depois se verificou que a
ocorrência de acetona na urina de diabéticos era acompanhada de ácidos graxos de quatro
carbonos: β-hidroxibutirato e o acetoacetato. Estes três compostos passaram a ser chamados de
corpos cetônicos.
Sabe-se que o diabético grave sofre uma acentuada perda de massa corporal. Outra
observação importante é que a maior parte dos ácidos graxos encontrados em tecidos animais
possuem número par de átomos de carbono.
Qual seria a provável relação entre o fato das pessoas diabéticas serem magras e portanto,
apresentarem pouca massa lipídica, e o aparecimento dos "corpos cetônicos" na urina. Relacione
as informações acima e proponha um modelo simples e coerente da utilização energética de
ácidos graxos.
Rupstein, F. On the appearance of acetone in urine in diabetes mellitus, Journal of anatomy and physiology IX, 439.
1875.
11. Em 1906, Embden e Kalberlah demonstraram que a perfusão de fígado com ácidos graxos
de cadeia linear e número par de átomos de carbono levava ao aparecimento de acetoacetato, βhidroxibutirato e acetona. Estes compostos eram encontrados em grande quantidade no sangue e
urina do homem e animais diabéticos. Em animais normais, estes compostos não eram
encontrados em quantidades significativas. Quando se administrava rações muito ricas em
gorduras era possível encontrar corpos cetônicos no sangue e na urina de animais normais.
No mesmo ano, Embden e Kalberlah verificaram que não havia formação de corpos
cetônicos em preparações perfundidas de músculo, pulmão ou rim, com ácidos graxos. Desta
forma pôde-se concluir que a produção de corpos cetônicos era restrita ao fígado. Em 1912, A.
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Loeb verificou que a perfusão de fígado isolado com acetato, aumentava bastante a formação de
acetoacetato. Em 1935, M. Jowett e Juda H. Quastel verificaram que o fígado era capaz de
catalisar a redução do acetoacetato a β-hidroxibutirato, mas somente tecidos extra-hepáticos,
como rim, coração e músculo esquelético, eram capazes de oxidar completamente os corpos
cetônicos. Com base nas conclusões destes e outros achados, tente imaginar de que maneira e
em que condições poderiam os corpos cetônicos produzidos pelo fígado serem utilizados pelos
tecidos extra-hepáticos.
Embden, G. and Kalberlah F. Acetone formation in the liver. J. Chem. Soc ii, 375. 1906.
Embden, G. and Kalberlah, F. Beitr. chem. Physiol. u. Path 8: 121. 1906.
Jowett, M. and Quastel, J. H. Studies in fat metabolism III. The formation and breakdown of acetoacetic acid in
animal tisues. Biochem. J. 29: 2159. 1935.
Loeb, A. Biochem. Z. 47, 118. 1912.
12. Os ácidos graxos esterificados com glicerol são estocados sob forma de triacilglicerol no
tecido adiposo. Para serem oxidados, estes ácidos graxos precisam ser liberados, o que é feito
por reações catalisadas por lipases. Sabendo que as lipases são reguladas por hormônios, dentre
eles a adrenalina e glucagon, você seria capaz de predizer os efeitos destes hormônios na
atividade lipolítica? Justifique sua resposta com base na economia metabólica do organismo.
13. Por quê os corpos cetônicos são encontrados nos líquidos corporais e urina de pessoas
diabéticas? Quais as consequências da alta taxa de corpos cetônicos nos líquidos corporais,
sabendo que são ácidos de pK bastante baixos?
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