O poder de Darwin Richard Dawkins Free Inquiry, 29 (2): 28-29, 2009 (Bicentenário de Darwin). Charles Darwin teve uma grande idéia, provavelmente a mais poderosa das idéias. Uma idéia poderosa presume pouco para explicar muito. Ela fornece uma grande explicação enxuta, ao mesmo tempo que desperdiça pouco com pressuposições e postulações. Ela dá pleno sucesso ao avanço explicativo. Sua Razão Explanatória – o que ela explica dividido pelo que ela necessita presumir para dar a explicação – é grande. Poder de uma teoria = O que ela explica ----------------------------------------------------------------------------O que ela necessita presumir para dar a explicação Qualquer leitor que tenha conhecimento de uma idéia com um maior poder explanatório que a de Darwin, por favor, me avise. A grande idéia de Darwin explica toda a vida e suas conseqüências, e isso significa qualquer coisa que possua mais que uma complexidade mínima. Este é o numerador da Razão Explanatória, e é imenso. Ainda assim, o denominador é espetacularmente pequeno e simples: seleção natural, a sobrevivência não-randômica de genes no conjunto gênico (explicando em termos neodarwinianos, em vez de usar os termos de Darwin). Poder da teoria de Darwin = Complexa diversidade da vida --------------------------------------------------Sobrevivência não-randômica A seleção natural é uma bomba de improbabilidades – um processo que gera improbabilidade estatística. Ela sistematicamente pesa as menores mudanças casuais usadas para sobreviver e as acumula, passinho por passinho, por escalas de tempo inimagináveis, até que a evolução escala montanhas de improbabilidade e diversidade cuja altura e alcance parecem desconhecer limites. Ainda assim é magnificamente tão simples que se pode colocar a grande idéia de Darwin em uma única sentença (novamente, esta é uma maneira neodarwiniana de escrever, não a de Darwin): Dado suficiente tempo, a sobrevivência não-randômica de entidades hereditárias (com seus ocasionais erros de cópia) gerarão complexidade, diversidade, beleza e uma ilusão de design tão persuasivo que é quase impossível de distinguir do design inteligente deliberado. Eu escrevi “com seus ocasionais erros de cópia” em parêntesis porque erros são inevitáveis em qualquer processo de cópia. Não necessitamos adicionar mutação às nossas pressuposições. “Empurrões” mutacionais são fornecidos gratuitamente. “Dado suficiente tempo” também não é um problema – exceto para o problema de compreensão por mentes humanas lutando para embarcar na terrificante magnitude do tempo geológico. É principalmente seu poder de “simular a ilusão de design” que torna a teoria de Darwin tão desafiadora para um certo tipo de mente. O mesmo poder constitui a mais formidável barreira para seu entendimento. Pessoas são naturalmente incrédulas de que algo tão simples possa explicar tanto. Para um observador ingênuo da extraordinária complexidade da vida, parece auto-evidente que ela tenha sido inteligentemente desenhada. Mas o design inteligente (DI) é o polo oposto de uma teoria poderosa: sua razão explanatória é patética. O numerador é o mesmo: tudo que sabemos sobre a vida e sua prodigiosa complexidade. Mas o denominador, longe da simplicidade pura e minimalista de Darwin, é pelo menos tão grande quanto o próprio numerador: uma inteligência inexplicada suficientemente grande para ser capaz de desenhar toda a complexidade que estamos tentando explicar desde o início! Poder da teoria do DI = Tudo -----------------------------------------------------------------------------------------------------Uma inteligência inexplicada grande o suficiente para desenhar tudo Darwin compreendeu o imenso poder de sua teoria. O mesmo ocorreu com Alfred Russel Wallace, o magnânimo herói cuja descoberta independente galvanizou Darwin a engavetar sua obra magna sobre a seleção natural em favor do que ele chamou de seu “resumo”: A origem das espécies. Clamores de prioridade foram feitos em favor de outros, inclusive Patrick Matthew no apêndice de um trabalho sobre cultivo de árvores para construção naval, como Darwin meticulosamente agradeceu na última edição de A origem das espécies. Entretanto, embora Matthew tenha entendido o princípio da seleção natural, não está claro que tenha entendido seu poder para explicar toda a vida. Diferente de Darwin e Wallace, ele parece ter visto a seleção como puramente negativa, uma força capaz de eliminar ervas daninhas, não como a força motora universal. De fato, ele pensou que a seleção natural seria tão óbvia que não necessitaria ser descoberta. Aqui pode estar a resposta para um torturante quebra-cabeças na história das idéias. Depois da brilhante síntese da física feita por Newton, porque levou quase duzentos anos para Darwin chegar em cena? O feito de Newton parece muito mais difícil! Talvez a resposta seja que a eventual solução de Darwin para a peneira da vida é tão surpreendentemente simples que ninguém pensou em procurar por ela. É tão simples que na forma da “sobrevivência do mais apto” (que Darwin adotou de acordo com Herbert Spencer sob a sugestão de Wallace), tem sido mesmo descrita como uma tautologia: os mais aptos são definidos como aqueles que sobrevivem, de modo que a frase seria “sobrevivência dos que sobrevivem”. Mas se ela fosse realmente uma tautologia, a mesma piada poderia ser estendida para a seleção artificial, o acasalamento nãocasual de animais domésticos e plantas (para os quais Darwin devotou muita atenção). Imagine a recepção aborrecida que teria um mau filósofo depois de dizer isso a um criador de gado: “Você está perdendo seu tempo. Nenhum melhoramento da produção leiteira pode vir de uma tautologia”. Mas Darwin não definiu o mais adaptado como aquele que sobrevive. Seus “mais aptos” são aqueles dotados com o melhor equipamento para sobreviver, e isso faz toda a diferença. Além disso, Darwin estava cheio de outras boas idéias (por exemplo, sua engenhosa e largamente correta teoria de como os recifes de corais se formam), mas é de sua grande idéia da seleção natural que estou falando aqui. Penso que ela é ainda mais poderosa do que eu sugeri até agora. Ela não é a explicação para a vida apenas neste planeta, é a única teoria até agora sugerida que poderia, mesmo em princípio, explicar a vida em qualquer planeta. Se a vida existe em outro lugar do universo (e minha melhor aposta é de que existe), por mais estranha e alienígena e esquisita que possa ser sua natureza (e minha aposta é de que será esquisita além da imaginação), alguma versão da evolução por seleção natural darwiniana quase certamente será a responsável por sua existência. Isto pelo menos é o que eu apostaria: no princípio que eu chamei de “Darwinismo Universal”. Mas existe um sentido diferente para Darwinismo Universal contra o qual eu quero advertir. É a utilização indiscriminada de algumas versões deturpadas da seleção natural em todos os campos disponíveis do discurso humano, desconsiderando que seja apropriado ou não. Talvez a companhia “mais apta” sobreviva no mercado, ou a teoria mais apta sobreviva no mercado científico, mas devemos ser pelo menos cautelosos antes de sermos arrastados junto com isso. E, é claro, houve o Darwinismo Social, que culminou na obscenidade do Hitlerismo. Menos detestável, mas ainda intelectualmente infeliz, é a maneira frouxa e acrítica na qual biologistas amadores aplicam a seleção em níveis inapropriados na hierarquia da vida. “Sobrevivência das espécies mais adaptadas, extinção das espécies menos adaptadas” parece superficialmente com a verdadeira seleção natural, mas a semelhança aparente é positivamente enganosa. Como o próprio Darwin sofreu para apontar, a seleção natural trata apenas de sobrevivência diferencial dentro da espécie, não entre elas. A grande idéia de Darwin foi adiante. Se Darwin pudesse retornar para ver, a ciência evolutiva do vigésimo primeiro século o encantaria, excitaria e surpreenderia. Mas ele a reconheceria como dele. Nós estamos apenas colorindo os detalhes. Apostaria meu dinheiro que o mais importante pensador que a espécie humana já produziu foi Charles Darwin. Finalizarei com uma sutileza do legado da grande idéia de Darwin. Darwin erigiu nossa consciência para o vigoroso poder da ciência para explicar a grandeza e a complexidade em termos do pequeno e do simples. Na biologia nós fomos tolos por séculos em pensar que a extravagante complexidade na natureza necessita de uma explicação extravagantemente complexa. Darwin triunfantemente afastou esta ilusão. Ainda existem grandes questões, na física e na cosmologia, que esperam seus próprios Darwins. Porque as leis da física são como são? Por que existem leis da física? Porque existe um universo? Mais uma vez, o engodo do “design” é tentador, mas nós temos o conto de precaução de Darwin diante de nós. Já passamos por isso antes. Darwin elevou nossa consciensiosidade, e nós estamos imbuídos na procura por explicações verdadeiras de poder genuíno. Richard Dawkins, F.R.S., é professor emérito de Entendimento Público da Ciência em Oxford.