OS EFEITOS DO TOQUE SOBRE OS PARÂMETROS VITAIS AUTORAS: Dra. Ana Maria Gonçalves da Silva Palma Dra. Anabela Cerqueira Gomes Dra. Carla Luzia Apolinário Vicente Pimenta Fisioterapeutas do Hospital de Curry Cabral Morada para contacto: Hospital Curry Cabral - Departamento de Fisioterapia Rua da Beneficiência, nº8 – 1050 Lisboa - PORTUGAL Telefone: (01) 7924200 Ext. 1322 E-mail: [email protected] (Carla Pimenta) RESUMO Este trabalho tem como objetivo estudar os efeitos do toque sobre os parâmetros vitais, em doentes internados na Unidade de Cuidados Intensivos (UTI) do Hospital de Curry Cabral. Participaram neste estudo doze doentes. A amostra foi não aleatória e de conveniência, sendo os critérios de inclusão: estarem conscientes, não sedados, monitorizados, sem soluções de continuidade nos membros superiores e não portadores de doença transmissível por contato manual. A cada doente foi realizada uma sequência de estimulação táctil nos membros superiores. Os parâmetros vitais (frequência cardíaca, respiratória e tensão arterial) foram avaliados antes, imediatamente após e quinze minutos depois da intervenção. A sequência foi efectuada duas vezes a cada doente, a primeira sem luvas e a segunda com luvas. Obtiveram-se como resultados uma diminuição significativa da frequência cardíaca na maioria dos doentes e uma tendência para a normalização da tensão arterial. Estes resultados surgiram de forma mais evidente na segunda intervenção. Sugere-se o desenvolvimento de futuros estudos com a eliminação de algumas variáveis. INTRODUÇÃO O fisioterapeuta no desempenho da sua actividade profissional utiliza por excelência as mãos como instrumento de trabalho. Na origem da fisioterapia as técnicas utilizadas baseavam-se sobretudo nas técnicas manuais como a massagem e a mobilização. Nas últimas décadas a evolução tecnológica, muitas vezes, substituiu o contacto manual nos cuidados de saúde. Com o aparecimento de novos equipamentos, o simples e vital acto de tocar tem sido subestimado. No entanto, actualmente o contacto manual é novamente reconhecido e apreciado pelas suas vastas aplicações; é utilizado como acto terapêutico (na sua função instrumental e função afectiva), como forma de comunicação e como técnica facilitadora de interacção; é tema de importantes projectos de investigação na área da saúde, existindo inclusivamente, um instituto de pesquisa sobre o toque. O Touch Research Institute (TRI) é o primeiro instituto do mundo para pesquisa sobre o toque. Tem como principais objetivos: aprofundar os conhecimentos da fisiologia do toque e estudar a importância do contato manual na medicina. Tem a sua sede na Universidade de Miami (EUA), é constituído por uma equipe multidisciplinar, colabora com estudos realizados em universidades de reconhecida idoneidade e desenvolve programas de formação para cientistas, profissionais de saúde e público em geral. Atualmente existem vários estudos em desenvolvimento. A diretora do TRI (DRª Tiffany Field), a propósito da importância do contato manual na espécie humana, faz questão de relembrar que o tato é o primeiro dos sentidos a ser desenvolvido (está presente no útero) e que a maioria das atividades dos recém-nascidos, nas primeiras semanas, é reflexa e está relacionada com o toque. Os resultados obtidos em vários estudos sugerem uma relação entre uma estimulação táctil regular e o aumento de atividade do nervo vago (X par craneano), que é um dos nervos mais extensos e no seu trajeto afeta várias funções corporais. Em 1972, surge nos EUA, um método desenvolvido por Dora Kunz e Dolores Kriger, que utiliza o toque para efeitos terapêuticos: o Therapeutic Touch. Em 1975 foi introduzido no plano de estudos de um curso de enfermagem em Nova York, atualmente é ensinado em várias escolas de enfermagem, em mais de 70 países. É um método desenvolvido e aplicado na enfermagem, embora seja utilizado por vários profissionais de saúde. É realizado em quatro etapas: concentração, avaliação, tratamento e reavaliação. Baseia-se na rearmonização energética através da intencionalidade, com os movimentos das mãos do terapeuta sobre o utente. Os estudos realizados revelam como efeitos o relaxamento, a diminuição da dor, a aceleração dos processos de cura e que interfere no indivíduo como um todo, tendo efeitos benéficos no estado psíquico e social. Com base na experiência profissional e na pesquisa bibliográfica realizada surge a questão: quais serão as alterações mensuráveis que surgem num indivíduo ao ser tocado e será que diferem quando existe contato direto ou quando se usam luvas? Neste estudo foram avaliados os efeitos do toque sobre três dos parâmetros vitais: frequência cardíaca, frequência respiratória e tensão arterial. METODOLOGIA A população é constituída pelos doentes internados na UTI do Hospital de Curry Cabral, durante o período em que decorreu o estudo. Esta é uma unidade polivalente com onze camas de internamento. A amostra selecionada é não aleatória e de conveniência, devido às características da unidade e aos critérios de inclusão, sendo estes: os doentes estarem conscientes, não sedados, monitorizados, sem soluções de continuidade nos membros superiores, não portadores de doença transmissível por contato manual e terem autorizado a sua participação. Este trabalho é um estudo cego, os doentes desconheciam o objetivo e os parâmetros avaliados. Participaram doze doentes, sete homens e cinco mulheres, com idades compreendidas entre os 15 e os 73 anos, com uma média de idades de 55.3. As causas de internamento foram: enfarte agudo do miocárdio (4), insuficiência respiratória aguda (3), necessidade de monitorização no pós-operatório imediato (3) e doença pulmonar obstrutiva crônica (2). Oito doentes estavam em ventilação espontânea e quatro em ventilação mecânica. A cada doente foi realizada uma sequência de estimulação táctil nos membros superiores, da mão até ao terço inferior do braço, começando com uma aproximação sem toque real, progredindo para movimentos de deslizamento sempre no sentido mão-braço, primeiro na face posterior e depois na face anterior. Foi efetuada duas vezes a cada doente, a primeira sem luvas e a segunda com luvas, com um intervalo mínimo de 24 horas. A frequência cardíaca, respiratória e a tensão arterial foram avaliadas antes, imediatamente após e quinze minutos depois da intervenção. Foi escolhido o membro superior pela sua acessibilidade e pela quantidade de receptores tácteis aí existentes. Limitou-se a estimulação até ao terço inferior do braço para não interferir com os catéteres centrais e porque é normalmente com a mão e antebraço que se estabelecem os “contatos sociais”, não querendo invadir a intimidade do doente. Foi efetuada uma standardização dos procedimentos, para desta forma eliminar possíveis variáveis parasitas e elaborou-se uma ficha de avaliação com o objetivo de facilitar e homogeneizar os registos. RESULTADOS Consideraram-se como alterações significativas variações superiores a dois valores para a frequência cardíaca e respiratória e a 20 mmHg para a tensão arterial, uma vez que os parâmetros avaliados não são estanques. Imediatamente após a primeira intervenção (sem luvas) não surgiram alterações significativas da frequência cardíaca na maioria dos doentes (67%), no entanto quinze minutos depois em cinco doentes (42%) observouse uma diminuição (Figura 1). Figura 1 Sem luvas - Imediatamente após 8% SAS 25% Dim 67% Aum Resultados da Frequência cardíaca – Primeira intervenção Sem luvas - 15 minutos depois 8% SAS 50% 42% Dim Aum A segunda intervenção (com luvas) só foi realizada a dez doentes (dois deles tiveram alta da UTI), é de salientar que apenas dois (20%) não apresentaram alterações e que oito (80%) diminuíram a sua frequência cardíaca; quinze minutos depois, em três doentes (30%) não se observaram alterações, seis (60%) mantiveram a diminuição e apenas um doente apresentou um aumento da frequência cardíaca (Figura 2). Figura 2 Resultados da frequência cardíaca – Segunda intervenção Com luvas - Imediatamente após Com luvas - 15 minutos depois 0% 20% SAS Dim 80% 10% Aum 30% SAS Dim 60% Aum Na primeira intervenção dois doentes estavam em ventilação mecânica controlada, razão pela qual foram considerados nulos nos resultados da frequência respiratória. Após a estimulação táctil a maioria dos doentes (70%) apresentou alterações: três (30%) aumentaram e quatro (40%) diminuíram; estas modificações não se mantiveram e quinze minutos depois nove doentes (90%) não apresentavam alterações significativas, apenas em um (10%) se observou diminuição (Fig. 3). Figura 3 Resultados da frequência respiratória – Primeira intervenção Sem luvas - Imediatamente após Sem luvas - 15 minutos depois 30% 30% SAS 10% 0% Dim SAS Aum Dim 40% Aum 90% Na segunda intervenção, nos dois momentos de registo seis doentes (60%) não apresentaram alterações; imediatamente após três doentes (30%) diminuíram a frequência respiratória e um doente (10%) aumentou; quinze minutos depois quatro doentes (40%) apresentaram diminuição (Figura 4). Figura 4 Resultados da frequência respiratória – Segunda intervenção Com luvas - Imediatamente após Com luvas - 15 minutos depois 10% 30% SAS Dim 60% 0% SAS 40% Aum Dim 60% Aum A maioria das alterações observadas na tensão arterial não são passíveis de valorização, pois de acordo com o critério utilizado não são significativas e não seguiram um comportamento padrão. Observou-se, no entanto, uma tendência para a normalização. Nos doentes que apresentavam hipertensão houve uma descida dos valores e nos que apresentavam hipotensão os valores subiram. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Da análise dos resultados há a referir que as maiores alterações apresentadas são na frequência cardíaca, existindo uma tendência para a descida dos seus valores. As alterações mais significativas surgiram durante a segunda intervenção, o que não se poderá relacionar com o uso de luvas, uma vez que aquando da intervenção sem luvas o doente poderia estar ansioso, tendo este facto interferido com os resultados. Durante a realização deste estudo surgiram algumas limitações, que possivelmente condicionaram os resultados, nomeadamente, a condição dos pacientes e interferências no meio impossíveis de anular, relacionadas com a dinâmica inerente a uma UTI. Devido ao reduzido número de doentes que constituíram a amostra, não é possível generalizar os resultados. No entanto permitem uma reflexão sobre o que acontece no indivíduo quando está a ser tratado, para além dos efeitos directos da técnica manual utilizada. CONCLUSÕES Neste trabalho concluiu-se que, na amostra estudada, o toque induziu a alterações dos parâmetros vitais. Os efeitos do toque não podem ser menosprezados. O fisioterapeuta deve ter presente que o modo como utiliza as suas mãos poderá condicionar o êxito do seu desempenho. Independentemente da técnica seleccionada e da sua execução perfeita ou não, quando o fisioterapeuta e o doente estabelecem contacto manual, existem de imediato reacções que interferem certamente com o resultado do tratamento. Sugere-se o desenvolvimento de futuros estudos com uma amostra maior, a eliminação de algumas variáveis e um desenho experimental mais simples. BIBLIOGRAFIA BRONSTEIN, Marilyn. – Healing Hands. The Canadian Nurse. (Janeiro 96). 32-36 KNISLEY, Vivian. – Don´t Dismiss Therapeutic Touch. The Canadian Nurse. (Setembro 96). 5-6 MACKEY, Rochelle. – Discover the Healing Power of Therapeutic Touch. AJN. (Abril 95). 27-32 RIDZON, Patricia. – Take Time to Touch. JONA. Vol 19 (9). (Setembro 89). 3-5 TOUCH RESEARCH INSTITUTE BROCHURE (http://TRI_Brochure.html)